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A Dor de Viver, a dor da vida... Furtado, Glaucia

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Academic year: 2021

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A Dor de Viver, a dor da vida...

Furtado, Glaucia

INTRODUÇÃO

Freud não chegou a se deter na exploração do campo que hoje é denominado prática psicossomática psicanalítica (isto é, abordagem psicanalítica dos pacientes que sofrem transtornos orgânicos) embora tenha deixado seus alicerces, quando discute o poder de uma doença orgânica dolorosa na distribuição da libido (1920). Para ele, a violência do trauma libera uma quantidade de excitação cujos efeitos são violentamente desorganizadores porque não houve possibilidade de preparação, de antecipação pelo sinal da ansiedade. Mas, já uma ferida orgânica (ou somatização) permite a incorporação do excesso de excitação por meio de uma hipercatexia narcísica do órgão afetado.

A psicossomática era domínio da medicina, até surgir em 1962 a Escola Psicossomática de Paris; fundada por P. Marty e M. Fain, M. M’Uzan, C. David, e tendo como representantes atuais C. Smadja e M. Aisenstein; que desenvolveram uma concepção original da psicossomática a partir da psicanálise.

Marty e seus colaboradores observaram que a pouca expressividade afetiva, a pobreza do fantasiar e uma concretude de pensamento, característica de uma Vida Operatória, estava presente nos pacientes que geralmente desenvolviam quadros de doenças somáticas. Observaram também, o quadro de “Depressão Essencial” que se caracteriza pela inexpressividade psíquica considerada como a “negatividade” dos sintomas depressivos clássicos. Ao invés de tristeza, sofrimento psíquico refere-se a uma fadiga tenaz que se transforma em desinteresse pela vida, mesmo pelas coisas simples do cotidiano. Apresentam também uma tensão constante, que os impede de se tranqüilizar e uma permanente angústia.

Tanto o vazio da vida afetiva quanto a falta de identidade, do “eu”, são suprimidos pelos sintomas psicossomáticos e pela dor. Embora ás custas de sofrimento, dessa maneira, o psiquismo do sujeito “percebe-se” como corpo e, portanto, como identidade.

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A Fibromialgia é uma manifestação psicossomática que se caracteriza pela ocorrência de dor musculoesquelético generalizada, com ausência de processos inflamatórios articulares ou musculares. Os sintomas característicos mais comuns são: dores musculares generalizadas, dismenoréia, rigidez. È comum os portadores de SFM também apresentarem um quadro depressivo, mais especificamente melancólico.

Freud (Rascunho G- 1895) já fizera uma explicita observação sobre a Melancolia, a qual considerou um agravamento de uma das Neuroses Atuais, a Neurastenia, que surgia em típica combinação com a Ansiedade Crônica. Freud descreveu Dois Quadros de Melancolia: um em 1895, configurando um estado depressivo devido á perda de energia ocasionada por um furo na Barreira de Contato, portanto não relacionado á perda de um objeto, e, consequentemente, Sem Tristeza; e outro em 1917, configurando um quadro relacionado com a Perda de objeto e, consequentemente, Com Tristeza” (Costa.2010). Nas Depressões Com Tristeza, os pacientes nos falam de sentimentos, que estão tristes; nas Depressões Sem Tristeza, eles falam de algo físico, geralmente que estão cansados. Pode ocorrer que as duas modalidades se encontrem no mesmo paciente.

O ponto de partida da Depressão Sem Tristeza (Depressão Essencial) parece ser uma falha na captação da afetividade nas primeiras semanas de vida, devido á falta de um outro empático capaz de senti-la. A falta desta experiência emocional pode gerar vivências traumáticas precoces.

È na vivência atual que o fator traumático precoce, gerador de feridas narcísicas profundas, é reativado. O aparelho psíquico não possui condições para elaborar este excesso de estímulo traumático e a dor mental ao invés de ser representada com uma expressão psíquica, ou seja, ser significada, fazer sentido, passa a se expressar como sintoma somático, e como compulsão a repetição.

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Quando tratamos estes casos num setting psicanalítico, varias considerações técnicas devem ser levadas em conta. Frequentemente é indicado que as sessões sejam face a face uma vez que facilitam adaptações ao estado afetivo do paciente. A tarefa de interpretar pode ser muito difícil, num primeiro momento, devido à falência do narcisismo secundário, a fragilidade egóica e a falta de compromisso do paciente com o tratamento. Por outro lado o uso de técnicas associativas favorece o desenvolvimento de diálogos com estes pacientes. O silêncio absoluto está definitivamente fora de questão.

Para Betty Joseph (1985). O adulto retém na (para a neurociência) memória procedural a relação de objeto primária e sua manifestação só é apreensível pelo analista por meio da ação da transferência, e não por meio da fala. O analista, pelo seu lado, só pode captar tal transferência pela contratransferência, isto é, pelo que é levado a sentir como ação do paciente sobre ele. Ou seja, não há palavras nessa comunicação, pois se trata de vivências primitivas pré-verbais (o não representado e o irrepresentável). Apenas ao tornar consciente- isto é, pensar- o que sentiu (assim, captar pelo pensamento, passando, portanto, á memória explícita, verbal) o analista pode interpretar para o paciente o que está se passando entre os dois e então chegar a figurabilidade.

CASO CLINICO:

A., quando me procurou, disse estar muito desanimada, e, nas palavras dela, com a vida sem sentido. Não conseguia dormir bem e apresentava constantes episódios de dores em geral, principalmente de cabeça e dor lombar. Sua mãe falecera recentemente e seu filho tinha saído de casa para estudar em outra cidade. Estas situações de perda foram vividas como experiências traumáticas e desde então seus sintomas se intensificaram.

A. refere que ficou mais próxima da mãe, depois do nascimento de seu filho, quando pode contar com sua ajuda e apoio. A lembrança que tem da infância é da mãe estar sempre trabalhando. Era uma pessoa tarefeira, cuidadora, mas distante afetivamente.

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onde sua vida era dirigida e tomada pela ação. Ela não percebia, como era frágil o contato com ela mesma e o quanto sua vida não tinha sentido próprio.

Aos poucos foi relatando sua história, mostrando como sempre foi muito ativa e controladora, levando seu trabalho e, os cuidados com o filho, marido e casa com muita eficiência e organização. Percebi como o sentido de sua vida estava deslocado dela mesma. Vivia para cuidar dos outros e se ressentia por não ser tratada da mesma forma que ela os tratava e por não ter o reconhecimento esperado.

Ela começou a perceber que a vida dela nunca mais voltaria a ser como era, e aos poucos começou a querer mudança, não queria mais viver só “fazendo as coisas” sem sentir prazer e sem significar nada para ela. Esta mudança na verdade provocou mais dor. Foi um momento difícil da análise, quando percebeu como era difícil, para ela, ter objetivo próprio, planejamento de vida que lhe desse prazer e sentido.

Os sintomas fibromiálgicos aumentaram, os ressentimentos contra os familiares e comigo aumentaram e ela precisou de mais medicação.

Contratransferencialmente sentia a violência dos seus ataques e me compadecia de sua dor e o tempo todo procurava também me acalmar, suportar seus ataques para ajudá-la melhor.

As recaídas no sentimento de vitimização e ressentimento pelas frustrações vividas e pela falta da atenção desejada diminuíram, está conseguindo se desvencilhar da relação simbiótica com os seus, diminuiu bastante a quantidade de medicação e principalmente, temos enfrentado juntas o terrível sentimento de vazio e buscado dar sentido à sua vida.

Com estes pacientes sinto que é como se precisássemos num primeiro momento, “alfabetizá-los emocionalmente”. Apontar cada comportamento e associá-lo a um significado emocional muitas vezes, de uma forma clara e objetiva. Observo mudanças lentas, cheias de altos e baixos, percebo que está diminuindo a necessidade de somatização ou de ressentimento para se sentir viva se perceber. Começa aparecer busca por realização, por prazer e não ação pela ação sem sentido emocional.

CONCLUSÃO

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das somatizações como uma forma de se defenderem da dor pela percepção do vazio existencial e também, por se reconhecerem pela dor e negatividade.São remetidos às situações traumáticas precoces quando diante de vivências atuais penosas passando então a predominar o funcionamento calcado na compulsão a repetição.

Percebia em A. a existência dos dois tipos de Depressão. Observava uma postura ressentida, chorosa e melancólica pela dificuldade em fazer luto, pela falta de objeto (Demorou muita para fazer o luto pela morte da mãe)- Depressão Com Tristeza, mas também percebia uma falta de referência emocional, uma apatia, e principalmente uma falta de interesse pela vida, falta de libido- Depressão Sem Tristeza. A vida não tinha sentido emocional quando se percebeu sem a automatização dos seus atos, no momento que sua vida mudou e não cabia mais a defesa pela ação. Senti que precisaria não só lidar com seus lutos, mas também desenvolver um “repertório” emocional, através da relação transferencial/contratransferencial, de vivências que não tinham registro devido a situações traumáticas que geraram uma falta de libidinização, necessária para dar sentido à vida.

RESUMO:

O objetivo deste trabalho é o de comentar a experiência psicanalítica com pacientes que apresentam um quadro misto de depressão e somatização. A autora procura mostrar como a psicossomática psicanalítica, principalmente com os conceitos de Vida Operatória e Depressão Essencial; e também, a visão psicanalítica contemporânea de Compulsão a Repetição e Contratransferência, ajudaram na compreensão e manejo clínico de uma paciente cuja principal queixa era de dor: física e psíquica. PALAVRAS CHAVES: Dor, Depressão, Compulsão a Repetição, Contratransferência, Psicossomática.

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA:

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Latino-Americano Intergeracional entre Homens e Mulheres- Corpo e Subjetividade.

2. Costa, G.(2010)- Depressão Sem Tristeza (caso Isolda) In A Clinica Psicanalítica das Psicopatologias Contemporâneas. Porto Alegre. Ed. Artmed.

3. Freud, S. (1914) Luto e Melancolia. Rio de Janeiro, Ed. Imago- Edição Standard De Obras Completas Brasileiras, V. 14 (1969).

4. Freud, S. (1896) Rascunho G Melancolia. Rio de Janeiro. Ed. Imago- Edição Standard de Obras Completas, V.1 (1969).

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