• Nenhum resultado encontrado

Brasília e pós-modernidade na terra de José Eduardo Belmonte

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Brasília e pós-modernidade na terra de José Eduardo Belmonte"

Copied!
110
0
0

Texto

(1)
(2)

LUCIANA CASCARDO RAMOS

BRASÍLIA E PÓS-MODERNIDADE NA TERRA DE JOSÉ EDUARDO BELMONTE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu Senso em Comunicação da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Comunicação.

Orientadora: Dra.Liliane Maria Macedo Machado

(3)

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB. R175b Ramos, Luciana Cascardo

Brasília e pós-modernidade na terra de José Eduardo Belmonte. / Luciana Cascardo Ramos – 2011.

110f. : il.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2011. Orientação: Liliane Maria Macedo Machado

1. Cinema-Brasília. 2. Comunicação e cultura. 3. Relações sociais. 4. Análise do discurso. I. Machado, Liliane Maria Macedo, orient. II. Título.

(4)
(5)
(6)

AGRADECIMENTO

Agradeço à minha orientadora, Professora Doutora Liliane Machado, por acreditar na minha pesquisa, pelos conselhos e pela fundamental ajuda. Agradeço também a todos os Professores Doutores que se dispuseram a colaborar com esse trabalho, participando das bancas, dando sugestões, contribuindo e fazendo parte do processo: Profa. Dra Elen Geraldes, Profa Dra Tânia Montoro, Profa Dra Florence Dravet, Prof. Dr. Sérgio de Sá.

Por ser alimento para os meus devaneios sobre o cinema brasileiro atual e por ceder gentilmente material para a análise, agradeço a José Eduardo Belmonte.

Pela imensa inspiração, agradeço aos meus amados pais, Naimar (in memoriam) e Eveline, que, como professores universitários queridos e pesquisadores dedicados, não apenas me ensinaram, mas, principalmente, me mostraram a importância do conhecimento.

Pela atenção e pela ajuda na revisão do texto, agradeço à minha tia, Ana Maria.

Pelo constante apoio, agradeço a meu marido, Márcio, que sempre acreditou na minha pesquisa.

(7)

Se queres ser universal, comece por pintar a sua aldeia.

(8)

RESUMO

Referência: RAMOS, Luciana Cascardo. “Brasília e a pós-modernidade na terra de José Eduardo Belmonte”. 2011. 110 Folhas. Dissertação de mestrado em Comunicação,

Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2011.

Cinema não é a reprodução da realidade, mas uma representação imagética que revela uma cultura, uma sociedade, um lugar e um tempo. O presente estudo insere-se no contexto da cultura midiática audiovisual e procura analisar a conexão estabelecida entre a obra de José Eduardo Belmonte, o seu espaço – Brasília – e o seu tempo – pós-modernidade, partindo do princípio de que a arte influencia o homem e o homem influencia a arte. O objetivo deste estudo inclui, ainda, entender o comportamento de uma sociedade, a realidade por ela construída, as relações que nela são estabelecidas e a forma como esses aspectos surgem na obra audiovisual em questão. O suporte teórico para esse trabalho centra-se nos estudos de representações sociais, imaginário e identidade. O corpus da pesquisa, composto por dois longas-metragens de Belmonte – Subterrâneos e A concepção – foi analisado com base na Análise do Discurso. Esse procedimento analítico foi utilizado visando relacionar a enunciação com o seu lugar social. Verificou-se, entre outras coisas, que os dois filmes analisados revelam diversos aspectos sobre o indivíduo pós-moderno inserido em Brasília, inclusive a procura por uma identidade local.

(9)

Abstract

Cinema is not a reproduction of the reality, but a representation that reveals a culture, a society, a place and a time. This study is part of the audiovisual media culture context and intends to analyze the connection established between José Eduardo Belmonte’s oeuvre, its space – Brasilia

– and its time – postmodernity. This study also intends to understand the behaviour of a society, its reality, and the relations established in it, as well as the way that these aspects appear in the analyzed audiovisual oeuvre. The theoretical basis of this study centres on social representations, imaginary and identity. Finally, the corpus of the research is composed of Subterrâneos and A concepção and was analyzed based on the French Discourse Analysis. This analytical procedure was used in order to relate the enunciation to its social place. It was verified that both analysed films reveal aspects of the postmodern individual related to Brasilia, such as the pursuit of a local identity.

(10)

SUMÁRIO

RESUMO ...8

ABSTRACT...9

INTRODUÇÃO...12

PRIMEIRA PARTE Brasília, pós-modernidade, cinema e outras histórias ...20

Capítulo 1 – A cidade, seu imaginário e suas representações ...21

1.1 A invenção de Brasília...21

1.2 O estudo do imaginário social ...24

1.3 O imaginário acerca de Brasília...26

1.4 Onde estão as representações?...30

1.5 Onde está a Identidade?...32

Capítulo 2 – O tempo de Belmonte...34

2.1 Arte, cinema e pós-modernidade...35

Capítulo 3 – O cinema: da origem à pós-modernidade...41

3.1 O cinema Brasiliense ...50

3.1.1 A origem do cinema brasiliense ...51

3.2 Belmonte: o cineasta ...53

3.3 Belmonte: o autor ...57

SEGUNDA PARTE Subterrâneos e A concepção: Brasília em tempo de cinema ...60

Capítulo 4 – Procedimentos metodológicos de análise dos filmes Subterrâneos e A concepção ...61

(11)

Capítulo 5 – Entre fotogramas, linguagens e signos...69

5.1 O indivíduo pós-moderno...69

5.2 As redes sociais contemporâneas em Brasília...75

5.3 A Pós-modernidade cinematográfica...78

5.4 Entre loucuras, verdades e afins ... 86

5.5 A verdade do filme... ...91

5.6 Brasília em transe... ...97

Considerações finais... ...102

Fontes...105

(12)

INTRODUÇÃO

A escolha de um tema a ser estudado é, na maioria das vezes, uma tarefa que exige esforço por parte do pesquisador. Decidir que caminho tomar é, a meu ver, um dos momentos mais importantes de uma pesquisa. No caso do presente trabalho, tal escolha resultou de um desejo primeiro que era o de estudar o cinema brasileiro. Acredito ser necessária uma reflexão acerca dessa arte no âmbito nacional, com a finalidade de procurar entender o processo de renovação pelo qual ela vem passando.

Posteriormente, houve a necessidade de traçar um objetivo mais específico desse objeto para conseguir empreender uma pesquisa densa. Retomei então questionamentos pessoais sobre o cinema produzido no Distrito Federal. Isso foi ocasionado por uma impressão que me acompanha desde minha experiência como estudante de Cinema e TV na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Àquela época eu podia perceber uma grande divergência temática entre meus colegas de curso e eu no tocante às questões que se pretendia trabalhar nos filmes propostos em sala de aula. A princípio, eu imaginava que isso originava-se de conflitos de opinião, porém, logo comecei a perceber que tais divergências refletiam questões culturais que influenciavam tanto as temáticas quanto as concepções estéticas dos filmes produzidos.

Esse processo, que me guiou até meu objeto de estudo, aflorou questões tais como: O que é o cinema? Qual a sua função? Qual a sua relação com a sociedade? Como as questões culturais influenciam as temáticas ou as concepções estéticas dos filmes?

O cinema – ou melhor, a arte cinematográfica – é uma forma de expressar as percepções acerca das pessoas, do mundo, do universo. Nos filmes pode-se contar uma história da forma que se desejar. Pode-se organizar o tempo e o espaço, eternizar a imagem magicamente, iluminado-a e musicando-a. O cineasta não descreve o mundo. Ele o reinventa, com base em suas informações e percepções. Segundo o cineasta Andrei Tarkovski, a arte pode ser definida como a expressão daquilo que o artista tem como verdade.

(13)

Apesar do fato de sentirmos, atualmente, uma crescente descrença na poesia do cotidiano e de, cada vez mais, tomarem conta de nós uma valorização do consumo e uma profunda indiferença pelo que é sublime, o artista permanece atento. Ele procura ver além do que é apenas palpável e do que está à frente dos seus olhos e se entrega à tentativa de um maior entendimento do que o circunda. É um observador pleno das atividades e características humanas. Toma a poesia do cotidiano, a reorganiza e a devolve como obra de arte. A conexão entre cinema e sociedade é característica primordial dessa arte e parte essencial dessa pesquisa.

Pode-se dizer que a arte sempre esteve presente em Brasília. A criação da cidade por Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Burle Marx – um arquiteto, um urbanista e um paisagista, respectivamente – por si só já lhe imprimiu um valor artístico e cultural. Não se tratava apenas da construção de uma capital, mas também da tentativa de construir uma obra de arte em meio ao planalto central.

Devido ao desejo de fazer da capital um monumento, seus criadores ergueram Brasília como uma cidade na qual a arte está nas ruas e não somente disponível àqueles que frequentam museus ou galerias. Aliada a isso está a proximidade – física, inclusive – do poder público federal que estimula não só a apreciação do belo, mas também uma postura politicamente crítica, característica de uma parte da juventude brasiliense mais intelectualizada e disposta a provocar mudanças. Tal parcela da população contribui tanto para a produção de arte quanto para a sua apreciação.

(14)

O segundo motivo é o fato de Brasília ser sede do mais antigo festival de cinema do país: o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, criado em 1965 é, até hoje, considerado pela classe artística de suma importância para o cinema brasileiro, não apenas pela seleção criteriosa dos títulos que compõem a mostra competitiva mas, principalmente, pelo comparecimento massivo e participativo do público.

Em 2010 o Cine Brasília sediou a 43a edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro que ocorreu, pela primeira vez, de 15 a 22 de novembro de 1965, ainda com o nome de Semana do Cinema Brasileiro. Desde então o evento ocorreu todos os anos com exceção de 1972, 1973 e 1974, quando foi suspenso pela ditadura militar. Seu objetivo, originalmente, era levar o cinema nacional à nova capital e promover o encontro entre cineastas, produtores e técnicos. Logo em seus primeiros anos o Festival premiou filmes de cineastas como Rogério Sganzerla, Ruy Guerra, Paulo Cesar Saraceni, Cacá Diegues e outros.

O terceiro motivo diz respeito à criação do curso de cinema da Universidade de Brasília ainda na década de 1960. O curso proporcionou a mudança, para a cidade, de diversos cineastas, críticos e pesquisadores, tais como Nelson Pereira dos Santos, Paulo Emílio Salles Gomes, Jean Claude Bernadet e Maurice Capovilla, com a finalidade de formar seu corpo docente. Esses assuntos serão melhor abordados no segundo capítulo desta dissertação.

Em meio a essa cidade criada tal qual obra de arte desenvolveu-se a primeira geração de brasilienses – o grupo de pessoas nascidas em Brasília por volta dos anos 1970 – que, juntamente com os filhos dos que vieram tentar uma vida melhor na nova capital federal, têm o conhecimento prático do que é crescer em uma cidade com pouquíssimas opções de lazer. Vale ressaltar que tal escassez não se devia a fatores sociais e sim a poucas opções de entretenimento local, pois a cidade ainda estava em formação.

(15)

viam, na possibilidade de se encontrar com os amigos para fazer músicas e ensaiar, a saída para o aparente marasmo. Essa geração aprendeu a ser brasiliense, criou seu próprio modo de entretenimento e deu início à formação de uma identidade local.

Algo parecido com o que ocorreu à época da intensa produção musical brasiliense – que perdura até hoje, porém, em volume um pouco menor – acontece agora com o cinema local. Existe uma crescente produção audiovisual na cidade que se deve, entre outros fatores, ao barateamento dos custos de realização dos filmes, devido ao advento do cinema digital; a uma crescente qualificação de técnicos locais, pelo fato de haver mais cursos de capacitação na área tanto na cidade quanto fora dela; e, também, a uma sutil mudança no que diz respeito à captação de recursos junto ao governo do Distrito Federal, por meio do FAC (Fundo de Arte e Cultura), e junto ao governo federal, por meio da lei do audiovisual e de outras leis de incentivo à cultura.

Segundo Tarkovski, o cinema é o meio de “explorar os problemas mais complexos do

nosso tempo, tão vitais quanto aqueles que há tantos séculos vem servindo de tema à literatura, à

musica e à pintura” (TARKOVSKI, 1998, p 94). É nesse ponto de convergência entre o cinema

como forma de expressão dos habitantes da cidade e o desejo dos criadores de explorar os anseios do seu tempo e de sua cultura, que se encontra a identidade do cinema local. Se tal forma de arte tem uma imensa capacidade que até então, segundo o autor, não havia sido encontrada em outras artes, de levantar questões inerentes à modernidade e à pós-modernidade, indagamo-nos sobre as questões levantadas pelos cineastas brasilienses.

Como parte da busca de um objetivo específico, foi estabelecido que o cinema brasiliense será aqui representado por José Eduardo Belmonte. A escolha baseou-se em duas razões. A primeira foi a relevância da obra em questão e a segunda diz respeito ao fato de Belmonte ter, não apenas vivido, mas se criado na cidade1. Não me interessava trabalhar com algum cineasta que, por mais competente ou reconhecido que pudesse ser, não partilhasse do universo cultural que, acredito, é primordial para a formação do cinema brasiliense.

Como parte do grupo de jovens que migrou para a cidade no início de sua existência e nela se fixou, Belmonte aprendeu a lidar com o processo de criação da cidade e a entendê-la

(16)

como um organismo social para, em seguida, revelar suas formulações em seus filmes. Sobre seu segundo longa-metragem – A Concepção ele disse, em entrevista à Revista Eletrônica Pílula Pop2, que “o filme podia se passar em qualquer canto, mas tem isso de Brasília que é um vazio

muito grande, uma falta de referências – e daí você pode ser tudo. É um pouco esse paradoxo”. Quanto ao tema do filme, ele segue dizendo “...é um filme sobre a crise e em crise. ... O vazio em Brasília é o vazio da gente. Já tentamos tanto tipo de coisa, tanto tipo de discurso, de modos

de vida, e isso não tapou o buraco”.

Em seus filmes pode-se perceber uma atividade poética intensa, além de uma preferência pelo questionamento e pela inquietude. Sua obra é um motor propulsor de reações catárticas que giram em torno de questões típicas de uma sociedade pós-moderna e caótica. Refiro-me a um tipo de linguagem distinta daquela que observamos em grande parte dos filmes. Belmonte faz parte de um grupo de cineastas que usa uma linguagem pautada em um sentido vertical, e não na horizontalidade, ao fazer uso da gramática cinematográfica de forma inventiva e desafiadora.

Se a arte influencia o homem e o homem influencia a arte em um constante movimento circular, destacando e/ou construindo uma identidade local, pode-se perguntar: quais as influências da cidade de Brasília e da pós-modernidade na obra de José Eduardo Belmonte? Como a cidade e o tempo apresentam-se nessa produção?

O objetivo central deste trabalho é analisar a conexão que a obra de José Eduardo Belmonte estabelece com o seu espaço – Brasília – e o seu tempo – pós-modernidade. Pretendo detectar quais os aspectos sócio-culturais característicos de Brasília estão relacionados na obra. O objetivo deste estudo inclui entender o comportamento de uma sociedade, a realidade por ela construída, as relações que nela são estabelecidas e, além disso, a forma como esses aspectos surgem na obra audiovisual em questão. Baseio-me no fato de que o cinema não é a reprodução da realidade, mas sim, uma leitura do social. Ou seja: um modo de pensar que se apresenta de forma imagética e revela uma cultura, uma sociedade, um lugar e um tempo.

2CAMPANELLA, Rodrigo. Ver e viver em Brasília. Revista Pílula pop. Disponível em:

(17)

A partir dessas formulações, elegi um corpus composto por dois longas-metragens de José Eduardo Belmonte: Subterrâneos e A concepção. A opção pelo estudo desses dois filmes deveu-se ao fato de lidarem com os dois componentes que sustentam o objetivo do presente estudo: a pós-modernidade e Brasília. A partir dos dois filmes, foi realizada a análise descritiva da obra do cineasta concomitantemente à análise dos aspectos culturais e simbólicos presentes nos dois longas-metragens, com o objetivo de avaliar e refletir acerca do impacto das práticas sociais e culturais de Brasília na produção de Belmonte.

Dessa forma, segui por dois caminhos: o primeiro diz respeito ao estudo da construção do imaginário e da identidade de Brasília e também ao estudo da pós-modernidade. O segundo caminho é o da análise da obra, de suas características, de seus simbolismos e de sua identidade usando os estudos acerca do imaginário, identidade e representações sociais como aporte teórico.

Essa pesquisa justifica-se não somente pela importância de um estudo profundo e profícuo acerca de uma parcela do cinema brasileiro, mas também pelo fato de explorar o universo de um artista/cineasta que desenvolveu a habilidade de se manter no mercado cinematográfico de forma tão constante e competente que nos impele ao reconhecimento de seu saber. Belmonte vem, ao longo de seu trabalho, deixando sua marca na cinematografia brasileira e permanece atuante apesar de todas as dificuldades que os realizadores encontram ao produzir cinema no Brasil de forma independente, sem vínculo com grandes estúdios. Além disso, esta pesquisa ajudará a entender melhor o processo de criação cinematográfica e o impacto das questões sociais sobre essa arte. Tais fatos tornam esse trabalho relevante para diversas áreas tais como comunicação, artes, linguagem, além de sociologia e antropologia.

O referencial teórico deste trabalho pode ser agrupado em duas categorias. A primeira refere-se aos estudos de representações sociais, de identidade e de imaginário em que figuram nomes como Denise Jodelet para as considerações acerca de representações sociais; Stuart Hall, Kathryn Woodward e Tomaz Tadeu da Silva para as questões de identidade e Michel Maffesoli, Sandra Jatahy Pesavento e Tania Navarro Swain para as questões acerca do imaginário.

(18)

baseou-se na Análibaseou-se do Discurso francesa sob a perspectiva, principalmente, de Michel Foucault, Eni Orlandi e Dominique Maingueneau.

Na primeira etapa da pesquisa foi realizado um levantamento sobre a produção cinematográfica de José Eduardo Belmonte por meio de pesquisas e análises documentais3. Após, foi feita uma pesquisa acerca de Brasília – a outra parte na relação obra/cidade – pois era importante conhecer o seu processo de criação, o processo de construção de sua sociedade e, também, de sua identidade. E, finalmente, realizou-se um estudo da modernidade e do pós-modernismo que proporcionou maior entendimento sobre as condições da formação do discurso de Belmonte.

A etapa seguinte consistiu em analisar os filmes de José Eduardo Belmonte que constituem o corpus da pesquisa: Subterrâneos e A concepção. Este trabalho apresenta abordagem qualitativa e busca melhor compreender a obra do cineasta. Contudo, em face das especificidades do material, faz-se necessário o uso de parâmetros diferentes daqueles geralmente utilizados em outros tipos de documentos. Dessa forma, o procedimento metodológico de análise empregado neste trabalho ocorre concomitantemente em duas frentes – análise fílmica e análise do discurso – as quais foram guiadas pela leitura e pela busca da significação do texto fílmico (composto de falas, imagens, sons e ruídos) .

A dissertação está estruturada em duas partes. Na primeira são apresentados os pilares da pesquisa: Brasília, pós-modernidade e cinema. O primeiro capítulo da primeira parte introduz reflexões teóricas acerca de imaginário e de representações sociais e intitula-se A cidade, seu imaginário e suas representações. Ele é subdivido em A invenção de Brasília, O estudo do imaginário social, O imaginário acerca de Brasília, Onde estão as representações? e Onde está a identidade?. O segundo capítulo, intitulado Pós-modernidade: o tempo de Belmonte, trata de questões referentes à pós-modernidade e o terceiro capítulo, O cinema: da origem à pós-modernidade, trata da arte cinematográfica, da trajetória do cinema no Brasil e em Brasília e da trajetória do cineasta José Eduardo Belmonte. Esse capítulo subdivide-se em Da origem

3 O jornal Correio Braziliense

(19)

francesa ao cinema brasileiro atual: um breve panorama,O Cinema Brasiliense,Belmonte: o cineasta e Belmonte: o autor.

(20)

PRIMEIRA PARTE

(21)

Capítulo 1 – A cidade, seu imaginário e suas representações

Brasília foi cuidadosamente planejada atendendo a muitos dos preceitos ditados por Le Corbusier na Carta de Atenas (FREITAG, 2006, p. 142). Entretanto, durante o período de pouco mais de 51 anos entre sua inauguração e os dias atuais, a nova capital brasileira passou por diversas adaptações. A situação que a cidade vive atualmente, provocada, entre outros aspectos, por lapsos por parte de seus criadores – que não previram, por exemplo, a permanência dos trabalhadores que construíram a cidade e a consequente necessidade de moradias adequadas para essas pessoas – e por um inchaço urbano originado de um crescimento populacional muito além de qualquer expectativa, fez com que Brasília necessitasse lidar com uma desilusão relacionada à utopia da capital perfeita. A fim de melhor analisar esse processo, usaremos, entre outros textos, matérias publicadas no Correio Braziliense durante os primeiros anos da capital, com a intenção de entender melhor o surgimento e o amadurecimento da sociedade em questão sob a perspectiva de quem habitava na cidade. Este capítulo também inclui noções de imaginários e representações sociais, que serão utilizados na tentativa de apreender as imagens de sonhos, devaneios e frustrações que integram o imaginário de seus habitantes, apontando para como eles são apresentados na obra de José Eduardo Belmonte, especificamente em seus dois primeiros longas-metragens: Subterrâneos e A concepção.

1.1 A invenção de Brasília

Lúcio Costa, ao descrever, em 1957, os planos que tinha para a nova capital, disse:

(22)

Tais ideias nos permitem afirmar que Brasília foi pensada por Lúcio Costa de forma a possibilitar a integração entre as pessoas. A cidade deveria, segundo a proposta do criador do Plano Piloto, unir urbs e civitas. Dessa forma ela não seria apenas feita de concreto, edifícios, e grandes vias, mas também de pessoas, de um povo que daria ao lugar uma vida coletiva, de interações sociais e culturais. De acordo com a antropóloga e socióloga Mariza Veloso, a cidade,

“apesar da racionalidade, da amplitude de suas vias e da suposta anulação do pedestre, enfatiza

sobremodo em seu projeto espaços públicos, ou pelo menos, amplas possibilidades de vivência

coletiva”. (VELOSO, 2009, p. 87).

Do ponto de vista político, Brasília nasceu da proposta de desenvolvimento do interior do Brasil e de integração entre as partes mais afastadas do país. Além disso, tinha a difícil missão de abrigar a sede do governo e de ser um dos maiores polos culturais e intelectuais do Brasil. Esperava-se muito dessa cidade que era promessa de mudanças diversas. Na ocasião do segundo aniversário da cidade, o jornal Correio Braziliense publicou a seguinte mensagem do então ex-presidente Juscelino Kubitschek:

De Brasília deverá ser retomada a marcha pela restituição da dignidade e da plenitude da Democracia. De Brasília deverá ser reafirmada a toda a Nação da necessidade de ser continuada a luta pela independência do Brasil. Brasília é a afirmação da capacidade de trabalho e de sacrifício dos brasileiros e principalmente dos candangos que vindos de toda parte formaram a Capital da Esperança. Brasília não é apenas a Capital da Federação Brasileira, mas o símbolo de um novo país. (Correio Braziliense, Brasília, 21 de abril. 1962. 1o Caderno, p.1)

A capacidade de trabalho mencionada por Juscelino Kubitschek nessa ocasião já havia sido abordada por Israel Pinheiro, em entrevista concedida ao jornal Correio Braziliense e publicada um ano antes. Segundo o jornal, Israel Pinheiro afirmou que o “espírito de Brasília” e a

proteção divina por meio de Dom Bosco foram fatores decisivos para que a cidade fosse

construída em três anos. O pioneiro explica que tal “espírito” é “o desprendimento, a cooperação

e o entusiasmo de todos pela consecução do plano.” (Correio Braziliense, Brasília, 21 de abril.

1961. 1o Caderno, p. 6).

(23)

formado por funcionários públicos impelidos por sonhos de uma vida melhor e um terceiro grupo composto por pessoas dispostas a formar uma sociedade lúcida e sensível, como desejava Lúcio Costa. Além, é claro, de uma quarta parcela relacionada diretamente ao poder político inerente a uma capital federal. De acordo com matéria publicada no jornal Correio Braziliense em 21 de abril de 1962, intitulada Riquezas, aventuras e frustrações elucidam o surgimento do candango,

Espírito de aventura, sede de riquezas e frustrações são os três mais agudos sentimentos elucidativos da sofreguidão com que grandes migratórias convergiram para Brasília, desde sua fundação (...) Até mesmo parte do funcionalismo público não foge a essas três conceituações, pois impelida por sonhos de uma melhor posição, desafogo da vida trepidante, cansativa e enervante dos grandes centros para cá demandou ao primeiro chamamento.

(Correio Braziliense, Brasília, 21 de abril. 1962. 1o Caderno, p. 2)

Nelson Pereira dos Santos foi um dos que se mudaram para a nova capital a fim de formar a intelectualidade brasiliense. Em 1965, o cineasta foi convidado por Pompeu de Sousa para, junto com o crítico de cinema Paulo Emilio Salles Gomes, montar o primeiro curso de cinema do Brasil, com sede na Universidade de Brasília. Segundo Salmeron (2009, p. 168) sua permanência no curso foi curta e durou até seu pedido de demissão, junto com outros 222 docentes. Tal pedido ocorreu em solidariedade a alguns professores, entre eles Pompeu de Sousa, que foram demitidos pelo governo militar em outubro do mesmo ano. Nesse período o cineasta realizou o curta metragem Fala Brasília, segundo ele uma pesquisa do falar brasileiro que estaria bem representado em Brasília, partindo do pressuposto que na cidade se encontravam representantes

de todas partes do Brasil.” (Correio Braziliense, Brasília, 21 de abril. 2006. Caderno 4+6 – Dez visões de Brasília, p. 6).

Nelson Pereira dos Santos, (Correio Braziliense, Brasília, 21 de abril. 2006. Caderno 4+6

(24)

algum tipo de avaliação em relação à nova capital. Dessa forma, o imaginário relativo à cidade formava-se concomitantemente à sua construção.

1.2. O estudo do imaginário social

Ao optarmos pelo estudo sobre o que une um grupo social e o que estabelece seus vínculos, estamos lidando com seu imaginário. Segundo Tânia Navarro Swain, o estudo do

imaginário se insere em um “horizonte psíquico habitado por representações e imagens

canalizadoras de afetos, desejos, emoções, esperanças e emulações; o próprio tecido social é urdido pelo imaginário – suas cores, matizes, desenhos reproduzem a trama do fio que os

engendrou.” (SWAIN, 1994, p.48).

Sandra Jatahy Pesavento sinaliza que o estudo do imaginário vem se afirmando como tendência na área de análises sócio-culturais, devido a certos aspectos observados na

pós-modernidade, são eles: “a crise dos paradigmas de análise da realidade, o fim da crença nas verdades absolutas legitimadoras da ordem social e a interdisciplinaridade.” (PESAVENTO, 1995, p. 9).

O imaginário era conceito exclusivo da área artística até meados do século XX, quando passou a se inserir em outras áreas do conhecimento. Bronislaw Baczko, ao falar sobre o episódio de Maio de 68, na França, diz que seu discurso foi exemplo do deslocamento da imaginação para um outro nível. Os slogans – “a imaginação no poder” e “sejamos realistas, exijamos o impossível” – associavam imaginação e poder, e continham “algo de paradoxal ou mesmo de

provocatório, na medida em que um termo, cuja acepção corrente designava uma faculdade produtora de ilusões, sonhos e símbolos, e que pertencia sobretudo ao domínio das artes, irrompia

agora a um terreno reservado às coisas ‘sérias’ e ‘reais’”. (BACZKO, 1985, p. 296). Segundo o

(25)

A tradição intelectual, contudo, insistia em separar o verdadeiro do ilusório; o real do imaginário. Essa condição ocorria devido à força do pensamento racional e científico que negava tudo o que representasse opiniões, ideologias, pré-noções. “Para Descartes, o saber racional se

separou do imaginário numa postura que se estenderia até Comte e que opunha o cientificismo,

como critério de verdade, ao ilusório da ficção.” (PESAVENTO, 1995, p.11).

De acordo com Pesavento, a sociedade do século XIX, regida pelo cientificismo, contudo, também deu os primeiros passos em direção ao estudo das imagens por meio da psicanálise, com Freud, e da etnologia, com Malinowski, Dumezil e Lévi-Strauss. Nos anos 40, Bachelard também se voltou em direção ao imaginário ao perceber a função criadora da imaginação dentro da tecnologia. Os estudos da história logo se renderam ao imaginário e passaram a afirmar a

inexistência de verdades absolutas. “No decorrer dos anos 80, a história social desembocou na chamada ‘nova história cultural’ que passou a lidar com novos objetos de estudo: mentalidades,

valores, crenças, mitos, representações coletivas traduzidas na arte, literatura, formas

institucionais.” (PESAVENTO, 1995, p. 12). Dessa forma, enquanto ocorria um declínio do

pensamento cientificista e racional, o poder do imaginário, como objeto de estudo e fonte de informação, se afirmava.

No entanto, como se definiria o imaginário? Em entrevista concedida a Juremir Machado da Silva, publicada na Revista FAMECOS, em 2001, Michel Mafesolli afirma que, embora seja difícil conceituá-lo, ele apresenta “um elemento racional, ou razoável, mas também outros parâmetros como o onírico, o lúdico, a fantasia, o imaginativo, o afetivo, o não-racional, o

irracional, os sonhos, enfim, as construções mentais potencializadoras das chamadas práticas.”

(SILVA, 2001, p. 76). O imaginário é, segundo Mafesolli, “o estado de espírito de um grupo, de

um país, de um estado-nação, de uma comunidade, etc.” (SILVA, 2001, p.75).

De acordo com Sandra Jatahy Pesavento, o imaginário é

(26)

1.3. O imaginário acerca de Brasília

À época de sua inauguração, a imagem que se tinha de Brasília era de uma cidade moderna, em expansão e aberta para todos que dela desejassem fazer parte. Por outro lado, era motivo de desconfiança sobre a real possibilidade de sua concretização e sobre a necessidade de sua construção. Na ocasião de sua visita à recém criada cidade, a escritora Clarice Lispector traduz da seguinte forma sua impressão sobre a nova capital: “Os dois arquitetos não pensaram

em construir beleza, seria fácil: eles ergueram o espanto inexplicado. A criação não é uma

compreensão, é um novo mistério.” (LISPECTOR, 1999, p. 41).

Brasília era um mistério. Apesar de todos s esforços feitos para erguer a cidade em tempo recorde, às custas dos operários que trabalhavam 20 horas por dia, segundo entrevista, citada anteriormente, concedida por Israel Pinheiro e publicada ao jornal Correio Braziliense em 21 de abril de 1961, a cidade enquanto civitas ainda não existia. Sabia-se apenas que ela havia sido planejada para o trabalho e que, paradoxalmente, deveria ser viva, agradável, um dos maiores focos de cultura do país e que, além disso, proporcionaria aos seus habitantes a possibilidade da convivência.

Contudo, apesar do plano inicial de Lúcio Costa, da legítima intenção de incorporar e/ou favorecer a integração interpessoal daqueles que habitariam a nova capital, como os habitantes de fato, cidadãos brasilienses, se incorporaram a esse planejamento?

Pode-se afirmar que essa sociedade, formada por imigrantes de diversos estados, além dos estrangeiros, conseguiu se organizar de forma a estabelecer certos laços culturais por meio de um processo de integração entre os habitantes da cidade que obtiveram sucesso em incorporar o hábito da vida dividida em quadras. Tanto as gerações criadas quanto as nascidas na nova capital acostumaram-se com a vivência “embaixo dos blocos”4, em centros comerciais e por meio do

esporte e/ou da música. Por essa convivência, grande parte dos indivíduos, oriundos de diversas regiões do país, conheciam-se, estabeleciam laços de amizade, casavam-se e firmavam-se na

4A expressão brasiliense “embaixo do bloco” diz respeito, mais precisamente, aos pilotis dos prédios residenciais:

(27)

cidade. Criou-se uma sociedade atípica, detentora de diversidade étnica, cultural, regional e social. Nesse processo ocorreu a formação do imaginário acerca da cidade.

Surgiu então uma nova sociedade, que se encontrava em espaços comerciais próximos às suas residências e criava um novo modo de vida, baseado em maior liberdade de trânsito entre os lugares. Segundo Veloso,

Brasília encarna a modernidade em seu cotidiano, ao valorizar a produção do conhecimento científico, artístico e as experiências sociais alternativas. Igualmente destaca-se a criatividade na capacidade de adaptação dos seus habitantes – inicialmente todos estrangeiros – que aprenderam na cidade modernista como viver junto. (VELOSO, 2009, p. 90)

É recorrente essa avaliação feita pela professora Mariza Veloso sobre o conhecimento científico e artístico dos habitantes de Brasília. De alguma forma se estabeleceu na cidade uma vocação para o pensar, bem como para a arte, tal como Lúcio Costa havia previsto. A autora diz que isso se deve, em parte, a sua vocação cosmopolita de ultrapassar fronteiras, ou melhor, de existir além das barreiras geopolíticas.

Contudo, de acordo com Barbara Freitag (2006, p. 143), apesar de o projeto da nova capital priorizar os princípios arquitetônicos da modernidade – tais como espaço livre, ausência de muros e convivialidade – e os princípios socialistas utópicos de ausência de propriedade de terra e imóveis, ignorou os problemas sociais, a violência e a pobreza que sempre ocorreram no Brasil. Devido a isso, os trabalhadores da construção da cidade – ou candangos, como foram chamados – não foram contemplados com previsão de moradia, ocasionando o surgimento de várias cidades-satélites nos arredores da capital, um grande aumento populacional no Distrito Federal e uma série de problemas sociais que repercutem até os dias atuais.

O caso de Brasília é muito peculiar pois, apesar de existir uma expectativa quanto ao que seria a nova capital, que englobava sua multiculturalidade, receptividade, modernidade, além de sua predisposição para as relações interpessoais, para a arte e para a intelectualidade; a realidade contrariava essa utopia.

(28)

fosse cumprido. A cidade, cujo plano urbanístico tinha como um de seus princípios a facilidade de integração, dividia seus habitantes em pequenos grupos dentro de suas áreas residenciais,

chamadas “quadras”. Além disso, logo após sua inauguração, a cidade, que deveria se transformar em um polo intelectual, tornou-se sede de um governo ditatorial que restringia a atividade artística e intelectual de todo país. Estava criado um impasse5.

Houve, sem dúvida, o estabelecimento de um conflito entre o que se planejou e se idealizou para a capital e o que os brasilienses vivenciariam no dia-a-dia. A cidade de grandes espaços e grandes distâncias se mostraria, ao mesmo tempo, bela e inatingível; difícil de ser apreendida em suas nuances espaciais. Para alguns, essas características seriam motivo de repúdio e, por vezes, vontade de evadir-se para um lugar seguro, habitualmente a cidade de origem. Para outros, a cidade seria um desafio a ser decifrado. E, por fim, para os que nasceram na capital ou que para ela se mudaram muito jovens, a cidade gerava um sentimento, geralmente dúbio, que mesclava amor e ódio. Essa geração, especificamente, começaria a se reinventar nesse espaço, dando origem a representações que viriam a formar um imaginário que se sobrepõe ao do início da construção da cidade.

Por um lado, Brasília é comumente considerada segregacionista, devido ao fato de ter sido planejada de forma a separar e organizar seus habitantes em grupos de pessoas com algum tipo de característica em comum, de caráter social e/ou econômico: o plano piloto divide-se em área residencial, área comercial, setor hoteleiro, setor de diversões, setor de oficinas, entre outros. Além disso, a cidade nunca comportou residências de operários. Para tal, foram criadas as cidades satélites.

Por outro lado, a cidade proporciona o encontro daqueles que se juntam por interesses comuns. É uma cidade jovem, que agrega pessoas vindas de diversos lugares e, por essa razão,

5 O confronto entre o que a cidade deveria ser e o que ela realmente era, teve reflexos na arte e rendeu uma produção

(29)

encontram-se fora de sua cultura original e sem raízes6. Uma cidade jovem, mas crescente; monumental, mas em construção; estranha, mas totalmente conhecida. Tudo isso gera um desconforto, uma eterna construção e desconstrução de conceitos sobre a cidade por parte das pessoas que nela habitam. Brasília é uma cidade marcada por contradições.

Deve-se observar que as noções de imaginário de Baszko e Maffesoli, já discutidas nesse capítulo, incluem tanto os sentimentos de sonho e idealização quanto os de frustração e repúdio. Sem dúvidas, eles integram o imaginário que permeia os habitantes da capital federal. Tal imaginário, a meu ver, é expresso nos dois filmes que compõem o corpus da presente pesquisa:

Subterrâneos e A concepção, cujos personagens são acometidos tanto por desespero e inadequação quanto por um desejo de compreensão do espaço e do tempo que os circundam. Pode-se ainda dizer que esses sentimentos relacionam-se com a discrepância entre a utopia moderna – que inclui a utopia brasiliense – e a vida pós-moderna do final do século XX.

De acordo com Tânia Navarro Swain, o imaginário opera, em dois registros: “o da

paráfrase, a repetição do mesmo sobre outro invólucro; e o da polissemia, na criação de novos

sentidos, de um deslocamento de perspectivas que permite a implantação de novas práticas.”

(SWAIN, 1993, p. 52). No caso de Brasília, como podemos perceber, o imaginário operou tanto na construção da nova capital, difundindo a imagem utópica da cidade, como vimos anteriormente; como também na obra artística das pessoas que habitavam – ou habitam – a cidade e que pretendiam – ou pretendem – expandir e recriar o imaginário acerca de Brasília.

No presente estudo podemos perceber a comunicação social agindo sobre o imaginário. A mídia se apresenta como local de produção do imaginário social

criando todo tipo de representação / imagem / sentidos, reelaborando ou ressemantizando enunciados, ou introduzindo novos valores / costumes / esperanças / ideais. O emocional, as pulsões, os desejos, são interpelados [...] como sedimentação afetiva em torno de esquemas tradicionais ou apelo à renovação da imagética presente historicamente. (SWAIN, 1994, p.57).

6 A Pesquisa de população e domicílios PNAD realizada em 2008, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

(30)

Além disso, no caso em questão, o imaginário se apresenta tanto como perpetuador de imagens, quanto como criador de sentidos. Se por um lado percebemos, nas publicações jornalísticas da época da construção de Brasília, indícios de uma tentativa em sedimentar a imagem criada para a cidade, como um projeto para a integração e desenvolvimento do país, de lugar acolhedor, multicultural e promissor, como vimos anteriormente; por outro lado percebemos o rock brasiliense e, finalmente, o cinema de José Eduardo Belmonte, como tentativa de produzir novos valores, costumes e ideais. Nesse caso, a tentativa de produção de novos valores ocorre por meio de uma crítica à ordem social constituída, identificando e recriando papéis, valores e paradigmas.

Atravessando (e interferindo em) toda a constituição das formações discursivas, instaurando paradigmas e papéis criando normas, valores e verdades, determinando as fronteiras e as margens, indicando os níveis de tolerância / absorção, traçando estratégias, projetando cores e tons, o imaginário, em sua ambiguidade fundamental, explora os obscuros traçados do desejo, do impulso primeiro, criador / criatura, construtor / construído, campo privilegiado da apreensão do social. (SWAIN, 1994, p. 66).

Por diversas questões culturais, sociais, econômicas e, também, arquitetônicas, a cidade em foco e sua população demandam um estudo capaz de questionar esse universo. Ao entender que o estudo do imaginário é um campo multidisciplinar no qual “diferentes abordagens e tendências metodológicas se cruzam e se contrapõem” (BACZKO, 1985, p.308) e que congrega

diversos aspectos da sociedade e da cultura, avaliamos que essa é a abordagem adequada ao estudo da conexão existente entre o tempo, a cidade e o cinema nela produzido, proporcionando um entendimento acerca de como a formação da cidade e de seu grupo social influenciam em sua produção cinematográfica, aqui representada por Belmonte.

1.4 Onde estão as representações?

(31)

Geralmente reconhece-se que as representações sociais – enquanto sistemas de interpretação que regem nossa relação com o mundo e com os outros – orientam e organizam as condutas e as comunicações sociais. Da mesma forma, elas intervêm em processos variados, tais como a difusão e a assimilação dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as representações sociais. (JODELET, 2002, p. 22)

As representações sociais são, segundo Jodelet (2002, p.17-22), fruto da convivência social e nascem da necessidade de reconhecer e solucionar as questões emergentes. A representação compreende a relação na qual o sujeito se reporta a um objeto por meio de um ato de pensamento, o interpreta, o apresenta e o substitui trazendo a marca do sujeito.

O cinema interpreta e apresenta sua sociedade partindo de sua história para criar uma representação imagética daquilo que o cerca. De acordo com José D’Assunção Barros (2008, p.

50), por um lado essa arte pode ser vista como um meio de difusão ideológica, instrumento de dominação, de imposição hegemônica e, por outro, como meio de resistência. A obra cinematográfica pode ser reveladora de diversas visões sobre a sociedade que a produz. Segundo o autor (2008, p. 53), a arte cinematográfica é, ao mesmo tempo, agente e produto da história e, por essa razão, se apresenta como uma ferramenta importante para acessar o cerne de uma sociedade, tendo em vista que é ela que a alimenta de temáticas.

Devido à conexão direta entre sociedade e obra, o produto cinematográfico carrega as significações e os imaginários do lugar que o produz. Dessa maneira,

revela visões de mundo, padrões de comportamento, mentalidades, sistemas de hábitos, hierarquias sociais cristalizadas em formações discursivas, e tantos outros aspectos vinculados à uma determinada sociedade historicamente localizada. (BARROS, 2008, p. 54).

(32)

1.5 Onde está a identidade?

De acordo com Stuart Hall (2000, p. 50), uma cultura constitui um discurso que constrói sentidos, nos influencia, organiza e define a concepção que temos de nós mesmos e, ao fazer isso, constrói identidades. Os sistemas de representação, cultura, identidade e significado estão interligados. Segundo Kathryn Woodward (2009, p. 17), o entendimento desses sistemas será possível, apenas, se ocorrer a percepção sobre as posições-de-sujeito que eles produzem e como as pessoas, como sujeitos, podem ser posicionadas em seu interior.

Para a autora, as representações, percebidas como processo cultural, produzem significados por meio dos quais os indivíduos se reafirmam e dão sentido às suas experiências.

Elas estabelecem “identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se

baseia fornecem possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu

quero ser?” (WOODWARD, 2009, p. 17).

Hall, entretanto, ao pensar a questão da identidade como algo que vem sendo modificado ao longo dos anos devido a mudanças centrais na sociedade, avalia que ela responde a questões

tais como: “‘quem nós podemos nos tornar?’, ‘como nós temos sido representados?’ e ‘como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós mesmos?’” (HALL, 2009, p.

109).

O conceito de identidade desenvolvido por Hall (2009, p. 103) não corresponde a algo imutável, inerte ou apenas fruto de uma história partilhada por um povo. Esse conceito baseia-se na afirmação de que, na modernidade tardia, as identidades estão em constante processo de transformação e são construídas com base em discursos e práticas que podem fundir-se ou distanciar-se. Verifica-se, a partir das colocações de Hall, que devido ao caráter plural e dinâmico das identidades, elas correspondem àquilo que a sociedade se torna e não somente àquilo que a sociedade é.

(33)
(34)

Capítulo 2 – O tempo de Belmonte

Percebe-se, na obra de José Eduardo Belmonte, uma forte influência de questões relativas à contemporaneidade. O cineasta representa o seu tempo, indagando acerca de aspectos inerentes à sociedade e estabelecendo laços artísticos com seus contemporâneos. Faz-se necessário, então, apresentar as características desse tempo que interfere e/ou se apresenta em sua produção. Com esse propósito, serão apresentados neste capítulo alguns aspectos característicos da pós-modernidade e da atividade artística contemporânea. Para tal, nos baseamos em autores como Zigmunt Bauman e Linda Hutcheon, que dedicaram-se ao estudo da cultura e da arte contemporânea.

A pós-modernidade é um dos temas mais controversos das últimas décadas, no âmbito acadêmico. Sua conceituação é motivo de debates e o termo pós-modernidade tem sido posto à prova. De acordo com Esperandio (2007, p. 27), tal fato deve-se, primeiro, por questionar-se o fim, ou não, da modernidade e, segundo, por duvidar se o termo caracterizaria com propriedade a nova fase histórica, cultural e estética. Enquanto alguns teóricos utilizam o termo provisoriamente por ainda não haver algum que melhor caracterize essa fase, outros já denominam o período de outra forma, como é o caso de Zigmunt Baumam, que cunhou a expressão “modernidade liquida”.

Outras variáveis também permeiam o assunto. Compreende-se que a sociedade vem passando por diversas mudanças, ou descontinuidades, que configuram uma nova sociedade contemporânea. Os teóricos elegem alguns aspectos que julgam importantes para discutirem a pós-modernidade, entre eles: a individualidade, a inconstância, a fragmentação do indivíduo, o niilismo, etc. De acordo com Jair Ferreira dos Santos (1995, p. 9-11), o ser humano da era da informática lida mais com signos do que com coisas; possui uma moral hedonista valorizando o prazer do consumo; retira da arte a seriedade total inserindo um pouco de leviandade e é niilista por ocasião da queda dos valores e das grandes causas. Zigmunt Bauman, no entanto, tem uma visão menos pessimista. Para o autor, o ser humano pós-moderno e a pós-modernidade podem ser

definidos por meio de uma metáfora: “modernidade líquida.” Bauman justifica a escolha da

(35)

os fluidos se movem facilmente. Eles ‘fluem’, ‘escorrem’, ‘esvaem-se’, ‘respingam’, ‘transbordam’, ‘vazam’, ‘inundam’, ‘borrifam’, ‘pingam’; são ‘filtrados’, ‘destilados’; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos – contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. Do encontro com sólidos emergem intactos, enquanto os sólidos que encontraram, se permanecem sólidos, são alterados – ficam molhados ou encharcados. (BAUMAN, 2001, p. 8).

A nosso ver, a inconstância e o questionamento são dois traços muito marcantes do indivíduo pós-moderno e avaliamos que tais características devem-se ao fato de que a certeza não faz mais parte do cotidiano contemporâneo. A inquietação diante das ditas verdades associada à percepção da ausência de uma única verdade remete o indivíduo contemporâneo a um questionamento constante como forma de negar qualquer explicação absolutista. Os filmes que compõem o corpus dessa pesquisa apresentam os traços em questão. Em Subterrâneos e A concepção os personagens encontram-se à procura de explicações sobre o que os circunda e, especialmente em A concepção, experimentam um processo de mudanças alicerçado na fluidez, na inconstância e na impossibilidade de uma única verdade.

2.1 Arte, cinema e pós-modernidade

O primeiro movimento artístico pós-moderno, de acordo com Santos (1995, p. 35-38), foi a Pop Art, que conferia valor artístico a elementos cotidianos, de forma momentânea e, aparentemente, pouco crítica. Isso ocorreu por volta dos anos 1950, quando as vanguardas –

como o futurismo, o expressionismo e o cubismo – começaram a se esgotar e a ser incorporadas pelo design perdendo, dessa forma, muito de sua capacidade de expressão.

Zigmunt Bauman (1988, p.121) sinaliza que a ideia de vanguarda desintegra-se na pós-modernidade concomitantemente à estrutura ordenada do espaço e do tempo. Isso ocorre pois em um mundo em constante movimento não há mais a possibilidade de estar à frente do seu tempo, como requer a vanguarda. O autor afirma que a vanguarda dos tempos modernistas assumia a arte como atividade revolucionária enquanto a arte pós-modernista não expressa tão forte tendência ao que se refere à realidade social.

(36)

Como foi dito anteriormente, o mundo que se formou após a modernidade encontra-se em constante modificação e, dessa forma, também requer um contínuo processo de interpretação.

Como afirma Bauman, “pode-se dar um passo adiante e sugerir que o significado da arte

pós-moderna é a desconstrução do significado” (BAUMAN,1998, p. 136). Ou seja, se, por um lado,

os pós-modernistas não têm o claro propósito de indicar caminhos, por outro, não se pode dizer que eles não têm a intenção de participar de mudanças ou de sugerir possibilidades. O que difere o aspecto revolucionário nos dois movimentos é a forma como ele ocorre, pois na pós-modernidade a atividade inovadora se dá de forma velada, pautada na capacidade interpretativa da sociedade.

Em meio a tantas discussões acerca do tema, uma visão é, a nosso ver, a que melhor define a pós-modernidade tal como pudemos constatá-la perante os filmes estudados. Trata-se da proposta de Linda Hutcheon, que acrescenta muito ao debate por afirmar que o termo pós-modernismo não indica oposição ao pós-modernismo, como alguns teóricos afirmam e representam em tabelas comparativas, mas implica contradições, paradoxos. Segundo a autora,

grande parte do que foi escrito sobre o assunto assumiu fisicamente a forma de colunas opostas, normalmente intituladas ‘modernismo versus pós-modernismo’ (ver Hassan 1975; 1980b; cf. Lethen 1986, 235-236). Mas essa é uma estrutura que, implicitamente, nega a natureza híbrida, plural e contraditória do empreendimento pós-moderno.” (HUTCHEON, 1991, p. 39).

Um dos paradoxos pós-modernos aos quais a autora se refere diz respeito ao fim do limite entre arte popular e arte de elite. Segundo ela (ibid., p. 40), certos teóricos estudaram as formas de arte populares no contexto contemporâneo, porém não levaram em consideração o fato de alguns romances, como A Mulher do tenente francês e O nome da rosa, citados pela autora, serem, simultaneamente, populares e objetos de estudo acadêmico. Hutcheon afirma que romances como os citados utilizam-se das convenções literárias para, por meio da paródia, contestar a própria indústria cultural. Dessa forma, a autora afirma que deve-se pensar a cultura contemporânea como paradoxal, utilizando as aparentes incompatibilidades como base para a análise do discurso pós-moderno.

(37)

nenhuma verdade universal, porém, mais uma vez, não seria isso o que ele procuraria fazer. O abandono do desejo e da expectativa de um sentido indiscutível e único e a passagem para um reconhecimento do valor das diferenças, e até das contradições, poderiam ser um primeiro passo experimental para aceitação da responsabilidade pela arte e pela teoria como processos significativos. Em outras palavras, talvez pudéssemos começar a estudar as implicações de nossa realização em relação a nossa cultura e da produção de sentido que nela enxergamos. (HUTCHEON, 1991, p. 41)

De acordo com a autora (1991, p. 38), uma poética do pós-modernismo precisa lidar com uma teoria organizada e uma prática desorganizada e apenas poderia estabelecer uma teoria se tivesse como base todas as formas do discurso pós-moderno à disposição, fato que afirma não ter ocorrido pois, como avalia Hutcheon, boa parte dos teóricos do pós-modernismo basearam-se em amostras muito limitadas, ocasionando análises simplistas e, consequentemente,

considerações equivocadas sobre “o potencial criativo das práticas culturais pós-modernas”.

(HUTCHEON, 1991, p. 38).

Hutcheon (1991, p. 28) aponta outro aspecto que deve ser levado em consideração nessa

pesquisa ao definir a paródia como “forma pós-moderna perfeita” por ser um mecanismo naturalmente paradoxal, pois ela, ao mesmo tempo em que incorpora, desafia aquilo que parodia. Entretanto, é primordial entender que, segundo a autora, o termo paródia, aqui empregado, não implica ridicularização ou simples imitação como sugeriam as definições originadas das teorias

de humor do século XVIII. “A importância coletiva da prática paródica sugere uma redefinição da paródia como uma repetição com distância crítica que permite a indicação irônica da diferença

no próprio âmago da semelhança.” (ibid., p. 47).

Segundo Fernando Mascarello, o termo pós-modernismo aplicado ao cinema foi usado indiscriminadamente durante muito tempo para designar tudo aquilo – do genial ao abominável –

que escapava ao conceito de cinema clássico até, enfim, cair no vazio semântico. Para o autor, a melhor aplicação desse conceito ao cinema destina-se a “designar o que foge às classificações

tradicionais da teoria.” (MASCARELLO, 2006, p. 363).

(38)

surgimento de adaptações na linguagem cinematográfica geradas por meio da constante transformação do modo de realização audiovisual baseada em mudanças técnicas e narrativas. Dessa forma, a contemporaneidade agrega ao cinema clássico novos modos de produzir cinema com base em atualizações – e revoluções – tecnológicas da pós-modernidade, do mesmo modo que nos apresenta um conteúdo permeado por novas formas de perceber a sociedade.

Ao refletir sobre a relação entre pós-modernidade e cinema, percebemos que as inúmeras modificações no modo de pensar e agir do indivíduo no período de transição entre o século XX e XXI decorreram em diversas mudanças sócio-culturais e políticas que provocaram reformulações no modo de pensar e organizar a vida em sociedade. Segundo Ramos, L. (2009, p. 56-66), em consequência disso, surgiu uma sociedade fragmentada, formada por indivíduos multifacetados e interconectados ciberneticamente. O indivíduo pós-moderno encontra-se imerso em novas possibilidades e informações, pois os avanços tecnológicos permitiram e incentivaram mudanças no modo de pensar e de agir do ser humano. Simultaneamente às novas técnicas e tecnologias, surgiram novas formas de relacionamento, novos interesses e novas indagações que permitiram à sociedade acessar um maior número de informações, comunicar-se em tempo real com qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, derrubando fronteiras e levando as relações sociais também à esfera virtual. A digitalização da informação transformou inteiramente a comunicação e seus meios, apresentando às pessoas diversas novas possibilidades.

Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição criação, aprendizagem são capturados por uma informática cada vez mais avançada. (LÉVY, 1993, p.7)

(39)

Esse processo possibilitou a realização de produtos audiovisuais de alta qualidade a custos reduzidos. Entretanto, se, por um lado, alguns cineastas afirmaram, baseados nas facilidades técnicas e vantagens econômicas, que seria possível tirar proveito dos avanços tecnológicos para democratizar a arte, por outro, existia a preocupação com extinção da linguagem cinematográfica. Por ser um cineasta inserido na pós-modernidade, José Eduardo Belmonte utiliza todas as possibilidades à disposição a fim de criar e realizar seus filmes, como será melhor apresentado na segunda parte desse trabalho, criando obras artísticas expressivas e tipicamente contemporâneas.

Pode-se pensar que, realmente, a forma de fazer cinema não é a mesma que costumava ser há 100, 50 ou 10 anos atrás, pois hoje temos uma gama muito maior de possibilidades técnicas e soluções estéticas. No entanto, apesar da atualização de equipamentos, a essência da narrativa cinematográfica permanece e o cinema pós-moderno nos apresenta algo que vai muito além das mudanças técnicas. Existe um interesse em exterminar barreiras ou conceitos, pois o filme pós-moderno não nos apresenta definições, mas questionamentos comumente apoiados em paradoxos. Denílson Lopes (2005, p. 10-12) aponta que o quadro da cinematografia mundial teve sua prática reconfigurada pela convergência tecnológica no final dos anos 1970 e rumou, sem grandes manifestos, para um futuro de imagens híbridas e impuras não limitadas por uma linguagem. É importante, contudo, observar um ponto apresentado por Lopes:

Diante da fragmentação das imagens televisivas, e mais recentemente das imagens virtuais, o cinema estaria na encruzilhada de resgatar a lentidão (ver Deleuze, 1992, p. 126), a possibilidade de contemplação; aderir à rapidez, ao bombardeio informacional ou buscar formas intermediárias entre duas situações. (LOPES, 2005, p. 11).

A obra analisada neste trabalho privilegia, também, o desejo de abordar o cotidiano e a intimidade das pessoas em uma tentativa de debater e compreender melhor o modo como a sociedade se comporta, interesse típico do cinema dos anos 1990, como pontua Lopes (2005, p. 11).

(40)

um paralelo entre o cinema americano e o cinema marginal, que resulta em uma paródia extremamente irônica.

Além disso, como apresentaremos na segunda parte deste trabalho, os filmes que formam o corpus da presente pesquisa – Subterrâneos e A concepção – apresentam diversas características da pós-modernidade (período histórico) e do pós-modernismo (movimento cultural). Além da prática paródica, percebe-se, entre outros aspectos, a presença do indivíduo

(41)

Capítulo 3 – O cinema: da origem à pós-modernidade

O surgimento do cinema ocorreu por volta de 1895, na França, fruto de uma série de evoluções técnicas ocorridas no final do século XIX. Segundo Flávia Cesarino Costa, à época, diversos inventores divulgavam resultados de “pesquisas sobre projeção de imagens em

movimento: o aperfeiçoamento nas técnicas fotográficas, a invenção do celulóide ... e a

aplicação de técnicas de maior precisão na construção de aparatos de projeção.” (COSTA, 2006,

p. 18)

Thomas A. Edison foi um dos inventores que participaram dessa evolução. Edison registrou, em 1893, a patente do quinetoscópio, um aparato capaz de reproduzir, em um visor individual, um curto filme repetidamente. No ano seguinte foi inaugurado o primeiro salão de quinetoscópios, em Nova Iorque, que exibia em suas máquinas “imagens em movimento de números cômicos, animais amestrados e bailarinas.” (COSTA, 2006, p.18).

Segundo a autora, os irmãos Auguste e Louis Lumière, no entanto, foram os primeiros a exibir seus filmes de forma pública e paga. Dois fatores foram determinantes para que os irmãos Lumière se tornassem famosos e conhecidos como os inventores do cinema. O primeiro diz respeito ao fato de serem bons comerciantes. Tal qualidade possibilitou que essa fosse uma atividade lucrativa por meio da venda de câmeras e filmes. O segundo fator é de ordem técnica. O aparelho criado pelos irmãos Lumière, chamado cinematógrafo, possuía várias qualidades que o tornava mais atraente: era multifuncional – funcionava como câmera, projetor e copiador de negativos – e podia ser transportado com mais facilidade, pois funcionava à manivela e era mais leve do que as máquinas concorrentes.

O recém criado aparato era fruto da modernidade, muito embora ela fosse – até então – restrita aos cientistas e artistas plásticos. Para muitos “a invenção dos Lumières desencaminhava a ciência e merecia, no melhor dos casos, um desdém divertido; no pior, uma vaga repulsa.”

(AUMONT, 2008, p 21). Segundo Jacques Aumont, o cinema era alvo de críticas

(42)

que ele faz passar tão bem como verídicos que nossa própria vida é atingida e transformada. (AUMONT, 2008, p.17-18).

Marcel Martin (2007, p.14) avalia que o cinema era tido como uma arte frágil, fútil e fácil. Frágil devido ao fato de seu suporte material ser uma mercadoria propensa a danos e à vontade de seus proprietários. Fútil por ser uma arte jovem, fruto de uma mera reprodução

mecânica da realidade. E, por fim, fácil por ser apenas um “instrumento de imbecilização”

(MARTIN, 2007, p. 14), algo que não oferece nada ao seu apreciador.

Apesar de todos os esforços para evitar que o cinema se tornasse o que ele é hoje, a nova arte detinha um poder que a levou a ser reconhecida: o poder do espetáculo. As imagens projetadas na grande tela eram um enigma a ser desvendado. Tratava-se de um mundo novo, criado por alguém que detinha o conhecimento de capturar imagens e criar a ilusão de que estavam em movimento ao projetá-las dentro de uma sala escura. O segredo reside na ilusão gerada na mente do expectador de que vinte e quatro imagens estáticas, quando projetadas em um segundo, parecem estar em movimento. Modificou-se todo o conhecimento que se tinha, até então, sobre imagens e, também, sobre realidade. Novos paradigmas surgiram.

Os irmãos Lumière, quando filmaram A chegada do trem na estação de Ciotat, provavelmente não previam os resultados que esse evento proporcionaria para a arte. Naquela ocasião, os filmes eram apenas tentativas de registros da realidade. No entanto, eles foram logo seguidos por outros pioneiros que ajudaram a transformar essa nova invenção em uma arte, detentora de uma linguagem própria e capacidade de, não somente reproduzir a realidade, mas também de veicular ideias.7

O cinema rapidamente alcançou o Brasil. Um ano após sua criação, em 1896, o cinematógrafo chega ao país nas mãos do empresário italiano Vito di Maio. As exibições iniciaram no mesmo ano, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Em 1897 as vistas animadas, como eram chamadas as exibições dos filmes da época, ganharam seu primeiro endereço fixo:

7 A construção da linguagem cinematográfica foi um processo longo e importante para a história dessa arte. No

(43)

Rua do Ouvidor, 141. O local pertencia aos irmãos Paschoal, Gaetano, Afonso e Luiz Segretto e chamava-se Salão de Novidades, mas, como o cinema era uma novidade francesa, o lugar ficou logo conhecido como Salão de Paris no Rio. No ano seguinte, Afonso Segretto filmou a Baía de Guanabara a bordo do paquete francês Brésil. Ali nascia o cinema brasileiro.

De acordo com Paulo Emílio Sales Gomes (1996, p. 23), os dez primeiros anos de cinema no Brasil não foram muito produtivos. Segundo o autor, esse ritmo lento foi ocasionado, em grande parte, pelo atraso nacional no que diz respeito à eletricidade. Já Caldas e Montoro (2006, p. 29) afirmam que o surgimento de salas fixas e o advento das máquinas de filmar ocasionaram uma expansão cinematográfica no Brasil entre 1898 e 1908 quando, segundo os autores, 151 filmes foram produzidos no país.

Entre 1908 e 1911, segundo Gomes (1996), Caldas e Montoro (2006), ocorreu um entrosamento entre produção e exibição que gerou um crescimento na produção brasileira. Gomes (1996, p 24) afirma que, a partir de 1907, vários empresários seguiram os passos dos irmãos Segretto e dedicaram-se concomitantemente à importação, exibição e produção de filmes. No entanto, Gomes (1996, p. 35) alerta que em 1912 apenas um filme de enredo foi produzido no Rio de Janeiro e, ainda assim, foi censurado pela Marinha por ter retratado a vida de João Cândido, cabo dessa corporação, que havia liderado a rebelião de marinheiros contra o uso de punição por meio da chibata.

Conforme Gomes, além da escassa produção de 1912, os técnicos que participavam da feitura de filmes, entre eles roteiristas e diretores, retornavam ao teatro e ao jornalismo. Devido a um desinteresse que acometeu também os primeiros produtores cinematográficos, como José Labanca e Paschoal Segretto, houve uma ruptura da relação solidária entre produção e exibição, que facilitava a chegada dos filmes brasileiros ao público. Tais eventos ocasionaram a primeira crise do cinema brasileiro e, de acordo com Pedro Butcher (2005, p. 15), a Época de Ouro do cinema nacional finalizava.

Referências

Documentos relacionados

A utilização de válvulas redutoras de pressão (VRPs) como ferramenta para o controle de perdas em redes de distribuição de água, vem sendo recomendada por

Assim, a análise da maquinação da madeira de um lote de portas contribui para a geração de conhecimentos necessários à melhoria dos processos e da eficiência produtiva nas

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

Para a análise de dados optou-se por utilizar a escala de Likert nos questionários para medir o grau de inovação das empresas, sendo que: a pontuação 1,0 é

Figure 6 is reproduced from Goessling and Reick (2011) and represents schematically the three major mechanisms by which evapotranspiration (and its changes due to land cover

[r]

O capítulo I apresenta a política implantada pelo Choque de Gestão em Minas Gerais para a gestão do desempenho na Administração Pública estadual, descreve os tipos de

É importante destacar também que, a formação que se propõem deve ir além da capacitação dos professores para o uso dos LIs (ainda que essa etapa.. seja necessária),