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EDUCAÇÃO DO CAMPO E GÊNERO: A LUTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS 1

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Kátila Thaiana Stefanes2 Resumo: Para entender como se dá a discussão do Gênero dentro da Educação do Campo, é necessário saber como os movimentos sociais do campo, principalmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), abordam esse tema. As questões de gênero nesses movimentos surgiram basicamente, em torno das discussões do patriarcado; do modelo familiar com o patriarca; da necessidade de organização das mulheres para buscar seus direitos; e, na atualidade, pautam-se também, na problematização das relações de gênero e sexualidade na sociedade contemporânea, juntamente com a agroecologia, e o feminismo camponês e popular. Historicamente as mulheres do campo são invisibilizadas, não reconhecidas como trabalhadoras, e tinham o acesso à terra e a seus direitos negados; até 1980 as mulheres não eram consideradas agricultoras, apenas “esposas de agricultores”, o que mais tarde, se torna uma das pautas de luta: ter acesso à terra e serem donas dela. As mulheres participam de movimentos sociais desde as suas origens, dos sindicados rurais desde 1980, do MST, que cria em 1996 o Coletivo Nacional de Mulheres, e também de organizações autônomas, como o Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA), que também surgiu em 1980 e, que passa a denominar-se Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) no ano de 2004, em razão de sua ligação com a Via Campesina. A organização das mulheres se faz muito forte dentro dos movimentos sociais, buscando a igualdade na posse de terras, a valorização de seu trabalho tido como “leve”, a superação do sistema capitalista e a soberania e segurança alimentar. Analisando o reflexo dessas lutas, a Educação do Campo se constitui a partir das demandas dos movimentos sociais do campo, prezando uma educação de qualidade.

Palavras-chave: Educação do Campo. Movimentos Sociais do Campo. Relações Sociais de Gênero.

Feminismo Camponês e Popular.

Introdução

Para abordar as questões de gênero na Educação do Campo, é importante entender como essas discussões vêm sendo construídas pelos movimentos sociais do campo. É da prática histórica e social desses movimentos camponeses na luta por direitos, que se constitui um movimento educacional.

Sabe-se que os estudos/discussões de gênero dentro dos movimentos sociais do campo surgiram em torno do patriarcado3; do modelo familiar; da necessidade de organização das mulheres;

e, na atualidade, pautam-se também na problematização das relações de gênero e sexualidade na sociedade contemporânea. Outra pauta importante nos movimentos autônomos do campo,

1 Este artigo é derivado de um subitem do capítulo de trabalho de conclusão de curso da autora.

2Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Educação do Campo com ênfase em Ciências da Natureza e Matemática - licenciatura, pela UFSC, Santa Catarina/Brasil. E-mail de contato: katilastefanes23@gmail.com.

3 De maneira simplificada, para Saffioti (2015), o patriarcado é o nome da total dominação masculina sobre a mulher, uma forma de expressão de poder político do primeiro sobre a segunda. Reforçando, “[...] é o regime da dominação- exploração das mulheres pelos homens. (SAFFIOTI, 2015. p. 47).

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atualmente, é a agroecologia, e a proteção do meio ambiente, lutando contra o uso de agrotóxicos e prezando a recuperação e manutenção das sementes crioulas.

[...] a recuperação não somente de variedades de alimentos como também de algumas tradições que foram se perdendo com a modernização da agricultura. Quando se referem a recuperar práticas antigas, deixam claro que querem recuperar o que era bom no passado, e não o que era ruim como, por exemplo, o patriarcado (PAULILO, 2016. p. 380).

Ao se pensar em gênero, temos autoras como Furlani (2011), Saffioti (2015) e Leite (2011), que o descrevem como uma construção social/cultural acerca do ser homem e ser mulher, e que não está diretamente ligada às suas funções anatômicas do corpo.

Nas palavras de Leite (2011) “[...] o conceito de gênero é uma construção que se dá nas relações sociais e seu significado está para além das diferenças biológicas entre os sexos” (p. 16).

Apesar de já haver estudos que mostram como pesquisas cientificas corroboram com a disseminação de ideias que inferiorizam as mulheres, baseados em seus corpos e características biológicas, como nos apresenta Nucci (2019) uma neurocientista feminista.

Ao olhar para a mulher do campo, que não são apenas as trabalhadoras rurais, também quilombolas, indígenas, das águas e das florestas, vemos o quanto se “[...] intersecciona gênero, raça, etnia, classe, sexo” (MARQUES, 2017. p. 77), já que enfrentam problemas estruturais que vão além do seu sexo, e estão ligadas as questões de classe, o preconceito para com o campo e dependendo a região também se deparam com o racismo.

É válido salientar que, assim como na sociedade em geral, as mulheres do campo enfrentam grande resistência para poderem apresentar as suas pautas de reivindicações. Historicamente estas foram invisibilizadas, não reconhecidas como trabalhadoras e, tiveram acesso à terra e aos seus direitos como sujeitos políticos negados.

Temos o ideário da família patriarcal e monogâmica, e o papel de invisibilização de mulheres e crianças, que este núcleo desenvolve. Afinal de contas, “a família, no centro da organização capitalista, é um núcleo básico estrutural para acúmulo de riqueza e manutenção dos valores morais da sociedade” (PEREIRA; ROSENO, 2018. p. 93), na qual a soberania masculina prevalece.

A autora Boni (2017) traz que até meados de 1980 as mulheres camponesas não eram consideradas agricultoras, apenas “esposas de agricultores”. Essa foi uma das pautas de luta delas: ter acesso a terras e serem donas, reivindicando o direito à posse e ao título da terra. Assim presentes na casa, no quintal, na roça e na luta pela terra, as mulheres lutaram pelo direito de ser reconhecidas

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como trabalhadoras. Entre 1985 e 1986, segundo Marques (2017, p. 83) “aparecem publicamente as primeiras reivindicações pressionando o Estado pelo direito da mulher à terra”.

Paulilo (2016) pontua o fato da exclusão feminina do acesso à terra faz com que elas também sejam ignoradas pelas políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, por mais que as leis brasileiras condenem a discriminação por sexo.

O movimento de mulheres tem forte atuação dentro dos movimentos sociais, ao pautar a igualdade de direitos sobre a posse de terra, a valorização de seu trabalho e a superação do sistema capitalista como base a produção de vida.

A partir desse breve relato, apresentarei a organização desses dois movimentos sociais no que diz respeito as mulheres camponesas e suas lutas e as influências para com a Educação do Campo.

Movimentos Sociais do Campo e as lutas das mulheres

Os movimentos Sociais do campo da década de 80, são constituídos, em parte, pelo trabalhado desenvolvido na Comissão Pastoral da Terra (CPT)4 e da Teologia da Libertação como pontua Menezes Neto (2007).

A Teologia da Libertação latino-americana nasceu da proximidade com os pobres e os marginalizados. Como um pensamento primariamente não-acadêmico, orientado mais à prática pastoral e a uma opção existencial do que a questões doutrinárias, esta teologia, e o movimento social-político-eclesial que leva seu nome, supunham uma confrontação pessoal com a pobreza, a injustiça e a marginalização social vividos pelas camadas pobres da população. (MOREIRA, 2012, p. 38).

Em relação ao MST, Medeiros (2020) traz que, sua origem está vinculada ao processo intenso de modernização pelo qual a agricultura brasileira passou na década de 1970, em especial no Sul do país, dificultando cada vez mais a reprodução das unidades familiares de produção. O movimento é fruto de uma questão agrária que é estrutural e histórica no Brasil.

Como o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra é formado por famílias que se inserem na luta pela terra e reforma agrária, Engelmann (2012) traz que, muitas mulheres, assim como os homens, estão presentes desde o início da luta, nos acampamentos, porém, isso não é suficiente para garantir uma participação igualitária entre os sexos na luta e espaços e direções.

4 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) nasceu em junho de 1975, durante o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Goiânia (GO). Mais informações:

<https://www.cptnacional.org.br/quem-somos/-historico>. Acesso em: 14 jan. 2021.

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A partir da luta das mulheres sem-terra por reconhecimento como sujeito político, elas percebem que a participação igualitária das trabalhadoras no MST depende da construção de um debate de gênero. Assim, “em 2000 é criado o Setor de gênero do MST, que inicia um debate com o objetivo de eliminar as práticas cotidianas que reproduzem as diferenças entre os sexos e construir novas relações de gênero”. (ENGELMANN, 2012, p. 7).

A Partir desse Setor de Gênero, surge assim onze linhas políticas traçadas pelo Movimento Sem Terra, seriam esses:

1. Garantir que o cadastro e o documento de concessão de uso da terra sejam em nome do homem e da mulher. 2. Assegurar que os recursos e projetos da organização sejam discutidos por toda a família. 3. Incentivar a efetiva participação das mulheres no planejamento das linhas de produção. 4. Em todas as atividades de formação e capacitação, de todos os setores do MST, assegurar que haja cinquenta por cento de mulheres; 5. Garantir que todos os núcleos de acampamentos e assentamentos tenham um coordenador e uma coordenadora. 6.

Garantir que todas as atividades do MST, tenham ciranda infantil para possibilitar a efetiva participação da família. 7. Assegurar a realização de atividades de formação sobre o tema gênero e classe em todos os setores e instâncias. 8. Garantir a participação das mulheres no setor de frente de massa. 9. Realizar a discussão de cooperação de forma ampla, procurando estimular mecanismos que liberam as mulheres dos trabalhos domésticos. 10. Garantir que as mulheres sejam sócias de cooperativas e associações com igualdade na remuneração das horas trabalhadas, na administração, no planejamento e na discussão política e econômica.

11. Combater todas as formas de violência, particularmente contra as mulheres e crianças que são as maiores vítimas de violência no capitalismo. (MOTA; PAULA, 2012, p. 75-76. Grifos da autora).

Destaco que “a organização das mulheres do MST resultou de um processo riquíssimo de experiências e deixou alguns ensinamentos dos quais as LGBTs se nutriram para começar o seu processo de organização” (MARIANO; PAZ, 2018. p. 309) no campo. Organização que já acumula avanços significativos aos trabalhadores LGBTQI+5 dos Movimentos Sociais, principalmente do MST.

Agora sobre o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), esse é construído em Santa Catarina, na década de 1980 sob a denominação de Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA).

Inicialmente as agricultoras buscavam o reconhecimento da profissão de trabalhadoras rurais/agricultoras e a conquista de direitos sociais.

No começo do movimento, o que atraia as mulheres para o MMA eram as questões trabalhistas, como “[...] serem consideradas produtoras rurais, com direito a assistência em caso de

5 Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Queer, Intersexuais e demais pessoas (assexuais, não binários) inclusive as que se reconhecem parceiras da causa.

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acidente de trabalho; aposentadoria aos 55 anos; salário-maternidade e pensão por morte”

(PAULILO, 2016. p. 253).

A partir de 2004, o MMA passa a denominar-se Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), em razão de sua ligação com a Via Campesina.

O MMC abrange 19 estados brasileiros e “(...) juntamente com Movimento dos Atingidos por Barragens, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e Movimento dos Pequenos Agricultores fazem parte uma articulação internacional dos camponeses chamada de Via Campesina”6 (MARTINS; BRUNETTO, 2014, p. 113).

Para esse Movimento de mulheres, “(...)o gênero se tornou bandeira de luta, contribuindo para a produção de estratégicas que incluíam outras prioridades, não ficando restritas às lutas de classe.

Passaram, portanto a se preocupar com as relações de gênero como algo transformador, juntamente com a luta de classe” (MARTINS; BRUNETTO, 2014, p. 112).

Logo após as conquistas dos direitos trabalhistas, as bandeiras de lutas do se ampliaram, reivindicam com mais adesão das participantes, escolas, transporte escolar, postos de saúde, melhorias educacionais, entre outros.

Outra preocupação das militantes é sua postura ecológica, elas se manifestam contra transgênicos, reflorestamentos de monocultura, agrotóxicos e insumos químicos, por exemplo. As mulheres camponesas, principalmente que integram o MMC, buscam a soberania alimentar, e possuem práticas que lhes garantem o controle de um de seus principais insumos: as sementes crioulas. “Juntamente com a recuperação de sementes, as camponesas resgataram valores e conhecimentos tradicionais para utilizar as ervas medicinais” (PAULILO, 2016. p. 376).

Hoje em dia, tem se trabalhado dentro do movimentos ligados a Via Campesina o Feminismo Camponês e Popular, “o feminismo camponês e popular se manifesta como ação política e ideológica de enfrentamento às desigualdades e opressões vivenciadas pelas mulheres do campo” (SILVA, 2020, p. 4).

Para Silva (2020) o feminismo camponês e popular é um processo construção das mulheres do campo, a partir da compreensão de um feminismo que valorize a produção, a participação e a apresentação das mulheres na vida social. De acordo com Boni (2013), a concretude desse movimento

6 La Via Campesina é uma organização internacional de camponeses composta por movimentos sociais e organizações de todo o mundo. A organização visa articular os processos de mobilização social dos povos do campo em nível internacional.

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se dá através da organização e luta pela identificação das mulheres, através da manutenção da identidade camponesa que é possível a construção da libertação dessas mulheres.

É um feminismo que se constrói a partir do reflexo da realidade das mulheres do campo, pautado na identidade da luta dos seus movimentos sociais. “Esse é um conceito que nasce no seio dos próprios movimentos e que vem sendo forjado, de maneira conjunta, pelas mulheres camponesas do Brasil – e da América Latina” (CHEHAB; CARVALHO, 2020, p. 158).

Analisando o reflexo dessas lutas travadas pelos Movimentos Sociais citados acimas e alguns conceitos defendidos por esses, adentrarei agora na Educação do Campo que se constitui como movimento social a partir das demandas dos Movimentos sociais do Campo, prezando uma educação de qualidade e que expresse o respeito às diferenças, não as tornando desigualdades.

Educação do Campo um Marco necessário

A Educação do Campo, busca uma formação ampla, libertadora e luta pela construção de uma nova sociedade. Para a autora Caldart (2009. p. 39) “a Educação do Campo nasceu como crítica à realidade da educação brasileira, particularmente à situação educacional do povo brasileiro que trabalha e vive no/do campo.” Surgiu portanto, a partir de muita luta dos movimentos sociais do campo e organizações condizentes com suas pautas.

Seguindo o viés de uma educação e sociedade mais justa e igualitária, no primeiro princípio da Educação do Campo: o “Respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia” (BRASIL, 2012. p. 82).

Para Caldart (2012, p. 259) o fato da Educação do Campo ser um conceito em construção,

“sem se descolar do movimento específico da realidade que a produziu, já pode configurar-se como uma categoria de análise da situação ou de práticas e políticas de educação dos trabalhadores do campo, mesmo as que se desenvolvem em outros lugares e com outras denominações”.

A Educação do Campo, como prática social ainda em processo de constituição histórica tem, segundo Caldart (2012), algumas características que podem ser destacadas para identificar, em síntese, sua novidade ou a “consciência de mudança” que seu nome expressa:

Constitui-se, segundo ela, como (I) luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à educação (e não a qualquer educação) feita por eles mesmos e não apenas em seu nome; (II) Assume a dimensão de pressão coletiva por políticas públicas mais abrangentes; (III) Combina luta pela educação com luta pela terra, pela Reforma Agrária, pelo direito ao trabalho, à cultura, à soberania alimentar, ao território. (IV) Defende a especificidade dessa luta e das práticas que ela gera, mas não em caráter particularista; (V) Suas práticas

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7 reconhecem e buscam trabalhar com a riqueza social e humana da diversidade de seus sujeitos; (VI) A Educação do Campo não nasceu como teoria educacional. Suas primeiras questões foram práticas; (VII) A escola tem sido objeto central das lutas e reflexões pedagógicas da Educação do Campo pelo que representa no desafio de formação dos trabalhadores; (VIII) A Educação do Campo, como prática dos movimentos sociais camponeses, busca conjugar a luta pelo acesso à educação pública com a luta contra a tutela política e pedagógica do Estado e; (IX) Os educadores e educadoras são considerados sujeitos fundamentais da formulação pedagógica e das transformações da escola. (CALDART, 2012, p. 263-264. Grifos da autora).

O processo histórico e político pela educação do meio rural ampliou-se, em 1997, com o primeiro Encontro Nacional dos Educadores da Reforma Agrária do MST (I ENERA), realizado em Brasília, no qual foram discutidos problemas da educação dos trabalhadores e trabalhadoras do campo. A partir desse evento, foi lançado o “Manifesto das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária ao Povo Brasileiro”, considerado por Munarim (2008) como a certidão de nascimento da Educação do Campo enquanto movimento.

Em 1998, realizou-se em Goiás, a I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo (CNEC), de onde se produziu um texto reunindo várias posições em relação aos objetivos, ações e políticas públicas para a Educação do Campo como um vetor de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil (CARVALHO; ROBAERT; FREITAS, 2015. p. 4).

A experiência que o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST) adquiriu com as escolas de assentamentos e dos acampamentos, “bem como a própria existência do MST como movimento pela terra e por direitos correlatos, pode ser entendida como um processo histórico mais amplo de onde deriva o nascente Movimento de Educação do Campo” (MUNARIM, 2008, p. 59). Há outros sujeitos coletivos forjados em torno da questão do campo, que constituem, hoje, a dinâmica desse Movimento, pode-se destacar:

(...) o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), sindicatos de trabalhadores rurais e federações estaduais desses sindicados vinculados à Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais – vinculado à CONTAG e que têm sustentado, p.e., a campanha chamada “Marcha das Margaridas” –, a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) e, por fim, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de uma série de organizações de âmbito local. (MUNARIM, 2008, p. 5).

Com o passar do tempo, depois de lutar por uma Educação do Campo de qualidade, houve a necessidade de formar educadoras e educadores que conhecessem a realidade e as demandas desses educandos e educandas, assim como as pautas e bandeiras de luta dessas escolas, e contribuindo dessa forma com o avanço na melhoria das escolas do campo e sua realidade local.

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Pensando nesse contexto, na “II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, realizada em julho de 2004, com mais de mil participantes representando diferentes organizações sociais e também escolas de comunidades camponesas, demarcou a ampliação dos sujeitos dessa luta”

(CALDART, 2012, p. 261). Nessa explicita-se a proposta da construção de uma Licenciatura em Educação do Campo (LEC), que se configurou com base na gestão dos processos educativos e na docência por áreas de conhecimento, como: as linguagens, ciências da natureza e matemática, ciências agrárias e ciências humanas e sociais (CARVALHO; ROBAERT; FREITAS, 2015. p. 4).

Como parte daquela conjuntura, se conquista, a partir da pressão e das demandas apresentadas ao Estado pelo Movimento da Educação do Campo, o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (ProCampo), uma política de formação de educadores.

Segundo Molina (2015, p. 150), a exigência por uma política pública, foi pautada desde a primeira Conferência Nacional por Uma Educação Básica do Campo, realizada em 1998, porém, “vai se consolidar como uma das prioridades requeridas pelo Movimento, ao término da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, realizada em 2004.

A implantação dessa política, destaca Molina (2015, p. 151), que se inicia através de uma experiência piloto, “com a construção de quatro cursos que foram realizados a partir dos convites efetuados pelo Ministério da Educação, a partir de indicações de instituições universitárias pelos movimentos sociais ligados à Educação do Campo (UFMG; UnB; UFBA e UFS)7”.

O jornal Giracampo (2015)8, apresenta que no ano de sua publicação, haviam “37 Instituições Federais de ensino superior que ofertam os cursos de Licenciatura em Educação do Campo, totalizando 41 cursos”.

Em relação ao debate de gênero, essas discussões são mais recentes na licenciatura. “A conquista da universalização da Educação, processo ainda em construção, perpassa e reflete as contradições e desigualdades presentes nas estruturas e na tessitura social” (OLIVEIRA, 2015. p. 04).

Dentre estas desigualdades, destaca-se a preocupação dos educadores e educadoras com a permanente assimetria de gênero, que se (re)produz em diferentes níveis, em todas as classes e lugares e que, historicamente, operou sistemas simbólicos de opressão, violência e exploração, sobretudo, às mulheres. “[...] a Educação do Campo aos poucos vem constituindo um corpo de estudos e pesquisas

7 Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade de Brasília; Universidade Federal da Bahia; e Universidade Federal de Sergipe.

8 O jornal GiraCampo, foi uma iniciativa estudantil, com publicação única no Seminário Nacional por uma Educação do Campo de 2015, realizado em Laranjeiras do Sul - PR, os dados foram fornecidos pela Secadi, por meio de entrevista.

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que relacionam o Gênero à educação e à luta de classes, contudo este processo está em construção e a formação de professores nas licenciaturas carecem de uma formação em gênero e sexualidade”

(CHERFEM, 2017. p. 08).

A educadora Cherfem (2017. p. 6-7), ao fazer um levantamento das discussões que envolviam as temáticas de gênero e Educação do Campo, apontou sete problemáticas, que aparecem nessas pesquisas, seriam essas: (I) Invisibilidade da mulher no campo; (II) Divisão sexual do trabalho no campo e na agricultura familiar; (III) Violência contra a mulher no campo; (IV) Patriarcado e relações de opressão nos movimentos sociais do campo; (V) Juventude, homossexualidade e gênero; (VI) Valorização da participação das mulheres e empoderamento das mulheres do campo; e (VII) Gênero e educação.

As considerações finais buscam amarrar um pouco as relação que se buscava no início do artigo, pontuando possíveis pontos que possam ter impossibilitado a missão.

Considerações finais

Tanto a Educação do Campo quanto o Setor de Gênero, e acrescento o MMC como movimento autônomo de mulheres, possuem a tarefa de conscientizar homens e mulheres na luta pelo respeito mútuo e pela valorização do ser humano.

Ao mostrar que as diferenças entre o masculino e feminino são construções culturais de cada sociedade, o conceito de gênero derruba uma velha compreensão de que homens e mulheres têm funções sociais diferentes já que são, biologicamente ou naturalmente, diferentes.

Como nos traz Paulilo (2016, p. 260) “[...] ao participar de movimentos coletivos feministas ou não, as mulheres tendem a questionar sua posição social subordinada”, e isso acaba acontecendo dentro das Licenciaturas em Educação do Campo e nos movimentos sociais do campo, inclusive através do Feminismo Camponês e Popular.

Nessa revisão bibliográfica, minha pretensão inicial era discutir gênero dentro da Educação do Campo e relacionar com sua origem nos movimentos sociais. É possível detectar, que há uma grande defasagem de materiais que relatem sobre os estudos de gênero dentro das licenciaturas em Educação do Campo, o que dificultou em cumprir meu objetivo.

Faz-se necessário destacar que a Licenciatura em Educação do Campo, de um modo geral, enquanto formação de educadoras e educadores ainda precisa avançar nas questões de gênero e

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educação sexual, para que assim a escola do campo, e/ou as demais escolas que recebem os sujeitos do campo, trabalhem conhecimentos e lutas históricas que giram em torno dessas temáticas.

Cherfem (2017), defende que essas ações e pesquisas têm contribuído diretamente para a ampliação da compreensão da intersecção de classe, gênero e raça na educação do campo, na universidade e na formação de professores e professoras. Portanto, enquanto pesquisadoras da Educação do Campo é importante estarmos olhando para o gênero e sexualidade em interface com o curso.

Uma das opções para acontecer essa reaproximação das discussões de gênero, é reconhecer a existência do Feminismo Camponês e Popular e ir atrás de teóricas do movimentos sociais do campo que discutam gênero.

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Educação do Campo and Gender: The Fight of Social Movements

Abstract: Abstract: To understand how the discussion of Gender takes place within Educação do campo, it is necessary to know how the social movements of the countryside, mainly the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) and the Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), approach this issue. Theme. The gender issues in these movements arose basically, discussions of patriarchy; the family model with the patriarch; the need for women's organization to seek their rights;

and, at present, they are also based on the problematization of gender and sexuality relations in contemporary society, together with agroecology, and peasant and popular feminism. Historically, rural women have been made invisible, not recognized as workers, and had access to land and their rights denied; until 1980 women were not considered to be farmers, only "wives of farmers", which later became one of the guidelines around the struggle: having access to the land and owning it.

Women have participated in social movements since their origins in rural unions since 1980, the MST, which created the National Women's Collective in 1996, and also autonomous organizations, such as the Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA), which also emerged in 1980 and that to be called Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) in 2004, due to its connection with La Via Campesina. The organization of women is very strong within social movements, seeking equality in land ownership, valuing their work as "light", overcoming the capitalist system and sovereignty and food security. Analyzing the reflex of these struggles, Educação do Campo is based on the demands of social movements in the countryside, valuing quality education.

Keywords: Educação do Campo. Social Movements of the Field. Gender Social Relations. Peasant and Popular Feminism.

Referências

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