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As repercussões das políticas de do artesanato na vida e no trabalho das bordadeiras de Maranguape – Ceará

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Academic year: 2018

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As repercussões das polít icas de desenvolvim ent o do

art esanat o na vida e no t rabalho das bordadeiras de

Maranguape – Ceará

Em broidering developm ent polit ics repercussions in t he work

and life of em broiderers from Maranguape – Ceará

Las repercusiones de polít icas de desarrollo del bordado en el

t rabaj o y en la vida de art esanas en Maranguape – Ceará

Les répercussion des polit iques du développem ent du broderie

dans le t ravail et dans la vie des brodeuses de Maranguape –

Cear á

Em anuelle Kelly R. S. Veras*

R e s u m o : Co m p r e e n d e n d o a p r o d u çã o ar t esanal com o t em a r elev ant e nos cont ex -t os m a-t er ial e sim bólico da m oder nidade, o obj et iv o dest e ar t igo é obser v ar os m eca-nism os que com põem o esquem a da im ple-m ent ação do ar t esanat o, por ple-m eio de polít i-cas públii-cas, no int er ior do Cear á. Nessa per spect iva, o est udo foi em pr eendido sobr e o suport e em pírico das t ransform ações ocor-r idas no pocor-r ocesso de cocor-r iação e pocor-r odução do ar t esanat o ent r e as bor dadeir as que r esi-dem no m unicípio de Mar anguape, sit uado a 30k m de For t aleza, e que par t icipam da As-so ci a çã o Ma r a n g u a p e n se d o s Ar t e sã o s ( AMA) . A par t ir de pesquisa qualit at iv a, com a obser v ação das nov as configur ações de t rabalho ent re as m ulheres desse grupo, bus-cou- se ident ificar as ações dos pr ogr am as de “ desenvolvim ent o” do bor dado, concluin-do- se que elas t êm com o finalidade “ aj us-t ar ” o pr oduus-t o ar us-t esanal às necessidades capit alist as de consum o, deix ando de lado aspect os relat ivos aos conflit os inerent es aos pr ocessos de m udança que im pact am a pr o-dução e o m odo de v ida das bor dadeir as.

Pa la v r a s- ch a v e : Ar t esanat o, polít icas pú-blicas, m odos de v ida, consum o cult ur al.

Abst r a ct : Handicraft product ion is a relevant them e in the context for m aterial and sym bolic in m odernity. This paper aim s t o underst and t he m echanism s w hich help com pose t he handicr aft im plem ent at ion schem e t hat is conduct ed by public polit ics in t he count ryside of Ceará. The em piric support of t his st udy is t he t ransform at ions occurred in t he handicraft creat ion and product ion process am ong t he em broiderers who live in t he cit y of Maran-guape, which is 30 kilom et ers from Fort aleza, and part icipat e of AMA ( Art isans Associat ion fr om Mar anguape) . Thr ough a qualit at iv e research, wit h t he observat ion of work am ong t he wom en in t his group, we have t ried t o iden t if y t h e em br oider in g “ d ev elop m en t ” p r og r am s act ion s, con clu d in g t h at t h ese act ions aim at “ adj ust ing” t he handm ade product s t o t he capit alist consum pt ion needs, leaving behind t he aspect s relat ed t o conflict s t h at ar e in h er en t t o ch an g in g p r ocesses which, as t his one, im pact t he product ion way and t he lifest yle of t he em broiderers.

K e y w o r d s : Ha n d i cr a f t , p u b l i c p o l i t i cs, lifest y les, cult ur al consum pt ion.

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A produção do art esanat o e

sua relevância at ual

A com plex idade que env olv e os est udos que t êm o ar t esanat o com o obj et o cent r al de inv est igação decor r e do fat o de que ele se r elaciona ao conj unt o de m onum ent os, d ocu m en t os e ob j et os q u e con st it u em a m em ór ia colet iv a de um pov o e, por t ant o, dev e ser consider ado do pont o de v ist a so-cial e cult ur al. Por out r o lado, o ar t esanat o t am bém possui car act er íst icas que at endem aos int er esses da sociedade de consum o, com o o v alor est ét ico e o sim bólico e, dessa for m a, seu pot en cial econ ôm ico se t or n a cr ucial par a o acir r am ent o das discussões.

Cat her ine Fleur y ( 2002) coloca que o t r a-balho feit o com os ar t esãos por m eio de po-lít icas de desenv olv im ent o pode const it uir um a for m a de im pulsionar a at iv idade des-t es, m odes-t iv ando- os a pr oduzir e “ r ev alor izar ” sua ar t e em âm bit o cult ur al. Por ém , em ou-t r o m om enou-t o de seu ou-t ex ou-t o, a m esm a auou-t or a afir m a que as ações pr om ov idas por ór gãos que t r at am da pr oblem át ica socioeconôm ica e da especulação sobr e o fut ur o do ar t esa-nat o na sociedade, podem acar r et ar out r o pr oblem a, o cult iv o do ar t esanat o. O cult iv o do art esanat o, conform e explica Lauer ( 1947, p. 82) , consist e na art iculação de m eios para o desenvolvim ent o do m esm o com o bem eco-nôm ico e de ex por t ação. Por t ant o, se, por um lado, t ais polít icas de “ desenv olv im ent o” prom ovem a valorização do art esanat o com o cr ít ica à pr odução ser ializada dos obj et os e im pulsionam sua pr odução por m eio da apli-cação de nov as t écnicas de t r abalho, por out r o, as m esm as polít icas t er m inam por “ am oldá- lo” ao sistem a m ercadológico vigente na sociedade, pr ov ocando, com isso, a al-t er ação de suas car acal-t er ísal-t icas m aal-t er iais e sim bólicas.

De acor do com Fr eit as ( 2006, p. 24) , “ o au m en t o d a r ecep t iv id ad e d os p r od u t os ar t esanais pelo m er cado v em int ensificando sua pr odução e est e é um pont o que t em m er ecido at enção no t ocant e ao planej a-m ent o, or ganização e condições de t r aba-lho”. No ent ant o, a aut or a const at a que no t ocant e ao planej am ent o de pr ogr am as que

t em com o finalidade a adequação do ar t e-sanat o às ex igências do m er cado, há, m ui-t as v ezes, cer ui-t a pr ecar iedade nos diagnós-t icos apr esendiagnós-t ados sobr e as com unidades pr odut or as e, consequent em ent e, um m au desenv olv im ent o das at iv idades ligadas ao

design e às int er v enções no m odo de pr

odu-zir dos ar t esãos.

Desse m odo, se consider am os com o pe-culiar idade pr incipal da pr odução ar t esanal a sua capacidade de ofer ecer ao m er cado um pr odut o feit o à m ão, const at ar em os que a at enção dos pr ogr am as e polít icas int er -v encionist as de-v er iam est ar -v olt adas não só par a o pr odut o, m as t am bém par a o pr odu-t or. Assim , é pr eciso levar em consider ação o m odo de v ida, os v alor es e os anseios do ar t esão par a que os m ét odos de im plem en-t ação da produção sej am adequados às suas par t icular idades e ex igências em r elação ao t rabalho.

Por m eio do est udo da realidade vivenciada pelas ar t esãs da Associação Mar anguapense dos Ar t esãos ( AMA) em Mar anguape, m uni-cípio da Região Met r opolit ana de For t aleza, buscou- se com pr eender as t r ansfor m ações em pr eendidas em seu fazer ar t esanal a par -t ir das in-t er v enções de polí-t icas públicas1

na pr odução ar t esanal local. O m unicípio de Maranguape m ost rou- se com o oport uno para a r ealização dest e est udo por que sua pr o-dução ar t esanal v em passando por int er fe-r ências m ediadas pofe-r polít icas públicas há m ais de 20 anos e, por isso, as t r ansfor m a-ções no pr ocesso pr odut iv o e na v ida cot i-diana das ar t esãs que par t icipam da AMA m ost r am - se lat ent es e, por t ant o, passív eis de ser em apr esent adas com m aior clar eza.

A produção do art esanat o em Maranguape é um a pr át ica hist ór ica que acom panha a v ida da cidade desde a chegada de seus prim eiros fundadores; port ugueses que t rou-xeram consigo a prát ica dos bordados à m ão. Ao longo do t em po, a pr odução do bor dado se t or nou a at iv idade m ais com um da r e-gião, passando a ser alv o de gr andes inv es-t im enes-t os por par es-t e do gov er no e de inses-t ies-t ui-ções pr iv adas. Hoj e a or ganização da pr o-dução por m eio da for m at ação de cooper a-t iv as e associações na r egião é um a cons-t an cons-t e.

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Fe-der al do Cear á e t ev e com o foco em pír ico a obser v ação do m odo de v ida das ar t esãs da AMA, par t indo da per cepção das pr ópr ias ar t esãs a r espeit o dos ant igos e nov os con-t ex con-t os v iv enciados em seu con-t r abalho, a par con-t ir da int er v enção de polít icas públicas im ple-m ent adas pelo gov er no do Cear á, por ple-m eio da CEART2. Par a t ant o, as pr incipais fer r

am ent as de pesquisa foraam ent revist as e t aam -bém conversas inform ais em preendidas com as m esm as ent r e os anos de 2006 e 2009. Além disso, as font es docum ent ais com o at as de r euniões, fot ogr afias, m at ér ias de j or nais e bibliogr afias sobr e a t em át ica em quest ão for am fundam ent ais par a o apr ofundam ent o da discussão.

Nesse sent ido, pr ocur ei obser v ar a r eali-dade de t ais m ulher es não com o for m as ab-solut as e obj et iv as, que r equer em nor m as e m ét odos específicos de análise, m as com o t eias de “ r elações” às quais os agent es so-ciais at r ibuem significados ( GEERTZ, 1989) .

Causas e result ados das

int ervenções na produção

ar t esanal

Dur ant e a pesquisa sobr e as t r ansfor m a-ções causadas no pr ocesso pr odut iv o das ar t esãs da r efer ida associação e de out r as que surgiram post eriorm ent e no m unicípio de Mar anguape, pude per ceber que a par t ir das inovações prom ovidas pelos m ovim ent os de-nom inados de “ polít icas públicas de r ev i-t alização” desenv olv idos pelo SEBRAE em par cer ia com a pr efeit ur a do m unicípio em 2003, com a int er v enção dir et a no m odo de obt enção do ar t esanat o, houv e a inser ção de m ét odos e t écnicas alheios à pr odução t radicional com o, por exem plo, a cont rat ação de designer s de m oda ( est ilist as) par a a ela-bor ação dos desenhos, com binações de co-r es e est am pas das peças de boco-r dado a se-r em confeccionadas pelas ase-r t esãs.

De acor do com Caldas ( 2003) , desde o início da década de 1990, a indúst r ia br asi-leira vem procurando am pliar seus cam inhos por m eio de est r at égias que aliam gover no e ent idades pr iv adas com o int uit o de incr e-m ent ar o coe-m ér cio ex t er ior. Nesse sent ido,

o incent iv o à pr odução de ar t igos m anufa-t ur ados, cuj o v alor agr egado é super ior ao de m uit os ar t igos pr oduzidos indust r ialm en-t e, se en-t or na um alv o for en-t e de en-t ais inv esen-t i-m en t os. Dessa f or i-m a, con f or i-m e Est r ada ( 2004) , o design t r ansfor m ou- se em fer r a-m ent a par a a coa-m pet it iv idade, pr odut iv ida-de e condição par a a inclusão do pr odut o br asileir o no m er cado int er nacional, dev ido à ênfase nos aspect os cult ur ais locais; es-t es são es-t r ansm ues-t ados em obj ees-t os por m eio de for m as ou cor es.

Podem os, ent ão, consider ar que o incen-t ivo à pr odução de ar incen-t esanaincen-t o anda de m ãos dadas com o design, um a v ez que as int er -v enções no fazer ar t esanal r efer em - se pr in-cipalm ent e ao desenv olv im ent o de pr odut o, a fim de que est e sej a adequado às ex pec-t apec-t iv as do m er cado.

No t ocant e ao est ado do Cear á, a com er -cialização do ar t esanat o é r ealizada em v á-r ios m eá-r cados m unicipais e em feiá-r as de ci-dades int er ior anas e da capit al. Além disso, a dem anda por ar t esanat o cear ense t r ans-cende o set or de confecções passando pelo t ur ism o ( quando bar es, hot éis e r est aur an-t es fazem quesan-t ão de an-t er ar an-t igos ar an-t esanais par a com por seus am bient es t em át icos) e pelo set or m obiliár io e decor ação ( quando o desenho indust r ial é aliado a det alhes obt i-dos ar t esanalm ent e par a, assim , ser em pr o-duzidas peças ex clusiv as e de elev ado v alor com ercial) .

Desse m odo, m ult iplicam - se os pr ofissio-nais do ram o do design, principalm ent e aque-les pr ov enient es dos cur sos de Est ilism o e Moda e Ar quit et ur a, que se dir igem par a o int er ior do est ado do Cear á a ser v iço de ins-t iins-t uições com o o Ser v iço Br asileir o de Apoio a Micr o e Pequena Em pr esa ( SEBRAE) , a Cent r al de Ar t esanat o do Cear á ( CEART) e a Secr et ar ia de Cult ura ( SECULT) , com a fina-lidade de organizar e “ capacit ar” grupos pro-dut ivos de ar t esanat o par a supr ir as dem an-das da capit al.

Assim , o fort alecim ent o da ident idade cul-t ural local com o escul-t racul-t égia de m ercado que fort alece o t urism o, a m oda e o cam po do

design, passa pela produção do art esanat o

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de fat ores t em com o um de seus principais reflexos a proliferação de ações im plem entadas por polít icas públicas volt adas para o incre-m ent o da produção art esanal no int erior do estado, acarretando inúm eras transform ações no m odo de vida e t rabalho dos art esãos, fat o que verificam os por m eio da observação das int er venções na pr odução do bor dado ent re as art esãs de Maranguape.

As polít icas de desenvolvim ent o do art e-sanat o im plem ent adas pelo SEBRAE j unt o às art esãs da AMA j á ocorriam desde 1993 e, com o surgim ent o de novas associações de bordadeiras, com o a Associação dos Mora-dores Unidos de I t apebussu ( ASMUI ) e a As-so ci a çã o Pa r t i ci p a t i v a d o s Ar t e sã o s d e Maranguape ( APAM) , algum as de suas ações, com o cursos avulsos3 de “ capacit ação”, t am

-bém se est enderam a est as. Mas foi som ent e a part ir de 2003, por m eio do proj et o “ I rm ãos do Ceará”, com a inst alação de cursos e ofi-cinas na área de criação e desenvolvim ent o de pr odut os que o ar t esanat o com eçou a ent rar em cont at o com as ferram ent as do

design. Est e proj et o fazia part e do “ Program a

SEBRAE de Art esanat o” que at ende a grupos de ar t esãos em t odo o t er r it ór io nacional, desde 1997, e que at uou em Maranguape durant e o ano de 2003, com ações que visa-vam diret am ent e à expansão da produção do bordado e sua adequação m ercadológica.

O m odo de int ervenção no art esanat o, que vem cada vez m ais se popularizando e se so f i st i can d o , se d á p r i m ei r am en t e p el a cont rat ação de designers de m oda par a o a c o m p a n h a m e n t o d a s a t i v i d a d e s d o s art esãos. Só no Ceará o SEBRAE cont a com m ais de 30 t écnicos habilit ados na área de

design, fora aqueles afiliados à CEART que

desenvolvem o m esm o t ipo de at ividade j un-t o aos grupos de arun-t esãos. Esses designers são cont rat ados e capacit ados pelo SEBRAE para desenvolverem coleções de produt os de v est uár io e de cam a e m esa a par t ir das t ipologias art esanais predom inant es em gru-pos ou associações j á est rut urados em di-versas regiões do int erior do est ado. Est e t ipo de t rabalho é cham ado de “ design em art e-sanat o” e os produt os desenvolvidos são ven-didos para loj as especializadas com o a CEART ou, sob encom enda, para client es de diver-sas part es do Brasil e t am bém do ext erior.

Conform e Barroso ( 2002) , diant e das m

u-danças com er ciais que ocor r em no m er cado global, inv est ir na r acionalização e na ot im i-zação da pr odução do ar t esanat o – com r e-dução de cust os e m elhor ia da qualidade –, sit uando o ar t esanat o dent r o do m er cado de consum o, significa, ant es de t udo, pr o-cur ar ent ender as m odificações no m undo m oderno, pois est as fazem crescer a dem an-da por pr odut os específicos par a necessian-da- necessida-des específicas, m as com “ ident ificação cul-t ur al e sim bólica”. Sobr e iscul-t o, o aucul-t or salien-t a que:

Para que se possa com pet ir com o m er-cado ext erno, e est e est ando cada vez m ais com pet it ivo e globalizado com dis-put as com erciais acirradas é preciso que se invist a m ais na diferença. Ou sej a, o segredo da com pet it ividade não est á na redução dos cust os, m as na agregação de valor ( Barroso, 2002, p. 12) .

Assim , o ar t esanat o, t r abalhado confor -m e as -m et odologias de design e at r elado ao t ur ism o e à m oda, t am bém se m ost r a com o um fat or de grande im port ância para a agre-gação de “ v alor cult ur al” aos bens e ser v i-ços pr oduzidos no Br asil. No ent ant o, as hibr idações ent r e ar t esanat o e design de-v em ser t r at adas com caut ela, pois ao con-t r ár io do desenv olv im encon-t o de pr oducon-t os par a a indúst r ia, em que o t em po de pr odução r epr esent a aum ent o na pr odut iv idade, no ar t esanat o as consider ações sobr e est e as-pect o se m ost r am bast ant e delicadas.

Para incorporar os valores do design à pro-dução ar t esanal, a saída encont r ada pelos p r og r am as d e ap er f eiçoam en t o t écn ico, com o no caso do SEBRAE, t em sido a im -plant ação do sist em a cooper at iv o. Segundo Fr eit as ( 2006) , par a os ar t esãos que opt am pelo t r abalho cooper ado, a condição básica é o n iv elam en t o t écn ico. Nesse caso, a fr uição est ét ica e for m al obser v ada no t r a-balho feit o por cont a pr ópr ia, aqui não se t or na m ais t ão v iáv el. Daí a insist ência dos t écnicos e das polít icas de desenv olv im ent o o set or em t rabalhar o “ espírit o associat ivist a” dos ar t esãos por m eio de um a for t e car ga de cur sos t écnicos e de capacit ação, com o vist o ant er ior m ent e.

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r eest r ut ur ação do t r abalho ar t esanal, a fim de que est e at enda às ex igências do m er ca-do e adquir a um a base econôm ica sust ent á-v el, é a confor m ação de gr upos pr odut iá-v os. De acordo com Freit as ( 2006) , t odos os art e-sãos sabem de seu ofício, m as com a r eali-zação dos t r abalhos de m aneir a gr upal, t o-dos ficam infor m ao-dos sobr e um a for m a, um t ipo ou padr ão par a a ex ecução do pr odut o final. Par a a aut or a, se os ar t esãos desej am t r abalhar em gr upo, se coloca a necessida-de necessida-de que eles sej am t r einados em conj unt o, par a que unt odos possam pr oduzir de for -m a ho-m ogênea e, assi-m , at ender aos cr it é-r ios do m eé-r cado. E esse t ipo de v aloé-r é im e-diat am ent e t rabalhado, na prát ica, pelos t éc-nicos r esponsáv eis pelas int er v enções na pr odução ar t esanal, com o se v er ifica no de-poim ent o de um a das ar t esãs que j á for am associadas à AMA:

O client e às v ezes t em m edo de fazer um pedido gr ande, m as aí com a gent e t r abalhando j unt o, o client e fica confi-ant e e a gent e t am bém sabe que v ai dar con t a da en com en da, por qu e ar -t esana-t o não é em pr esa, ar -t esana-t o é g en t e t r a b a l h a n d o m esm o ( Cl a u d i a , ent r ev ist ada em 22 de m ar ço de 2009) .

De acor do com os t écnicos env olv idos na im plem ent ação do t r abalho ar t esanal, o t r a-balho isolado dificult a a lucrat ividade da pro-dução enquant o um a associação ou coope-r at iv a pcoope-r om ov e um a m aiocoope-r econom ia com a aquisição de m atéria- prim a por um preço m ais baix o. Desse m odo, as ent idades pr iv adas ou gov er nam ent ais que se env olv em com a pr odução do ar t esanat o, além de pr om ov e-r em a pe-r odução colet iv a, enfat izam t am bém a união e a cooper ação ent r e cooper at iv as j á for m adas e em at iv idade, com o é o caso das associações de Mar anguape. A par t ir da at uação do SEBRAE, a AMA, a ASMUI e a APAM for am incent iv adas a div idir os t r aba-lhos ent r e si par a aum ent ar a pr odut iv idade e at ender a um a dem anda m aior de pedidos. Conform e o depoim ent o de Janet e, at ual pre-sident e da AMA:

Bem , o SEBRAE qu ase qu e obr igou a gent e a se j unt ar, por que t odo m undo faz a m esm a coisa e aí a gent e v ai se

unir pr a com pr ar m at er ial. . . essas coi-sas. É, o in t er esse do SEBRAE qu e a gent e t r abalhe t odo m undo j unt o [ ...] por que aí fica m elhor de aum ent ar os p ed id os, m as n em t od as as associa-ções pensam desse j eit o né? Às v ezes um a acaba é fazendo as coisas escon-dida das out r as, ela pega os pedido e não div ide com a gent e ( Janet e, pr esi-dent e da AMA, set em br o de 2008) .

Obser v se, a par t ir dessas consider ações, que o pont o de par t ida par a as int er -v enções no pr ocesso de t r abalho dos ar t e-sãos, de m odo ger al, é o incent iv o ao t r aba-lho em grupo. Além de t odas as causas apon-t adas par a a ênfase nesse apon-t ipo de or ganiza-ção do t r abalho dos ar t esãos, com o econo-m ia na obt enção de econo-m at érias- priecono-m as e econo-m aior pr odu t iv idade, a padr on ização est ét ica é t am bém um dos pr incipais fat or es. No en-t anen-t o, segundo os depoim enen-t os coleen-t ados dur ant e a pesquisa, a pr esença de at it udes in div idu alist as por par t e das associações acaba pr ej udicando o desem penho das at i-vidades.

Quando o SEBRAE passou a at uar j unt o às associações em Mar anguape, ele pr ocu-r ou at endeocu-r a t odas de um a só v ez, fazendo com que as ar t esãs se r eunissem em locais det erm inados para receberem os t reinam en-t os com os en-t écnicos e com par en-t ilhar em das nov as infor m ações sobr e feir as e encom en-das. Dessa for m a, o acom panham ent o do

designer de m oda no desenv olv im ent o de

nov os pr odut os t am bém er a r ealizado de m aneir a conj unt a par a, assim , gar ant ir o acesso às infor m ações e ideias a t odas as ar t esãs. Diz Don a Ter ezin h a, ex- sócia da AMA e da APAM que: “ No início, a gent e se r eunia lá na associação e fazia os t r abalhos t odo m undo j unt o no m esm o lugar. Tam bém v inha gent e pr a dar cur so e a gent e fazia eles lá na associação” ( Ent r ev ist a r ealizada em 16 de m ar ço de 2009) .

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adequar a pr odução às m udanças do at ual m er cado com at it udes r enov ador as que se m anifest em em nov os pr odut os e, t am bém , em seus pr ocessos e m ét odos.

Assim , em seu m anual int it ulado: “ Curso

design, ident idade cult ural e art esanat o”,

pu-blicado em dois m ódulos pelo SEBRAE em 2002, Barroso enum era t rês est rat égias para que a criação de um art esanat o com “ qualidade co-m ercial e cult ural” sej a viável, são elas: 1) at ualização dos produt os com a criação de novos m odelos e padrões; 2) ut ilização de in-form ações sobre a cult ura local no obj et o por m eio de et iquet as inform at ivas ou est am pas e cores que rem et am ao local de sua origem ; 3) elaboração do m ix de produt os com a produ-ção de peças variadas dent ro de um m esm o est ilo ou t em a. Est as t rês et apas são coloca-das pelo aut or com o fundam ent ais para a ob-t enção de um ar ob-t esanaob-t o com “ qualidade m ercadológica”. É oport uno salient ar que est e t ipo de m et odologia não é um a exclusividade do SEBRAE, m as segue um a t endência que é adot ada pelos principais program as de int er-venção no art esanat o do Brasil4.

De acor do com a coor denador a do pr o-gram a de art esanat o do SEBRAE- CE no perí-odo de 2001 a 2006, Div a Mer cedes, “ o que difer encia a aceit ação de um t r abalho de um ar t esão em r elação aos dem ais, é t r aduzido

com o apelo com er cial que não dev e se con-t r apor à culcon-t ur a local” ( Galvão, 2006, p. 12) . Dest e m odo, o r esguar do daquilo que r es-salt a do v alor cult ur al do ar t esanat o dev e ser um a pr ior idade m ant ida a qualquer cust o, um a v ez que escust e é o difer encial pr im or -dial em relação aos out ros bens ( serializados) pr oduzidos e adquir idos pela sociedade de consum o.

Desse m odo, no prim eiro m om ent o do pro-cesso de in t er v en ções r ealizadas com as associações de Mar anguape ( AMA, ASMUI e APAM) dur ant e o pr oj et o I r m ãos do Cear á, foram feit as reuniões com as art esãs de cada associação de Mar anguape, par a que, por m eio da t r oca de infor m ações, fosse possí-v el t r açar o m elhor m ét odo par a o t r abalho a ser desenv olv ido. Os designer s env olv idos no pr oj et o t iv er am , t am bém , o cuidado de incent iv ar o r egist r o fot ogr áfico dos bens cult ur ais e hist ór icos da cidade, bem com o de elem ent os de sua fauna e flor a. Est e t ipo de r egist r o foi feit o par a que, post er ior m en-t e, essas im agens pudessem ser uen-t ilizadas com o m ot iv os e t em as dos obj et os a ser em confeccionados pelos gr upos. Com o se not a nas im agens abaix o, a aplicação do bor dado na peça de v est uár io é feit a de for m a a r e-pr esent ar os t ons e as for m as de pisos e de out r os elem ent os da ar quit et ur a local.

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Ent r et ant o, est e acer v o fot ogr áfico não foi cr iado apenas no int uit o de est im ular a criat ividade das art esãs, sua m ot ivação prin-cipal é a de r epr oduzir nos obj et os elem en-t os que lem br em as car acen-t er ísen-t icas do local onde as peças for am pr oduzidas. Há nest a, apar ent em ent e sim ples iniciat iv a, a pr eocu-pação lat ent e em at r ibuir um a ident idade cult ur al aos pr odut os. Deve- se not ar, ainda, que est e t ipo de “ cuidado” é enfat izado pe-las ent idades e t écnicos env olv idos nas po-lít icas int er v encionist as não só pelo m ot iv o da pr eser v ação dos v alor es cult ur ais das peças feit as ar t esanalm ent e, m as t am bém dev ido às pr ópr ias est r at égias de m er cado, pois est as se v alem do pot encial cult ur al do ar t esanat o par a gar ant ir seu v alor de t r oca. Dev ido ao car át er de descont inuidade da concepção do obj et o a ser confeccionado, a ar t esã t ende a cr iar dur ant e t odos os pr o-cessos necessár ios à ex ecução da peça in-t eir a. Por ém , n o caso de u m pr oj ein-t o de

design , t odas as et apas do pr ocesso e o

r esult ado que se quer da peça depois de pr ont a dev em ser pr ev iam ent e calculados. A int enção m er cadológica, nest e caso, se t or na ev ident e, inv iabilizando qualquer t ipo de fr uição cr iat iv a dur ant e a ex ecução dos t r abalhos.

Nest e sent ido, as ar t esãs são incent iv a-das pelos t écnicos a pensar em seus pr odut os anodut es da confecção, obser v ando as for -m as, as cor es e t udo o que se r efir a à coe-r ência focoe-r m al do acoe-r t igo a secoe-r pcoe-r oduzido. É conselho dos t écnicos que est e m om ent o t am bém sej a per passado pela av aliação dos m at er iais disponív eis e pela est ipulação do t em po de ex ecução dos pr odut os, de acor do com a quant idade r equer ida pelo com -pr ador. Pode- se obser var com ist o qu e é dado um gr ande salt o em t er m os de or gani-zação e com plex ificação do t r abalho. Mas t udo ocor r e aos poucos. I nicialm ent e, par a que as ar t esãs possam com pr eender a “ ne-cessidade” dessa sist em at ização, o pr ópr io

designer se encar r ega da cr iação de

algu-m as peças e faz dealgu-m onst r ações par a pr ov ar que essa m et odologia funciona e é m ais eficaz em t er m os de apr ov eit am ent o de r ecur -sos, t em po e m ão de obr a. Ao r elat ar sobr e as oficinas de “ capacit ação”, as ar t esãs co-m ent aco-m sobr e est e t ipo de pr át ica:

O pessoal vinha pra ensinar cort e e cos-t ura e oucos-t ros poncos-t os de bordado, a cos-t éc-nica t razia os desenhos j á feit os pra gen-t e bordar e as peças servirem de m os-t ruário para as feiras. Aí a genos-t e recebia as en com en da e f azia aqu ele m esm o bordado em m uit a quant idade. Depois, com o t em po, a gent e vai vendo as coi-sas nas novelas, nas revist as e vai sa-bendo o que t á em gost o pr a fazer e aquilo vender. ( Mazé, ex- sócia da AMA. Ent revist ada em 16 de m arço de 2009)

Apesar da ação dir et a de designer s de m oda no pr ocesso de cr iação e desenv olv i-m ent o de pr odut os dur ant e as int er v enções do pr ogr am a do SEBRAE nas associações, as ar t esãs sem pr e dem onst r am em seus r e-lat os que t êm aut onom ia e segur ança par a cr iar nov os desenhos e nov as com binações de cor es. Nesse sen t ido, per cebe- se qu e apesar das int er v enções no pr ocesso cr iat i-v o das bor dadeir as, a sua aut onom ia na ela-bor ação de nov os m odelos não se m ost r a lim it ada, pelo cont rário, depois que elas pas-sam a conhecer alguns dos m ét odos de pes-quisa par a a r ealização de cr iações nov as, o fr ut o do t r abalho é av aliado pelas m esm as com o sendo m ais belo, v endáv el e fácil de execut ar. Ver em os adiant e com o se deu a finalização das int er v enções do pr oj et o do SEBRAE nos gr upos supr acit ados e a sit ua-ção at ual dos m esm os.

Ent re a associação e o

conflit o: o desfecho das

int ervenções nos grupos de

bor dado

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program ação visual cont rat ada pelo SEBRAE, sendo com post o basicam ent e de fot ogr afias das peças pr oduzidas pelas ar t esãs dur ant e a at uação do pr oj et o I r m ãos do Cear á j unt o às associações. Cada fot ogr afia das peças pr esent es nest e cat álogo foi acom panhada de legendas nos dois r efer idos idiom as que inform am o leit or sobre a m at éria- prim a ut ili-zada par a a sua confecção, o código de r e-fer ência das m esm as e o nom e da ar t esã r esponsáv el, acom panhado pelo seu ende-r eço e t elefone.

gr esso” est av a m ont ada e, desse m odo, es-perava- se ansiosam ent e pelos m ont ant es de encom endas v indas de v ár ios cant os do país com o t am bém dos Est ados Unidos, Eur opa, Por t ugal e Espanha, pr incipalm ent e. E, de fat o, t ais encom endas chegar am e for am r ecebidas com fest a pelas ar t esãs associa-das e t am bém por aquelas que at é ent ão não est av am for m alm ent e cadast r adas em algum a das associações, pois for am r equisi-t adas m ais ar equisi-t esãs das r edondezas par a dar cont a do v olum e de t r abalho que chegav a após a div ulgação dos cat álogos.

Esses cat álogos foram enviados pra São Paulo, pra Brasília, Minas... t eve uns que foram at é pra Port ugal. Ave Maria! De-pois qu e eles saír am a gen t e r ecebia encom enda de t oda part e. E, além dis-so, t am bém aum ent aram as feira, a gen-t e era cham ada pra pargen-t icipar de feir a em Curit iba, em São Paulo. Nessa épo-ca er a bom , t in h a t an t o t r abalh o pr a fazer, t inha vez que a gent e chegava a ganhar t rês m il reais num dia de feira ( Janet e, pr esident e da AMA. Ent r ev is-t ada em 26 de seis-t em bro de 2008) .

Ao longo dos anos em que as associações for am se confor m ando, as ar t esãs apr endiam a pr oduzir de m odo padr onizado, a cum -pr ir cr onogr am as, a m anusear cont as ban-cár ias, cor r eios e m eios de com unicação di-v er sos. E é cer t o que essas ex per iências som adas às int er v enções do SEBRAE t r ou-x er am nov o fôlego à at iv idade, o que fez com que os t rabalhos corressem bem duran-t e os anos de 2003 e 2004. Enduran-t r eduran-t anduran-t o, após o encer r am ent o do pr oj et o I r m ãos do Cear á em Mar an gu ape, as coisas com eçar am a mudar.

Quando o proj et o I rm ãos do Ceará encer-rou suas at ividades, t udo o que foi t ransm it i-do às bordadeiras pelos t écnicos na t eoria passou a ser vivenciado na prát ica ( e, dest a vez, sem o auxílio do designer ou t écnico, pois est es se foram j unt o com as int erven-ções) e os problem as decorrent es da racio-nalização do t r abalho com eçam a aparecer.

O aum ent o da dem anda por peças borda-das, a desest rut uração dos laços de solidari-edade ent re as art esãs e, consequent em ent e, ent re as associações, fizeram com que a ca-O lançam ent o dest e cat álogo foi

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o-deia pr odut iva de t r abalho que havia sido m ont ada com eçasse a desm oronar. De acor-do com as observações e com os daacor-dos co-lhidos durant e a pesquisa, pôde- se not ar que a ênfase na unidade e na solidariedade, t em a que em balava os discursos e as ações em -preendidas nas associações pelo SEBRAE e por ent idades vinculadas ao governo, havia perdido consist ência em t odos os âm bit os da vida e das relações ent re as art esãs.

Com a com plex ificação do t r abalho e a solidificação das associações, os v ínculos socioafet iv os ent r e as ar t esãs for am , pouco a pouco, dando lugar aos v ínculos bur ocr á-t icos. Ou sej a, no plano insá-t iá-t ucional, as as-sociações m ant inham um est r eit o r elaciona-m ent o ent r e si, ent r et ant o, as ações que ant es eram orient adas pela vont ade de cres-cer em conj unt o, passar am a ser or ient adas pela r acionalidade e pelo senso de opor t uni-dade indiv idual. Desse m odo, não dem or ou m uit o par a que a est r ut ur a que v inha sendo m ont ada ao longo de m ais de 20 anos e que r eceber a r ecent e inj eção de ânim o com as ações do pr ogr am a do SEBRAE v iesse a r uir, com o fica clar o no depoim ent o de Janet e:

Bem , o que acont eceu foi que depois que o SEBRAE saiu, t odo m undo com e-çou a fazer as coisa do seu j eit o. Acon-t eci a o seg u i n Acon-t e: u m a p esso a v i a o cat álogo aí fazia o pedido de um dos m odelo que t inha sido feit o no m eu gr u-po, só que com o o cat álogo er a de t odo m undo j unt o, acont ecia que a pessoa às v ezes er r av a e falav a com gent e do out r o gr upo né? Aí, em v ez de ela [ r e-fer e- se à pr esident e da APAM] r epas-sar o r ecado pr a m im , pr a eu fazer a en com en da por qu e aqu ele desen h o e aquele bor dado a gent e aqui é que sa-bia f azer, n ão, ela pegav a, copiava o m odelo e ia fazer a encom enda no lu-gar da gent e. Tem cabim ent o um ne-g ócio d esse?! Ela p od ia ch ene-g ar e d i-zer : “ olha Janet e, pedir o esse t eu m o-delo, é m uit a peça, bor a fazer j unt a?” Ma s n ã o ! El a p e g a v a a e n co m e n d a t odinha pr a ela, aí com o ela num sabia o r isco d o d esen h o e n em com o er a que t inha sido feit o o bor dado, a en-com enda saía sem pr est ar e aí o que acont ecia? Todo m undo per dia aquele

c l i e n t e ! [ . . . ] o l h e , t e v e d i a q u e a Meir iane ía apanhando num a feir a lá em Cu r it iba. Ela saiu daqu i com as peça do gr upo pr a ex por nessa dit a feir a e o p o v o l á q u er i a t o m a r a s p eça d el a , q u an d o v i r am q u e el a er a d aq u i d e Mar anguape. Ficar am pux ando as coi-sa dela, esculham bando e cham ando a gent e de ladr ona. Aí, ela ligou pr a m im m or t a de ner v osa dizendo que o pov o q u er ia t om ar as p eça d a g en t e, m as eu disse a ela que num ent r egasse não ( ...) O que t inha acont ecido er a que a dit a lá de I t apebussu [ r efer se à pr e-sident e da ASMUI ] r ecebeu um a enco-m enda gr ande, de quase dez enco-m il r eais, com eu o d in h eir o e n ão en t r eg ou as peça. Mas eles [ r efer e- se aos client es enganados] não ent endia, por que acha-v a qu e os gr u po t u do er a u m a coisa só, eles v ir o no cat álogo né? Aí a Meir e t ev e que v im sim bor a cor r endo e nem ficou pr o r est o da feir a. ( Janet e, pr e-sident e da AMA, j unho de 2008) .

A par t ir do r elat o de Janet e per cebe- se que as ar t esãs que ant es par t icipav am uni-das de feir as e div idiam o m esm o espaço nesses ev ent os, passar am a agir de for m a com pet it iv a e indiv idualist a diant e do v olu-m e de encoolu-m endas que chegav a após a di-v ulgação dos cat álogos dem onst r at idi-v os de seus pr odut os.

Segundo os depoim ent os, em razão de t al com por t am ent o por par t e das pr esident es dos grupos, t odas as dem ais art esãs da AMA, da APAM e da ASMUI passar am a enfr ent ar inúm er as dificuldades. A m anut enção des-sas at it udes indiv idualist as pr ej udicou o de-sem penho dos gr upos em dois aspect os pr i-m ordiais para a obt enção de êxit o na coi-m er-cialização dos pr odut os: a padr onização e o cum pr im ent o dos pr azos. I st o fez com que t oda a est r ut ur a m ont ada dur ant e a at ua-ção do pr ogr am a do SEBRAE v iesse a sola-par num cur t o per íodo de t em po.

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r ecebidas e os espaços nas feir as e em ou-t ros evenou-t os prom ovidos pelo SEBRAE e pela CEART. Elas t am bém se m ant iveram unidas na r ealização de t odo o t ipo de at iv idade; desde a par t icipação nos cur sos e r euniões, chegando at é a dividir t r abalhos e encom en-das. Mas, após o afast am ent o do SEBRAE, com o encer r am ent o do pr oj et o, as coisas acabar am t om ando out r os r um os, com o v e-r ificado nos depoim ent os t e-r ansce-r it os acim a. Diant e dest e cenár io de com pet it iv idade, as encom endas com eçar am a dim inuir e o t r abalho foi ficando escasso, o que ger ou um a nov a sit uação de descr ença por par t e das ar t esãs filiadas aos gr upos. Est as pas-sar am a se queix ar das desigualdades hie-r áhie-r quicas, pois a ohie-r ganização e a gest ão das associações passou a ficar cada v ez m ais cent r alizada nas m ãos das pr esident es, e da m á dist r ibuição dos t r abalhos.

At ualm ent e, é r ecor r ent e nos depoim en-t os a afir m ação que associação em Mar an-guape só ex ist e “ no nom e” e que, na r eali-dade, algum as m ulher es desfr ut am de m ais privilégios que out ras:

Ela [ r efer e- se à pr esident e de um a das a sso ci a çõ e s ci t a d a s n e st e t r a b a l h o ] pegou um m ont e de dinheir o de pr oj e-t o pr a associação, dizia que ia m one-t ar u m escr it ór io, com pr ar m at er ial, m as ficou t u do pr a ela, as ar t esãs n ão t i-nham dir eit o a nada, ela é que acabou fican do com t u do. Dizia qu e er a u m a associação, m as num er a não, par ecia que ela er a que er a a dona de t udo... ( Tân ia, ex - sócia d a AMA e d a APAM. Ent r ev ist ada em 16 de m ar ço de 2009) .

Com o se pode not ar, é pr ofundo o des-cont ent am ent o em r elação à m á dist r ibui-ção dos r ecur sos e bens conseguidos pelas associações. A ideia de que as “ benesses” do pr ocesso associat iv o só er am par t ilhadas por “ algum as”, ficando a m aior ia das sócias de for a, é m uit o pr esent e ent r e as ar t esãs que desist ir am do pr ocesso associat iv o e t am bém das que ainda m ant êm seus nom es in scr it os n os docu m en t os das en t idades. Est as últ im as, m esm o não acr edit ando na ideia de igualdade ent re os m em bros das as-sociações, cont inuam fazendo par t e do qua-dro de sócios, pois, dessa form a, podem

par-t icipar liv r em enpar-t e dos cur sos adv indos com os pr ogr am as dos gov er nos e t am bém por -que acr edit am -que se m ant endo com o associadas t êm m enor es chances de ser em ex -cluídas da par t ilha do t r abalho, no caso do r ecebim ent o de um a gr ande encom enda, com o podem os ver nos depoim ent os abaixo:

Um bucado de gent e saiu da associa-ção, m as t em um out ro pessoal que ain-da t em o nom e lá, eu num t irei o m eu não, de vez em quando a Conceição vem at rás da gent e pra dá cont a dos borda-do e aí é m ais um a coisinha pra nós né! ( Rosa Ferreira - ent revist ada em 22 de out ubro de 2009) .

Vix e! Er a gen t e dem ais, er a m ais de t r int a m ulhé só pr a bor dar, fora as que l a v a v a e e n g o m a v a . Ma s o n e g ó ci o par ece qu e n u m deu cer t o n ão sabe, t ev e m uit a gent e que cr esceu o olho e out r as que num gost ar am e acabou- se que saiu um a r eca de bor dadeir a, ago-r a elas boago-r dam pago-r a foago-r a, m as num que-r em nem sabeque-r m ais desse negócio de associação. [ ...] eu ainda t ô por que a gen t e pr ecisa n é m in h a f ia. . . f azer o quê, num pode t er or gulho nessas ho-r as não, aqui acolá quando ela ( pho-r esi-dent e da associação) se lem br a de m im ela m an d a u m as p eça p r a cá p r a eu f azer. . . . ( Mazé, ex sócia d a AMA, en -t r ev is-t ada em 23 de m ar ço de 2009) .

Diant e dest e cenár io, est á clar o que no lugar de um a pr át ica associat iv a e colabo-r a t i v a , co m o p colabo-r e g a v a m o s t é cn i co s d o SEBRAE, inst alou- se um a or dem negociada ent r e as ar t esãs.

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algu-m as pessoas que não só passar aalgu-m a t oalgu-m ar t odas as decisões por cont a pr ópr ia, m as t am bém passaram a se responsabilizar pelas quest ões bur ocr át icas da “ associação”.

Consider ações finais

Conheceu- se ao longo do pr esent e t ex t o alguns dos aspect os decisiv os da cam inha-da inha-das bor inha-dadeir as de Mar anguape em dir e-ção à r acionalizae-ção de seu t r abalho. Por m eio de polít icas int ervencionist as, as borda-deiras foram incent ivadas a t rabalhar em gru-po e a incor gru-por ar t écnicas e fer r am ent as advindas do cam po do design e da engenha-r ia de pengenha-r odução, e t ais ex peengenha-r iências t engenha-r oux e-ram m uit as t ransform ações para o seu m odo de v ida e t r abalho.

At ualm ent e, a AMA e a APAM per m ane-cem com o inst it uições j urídicas, m as elas não at uam na pr át ica com o associações, pois t oda a est r ut ur a das m esm as est á cent r alzada nas m ãos de algum as pessoas que ut i-lizam o apar at o inst it ucional par a at ender às suas necessidades pessoais. Ent r et ant o, as m ídias locais, filiadas à pr efeit ur a, com o o e n d e r e ç o e l e t r ô n i c o d a p r e f e i t u r a d e Mar anguape, ainda div ulgam a ex ist ência e a at iv idade dessas associações, inclusiv e da ASMUI , que foi ex t int a em 2007. I nv est idas com o est a, decor r em do int er esse em se m ant er a im agem do m unicípio associada ao bor dado, pois t al im agem aj uda a com por o cenár io dos em pr eendim ent os com er ciais e t ur íst icos que apelam par a a cult ur a com o fat or de agr egação de v alor sim bólico passí-vel de ser convert ido em valor m ercadológico. Dist o conclui se que supervalorizando sim -bolicam ent e o t rabalho dessas m ulheres com o algo cult ur al, belo e ar t íst ico, o seu m odo de v ida r eal, na m aior ia das v ezes, passa des-per cebido e suas dificuldades e conflit os são ofuscados pela im agem idealizada. E, com base na per pet uação de apelos dest a or

-d em , o ar t esanat o é im er so no m er ca-do, agr egando v alor aos pr odut os feit os em sé-r ie e se t osé-r nando um difesé-r encial de design, sendo apr esent ado nos espet áculos da v ida m oder na, com o nos desfiles de m oda, por exem plo.

Além disso, pode- se consider ar, ainda, que se os pr oj et os que v isam o incr em ent o do ar t esanat o por m eio de sua adequação m er -cadológica não obt ém sucesso em um det er m inado gr upo de ar det esãos, a saída é sim -ples: pr ocur am - se out r os e inv est e- se na pot encialização do t r abalho de out r os ar t e-sãos e de out r as t ipologias de ar t esanat o por que, com o coloca Lipov et sk y ( 1989) , o consum o hoj e em dia est á m enos v olt ado par a os obj et os do que par a aquilo que eles represent am .

Enfim , em face das circunst âncias enfren-t a d a s p e l o s g r u p o s d e b o r d a d e i r a s d e Mar anguape, algum as quest ões podem ser suscit adas: Ser á que a im plant ação de pr o-j et os e pr ogr am as com pr azos de v alidade pr ev iam ent e est ipulados par a a r ealização das int er v enções, com o foi o caso do pr oj e-t o I r m ãos do Cear á que ae-t uou efee-t iv am ene-t e apenas por um ano em Mar anguape, est ão com pat ív eis com as necessidades e dificul-dades r eais dos gr upos at endidos, um a v ez que sabem os das cont ingências inerent es ao cot idiano? Diant e disso, com o em pr eender um a polít ica pública que incr em ent e a pr o-dução dos ar t esãos, gar ant indo a est es a v alor ização de seu t r abalho de for m a con-sist ent e e cont ínua?

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