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A masculinidade hegemônica na cultura brasileira

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Academic year: 2018

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A M A S C U L I N I D A D E

H E G E M Ô N I C A

N A C U L T U R A

B R A S I L E I R A

R E S U M OzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Este trabalho, eminentemente teo n co , pretende articular algumas teorizações recentes provenientes da Antropologia Cultural e da Psicologia Social brasileira acerca da masculinidade hegemônica no contexto brasileiro.

Palavras-chave: masculinidade - identidade - gênero.

T H E H E G E M O N I C M A S C U L I N I T Y I N T H E B R A Z I L I A N C U L T U R E

A B S T R A C T

This theo retical article intends to link some recent views from Brazilian Cultural Anthropology and rhose from Social Psychology concerning hegemonic masculinity in Brazilian society.

Key Words: masculinity - identity - gender.onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

. Antropólogo. Mestrando em Psicologia Social - Universidade Federal de Minas Gerais. Email: marleoni@ yahoo.com.br

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I N T R O D U Ç Ã OzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A presente reflexão acerca daís)masculinidade(s)

almeja ser um exercício antropológico de cunho

psi-ológico. Portanto, em momentos mais tenros da

cons-tituição da disciplina antropológica era comum se referir

a uma 'Antropologia Política', da Religião, etc., e nos

parece que há pessoas que ainda insistem em falar de

uma Antropologia do Gênero, da Mulher ou, agora,

do Homem. A Antropologia não deve ser encarada

como um aglomerado de 'gavetas' temáticas que se

recharn em especialidades metodológicas ou teóricas:

o invés disso, defendemos a proposta de uma

rnologia J compromissada.

O presente trabalho se propõe a realizar

ma leitura psicoantropológica acerca dos

te-mas referentes à sexualidade masculina e ao

gê-• ero, instâncias que permitem apreender as

ogicas das organizações humanas, suas

dinâmi-.a de ação, seus meios de expressão e os

relacio-. amentos dos indivíduos entre si. Antes de

aI quer coisa devemos perceber a inviabilidade

e atualmente se produzir uma Antropologia

ide-izada, 'romântica', que se pretende isenta de

uaisquer juízos de valor ou imune às

trajetóri-a de vida dos pesquisadores. Há que se minar

~ se tipo de ilusão, que só contribui para

carica-ru rar e estereotipar a referida Ciência, e inibe os

forços legítimos de sistematização e

sofisrica-câo teórica não só na Antropologia, como nasonmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

i Ciências Humanas.

A sim, tomamos a 'sexualidade' neste texto

b uma ótica mais ampla, sendo que, ao contrário

iihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAs o , ela vinha se constituindo objeto de vários es-orços de rígida sistematização e enquadramento

te-orico. Visualizamos o surgimento e desenvolvimento

deste campo com o advento da 'modernidade'. Esta

nova forma busca compreender as múltiplas

possi-bilidades de representar e viver o sexo encompassadas

egundo 'lógicas' que não são determinadas

exclusi-'amente por traços psíquicos ou biológicos, sendo

que atualmente, nas Ciências Humanas, um

pres-suposto básico é de que as condutas sexuais são

social e culturalmente desenvolvidas e orientadas

(BOZON et al, 1995; GIDDENS, 1993).

En-quanto terreno cultural, a vida sexual e afetiva é

dada em contextos históricos e geográficos

especí-ficos, e está sujeita aos mesmos instrumentos de

análise propostos pelas teorias sociais com

referên-cia aos processos econômicos e políticos, por

exem-plo. Tal postura pode ser, em parte, debirável a uma

perspectiva construtivista na Antropologia atual.

Esta proposição se baliza na contribuição dos

es-tudos de FOUCAULT (1993), entre outras, que

propõem ser o sexo socialmente construído e que

merece ser lido através de causas culturais e

soci-ais. A sexualidade não deve ser tomada p e r s e , mas associada a acontecimentos históricos, materiais e

culturais, que hoje em dia estão orientados por uma

mentalidade 'pós-moderna'.

Em A H i s t ó r i a d a S e xu a l i d a d e 1, Michel

FOUCAULT (1979) toma como objeto de

aná-lise o processo que conduz à constituição daquilo

que ele denomina 'dispositivo da sexualidade',

que em linhas gerais se origina a parrir de um

movimento social de singularização que elege a

sexualidade como eixo estrururado r da pe soa.

Isso acontece com a modernidade, sendo que na

camadas mais 'privilegiadas' tem seu

desenvol-vimento mais expressivo e visível. A

sexualida-de, desta forma, se torna autônoma e se

desenvolve enquanto produto - e produtora

-de transformações no nível sociocultural, com

destaque ao terreno do individualismo em suas

várias facetas: psicológica, jurídica, econômica,

política, etc. A sexualidade hoje, sob a égide do

Indivíduo, tem se tornado o próprio âmbito

pri-vilegiado deste, tornando-se um complexo

ca-paz de sintetizar atributos fundamentais da

identidade pessoal e que por isso mesmo

codifi-ca nossas principais referências sociais. Enfim, a

sexualidade transformou-se em um foco de

pro-dução de significados e verdade para os

indiví-duos na modernidade".

Entendendo aqui 'etnologia' enquanto a análise e compreensão de ma etnografia, que, por sua vez, significa uma coleta de dados descritiva acerca da vida social e cultural de uma cole ividade qualquer. Seu fundamento mor é a comparação e a apreensão de significados (VELHO, Gilberto, 1985).

~ :lar modernidade podemos aplicar a definição de Anthony GIDDENS em The Consequences of Modernity (1990): seria o ~ncípio da sociedade Ocidental pós-século XVIII por excelência, caracterizando-se pelo racionalismo das relações sociais e na produção e pela crescente individualização da pessoa. No aspec o econõmico se caracteriza pela industrialização em --'assa, tendo seu ápice com o capitalismo financeiro.

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P ó s - m o d e r n id a d e e m u lt ip lic id a d e d e

g ê n e r o sonmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ÉzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAinegável o crescimento e, ainda mais, o re-conhecimento da produção científica sobre

gêne-ro no Brasil a partir dos anos 60. Tendo sua gênese nas preocupações feministas em denunciar a opres-são sofrida pelas mulheres, os estudos de gênero questionam, entre outras tantas coisas, a idéia de

'natureza' feminina (e masculina) e reforçam a con-cepção de que as características atribuídas à mu-lher - e ao homem - são, na verdade, socialmente

construídas. Portant~, neste raciocínio

diferencia-se o diferencia-sexo (dimensão biológica dos seres humanos) do gênero (um construto social), sendo um ins-trumento profícuo para mostrar que os

comporta-mentos, sentimentos, desejos e emoções, vistos como parte de uma essência masculina ou femini-na, são produtos de um determinado contexto

his-tórico e/ou geográfico. Mas o que mudou para que estes estudos, antes desprestigiados e considerados pouco científicos pelos acadêmicos mais ortodo-xos, adquirissem legitimidade e visibilidade tão

ampla?

O debate neste campo tem se intensificado e permitido cada vez mais a convivência - nem sempre pacífica, mas bastante enriquecedora - de

múltiplas posições. e inicialmente a preocupação dominante era a de denunciar as discriminações e violências sofridas pelas mulheres e homossexuais,

hoje existem autores que acreditam que as

diferenças entre os sexos estão desaparecendo

(fala-se até de uma androginização do indivíduo pós-moderno) e há também aquelas(es) que apontam as conquistas femininas como as principais

responsáveis por uma suposta 'crise e transformação da masculinidade'. Em suma, a problematização

do conceito de gênero, colocando em xeque sua própria existência, tem tornado a discussão muito

mais complexa e elaborada teoricamente no

presente momento.

Durante décadas os estudos de gênero fo-ram realizados quase que exclusivamente por pes-quisadoras feministas, passando, nos últimos anos, a despertar o interesse de pesquisadores não

mili-tantes assim de antropólogos(as), sociólogos(as), psicólogos(as) e historiadoresías) renomados(as),

como, por exemplo, Pierre Bourdieu, Anthony

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Giddens, Marilena Chauí, Daniel Welzer-Lang,

Chrisropher Lasch. Tal mudança no perfil dos esrudiososías) deste tema pode ser pensada como um reconhecimento da importância do gênero

como 'uma variável cada vez mais explicativa dos

processos sociars. .

A existência de revistas dedicadas a

ques-tões de gênero, centenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado, núcleos e grupos de trabalhos em reuniões científicas, livros,

refle-te o amadurecimento desta linha de estudos den-tro e fora do Brasil. O marco simbólico foi a

publicação do clássico OihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAS e g u n d o S e xo , de Simo-ne de Beauvoir, em 1949.

Por outro lado, estas investigações abriram um espaço de reflexão sobre grupos estigmatizados

socialmente, como prostitutas, homossexuais, travestis e transexuais, assuntos considerados interessantes para um público cada vez maior, sendo que, ao lado dos estudos érnicos, são os

que mais atingem o grande público, ou seja, ambas as temáticas são as que mais atraem a sociedade extra-acadêmica, contribuindo para tornar o

pensar universitário útil de alguma forma. Desta forma, os estudos referentes aos afro-brasileiros

(bem como a outras etnias) e os estudos de gênero

têm tido considerável espaço nos meios de

comunicação de massa.

Em suma, ajudando a entender melhor

de-terminados fenômenos sociais, ampliando seu

le-que de questões, sendo objeto de atenção da mídia, os estudos de gênero passaram a ser

perce-bidos como um produto importante para o mer-cado editorial que tem publicado inúmeros títulos

sobre a temática em questão. Um dos assuntos que mais tem atraído a atenção deste mercado editorial é a chamada 'crise da masculinidade',

merecendo não apenas a publicação de livros

como também artigos em jornais e em revistas de grande circulação.

O s g ê n e r o s d a m a s c u lin id a d e

Embalada pela crítica feminista dos anos 70,

a noção de gênero emerge no cenário acadêmico

balizada na constatação de assimetrias - visíveis pela perspectiva comparativa - no âmbito das

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terminações culturais de 'sexo'. A Antropologia

se apropria imediatamente deste instrumental intelectual, vendo nele promessas de renovação

de sua vocação para a desnaturalização da vida ocia!. Esse conceito então surge como o pilar da

'Antropologia da Mulher', capaz de explicar os atribu tos culturais que orientam as condutas dos

exos em situações sociais. Gênero está, portan-to, desde sua inauguração enquanro espaço de re-Flexão acadêmica, relacionado às disposições

morais socialmente atribuídas em contextos cul-rurais específicos, não redutíveis à base biológica

ornecida pelo sexo.

Observamos que a temática da masculinida-de se apresenta como um campo incipiente dentro

desta área de investigação maior constituída pelo ênero, mas mesmo assim vivencia pontos de efervescência e de passagem obrigatória, mesmo para

aquelesfas) que se debruçam especificamente sobre

o feminino/mulher (ALMEIDA, 1996). O mais

contundente dentre estes ponws fulcrais talvez seja que diz respeito ao seu relacionamento com a já

:nencionada 'Antropologia da Mulher' - produções ue têm como marca a crítica aos essencialismos em

zorno do sexo e que se consolidaram num

mornen-zo no qual as transformações acontecidas no con-texto sociocultural do Ocidente viabilizaram

rásricas posturas políticas encabeçadas pelas m

u-eres. A estas coube uma verdadeira luta,

encarna-a no movimento organizado do feminismo, pela

zonsolidaçâo de direitos econômicos, jurídicos,

se-xuais, emocionais e culturais igualitários frente à di--erenciação nas relações com os homens. Anthony Giddens percebe este momento como marcado pelo

ue ele chama de uma 'transformação da

intimida-e'. Segundo o autor, esta mudança consiste na pas-- gem do 'amor romântico', que em muito tolhia

ânsias femininas em detrimento das demandas os homens, ao ideal do 'relacionamento puro',

o qual ocorre a ampliação das acepções de sexua-idade. A sexualidade, de agora em diante, tende-ria a não estar mais vinculada exclusivamente à

reprodução, seria uma realidade cada vez mais

'e locada da moral coletiva, tendo como foco .manador o Eu, que operou mudanças que

di-em respeito mais que a ambos os sexos, mas à rópria dinâmica da vida social e também às

es-_ uras de gênero (GIDDENS, 1993).

Portanto a categoria gênero emerge no ce-nário acadêmico-científico como sustentáculo des-tas transformações e bastante comprometida com

o movimento político do feminismo. Conforme assinalam as críticas engajadas, este compromisso

por muito tempo custou o ofuscamento dos ho-mens enquanto atores lídimos de roda esta temática

nos estudos antropológicos. OsihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAW o m e n s s t u d i e s , em seu viés militante, relegaram as masculinidades a

um patamar intocável e homogeneizado, a um

s t a t u s de dominante. Como ressalta Miguel V. de

ALMEIDA, a abordagem feminista deste período

"ao tornar o masculino em equivalente implícito do social retirou-lhe autonomia e possibilidade de desconstrução crírica" (ALMEIDA, 1995:129).

David Gilmore também sustenta esta ad-moestação e de maneira ainda mais contundente: "rnuch of the recent cross-cultural research is not

only about women, but by women, and in some sense, for women" (GILMORE, 1990:2).

Parece que o equívoco desta postura inicial, arredia em relação à masculinidade, deveu-se em grande parte ao contexto e às trajetórias de vida

da-quelas antropólogas pioneiras e aos instrumentos teórico-analíticos utilizados. Maria L. Heilborn vê o ideário individualista, pertinente ao contexto cul-tural moderno do Ocidente, como determiname

deste tipo de abordagem, em que a apreciação da problemática feminina através das idéias de 'opres-são' e 'dominação' aconteceria dentro da dinâmica

das esferas da vida social - família, sexualidade, re-produção - cada vez mais autonomizadas. Esta

au-tonomia crescente em relação às instituições redunda no centramento da pessoa na categoria de indiví-duo, no Eu (HEILBORN, 1993).

Em acréscimo podemos pensar que também havia a manipulação de uma idéia estreita da no-ção de poder - e dominano-ção - que, "aplicada a

gê-nero", ocultava a dimensão fundamentalmente relacional desta categoria; gênero e poder eram

concebidos numa lógica fechada, a partir de dicotomias excludentes como dominantes x domi-nados, opressores x oprimidos, homens x

mulhe-res. Tal pensamento é banido com as proposições deslanchadas por Michel FOUCAULT, ao tomar as relações de poder sob um prisma multifacetado

na forma de redes difusas de forças que agem

so-bre as ações sociais (FOUCAULT, 1979).onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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Posteriormente Pierre Bourdieu também re-força tal abordagem, com sua teoria e prática, e

lança luzes neste mesmo sentido ao tratar deihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAA D o m i

-n a ç ã o M a s c u l i -n a , embasada por seus dadosetnograficos

da Argélia. De acordo com Pierre BOUROIEU, as

relações de dominação são inevitáveis na vida s o -cial, fazem parte do processo instaurador que é

ciassificarório por excelência, e que por si só já é

hierárquico. Em suas palavras,

... d a n s lesr a p p o r t s s o c i a u x d e d o m i n a t i o n e t d ' e xp l o i t a t i o n q u i s o n t i n s t i t u é s e n t r e l e s s e xe s , e t d a n s l e s c e r ve a u x, s o u s I a fo r -m e d e s p r i n c i p e s d e d i - vi s i o n q u i c o n d u i s e n t à c l a s s e r t o u t e s l e s c h o s e s d u m o n d e e t t o u t e s l e s p r a t i q u e s s e l o n d e s d i s t i n c t i o n s r é d u c t i b l e s à l ' o p p o s i t i o n e n t r e l e m a s c u l i n e t l e fé m i n i n , l e

s ys t ê m e m yt i c o - r i t u e l e s t c o n t i n ú m e n t c o n fi r m é e t l e g i t i m é p a r l e s p r a t i q u e s m ê m e s q u ' i l d é t e r m i n e e t l é g i t i m e

(BOURDIEU, 1972: 7-8).

Retomando a relação Antropologia da Mu-lher e masculinidade, apontamos que Oavid

Gilmore radicaliza as objeções aos primórdios da literatura feminista, sugerindo que havia uma quase total desconsideração para o projeto de uma incursão invesrigativa pela masculinidade. Seus

ressentimentos se concentram na especificidade desta literatura inicial, que ignorava o fato de que

o masculino também é uma realidade social

consrruída, problemática e relaciona!. Desta for-ma, a masculinidade, para GILMORE (1990), apresenta-se desafiante, tendo em vista os proces-o de sua elaboração e consolidação nas diversas

ociedades por ele arroladas em suas pesq uisas. . 'a ornparaçâo de informações de um

gran-de univer o ernozra ias o autor procurou

res-altar in e corno o -ário tipos de

drarnari i a e o roem o

'er-dadeiro hom n

In-tuito maior foi en o ar - ro - ndas da

masculinidade, arq é '. - a o o m ulina.

Ao acentuar sua per pe -' -a c em rela ão aos

estudos de mulheres, -o iza enralrnenre

as dificuldades impostas ao em sua

socia-lização, que diferem das di - e encontradas

na construção da feminilidade: e ta última

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... r a r e l y i n vo l ve s t e s t s o r p r o o fi o fa c t i o n , o r c o n fr o n t a t i o n s w i t h d a n g e r o u s fl e s ;

u i i n - o r - l o o s e c o n t e s t s d r a m a t i c a l l y p l a ye d o u t o n t h e p u b l i c s t a g e . R a t h e r t h a n , a c r i t i c a l t h r e s h o l d p a s s e d b y t r a u m a t i c t e s t i n g , a n e i t h e r / o r c o n d i t i o n , ft m i n i n i t y i s m o r e o ft e n c o n s t r u e d a s a b i o l o g i c a l g i ve n t h a t i s c u l t u r a l l y r e fi n e d o r

a u g m e n t e d ( G I L M O R E ,1 9 9 0 : 1 2 ) .

Cabe lembrar que GILMORE (1990) assume ser uma tarefa difícil delimitar esta elaboração do 'ser

homem' numa proposta transcultural. Quanto a esta problemática optamos por uma perspectiva mais conjugada, na qual seria impossível supor o apaga-mento das contribuições até agora formuladas pela 'Antropologia da Mulher'. Assim sendo, compreen-demos aquela polarização como uma disputa emi-nentemente política, retrato de um momento de

efervescência do feminino, Porém reconhecemos que hoje, ao invés de promover a dicorornia 'homem x

mulheres', os (as) intelectuais se referem a 'homensonmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA&

mulheres'. Por conseguinte, acatar totalmente a pro-posta de David Gilmore seria incorrer nos moldes do referido maniqueísmo, agora sob o broquel dos m e n s

s t u d i e s . Por outro lado, seu trabalho não deixa de

cha-mar a atenção, já que salienta o fato de também o masculino não é algo dado simplesmente pela reali-dade anatõmica, e sim adquirido em específicos e complexos processos de socialização.

Neste aspecto não seria incorreto afirmar que a masculinidade é algo frágil (ALMEIDA,

1995). Chegando a ilações semelhantes por vias de reflexão distintas, HEILBORN (1993), inqui-rindo-se sobre a proeminência do masculino na cultura Ocidental, também assevera acerca desta fragilidade. Para a autora, o masculino no plano simbólico precisa superar o feminino, que

repre-senta sua condição originariamente submissa,

ten-do em vi ta a relação biogenética entre mãe e filho. Em uas próprias palavras:

... a c u l t u r a r e j e i t a a p o s s i b i l i d a d e d o p a r m ã e j i l h o p o d e r e n g e n d r a r o u t r a g e r a ç ã o . Oi n t e r d i t o d o i n c e s t o a b o m i n a a p r o d u -ç ã o d e u m a i m a g e m a u t o ft c u n d a n t e d a m ã e , o q u e i m p o r t a r i a n e g a r n ã o s ó a t r o -c a , fu n d a m e n t o d o s o c i a l , c o m o a c o n d i -ç ã o d e s u j e i t o d o fi l h o . N a ve r d a d e , i s s o

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s i g n i fi c a d i ze r q u e o m a s c u l i n o c a r e c e a l i j a r - s e d o e n c o m p a s s a m e n t o o r i g i n a l . D o n d e ( ..) a i m p o r t â n c i a ve r i fi c á ve l e m m ú l t i p l a s c u l t u r a s e m fa vo r d o s r i t o s d e i n i c i a ç ã o m a s c u l i n a - m u i t o m a i s e l a b o

-r a d o s q u e o sfe m i n i n o s ...zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA(HEILBORN,

1993: 68).

Tal posicionamento teórico da autora,

ex-cetuando-se o ponto de vista acerca das militan-tes feministas, é bem próximo daquele adotado

por Camile Paglia, que usa os termos 'femealidade'

e 'hombridade', distinguindo-os de

feminilida-de e masculinidafeminilida-de: segundo ela, estes dois

últi-mos terúlti-mos seriam mais abrangentes, construções

culturais referentes a gênero que existem em todas as sociedades, manifestando-se de formas

diferen-tes. Já a femealidade e a hombridade são

constru-ções culturais tipicamente ocidentais. A seguinte

passagem deixa evidente esta aproximação entre as

duas teóricas:onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

c l í m a x d r a m á t i c o o c i d e n t a l fo i p r o -d u zi -d o p e l o agon d a vo n t a d e m a s c u l i -n a . A a ç ã o éa r o t a d e fu g a ( . . .) , m a s t o d a a a ç ã o c o m p l e t a o c í r c u l o e r e t o r n a à s o r i g e n s , o ú t e r o - t ú m u l o ( . . .) . É d i p o , t e n t a n d o e s c a p a r d e s u a m ã e , c o r r e d i -r e t o p a -r a o s b r a ç o s d e l a ( . . .) . P a r a o h o m e m , t o d o a t o s e xu a l é u m r e t o r n o à

m ã e , n o s e xo o h o m e m é c o n s u m i d o e

n o va m e n t e l i b e r a d o p e l o p o d e r ' d e n t a

-d o ' q u e o -d e u à l u z. A femme fatale fo i

p r o d u zi d a n o O c i d e n t e p e l a m í s t i c a d a

l i g a ç ã o e n t r e m ã e e fi l h o (PAGLIA

1992: 23-24).

Assim, o caráter dominante da hombridade (masculinidade ocidental) exige constantes reafirmações

e uma grande disciplina e aurocontrole para a

manu-tenção de um s t a t u s , o que lhe impõe duras provas. Em vista disso sustentamos que são várias as masculi-nidades, e a referida 'hornbridade' é uma delas.

Iden-tificar-se como homem - ou mulher - não é

irnplesmenre função, ou mesmo uma elaboração

complexa de atributos fisiológicos, sendo que todo

esse processo social toma caminhos específicos e

ar-bitrariamente definidos segundo suas próprias

lógi-cas de formação e reprodução. Não considerar isso

seria reduzir um campo fértil de alteridades a uma

massa uniforme de organismos biológicos, postura esta que vem sendo duramente combatida desde o

início pela Antropologia, que condena as

generaliza-ções de largo espectro tanto quanto a idéia de socie-dade global, apoiada na noção de relarivisrno cultural.

Logo, postula a pluralidade das identidades, tanto

masculinas quanto femininas.

Ao tomarmos a masculinidade e a feminili-dade de maneira desnaturalizada e, assim, como metáforas de poder e capacidades de ação acessí-veis a ambos os 'sexos' (ALMEIDA, 1996),

pode-mos vislumbrar múltiplas possibilidades e

combinações de papéis e de identidades de gêne-ro. Os estudos referentes a esta ternática têm,

portanto, que levar em consideração as formas sociais de expressão que autorizam alguém a ser considerado 'homem', e o que cria a

variabilida-de variabilida-destas modalidavariabilida-des nas práticas cotidianas. Retomando o que já fora dito anteriormente,

gênero, de maneira um tanto particular, apresenta a

propriedade de permear todas as outras categorizações de identidade social do sujeito. Significa uma catego-ria social de apreensão do mundo real e assim como

tempo e espaço funciona como um princípio classificatório capaz de conferir significado ao

ensí-vel e, assim sendo, trespassa o outro níveis da iden-tidade: etnia, classe, religião. aixa etária etc.; desta

feita, as propostas de investigação ientí ica que

gi-ram em torno do zênero repre entam um desafio,

por proporem uma incursão nos inrersrícios da mas-culinidade com outras variáveis socioculturais.

Di-zendo de outro modo: ao se buscar compreender como ocorre o processo dinâmico de construção, desconstrução e reconstrução daís) masculinidadeís)

no Ocidente moderno, devemos estar atentos/as para

as interferências e determinações de ordem etária,

étnica, de classe, de grau de escolaridade, orienta-ção sexual, entre outras tantas. Isso equivale a dizer

que são várias as formas de ser homem, de se jogar

com os atributos de gênero que dizem o que é e o que não é 'hombridade'.

T a l ve z p o r i s s o s e j a d i fí c i l e s t u d a r a m a s -c u l i n i d a d e c o m u m p a r a d i g m a e xc l u s i

-vo . E m ú l t i m a i n s t â n c i a t o d a s a s

p e r s p e c t i va s c o n t r i b u e m n u m o u n o u

-t r o a s p e c -t o (ALMEIDA, 1995: 130).

33

(7)

o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBApostulado acima nos faz refletir que a cate-goria gênero, justamente devido a sua ampla área

de abrangência, não opera isoladamente. No nível

da práxis se entrecruza com as demais classificações

culturais de identidade, sendo condicionadora e

condicionada em relação a elas. Este é um fator que

reforça o protótipo teórico de múltiplas

masculini-dades assumindo complexos e diversificados vetores

na interaçâo social concreta - nos embates

cotidia-nos cotidia-nos quals os sUjeitos entram em contato.

As trajetórias de vida funcionam então como

elaborações produtoras do gênero, bem como

atualizam na realidade o sistema abstrato de gênero

vigente na sociedade. A análise de qualquer

masculinidade carece, pois, conjugar estrutura e

prática (ou estrutura e história, global e local, micro

e macro, social e psíquico), articulando o contato

constante entre a lógica cognitiva que orienta a ação

e as práticas contingentes que estão a selecionar,

excluir e reformular aquelas categorias simbólicas

- partes integrantes da lógica geral.

Compreender como acontece, num

con-texto específico, esta coabitação dos esquemas

inconscientes de pensamento - orientados por

um princípio social de divisão que classifica o

real segundo oposições entre masculino e

femi-nino, e as práticas, as situações sociais que, em

sua infinita variabilidade e riqueza, criam

rami-ficações, afirmações e situações de reprodução

das estruturas cognitivas - é o desafio maior de

todos/as aqueles/as que se debruçam sobre este

insólito terreno acadêmico. Salientando este

as-pecto, Marshall Sahlins acredita que háihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

... u m a i n t e r a ç ã o d u a l e n t r e a o r d e m c u l t u r a l e n q u a n t o c o n s t r u i d a n a s o c i -e d a d -e -e -e n q u a n t o vi ve n c i a d a p e l a s p e s -s o a -s : a e s t r u t u r a n a c o n ve n ç ã o e n a a ç ã o , e n q u a n t o u i r t u a l i d a d e e e n q u a n -t o r e a l i d a d e . O s h o m e n s e m s e u s p r o -j e t o s p r á t i c o s e e m s e u s a r r a n j o s s o c i a i s s u b m e t e m a s c a t e g o r i a s c u l t u r a i s a r i s

-c o s e m p i r i -c o s (SAHLINS, 1994: 8).

Isto aponta para uma outra distinção

impor-tante quanto às estratégias de análises e que urge

ser lembrada. Uma coisa seria enfocar a

masculini-dade enquanto lógica cognitiva e classificadora,

tra-tar abstratamente sobre as maneiras arbitrárias

34

comoHGFEDCBAle e m as relações de gênero através

da dere o eras morais que orientam a ação

tendo em vi t a as categorias simbólicas que regem

a construção de te domínio (de uma

masculinida-de geral, sem homens). O que propomos é atentar

às masculinidades concretas - como são vividas no

contextos sociais. Desta forma, o mapa simbólico

que recorra o real, fornecido pela lógica do

siste-ma de gênero, não deve ser compreendido com

um fim em si, como uma 'chave mágica' para a s o -lução de todos os problemas da análise sociocultural.

Logo, na interpretação das categorias simbólica

devem ser somadas as práticas que as dinamizam

(HEILBOR ,1994).

Há que se ter cuidado de não incorrer no erro

de um determinismo das estruturas; olhar para

aqui-lo que é ser homem, portanto, é lobrigar para as

múl-tiplas determinações socioculrurais que são vividas por

pessoas reais. É focalizar as maneiras como se

organi-zam hierarquicamente, atentar às múltiplas

identida-des, às expressões psíquicas e aos sentimentos vividos

na interação cotidiana. Cabe aos antropólogos e aos

psicólogos sociais (em especial) que se debruçam sobre

as masculinidades procurar aqueles critérios segundo os

quais homens concretos são culturalmente

diferencia-dos. Categorias e critérios estes que obviamente não

ema-nam exclusivamente de estruturas inconscientes

a-históricas e imutáveis, e sim de uma realidade mais

dinâmica e inreracional, onde são constantemente

to-mados e retomados, acatados e reavaliados,

empre-gados e abandonados. Em síntese, há que se buscar

a inrer-relação entre estrutura e prática

... a o n í ve l d a n e g o c i a ç ã o c o t i d i a n a , d a s i n t e r a ç õ e s c a r r e g a d a s d e p o d e r , d a s r e j o r m u l a ç õ e s d a s n a r r a t i va s d e vi d a

(ALMEIDA, 1996: 164).

Logo as ignificações do que é ou não é um homem são várias e estão empre sendo negociadas, reforçadas e/

ou questionadas, exigindo por isso reafirmações

ritualizadas e estereotipadas constantemente. São

fluxos sociais inrerativos, em nada estanq ues.

M a s c u lin id a d e e c o r p o r a lid a d e

Até o presente momento deslocamos a

cons-trução da masculinidade de toda relação com uma

base biológica, dos atributos físicos. Entretanto,

(8)

o corpo deve ser considerado nestas formulações. Por isso o consideramos como uma base concreta sobre a qual se investe o social. Admitir esta idéia implica entender o corpo não como um fim, um dado, mas como um meio variável de expressão de caracteres socialmente determinados, meio este que é moldado de diversas maneiras. Nestes ter-mos, diferentemente dos culturalistas radicais, não entendemos o corpo enquanto 'criado', inventa-do pela cultura, mas sim como uma matéria-pri-ma amorfa que as sociedades moldam, formatam, atrofiarn, expandem, cada uma à sua maneira. Conforme sugere Marcel Mauss, devemos ter em mente a idéia de técnicas corporais para bem com-reender este processo social de 'modelagem' do

~orpo. Tais técnicas corporais então seriamihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

... a s m a n e i r a s c o m o o s h o m e n s , s o c i e -d a -d e p o r s o c i e d a d e e d e m a n e i r a t r a d i -c i o n a l , s a b e m s e r vi r - s e d e s e u s c o r p o s (MAUSS, 1974: 211).

Os corpos são produtos de práticas culturais que

onstroern tanto simbolicamente, como foi por nós monstrado nas observações anteriores acerca da

mas-- idade, quanto materialmente - ambos os aspectos

manifestam no corpo transformando 'machos' em

ho-. A partir dos indícios teóricos deixados por David

ore e por MiguelonmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAV.de Almeida, é lícito afirmar que

ornem requer habilidades específicas.O fato de se ser mente reconhecido como homem é sustentado

ba-camente por meio de habilidades discursivas e corporais 'naturais'. este sentido a masculinidade é uma expressão

o discurso e também do discurso enquanto prática,

ma-rerializado (FOUCAULT a p u d ALMEIDA, 1995). E neste 'idioma' da masculinidade o corpo é um elemento expressivode discursividades que se manifestam na rigo-sa disciplina dos gestos, dos modos de falar de se vestir, atitudes frente às situações de inreração social e as

_ oções. Assim, o mundo social trata os corpos como map e n s e -b ê te :

I I y i n s c r i t , s o u s I a fo r m e n o t a m m e n t d e p r i n c i p e s s o c i a u x d e d i vi s i o n q u e l e l a n g a g e o r d i n a i r e c o n d e n s e d a n s d e s c o u p l e s d'opo s i t i o n s , l e s c a t é g o r i e s fo n d a m e n t a l e s d ' u n e vi s i o n d u m o n d e

( o u , s i l ' o n p r é fe r e , d ' u n s ys t ê m e d e u a l e u r s , o u d ' u n s ys t é m e d e p r é fe r e n c e s )

(BOURDIEU, 1972: 11).

Desta maneira, os corpos são alvos de

objetificação destas estruturas marcadas por pa-res de oposições que

... e n fe r m e l e s h o m m e s e t l e sfe m m e s d a n s u n c e r c l e d e m i r o i r s q u i r é fl é c h i s s e n t i n d é fi n i m e n t d e s i m a g e s a n t a g o n i s t e s , m a i s p r o p e s à s e va l i d e r m u t u e l l e m e n t

(BOURDIEU, 1972: 10).

O peculiar destas distinções classificatórias ar-ticuladas e informadas pelas relações de gênero, e que se materializam nos corpos de 'homens' e 'mu-lheres', é a maneira como se espraiam por toda a paisagem social. Sendo categorias de apreensão do real, se difundem e permeiam todas as instâncias,

fazendo com que o terreno social pareça um terreno naturalizado. É a concorrência destas estruturas cognitivas às estruturas objetivas que possibilita a na-turalização das relações hierárquicas instiruintes do plano social. O conceito deh a b i t u s , que retoma a pro-blemática da mediação no debate entre objetivismo e

fenomenologia, parece ser adequado para compreender-mos os corpos socializados. Por conseguinte, este concei-to é delineado como um

... s i s t e m a d e d i s p o s i ç õ e s d u r á ve i s , e s t r u t u r a s e s t r u t u r a d a s p r e d i s p o s t a s a fu n c i o -n a r e m c o m o e s t r u t u r a s e s t r u t u r a -n t e s , i s t o é , c o m o p r i n c í p i o q u e g e r a e e s t r u t u r a a s p r á t i c a s e a s r e p r e s e n t a ç õ e s q u e p o d e m s e r o b j e t i va m e n t e ' r e g u l a m e n t a d a s ' e ' r e g u l a -d a s ' s e m q u e p o r i s s o s e j a m o p r o d u t o d e o b e d i ê n c i a a r e g r a s o b j e t i va m e n t e a d a p -t a d a s a u m fi m , s e m q u e s e t e n h a n e c e s s i -d a -d e -d a p r o j e ç ã o c o n s c i e n t e -d e s t e fi m o u d o d o m í n i o d a s o p e r a ç õ e sp a r a a t i n g i - I o , m a s s e n d o , a o m e s m o t e m p o , c o l e t i va m e n -t e o r q u e s -t r a d a s s e m s e r e m o p r o d u -t o d a a ç ã o o r g a n i za d o r a d e u m m a e s t r o " (BOURDIEU apud ORTIZ, 1986: 15).

Disto decorre que as práticas orientadas pe-las estruturas e relações de gênero - bem como por outros sistemas sociais de classificação e de

poder - vêm reforçar e justificar estas próprias

estruturas que as informam. Desta forma, é cor-reto afirmar que

... é e m t e r m o s d e s t a s d i s t i n ç õ e s q u e o s h o m e n s e m u l h e r e s c o n s t r o e m m a i s e l a

(9)

r a m e n t e s e u s m a i s s i g n i fi c a t i vo s e m a i s

p r o fu n d o s e n t e n d i m e n t o s d e s i p r ó p r i

-o s , t a n t -o c o m o i n d i ví d u o s c o m o m e m

-b r o s d e u m a o r d e m s o c i a l p a r t i c u l a rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(PARKER, 1991: 104).

As próprias marcas corporais que definem homens mulheres, que encontram seu sentido

na lógica binária de classificação, são as mesmas que alimentam a reprodução desta ordenação

sim-bólica entre masculino e feminino. Assim, a

ex-periência corpórea vivida é naturalizada, o que significa dizer que homens e mulheres,

exercen-do seus respectivos papéis sociais, o fazem

'natu-ralmente', segundo lógicas que dizem respeito a

direrrizes socioculturais.onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ através destes corpos

socializados que o passado se reproduz, sendo que tais corpos funcionam como bases existenciais da

culrura (ALMEIDA, 1995). São, porquanto,

ins-trumentos a reforçar desigualdades entre homens

e mulheres, e transpondo estas diferenças para um plano onrológico, tornam-se a essência e a

justi-ficativa desta assimetria. Sendo assim, a

domina-ção masculina se faz e se perpetua nestes termos. ão necessita de uma explicação para, frente à

'óbvia' inferioridade feminina, se afirmar.

A assirnerria fundamental se expressa então

na 'técnicas corporais', reproduzindo-se no espaço e no tempo. Quanto a isso, nota-se delinear em

re-lação ao sistema de gênero duas dimensões que lhe são co nstirutivas: como já foi tratado, tem-se gêne-ro com uma 'carrilha' social, um princípio de

classi-ficação ordenador do real, idéia abstrata, sem homens ou mulheres, e por outro lado, gênero como um produto da pessoa, conecrando a dimensão sim-bólica à sua conrrapartida material, à corporalidade,

noção ligada ao terreno confuso e sujeito a riscos da vida 'mais real, como defende 'lar hall SAHLI S (1994). Gênero e, por con ezuinre. a dominação masculina ancoram- e tanto na

dimen-são simbólica, quanto na imagem da pe oa. on-dição concreta de expressão desta lógica.

Masculinidade(s) brasileira(s)

Várias clivagens podem ser percebidas

nes-te nes-terreno da masculinidade, ainda que sejam mais

infreqüentes do que aquelas que acontecem no âmbito da feminilidade, sendo que um dos

moti-vos para isso é que o masculino está mais imbuí-do de valor social positivo, desta forma há uma maior relutância na sua tran formação e uma maior articulação homogeneizadora em torno dos

seus vários atributos.

Mesmo que isso ainda não ocorra tão am-plamente, a mídia noticia casos de homens que cuidam dos filhos sozinhos, casais gays alugando barrigas para realizar o desejo de ser pai, homens

que brigam na justiça pela guarda dos filhos e até a possibilidade de homens virem a engravidar em um futuro próximo. Além disso, um direito que era negado ao homem, o de ser afetivo a acompa-nhar o crescimento de seus filhos (mesmo direito que era negado aos seus filhos, obrigados a verem

no pai uma figura violenta ou ausente), agora não só é permitido como estimulado.

Roberro Da Marta frisa a importância da relação entre casa e rua na organização do uni-verso simbólico brasileiro (DA MATTA, 1985), articulação teórica que é de suma importância para entendermos a masculinidade e a femini-lidade no referido contexto. Sua argumentação flui pela demarcação de um 'espaço moral'

tra-çado pela oposição entre as categorias de casa e

rua ': assim,

Q u a n d o ( ...) d i g o q u e ' c a s a ' e r u a s a o

c a t e g o r i a s s o c i o l ó g i c a s p a r a o s b r a s i l e i

-r o s e s t o u a fi r m a n d o q u e , e n t r e n ó s , e s

-t a s p a l a vr a s n ã o d e s i g n a m s i m p l e s m e n t e e s p a ç o s g e o g r á fi c o s o u c o i s a s fí s i c a s

c o m e n s u r d u e i s , m a s a c i m a d e t u d o e n

-t i d a d e s m o r a i s , e s fe r a s d e a ç ã o s o c i a l , p r o ví n c i a s é t i c a s d o t a d a s d e p o s i t i vi d a d e

( . .) c a p a ze s d e d e s p e r t a r e m o ç õ e s , r e a

-õ e s , l e i s ... (198 5: 12) .

3DA MATTA (1997). ao lembrar de alguns fatos marcantes de sua lntãncra e a e ena cidade do interior de Minas. nos deixa importantes indícios para se compreender a estrutura simbólica da mascul rudade. U dos signos é a obsessão dos meninos com o tamanho do pênis já que "ter o pênis grande era sinal de orgulho e marca de asc ínidade" (p. 41). Obsessão esta que gerava concursos para medir o tamanho do pênis. Ainda segundo o autor: "Diz-se no Bras que, numa situação de confronto, um homem vai decidir tudo 'mostrando o pau', isto é, apresentando o seu falo para os ou ros homens implicados no conflito. Do mesmo modo ele lembra que 'dar porrada', 'meter o pau' em alguém denotam agressão e ou depreciação de outra pessoa.

36

(10)

Esta dicotornia estabelece uma lógica ordenadora real que o divide em público e privado, sendo que

Brasil são âmbitos que não devem se misturar, e da, o privado é 'confundido' com doméstico. Este cimo espaço, privado/doméstico, é a esfera da ordem

icional fundada na assirnetria articulada pela

ideo-~la patriarcal. Ao homem cabe prover econornica-nre este âmbito, local de retiro e paz, de

oalizaçâo", informalidade, orquestrado pela her. A calma e o ritmo feminino da casa têm como

tO a impessoal idade e o dinamismo da rua, este

. círculo dominado por homens.onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉpreciso ser forte melhor que o resto' para se sair bem neste

arnbien-ostil e competitivo, onde apenas os verdadeiros • igos têm 'vez', daí a importância dada pelos

ho-ens à camaradagem e às fraternidades - oficiais, _ mo o exército ou a maçonaria, ou informais, como torcidas organizadas de futebol. Tal como aponta irado popular, neste âmbito vigora, especialmente - ociedades 'mediterrânicas', a seguinte

menrali-de: "aos amigos tudo, aos inimigos a lei".

. lídia: o masculino em questão

De acordo com a mídia de grande circulação no . as mudanças na casa e na família brasileira, como menro da participação da mulher na divisão de nsabilidades e a crescente ausência do homem têm

do confusões prejudiciais às crianças. Entre as con-.ências está a delinqüência juvenil. Uma matéria

re este assunto estava na primeira página daihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAF o lh a

- io P a u lo de um domingo (1/11/98): Au s ê n c ia d o

-I C r ia C o n fo s ã o n o s F ilh o s . Desta forma, as

rnudan-no comportamento da mulher estariam a nublar' _ a tumultuar a demarcação entre público e privado.

OCa)leitorta) do referido artigo rapidamente nclui que a 'culpa' é das mulheres que trabalham

ra e que criaram uma confusão no homem e na ília e, portanto, incentivaram a delinqüência ju-nil. Esta matéria recente repete e reforça,

explici-mente, os mesmos argumentos dos que eram nrra o voto feminino e o trabalho da mulher fora

lar há quase um século. O Código Civil Brasilei-de 1917, reservava à mulher casada um estatuto

roral submissão à autoridade do marido, o que a dia de ter conta bancária em seu próprio nome er qualquer vínculo de emprego sem

autoriza-ção do marido. O direito ao voto feminino no Bra-sil, conquistado em 1932, teve opositores ferrenhos que diziam que a 'única missão da mulher deveria

consistir em ser o anjo tutelar da família'. É interes-sante olhar estas matérias buscando encontrar o 'bode expiarório' do momento para as 'angústias'

masculinas: de forma nada sutil, o trabalho femini-no e o aumento do poder da mulher no seio famili-ar são apontados como os responsáveis pela ausência cada vez maior do homem em casa, assim como pelo

enfraquecimento de sua imagem (leia-se poder)

di-ante dos filhos.

Em suma, o homem moderno, segundo os

meios de comunicação, não apenas está em crise, mas também está sendo ameaçado deextinçâo, E a mulher pode ser apontada como uma das principais causadoras do desaparecimento da 'espécie'. Os textos, de diferentes formas, assinalam que a crise de identidade que os homens atravessam foi, em grande parte, provocada pela mudança no papel das mulheres.

É interessante analisar tais tipos de matérias, bem como muitas revistas femininas que repetem, exaustivamente: 'o homem tem medo de mulher

independente', 'o homem se sente ameaçado com as conquistas femininas', 'o homem está inseguro e frágil

porq ue perdeu sua iden ridade'. Estas falas e discursos consolidam a idéia de que a mulher independente representa um perigo para a masculinidade e é dererrninante da crise que tanto o homem quanto a

família tradicional atravessam. Esta mulher, ao contrário de er percebida como uma parceira, uma companheira que pode tirar de seus ombros uma série de obrigações que lhe eram exclusivas, é vista como uma rival, disputando seu poder, seu emprego, pri -ile ios e uas regalias: uma inimiga, uma rival a

er -encida.

Corroborando a precedente análise, temos o

es-rudo sobre as mulheres que são amantes de homens casados, As O u tr a s . Naquela ocasião Míriam GOLDENBERG (1997) ouviu o outro lado, o mas-culino. Isso porque é mais comum mulheres estuda-rem mulheres, homens heterossexuais estudarem homens heterossexuais, gays estudarem gays, fato que, além de causar um certo estigma ao pesquisador que

'não' investiga o grupo a que pertence (seela estuda a outra é porque deve ser a outra ...'), produz uma

com-preensão limitada dos papéis desempenhados por ho-mens e mulheres na cultura brasileira. Então, saindo

37

(11)

deste lugar-comum com esta pesquisa, realizada com homens universitários de idades entre 30 e 50 anos, moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro, a autora

percebeu que muitos estereótipos a acompanhavam. Quanto a isso, procurou rrilhar o pensamento de

Michel Foucault:ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

E xi s t e m m o m e n t o s n a vi d a o n d e a q u e s t ã o d e s a b e r s e s e p o d e p e m a r d i ft r e n t e m e n t e d o q u e s e p e n s a , e p e r c e b e r d i fe r e n t e m e n t e d o q u e s e vê , é i n d i s p e m á ve l p a r a c o n t i n u a r a

o l h a r o u a r e fl e t i r (FOUCAULT apud

GOLDE BERG, 1997: 189).

Portanto, não permaneceu ouvindo apenas as mulheres. o tou que precisava aprender um pouco mais sobre os homens. E neste sentido, um dos aspecws que mais chamou a atenção da autora foi o faw de que todos os homens entrevistados se perceberem como fora do modelo de masculini-dade. Com relação ao número de parceiras

sexu-ais, alguns tiveram apenas uma, enquanw outros afirmaram que tiveram mais de cem. Todos, no en-tanto, acreditavam estarem 'fugindo' da regra, afir-mando que seus amigos 'transararn' com muito mais mulheres. Também aqueles que nunca tive-ram relacionamentos extraconjugais acreditavam que eram exceção, julgando que seus amigos tive-ram vários casos e aventuras mesmo amando as

es-posas. Em vários momentos da pesquisa os

nrrevistados demonsrraram o medo de serem acu-sados de 'vi ad o s' ou 'afeminados' por não corres ponderem ao modelo (ideal) de virilidade do brasileiro, ao mesmo tempo em que, paradoxal-mente, acusavam os homens com tal performance de 'rnachistas' e 'galinhas'.

Cabe aqui mencionar outro conceito essencial para se entender a masculinidade: é a noção de 'hegemonia' que deriva das formulações de GRAMSCI

(apud VELHO, 1986) sobre a política nas relações en-tre as classes sociais. Em consonância com tal conceito está a idealização de 'um' masculino geral, manifesta pelos entrevistados da autora:

... a n o ç ã o g r a m i s c i a n a d e h e g e m o n i a t e m s i d o p a r t i c u l a r m e n t e i m p o r t a n t e p a r a c h a m a r a a t e n ç ã o p a r a o s a s p e c t o s

i d e o l ó g i c o s d a d o m i n a ç ã o e m c o n t r a s t e c o m a vi s ã o r e i fi c a d a d o p u r o d o m í n i o

d a fo r ç a (VELHO, 1986: 134).

38

Um dos elementos consrituidores da

masculini-dade hegemônica ocidental, e mais especificamente da

hombridade mediterrânea, é o comportamento 'juânico': João Silvério Trevisan (1998) explica o

don-juanismo como uma busca obcecada e insatisfatória

de novas aventuras, que gera a 'infidelidade típica do macho' ocidental e mais especificamente do homem

latino, estereótipo tão disseminado que, em muitas culturas, acabou se tornando evidência de virilidade. I to posto, entendemos que o conceito de

'masculi-nidade hegemônica' aponta para valores e conjuntos

de significados que ordenam a apreensão do mundo segundo uma lógica de divisão e distribuição

desi-gual de poder enrre os gêneros. A masculinidade hegemônica subentende outras masculinidades sub-metidas a ela numa relação de subordinação, sendo

esta assimetria consensualmente vivenciada pelos su-jeitos sociais, onde os dominados (estas outras manei-ras de ser masculino e todos os 'femininos') participam

de sua própria dominação na medida em que defendem

(verbal e cornportamentalmenre) a legitimidade de ape-nas uma masculinidade.

Assim sendo, esta masculinidade hegemônica reproduz para o interior da 'masculinidade' (conceito

generalizante) as relações hierárquicas de dominação que estruturam a idéia de gênero na interaçâo entre masculinidade/s dominante/s e feminilidade/s

subal-terna/s. Há, deste modo, masculinidades múltiplas e,

assim, há um grande abismo entre a proposta hegemônica e as possibilidades de atualizações

concre-tas deste modelo.onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

°

conceito hegemônico é uma res-posta cultural acabada, completa e inatingível, que

jamais é encontrada numa pessoa integral e concreta-mente. Como define Miguel V de Almeida:

A m a s c u l i n i d a d e h e g e m ô n i c a éu m m o d e l o c u l t u r a l i d e a l q u e , n ã o s e n d o a t i n g í ve l - n a p r á t i c a e d e fo r m a c o n s i s t e n t e e i n a l t e r a d a - p o r n e n h u m h o m e m , e xe r c e s o b r e t o d o s o s h o m e n s e s o b r e a s m u l h e r e s , u m e fe i t o

c o n t r o l a d o r ( AL M E I D A, 1996: 163).

Assim, surgem algumas dificuldades na vida dos homens, pois a sua experiência social é justamente o diá-logo porve ze s difícil entre a complexidade polimorfa dos

seus sentimentos e comportamentos e o maniqueísmo

dos padrões (ALMEIDA, 1995). São oprimidos pela sua dominação, o que não deixa de ser preferível,

(12)

do em vista o que ocorre com as mulheres, que são subjugadas por um modelo que a princípio não é o

eu. Necessitamos pesar também queihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

... p a r a o s h o m e n s é m a i s d i fí c i l i n ve n -t a r e m o u t r a s fo r m a s i d e n t i t á r i a s , p o i s , s e g u i n d o o p e n s a m e n t o d i c o t ô m i c o , a a l -t e r n a -t i va q u e r e s t a éa i n fe r i o r , fe m i n i -n a (ALMEIDA, 1995: 247).

Nestes termos, e da mesma forma como tarn-ém foi apresentada anteriormente enquanto uma nstância lógica da ordenação das interações de gêne-ro, visualizamos uma masculinidade que é instável.

Carece, pois, de sustentação contínua, de constantes e reperitivos mecanismos de reafirmação, ritos reiterativos que são os responsáveis pelo caráter nota-.elmente performático e ritualizado, algumas vezes

eirando a esrereoripia, das relações entre os homens. Aqui merece ser introduzido o conceito de

esmapeamento proposto por FIGUEIRA (1985), ex-emarnente útil para analisar a presença de ideais apa-renremenre contraditórios no masculino atualmente:

nostalgia da segurança advinda da posição superior e d.!orização de um relacionamento sem vínculos obri-_ órios e sem o desgaste do cotidiano podem, contra-_'oriamente, conviver na mesma pessoa. De acordo _ m o autor, as mudanças sociais são rápidas e

'visf-" não sendo acompanhadas no mesmo ritmo e in-en idade pelas subjetividades individuais, que

orporaram práxis 'modernas' sem eliminar e t h o s 'tra-ionais', que permanecem invisivelmente atuantes

entro dos sujeitos. Esse descompasso entre aspectos iveis e invisíveis das relações de gênero leva à

coexis-ncia de mapas, ideais e normas contraditórias que

iuiras vezes é insuportável. A convivência do ideal

oleto', que permanece ativo e poderoso num inconsciente, com um ideal 'de vanguarda' no

pla-consciente gera este desmapeamento. Apesar desta igüidade, motivo de desorientação e sofrimento

uico, a sociedade reforça ilusoriamente a idéia de as pessoas são livres para optar, escolher e

cons-r eus estilos de vida e relacionamentos.

Se, de um lado, percebemos que continua a

exis-ruma esrigmatização daqueles que são percebidos como

desvio do modelo dominante, como os hornosse-ais (sobretudo os de orientação sexual passiva e/ou

êminados), de outro, inicia-se um reconhecimento, e te mesmo valorização, destes comportamentos

social-mente desviantes. Podemos sentir, facilsocial-mente, uma o s

-cilação entre um modelo tradicional de gênero e, ao

mesmo tempo, o desejo de inventar e questionar os com-portamentos e papéis sexuais existentes. Conseqüente-mente, cada indivíduo pode sofrer na pele o dilema de

mudar ou permanecer, confuso entre o medo de ser di-ferente dos demais e a liberdade de poder ser tudo o que deseja. Esta ambigüidade se reflete na mídia e se traduz em muitas dificuldades que heterossexuais, homossexu-ais e bissexuhomossexu-ais devem enfrentar em seu cotidiano.

Desta maneira, o homem dos anos 90 e do

século XXI parece ocupar o espaço de reflexão que teve a mulher nos anos 60 e 70, tanto no mundo

acadêmico quanto fora dele. Os debates nos progra-mas de televisão são outro reflexo desta mudança de

enfoque. Na verdade, continua a preocupação com os mesmos temas - tais como a distribuição desigual

de poder,· mas que a cada momento ganham uma nova roupagem. É interessante observar como estas preocupações, antes restritas a grupos de elite,

expan-diram-se para todos os setores sociais, ainda que com

forças diferentes.HGFEDCBA

C O N C L U S Ã O

Tendo em vista esta situação, não é de estranhar a

matéria publicada no O G l o b o(31/1/1999) que anuncia o verão de 1999 como sendo O Ve r ã o e l o s'Espadas'. A matéria afirma que 'espada' é a nova gíria do Rio de

Janei-ro e que veicula a idéia de masculinidade nos anos 90.onmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ

um termo recuperado dos círculos dosp l a yh o yselegantes dos anos 50, e e fundamenta num ícone guerreiro

euro-peu. A gíria espada, para o psicólogo Sócrares Nolasco, lembra os heróis medievais e está sendo usada pela nova geração como uma tentativa de revalorizar a

vi-rilidade, em um momento em que a figura do ma-cho está tão desgastada.

O h o m e m h e t e r o s s e xu a l b r a n c o e s t á i n t i m i d a d o . H o u ve u m a a t u a l i za ç ã o d a i m a -g e m s o c i a l d a m u l h e r , d o n e g r o , d o h o m o s s e xu a L . O h o m e m c o n t i n u o u c o m o e r a . N e s t a n o va o r d e m d o m u n d o , e l e vi -r o u o o p -r e s s o -r ,o p o l i t i c a m e n t e i n c o r r e t o . A e s p a d a éu m a r e p r e s e n t a ç ã o d o g u e r r e i r o ,é

vi r i l , r e s g a t aa fo r ç a e ostatus (NOLASCO, 1995: 74).

(13)

Alguns homens, no entanto, parecem não que-rer ser 'espada' e optam por descobrir novas possibili-dades de 'ser homem'. São pessoas que reconhecem e

contribuem para as mudanças que o comportamento

masculino vem sofrendo. Para João S. TREVISANonmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(1997), muitas dessas mudanças podem ser vistas como

produto dos espaços conquistados pelos homossexuais masculinos que então se abriram para os heterossexuais, tais como a utilização de roupas mais descontraídas,

ca-belos compridos ou pintados, brincos, cuidados com a aparência e o corpo e, até mesmo a possibilidade de fa-zer cirurgia plástica por razões puramente estéticas.

âo é à toa então que artigos de jornais e de

revistas, assim como seriadosihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA( W ill

6-

G r a c e )e filmes americanos ( A R a zã o d o Meu Afe to ) , mostram que o

gay passou também a ser objeto de desejo de algumas mulheres, aquelas que também fogem dos estereóti-pos. Um exemplo disso é a declaração, hoje clássica,

da p o p s t a r Madonna à revista gay norte-americana

Ad vo c a te (1990). Segundo a controvertida atriz e

can-tora, 'todo homem deveria sentir a língua de outro

homem na boca pelo menos uma vez'. Tudo isso de

um modo ou de outro (pois até mesmo o fato de se condenar declarações como estas faz com que se

pen-se sobre elas), favorece o desmapeamento anterior-mente citado.

Considerando, tal como postula KIMMEL

(1998), que tanto a masculinidade hegemônica

quan-to a feminilidade ideal produzidas pela sociedade pa-triarcal são 'imperceptíveis' àqueles que tentam obtê-Ia

como ideais de gênero, pode-se dizer que o que vem

ocorrendo atualmente é uma maior consciência crítica das experiências e visões de mundo consideradas

espe-cíficas de homens e mulheres. Papéis considerados

como masculinos, como, por exemplo, o homem pro-vedor, chefe de família, e aqueles tidos como

exclusi-vamente feminino orno a posa, mãe exemplar,

dona de casa - o n o r a u..a o poroutro

atri-butos como homem e I "ai o o e ernorivo e

mulher forte, empreen ora coraio Este jogo per-mite observar, nitidamente a oexis ência de

mode-los tradicionais de ser homem mulher e novas representações sobre o mas ino e sobre o

femini-no, traduzindo-se em múltiplo padrões ornpetin-do e convivenornpetin-do com os padrõ tradicionais.

o que se refere à sexualidade é po ível encon-trar artigos de jornais e revistas com entrevistados

acre-40

ditando que o futuro aponta para o predomínio das relações bissexuais, quando o sexo biológico terá

me-nos importância do que a pessoa pela qual se está apai-xonado e/ou desejando. Elisabeth BADINTER (1986)

já discutiu esta possibilidade em U m É o O u t r o , bem como Camille PAGLIA (1996) em Va m p s

6-

Va d ia s .

Para a socióloga francesa, homens e mulheres estariam cada vez mais próximos e indiferenciados, sem traços culturais marcados como exclusivamente femininos ou masculinos.

Os estereótipos do homem 'viril' e varonil e da

mulher feminina e delicada estariam, nesta perspectiva, sendo pulverizados. Não existirá mais um modelo

obri-gatório e rígido, mas uma infinidade de modelos

possí-veis. Curiosamente, é esta liberdade para escolher entre uma rnultiplicidade de comportamentos e de

identida-des, e a conseqüente responsabilidade que ela acarreta, que parece estar assustando homens e mulheres. Eles e elas demonstram ter medo de perder as regras e

classifica-ções cerceadoras (porém seguras) que tornavam relati-vamente previsível saber como se comportar, o que

desejar e que papéis cumprir. Hoje, tanto as opções

afetivo-sexuais. quanto as profissionais estão cada vez mais infinitas e flexíveis, e as escolhas podem provocar

verdadeiro pânico do desconhecido.

Em epítome, o que demonstra a profusão destas

modificações é que aquilo que era visto como um tema periférico nas Ciências Humanas e Sociais hoje é esti-mulado por financiamentos e concursos, criando um

can1pOfértil de estudos. Talvez isso signifique que a

mas-culinidade, ao contrário de estar em crise, se tornou uma

questão a ser pensada e debatida. Algo que era entendido como natural, o poder do 'macho', passou a ser

questio-nado, objeto de crítica, ou melhor, problematizado por

homens e mulheres. Até recentemente, como lembra João .TREVI (I998), homens heterossexuais não se

jul-gavam passíveis de discussão acadêmica ou mesmo no senso comum. Hoje tende-se, ainda que lentamente,

para uma não existência de um único modelo como

única referência de masculinidade para todos. O 'rnachisra' é, agora, alvo de risos e críticas.HGFEDCBA

B I B L I O G R A F I A

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Referências

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