FACULDADE DE DIREITO
ANA STELLA GISELA ELLERY COSTA LIMA
AS REDES SOCIAIS NAS RELAÇÕES EMPREGATÍCIAS: OS LIMITES DO PODER DISCIPLINAR DA EMPRESA À LUZ DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE DO EMPREGADO
ANA STELLA GISELA ELLERY COSTA LIMA
AS REDES SOCIAIS NAS RELAÇÕES EMPREGATÍCIAS: OS LIMITES DO PODER DISCIPLINAR DA EMPRESA À LUZ DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO
EMPREGADO
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito do Trabalho.
Orientador: Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior.
AS REDES SOCIAIS NAS RELAÇÕES EMPREGATÍCIAS: OS LIMITES DO PODER DISCIPLINAR DA EMPRESA À LUZ DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO
EMPREGADO
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito do Trabalho.
Aprovada em: __/__/____.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
___________________________________________________ Profª. Mª. Fernanda Cláudia Araújo da Silva
Universidade Federal do Ceará (UFC)
___________________________________________________ Mestranda Laura Germano Matos
Aos meus pais, Walewska e Rogério. Às minhas avós, Zélia e Mariza. Ao meu irmão, Tiago.
Ao meu padrasto, Náuplio.
Inicialmente, a Deus, que guia meus passos. Sou imensamente grata a Ti, Senhor, pelo Teu amor, que permitiu todas as conquistas em minha vida, sendo o meu maior mestre.
À minha mãe Walewska Ellery Santos, por todo o amor e dedicação, por ser meu maior exemplo de garra e perseverança. Sem a senhora, eu jamais chegaria onde estou. Espero, um dia, retribuir tudo o que fez por mim. Quando crescer, quero ser igual a você.
Ao meu pai Rogério Picanço Costa Lima, pelo seu amor e sua presença constante em minha vida, pela confiança no meu potencial e por todo o apoio dado para que eu chegasse até aqui.
Às minhas avós Zélia Santos Ellery e Mariza Picanço Costa Lima, por todo o carinho, amor e cuidado. Vocês são donas da minha eterna admiração.
Ao meu irmão Tiago Ellery Costa Lima, por todo o companheirismo, amizade e apoio.
Ao meu padrasto Náuplio Loiola Dias, por estar ao meu lado sempre que preciso, por ser tão amigo e tão incrível.
Ao meu avô Haroldo Costa Lima, que já está ao lado de Deus, mas sem dúvidas está vibrando com essa conquista. O senhor sempre estará em meu coração.
Ao meu namorado, João Victor Monteiro Dantas, que vem sendo meu melhor amigo desde o início. Obrigada pelo companheirismo, pelo apoio e pelo amor incondicional. Você foi essencial nessa caminhada.
À toda a minha família, por tudo.
Ao professor, coordenador e orientador, William Paiva Marques Júnior, pela impecável orientação, pela solicitude de sempre, pelas numerosas lições. Sou imensamente grata e eterna admiradora.
À professora Fernanda Cláudia e à mestranda Laura Germano Matos, por solicitamente atenderem ao convite para compor a banca examinadora e pelas valiosas colaborações.
À minha segunda mãe, Flávia Monteiro, que, com seu espírito materno, sempre me dá muito amor e apoio, além de tornar meus dias mais alegres. Muito obrigada por estar ao meu lado nessa jornada.
Aos meus queridos Jadir e Naíria Monteiro, que me acolheram como neta, me dando sempre apoio e afeto, alegrando-se com minhas conquistas e depositando enorme confiança em mim. Meu eterno amor e imensurável admiração.
Aos meus amigos, dentre os quais, cito: Camilla Duarte, Carla Araújo, Fabiana Alves, Gabriela Mendes, Isabela Barreto, Juliana Lima, Juliana Magalhães, Liandra Thais, Luick Ito, Marley Vieira, Thais Marinho, Thais Vieira, pelos momentos compartilhados.
Aos escritórios Cândido Albuquerque Advogados Associados e Autran Nunes, Teixeira & Barreto Advogados, pela oportunidade de experiência na advocacia.
Ao Jurídico Regional da Caixa Econômica Federal de Fortaleza, onde tive a incrível oportunidade de estagiar e adquirir maturidade e conhecimento, sob a orientação do chefe e amigo Dr. Paulo César Benicio Mariano.
As novas tecnologias, bem como o inegável desenvolvimento tecnológico atingido pela sociedade, influenciam diretamente na maneira de se relacionar dos indivíduos. A pesquisa tem como objetivo identificar os limites do poder disciplinar do empregador frente aos direitos do empregado, em especial o de liberdade de expressão. Para tanto, parte-se da análise da influência do avanço tecnológico no âmbito dos direitos fundamentais e da personalidade, investigando a repercussão da manifestação do pensamento em redes sociais no contrato de trabalho. Aborda, também, a problemática e instabilidade no julgamento dos conflitos trabalhistas que envolvem as redes sociais, realizando-se estudos de caso e pesquisas jurisprudenciais, analisando a visão dos Tribunais do Trabalho. Abarca a colisão entre o exercício dos direitos fundamentais do trabalhador e o exercício do poder de direção do empregador, que possui pouco suporte doutrinário, não é tratado pela legislação, sendo, ainda, pouco enfrentado pelos Tribunais. Diante disso, busca-se apresentar medidas de solução do conflito entre o poder diretivo e a liberdade de expressão. Conclui-se que esses direitos devem ser ponderados nos casos concretos, por serem hierarquicamente equivalentes, além de não serem absolutos. A utilização dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade faz-se imprescindível para um julgamento justo.
The new technologies, as well as the undeniable technological development reached by society, directly influence on how individuals relate. This research aims to identify the limits of the employer's disciplinary power against employee rights, especially freedom of expression. In order to do so, it is based on the analysis of the influence of the technological advance in the scope of the fundamental rights and the personality, investigating the repercussion of the manifestation of the thought in social networks in the work contract. It also addresses the problem and instability in the judgment of labor disputes involving social networks, with case studies and jurisprudential researches, analyzing the Labor Courts' view. It covers the collision between the exercise of the fundamental rights of the employee and the exercise of the power of management of the employer, who has little doctrinal support, is not treated by the legislation, and is still little confronted by the Courts. Therefore, it seeks to present measures to resolve the conflict between the executive power and freedom of expression. It is concluded that these rights should be weighed in the concrete cases, because they are hierarchically equivalent, in addition to not being absolute. The use of the principles of proportionality and reasonableness is essential for a fair trial.
1 INTRODUÇÃO ... 11
2 APLICAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ÀS RELAÇÕES LABORAIS ... 14
2.1 Considerações sobre os Direitos da Personalidade ... 14
2.2 Aplicação dos Direitos da Personalidade às pessoas jurídicas ... 16
2.3 Direitos da Personalidade nas relações de trabalho ... 17
2.3.1 Direito à vida e à integridade física do trabalhador... 18
2.3.2 Direito à honra ... 19
2.3.3 Direito à imagem ... 21
2.3.4 Direito à privacidade e à intimidade no ambiente de trabalho ... 22
2.3.5 Direito à liberdade de pensamento e expressão ... 24
3 REDES SOCIAIS E INTERNET NAS RELAÇÕES DE EMPREGO: INFLUÊNCIA DAS NOVAS TECNOLOGIAS ... 26
3.1 A Internet no Brasil ... 26
3.2 Impacto das novas tecnologias na sociedade em geral ... 26
3.3 Os impactos do avanço tecnológico no Direito ... 29
3.4 Influência das redes sociais e das novas tecnologias no Direito do Trabalho ... 30
3.4.1 O uso da Internet para fins laborais ... 32
3.4.2 O uso indevido da Internet e sua repercussão no ambiente de trabalho ... 33
3.4.3 Casos concretos ... 34
3.4.4 Direito Comparado ... 36
4 ANÁLISE DOS LIMITES DO PODER DISCIPLINAR DA EMPRESA ANTE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO EMPREGADO ... 38
4.2 A Liberdade de Expressão do empregado na relação de trabalho ... 41
4.3 O conflito entre direitos no uso das redes sociais ... 43
4.4 A visão dos Tribunais ... 45
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 48
1 INTRODUÇÃO
A temática deste trabalho de conclusão de curso tem por objetivo um sopesamento entre dois direitos, o do poder diretivo e o da liberdade de expressão, frente aos avanços tecnológicos.
É notório e inegável o avanço tecnológico na atualidade, com a modernização dos aparelhos eletrônicos, o crescimento da Internet e a criação e aperfeiçoamento de aplicativos. Esse avanço trouxe à sociedade contemporânea novas maneiras de interagir, de se expressar e de se comunicar.
Além disso, a modernização da sociedade ocorreu e ainda vem ocorrendo de forma abrupta, estando os indivíduos constantemente sendo bombardeados com novidades tecnológicas. Ocorre que, como todos os aspectos da vida humana, esse também precisa ser normatizado, sob risco de virem a existir conflitos sem direta resolução jurídica. Em verdade, os noticiários mostram já existirem muitos desses conflitos, envolvendo os mais diversos temas e os mais diferentes tipos de relação.
Com a popularização das redes sociais, dificultou-se traçar um limite entre a vida real e a vida virtual, entre o público e o privado. Nas relações de trabalho, esse é um dos mais atuais problemas. Ambos, empregado e empregador, não sabem como proceder diante de conflitos envolvendo publicações nas chamadas redes sociais.
O Direito enfrenta dificuldades em acompanhar a rapidez em que o mundo se moderniza, deixando várias lacunas a serem preenchidas por seus aplicadores, no Poder Judiciário, ao julgar os casos concretos.
Malgrado haver essa preocupação do Poder Judiciário em sanar tais problemas, como não há norma específica que regulamente as relações de trabalho diante das redes sociais, existem divergências de posicionamento entre as soluções adotadas, por ponderarem de maneira distinta os mesmos princípios jurídicos. Dada essa instabilidade, é urgente a necessidade de o Direito atualizar-se, de maneira que possa promover solução justa e plausível para esses conflitos.
Os objetivos específicos deste trabalho são, portanto: analisar a influência do avanço tecnológico no Direito do Trabalho, investigar a repercussão da manifestação do pensamento em redes sociais no contrato de trabalho, identificar os limites do Poder Disciplinar do empregador frente ao direito de personalidade do empregado, identificar as fronteiras da Liberdade de Expressão na relação empregatícia, analisar a jurisprudência e a visão dos Tribunais do Trabalho acerca do uso das redes sociais pelo empregado, e, por fim, reconhecer ou não a necessidade de coexistência dos direitos.
Para responder tais questionamentos, foi necessário um estudo do Direito do Trabalho, bem como dos Direitos da Personalidade e dos Direitos Fundamentais. Como o presente estudo se trata de discussão ainda escassa na doutrina, foram realizadas leituras de trabalhos de conclusão de curso, de dissertações de mestrado e de teses de doutorado ligados ao tema, conjunto que constitui parte da metodologia bibliográfica. Valoroso, ainda, o estudo dos casos concretos, que se fez através da pesquisa da jurisprudência pátria, bem como da análise dos casos noticiados no país, sendo esses materiais de metodologia documental de suma importância para o desenvolvimento do trabalho. Por fim, tem-se a pesquisa legislativa, visto que seria inviável o estudo dos objetivos desta obra sem a análise da Consolidação das Leis do Trabalho, da Constituição Federal e do Código Civil.
O primeiro capítulo estudou a aplicação dos direitos da personalidade às relações laborais, abordando, de início, aspectos gerais em relação a esses direitos e, só então, a sua efetividade no Direito do Trabalho. Estudou-se, também, a aplicação dessa categoria de direitos às pessoas jurídicas. Além disso, foram estudados separadamente alguns exemplos de situações nas quais a proteção desses direitos é percebida na esfera trabalhista. Foram abordados o direito à vida e à integridade física, o direito à honra, o direito à imagem, o direito à privacidade e à intimidade e o direito à liberdade de pensamento e expressão.
O segundo capítulo, primeiramente, estudou os impactos da internet e das novas tecnologias na sociedade em geral. Após, abordou a sua influência no ramo do Direito para, então, estudar as mudanças que trouxe para o Direito do Trabalho, apontando as hipóteses nas quais seu uso é benéfico e nas quais o seu uso pode vir a atrapalhar a produtividade. Por fim, fez-se uma análise do direito comparado, abordando a reforma trabalhista francesa e o chamado direito de desligamento.
2 APLICAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ÀS RELAÇÕES LABORAIS
Haja vista objetivar este trabalho a reflexão dos operadores de Direito ao sopesar direitos do empregado e direitos do empregador, faz-se necessário um estudo acerca dos chamados direitos da personalidade, bem como a sua aplicação nas relações laborais.
2.1 Considerações sobre os Direitos da Personalidade
A conquista dos direitos da personalidade foi feita ao longo dos séculos, nos quais diversos fatores históricos fizeram com que este ramo obtivesse maior destaque e importância. A ideia principal associa-se ao reconhecimento dos valores inerentes ao ser humano, destacando-se a dignidade da pessoa humana, da qual decorrem os demais direitos.
Com o advento do Código Civil de 2002, o enfoque principal do Direito Civil passou a ser o ser humano, juntamente aos seus valores. O objetivo principal dos direitos da personalidade é o de proteger a dignidade e a integridade da pessoa.
A Constituição de 1988 positivou diversos direitos da personalidade, como os direitos à vida, à liberdade, à segurança, à intimidade, à vida privada, à imagem, a direitos autorais, à reprodução da voz e da imagem (artigo 5º, caput, e incisos X, XXVII e XXVIII), assegurando o direito à indenização pelo dano moral, em caso de violação (incisos V e X)1.
Segundo Sandra Lia Simón2, o texto constitucional preocupou-se em assegurar o direito à intimidade e à vida privada, protegendo, também, o direito à liberdade. Assegurou, ainda, a inviolabilidade de domicílio e das comunicações (postais, telegráficas, telefônicas e de dados), motivo pelo qual os direitos de personalidade passaram a ter um amparo constitucional explícito.
Na análise de Nunes3, a dignidade é o princípio codificado pela Carta Magna a possuir maior relevância, fornecendo o comando que deve ser primeiro considerado e ponderado pelo intérprete da lei, constituindo o centro do ordenamento jurídico.
Haja vista a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não possuir previsão expressa acerca do tema, este será abordado de maneira geral e, em seguida, abordar-se-á a
1 BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988, p. 57.
2 SIMÓN, Sandra Lia. A Proteção Constitucional da Intimidade e da Vida Privada do Empregado. São Paulo: LTR, 2000. p. 98.
sua aplicação no campo do Direito do Trabalho.
Trata-se de categoria especial de direitos subjetivos, baseada no princípio da dignidade da pessoa humana, garantidora do respeito ao próprio ser, bem como as suas manifestações4.
Para Flávio Tartuce5, os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa e à sua dignidade. O autor traz, em sua obra, a visão de outros doutrinadores acerca do tema, conforme vejamos:
Para Rubens Limongi França6, “... direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim da sua projeção essencial no mundo exterior”.
Na visão de Maria Helena Diniz7:
São direitos subjetivos de a pessoa defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio, vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social).
Conforme Francisco Amaral8, “direitos da personalidade são direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual”.
Nas lições de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald9:
Consideram-se, assim, direitos da personalidade aqueles direitos subjetivos reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas necessárias projeções sociais. Enfim, são direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, em que se convertem as projeções físicas, psíquicas e intelectuais do seu titular, individualizando-o de modo a lhe emprestar segura e avançada tutela jurídica.
Por fim, para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho10 os direitos da
4 BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o novo código civil. São Paulo: Atlas. 2005. p. 24.
5 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 6. ed. Ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
6 FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. P. 1.033.
7 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do Direito Civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, p. 142.
8 AMARAL, Francisco. Direito Civil. Introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 249.
9 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil. Teoria Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 101-102.
personalidade são “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e suas projeções sociais”.
Conforme se extrai das definições ora analisadas, os direitos da personalidade classificam-se em três grupos: direitos à integridade física, direitos à integridade moral e direito à integridade intelectual. No presente trabalho, importa enfatizar o segundo e o terceiro grupos, que versam sobre honra, liberdade, imagem, nome, moral e recato.
As características que acompanham esse rol de direitos estão descritas no artigo 11 do Código Civil, sendo elas: a irrenunciabilidade, a intransmissibilidade e a impossibilidade de limitação voluntária de seu exercício. São, ainda, direitos ilimitados, por não se tratar de rol taxativo; inatos, por serem adquiridos no nascimento, dispensada a vontade; vitalícios; imprescritíveis; inalienáveis e absolutos.
2.2 Aplicação dos Direitos da Personalidade às pessoas jurídicas
Por muito tempo entendeu-se que os direitos da personalidade eram privilégios somente da pessoa natural. Contudo, impere ressaltar que não só as pessoas físicas possuem protegidos esses direitos, estão resguardados também, por equiparação, os direitos da personalidade das pessoas jurídicas.
Alguns doutrinadores são contrários a essa aplicação, argumentando ser a pessoa jurídica estranha ao processo histórico gerador dos direitos da personalidade, possuindo fundamentos amplamente diversos dos das pessoas físicas11.
Outro argumento bastante utilizado é de que o próprio bom senso é suficiente para perceber que essa categoria de direitos não se aplica à figura da pessoa jurídica, visto que alguns deles cabem apenas a pessoa humana, como o direito à integridade psicofísica.
Em contrapeso, existe outro viés doutrinário que afirma ser possível a aplicação dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas. Todavia, é incontroversa a ideia de que ficam excluídos desse reconhecimento os direitos que sejam inerentes à personalidade humana.
Cabe ressaltar que, após uma série de controvérsias, a Súmula 22712 do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral.
11 DONEDA, Danilo. “Os direitos da personalidade no Código Civil” in TEPEDINO, Gustavo. A Parte Geral
Além disso, O artigo 52 do Código Civil dispõe que se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade, sanando qualquer conflito doutrinário em relação ao tema.
Extrai-se dessas informações que os direitos da personalidade são aplicáveis às pessoas jurídicas, entretanto, faz-se necessária a avaliação de quais desses direitos são compatíveis com essa figura, visto que alguns deles são inerentes à qualidade humana, citando-se como exemplo o direito à vida e à integridade física.
2.3 Direitos da Personalidade nas relações de trabalho
Malgrado não serem expressamente abordados na Consolidação das Leis do Trabalho, a não ser no que concerne à revista íntima, os direitos da personalidade são inteiramente aplicáveis às relações laborais, por assegurarem a dignidade do trabalhador.
Tal aplicação encontra respaldo no artigo 8º da CLT13, que diz:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.
Haja vista serem os direitos da personalidade intrinsecamente ligados ao direito à liberdade, também, à dignidade humana, à intimidade e à vida privada, acompanham o indivíduo em todas as suas relações. Logo, numa relação de emprego, mesmo sendo o empregador a figura de maior poder, não se pode olvidar que esse poder encontra limitações justamente nos direitos fundamentais e nos direitos da personalidade do trabalhador.
Na relação laboral, geralmente existe notável desnível econômico e social entre empregado e empregador. Em decorrência disso, são considerados hipossuficientes os obreiros na relação jurídica trabalhista, necessitando de maior proteção. Por ser o mínimo que um indivíduo deve ter, os direitos da personalidade são atributos essenciais, devendo ser respeitados dentro das relações laborais, principalmente ante a inegável condição de subordinação dos obreiros. São, além disso, forma de limitação ao poder do empregador.
Todavia, apesar de o ordenamento jurídico privilegiar o hipossuficiente, em casos onde haja conflito entre direitos fundamentais, não serão meramente aplicados os princípios trabalhistas, sob pena de configurar violação de outras normas constitucionais igualmente relevantes. Assim sendo, deve sempre ser feito o sopesamento e o equilíbrio entre os princípios conflitantes.
Desse modo, estando os direitos da personalidade incluídos no rol dos direitos tidos como fundamentais, jamais poderá um contrato de trabalho ser instrumento que tolha seu exercício.
No que concerne ao direito à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem do trabalhador, a legislação trabalhista, CLT, dispõe sobre justas causas resolutórias do contrato individual por ato unilateral do empregador que os ofender, sendo possibilitado, ainda, o pleito da devida indenização, tipificando as situações nominadas como "justa causa do empregador" ou "despedida indireta":
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Nota-se, portanto, na legislação trabalhista, que, apesar de não ser feito de maneira expressa, vários dispositivos resguardam os direitos da personalidade, que serão analisados separadamente a seguir.
2.3.1 Direito à vida e à integridade física do trabalhador
Com a finalidade de resguardar a incolumidade mental e corporal do indivíduo, o direito à integridade física é de suma importância para a pessoa. Segundo Bittar14, a integridade física consiste em um dos pressupostos para atingir os objetivos da sociedade.
Já o direito fundamental à vida ocupa a posição de maior importância, sendo os direitos da personalidade uma consequência direta de sua existência.
Na esfera trabalhista, a proteção desses direitos pode ser observada, inicialmente, no artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal de 198815, que diz:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
Diante disso, e em conformidade com o que dita o artigo 162 da Consolidação das Leis do Trabalho, o empregador é obrigado a manter a segurança e higiene dos obreiros, devendo manter serviços, também, de medicina do trabalho. Existem, ainda, as denominadas CIPAS, que são comissões internas de previsão de acidentes, previstas no artigo 163 da CLT, fato que igualmente evidencia a proteção do direito à vida e à integridade física no Direito do Trabalho.
Além da necessidade de adotar medidas preventivas, os empregadores devem, ainda, com base no artigo 166, da CLT, fornecer equipamentos de proteção individual, conhecidos como EPIs.
Por fim, outra importante disposição celetista demonstra a preocupação com os direitos da personalidade aqui abordados. Trata-se dos chamados adicionais de insalubridade, nos casos onde há exposição a agentes nocivos à saúde e, também, dos adicionais de periculosidade, quando há exposição a riscos.
2.3.2 Direito à honra
Tem-se como honra “... a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa16”, o "... conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação17". O bem jurídico protegido no direito à honra é, portanto, a consideração social e a preservação da dignidade.
O direito à honra divide-se em duas categorias: a honra objetiva, que concerne à reputação da pessoa no meio social; e a honra subjetiva, que diz respeito à autoestima, ao
15 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
sentimento do indivíduo para consigo mesmo.
Diversas são as maneiras pelas quais pode vir a ser ofendida a honra de qualquer das partes nas relações laborais, principalmente a do empregado.
Na legislação trabalhista não há dispositivo específico acerca da proteção ao direito à honra, entretanto, da leitura de seus artigos, verifica-se que esse direito é sim resguardado. Para exemplificar, destaca-se o artigo 483, anteriormente colacionado, autorizador da rescisão indireta do contrato de trabalho em virtude de ser o empregado tratado pelo empregador com rigor excessivo, ou de maneira que atinja sua honra ou de sua família:
Há previsão na CLT, também, da indenização por danos morais, que nada mais é do que uma proteção à honra do empregado. Ela ocorre quando o empregador efetua anotações desabonadoras na carteira de trabalho do obreiro, quando atribui acusações inverídicas de ato de improbidade que possa gerar dano à sua imagem. Também configura dano moral o ato de a empresa fornecer falsas informações a quem tiver pretensão de contratar o empregado, bem como impedi-lo de obter futuros empregos pelo fato de ter ajuizado reclamação trabalhista18.
Relevante mencionar, além disso, a figura do assédio moral, que ocorre nos casos em que o trabalhador é exposto repetidas vezes a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes, durante a sua jornada de trabalho ou no exercício de suas funções. Trata-se de condutas que configuram violência psicológica contra o obreiro.
Observa-se o seguinte julgado do Tribunal Superior do Trabalho:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - DANO MORAL - TRATAMENTO VEXATÓRIO - "CANTO MOTIVACIONAL" - "CHEERS" - ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS ARTIGOS 1º E 5º, V, X, DA CF, DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 186 E 927, DO CCB E DE DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. Ante a razoabilidade da tese de violação aos artigos 186 e 927 do Código Civil, impõe-se o processamento do recurso de revista, para exame das matérias veiculadas em suas razões. Agravo de instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS - TRATAMENTO VEXATÓRIO - "CANTO MOTIVACIONAL - CONFIGURAÇÃO. A exposição prolongada e repetitiva do trabalhador a situações humilhantes e vexatórias no trabalho, que atenta contra a sua dignidade ou integridade psíquica ou física é indenizável, no plano patrimonial e moral. Consignado no acórdão recorrido que a autora era obrigada a participar diariamente de uma prática denominada "cheers", na qual deveria entoar um "canto motivacional" e "rebolar", restou demonstrada a lesão à dignidade descrita pela reclamante, pois configurada a violação a um dos direitos da personalidade, qual seja: a honra, e, por conseguinte, afronta o artigo 5º, V e X, da Constituição Federal, e violação aos artigos 186 e 927 do Código Civil. Recurso de Revista
18 BITENCOURT, Manoela de. A aplicação dos direitos da personalidade nas relações de trabalho. Revista
conhecido e provido. (RR - 886-07.2012.5.04.0304, Relator Desembargador Convocado: Cláudio Armando Couce de Menezes, Data de Julgamento: 18/03/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/03/2015).
Indispensável ressaltar que, como explanado anteriormente, a conduta necessita ser reiterada, haja vista a figura do poder disciplinar do empregador, que autoriza algumas atitudes, conforme se extrai do julgado abaixo:
RECURSO DE REVISTA. REVISTA VISUAL A BOLSAS E PERTENCES. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. No caso dos autos, consta no acórdão do TRT que ocorreu apenas a revista indiscriminada a bolsas e pertences, sem contato físico, o que, conforme jurisprudência desta Corte, configura exercício regular do poder diretivo do empregador, e não enseja o reconhecimento de ocorrência de dano moral. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR - 834-21.2012.5.19.0004 , Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 15/04/2015, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/04/2015).
Não se pode olvidar, igualmente, que não só a figura do empregado está suscetível a sofrer ofensa à honra, também estando o empregador vulnerável a essa situação. Isto posto, a Consolidação das Leis do Trabalho também resguarda a proteção desses direitos, conforme se verifica no artigo 482, alíneas “b” e “f”:
Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
[...]
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
[...]
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
Conclui-se, então, que deve haver uma relação mútua de respeito e observância aos princípios dos direitos da personalidade.
2.3.3 Direito à imagem
O Código Civil19 Brasileiro, em seu artigo 20, regulamenta o direito à imagem, conforme se extrai abaixo:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou
a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Não são raras as situações em que a imagem do empregado poderá ser exposta em anúncios publicitários da empresa. Diante disso, tem-se que, não havendo autorização expressa, caso o empregador exponha o trabalhador na mídia, estará violando os seus direitos da personalidade. Embasando esse entendimento, o Enunciado 14 da Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho do ano de 2007:
O empregador não pode, sem autorização judicial, conservar gravação, exibir e divulgar, para seu uso privado, imagens dos trabalhadores antes, no curso ou logo após a sua jornada de trabalho, por violação ao direito de imagem e à preservação das expressões da personalidade, garantidos pelo art. 5º, V, da Constituição.20
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça entende, em sua Súmula 40321, que a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa para fins econômicos ou comerciais independe de prova do prejuízo, sendo, portanto, um dano in re ipsa.
2.3.4 Direito à privacidade e à intimidade no ambiente de trabalho
Por fim, mas igualmente relevante, abordar-se-ão os direitos à privacidade e à intimidade no ambiente laboral.
Haja vista a natureza dos direitos da personalidade, os direitos à intimidade e à privacidade são irrenunciáveis e indisponíveis.
É expressa, na Constituição Federal, a proteção da privacidade e da intimidade das pessoas, sendo a sua violação fato gerador de indenização. O Código Civil também é claro, em seu artigo 21, garantindo a inviolabilidade da vida privada.
Para uma eficaz proteção desses direitos, necessário saber os limites entre a vida pública e a vida privada. Portanto, pode-se dizer que o que é de conhecimento de todos é público, em contrapartida, o que é privado não está visível. Conforme dita “o que pertence à ordem do que não se mostra em público, do que não se informa a todos nem deve ou precisa
20 GÓES apud RAMOS, Luís Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio moral no trabalho: o abuso do poder diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado, atuação do Ministério Público do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 70.
ser transparente22”.
Diferente da legislação trabalhista brasileira, o Código de Trabalho de Portugal23 prevê de forma expressa, em seu artigo 16, a proteção da intimidade e da vida privada do trabalhador:
Art. 16 - Reserva da intimidade da vida privada. Empregador e trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.
(...)
2 – direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afetiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.
A CLT, em contrapartida, tutela esses direitos de maneira indireta, a citar como exemplo a proibição das revistas íntimas. Em seu artigo 373-A, é autorizada a revista pessoal dos empregados, resguardada a sua intimidade. Portanto, conclui-se que ao empregador, é lícito efetuar revista nos empregados, contanto que observe os limites da dignidade e intimidade, devendo efetuá-la de maneira razoável, que não lesione tais direitos.
Outro relevante enfoque desse tema no âmbito do Direito do Trabalho é a questão do monitoramento dos correios eletrônicos, bem como dos endereços eletrônicos acessados pelos obreiros. Surge, então, uma contenda que decorre do confronto entre o poder diretivo do empregador e o direito à intimidade e à privacidade do empregado24.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XII, prevê a inviolabilidade da correspondência. Diante disso, diversos autores entendem estar a correspondência eletrônica também amparada por essa previsão. Contudo, surge uma divisão de opiniões doutrinárias, haja vista serem os meios eletrônicos utilizados pelo empregado pertencentes ao empregador, o que, segundo alguns autores, geraria o direito de fiscalizar, sendo mero exercício do poder diretivo e não configurando lesão à personalidade do obreiro.
De acordo com Hainzenreder Junior25:
22 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. In: Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: RT, p. 141 apud RIBEIRO, Luciana Antonini. A privacidade e os arquivos de consumo na internet – uma primeira reflexão. Revista de Direito do Consumidor, n. 41, jan/mar 2002, p.156.
23 Código do Trabalho de Portugal, disponível em: <http://www.portugal.gov.pt>. Acesso em: 17 de maio de 2017.
24 HAINZENREDER JUNIOR, Eugênio. Direito à privacidade e poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho. São Paulo: Atlas, 2009, p. 89.
Ao celebrar o contrato de trabalho, o empregado submete sua força de trabalho ao poder diretivo do empregador, vinculando-se às regras ajustadas. Assim, se a empresa concede a ferramenta eletrônica para auxiliar na prestação de serviços, a sua utilização estará restrita à atividade laboral, não havendo sigilo a ser preservado naquilo que é de propriedade do empregador para uso específico como instrumento de trabalho.
Dessa forma, consoante o entendimento dos Tribunais Regionais do Trabalho, o empregado que utilizar o e-mail corporativo para fins estranhos aos laborais, como o envio de conteúdo pornográfico, se sujeita à punição.
Canotilho26 entende que, nesses casos, existe uma verdadeira colisão de direitos fundamentais, visto que o exercício de um deles colide com o exercício do outro. Deparando-se com essa colisão, os operadores do direito devem utilizar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para resolvê-los.
Para facilitar, os empregadores podem criar procedimentos que visem orientar os obreiros em relação ao monitoramento do correio eletrônico, utilizando medidas proporcionais e razoáveis, resguardando a privacidade dos empregados.
2.3.5 Direito à liberdade de pensamento e expressão
Para o funcionamento de uma sociedade verdadeiramente democrática, há que se preservar a liberdade de expressão. Conforme leciona José Afonso da Silva27, as manifestações intelectuais, artísticas e científicas são formas de difusão do pensamento, tomando esse termo em sentido abrangente dos sentimentos e conhecimentos intelectuais, conceptuais e intuitivos.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, VI e IX, resguarda a liberdade de manifestação do pensamento, o livre exercício dos cultos religiosos e a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...]
26 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2000, p. 1229.
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
[...]
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Contudo, malgrado estarem esses direitos protegidos constitucionalmente, não é possível garantir que eles são absolutos ou ilimitados, em virtude da necessidade de coexistência dos direitos. Tarefa árdua, portanto, a de equilibrar os direitos da personalidade e as relações de trabalho, principalmente no que tange à liberdade de expressão, agravando-se essa missão com a influência das novas mídias e redes sociais.
Segundo Alexandre Agra Belmonte28, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho:
Liberdade é o poder que uma pessoa tem de agir de acordo com sua própria determinação, expressar opiniões, fazer escolhas, expressar sentimentos. Mas, dentro do ambiente de trabalho, a subordinação presente na prestação de serviço é um fator de limitação da liberdade, não tem como dizer que não.
Para abordar satisfatoriamente esse conteúdo, necessária uma análise do impacto das novas tecnologias nas relações laborais, que será aprofundada nos capítulos seguintes.
3 REDES SOCIAIS E INTERNET NAS RELAÇÕES DE EMPREGO: INFLUÊNCIA DAS NOVAS TECNOLOGIAS
Entende-se por internet a rede de informática utilizada para interligar computadores, possibilitando acesso de diversas pessoas a todo tipo de informação.
3.1 A Internet no Brasil
Segundo Müller29, a Internet chegou ao Brasil em setembro de 1988, quando o Laboratório Nacional de Computação Científica conseguiu acessar a Bitnet, através de uma conexão de 9.600 bits por segundo, constituída com a Universidade de Maryland, nos Estados Unidos da América.
No ano de 1991, segundo Arruda30, após a conexão à rede Bitnet ter sido alcançada por laboratórios, fundações e universidades, “foi criada a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, com o objetivo de implantar uma infraestrutura com abrangência nacional para os serviços de Internet”.
Após, surgiu o Alternet, que foi “o primeiro serviço utilizado no Brasil a permitir o acesso à Internet fora da comunidade acadêmica, e veio em substituição ao seu antecessor, o Interdoc, que era extremamente dispendioso31”.
No Brasil, o acesso à internet passou a ter maior crescimento a partir de 1994, quando a Embratel iniciou o serviço. A partir de então, o número de usuários passou a crescer abruptamente.
3.2 Impacto das novas tecnologias na sociedade em geral
Anteriormente, o mundo passava pela fase chamada Era da Informação. Entende-se por informação a transmissão de mensagens entre um emissor e um receptor, através de um
29 MÜLLER, N. O começo da internet no Brasil. Oficina da net, 06 de abril de 2017. Disponível em: <https://www.oficinadanet.com.br/artigo/904/o_comeco_da_internet_no_brasil>. Acesso em: 07 de junho de 2017.
30 ARRUDA, Felipe. 20 anos de internet no Brasil: aonde chegamos? TecMundo, 04 de março de 2011. Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/internet/8949-20-anos-de-internet-no-brasil-aonde-chegamos-.htm>. Acesso em: 07 de junho de 2017.
mediador, geralmente com suporte tecnológico. Evidente, portanto, que a informação era a base da sociedade contemporânea, viabilizando o conhecimento, as relações interpessoais, a economia e a política.
Atualmente, a sociedade transita na chamada Era Digital.
Ao desenvolverem-se as novas tecnologias, tornou-se indispensável o uso da rede integrada de computadores, fato que redesenhou a maneira de se relacionar da sociedade, propondo novos modelos de comunicação. Na visão de Harvey Brooks e Daniel Bell32, tecnologia é “o uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível”.
As tecnologias e a internet passaram rapidamente a ser utilizadas pelas empresas. O mercado passou a ser cada vez mais ágil, especializado e competitivo, devido ao acesso à rede de informações em tempo real, bem como à possibilidade de compartilhá-las a qualquer tempo. Ao passo em que foi reduzida a mão de obra devido a substituição do trabalho humano, foram gerados diversos empregos no ramo da informática e das comunicações33.
Com o advento da Internet, formou-se um espaço público virtual, onde há um verdadeiro campo de interação social. Malgrado os benefícios trazidos pela Era Digital, ressalta-se que o alcance das informações inverídicas e de fontes não confiáveis também aumentou. Segundo Loader34, os dispositivos tecnológicos se tornaram um meio de vigilância, trazendo um controle maior sobre os indivíduos, suas rotinas, seus gostos e seus sentimentos, fato que acaba por retirar a privacidade.
A facilidade da visibilidade total das coisas pode ser prejudicial em alguns casos, como para pessoas que têm suas vidas expostas de forma estúpida, construções de autores que perdem seus direitos autorais ou, ainda, de informações sigilosas que vazam pela rede35.
32 BELL, Daniel. The Coming of Post-industrial Society: A Venture in Social Forecasting. 2. ed. Nova York: Basic Books, 1976, p. 29. BROOKS, Harvey. Extraída da palestra proferida em Amherst, em 9 de maio de 1971, intitulada “Technology and the ecological crisis”. Apud. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 49.
33 KOHN, Karen. HERTE DE MORAES, Cláudia. O impacto das novas tecnologias na sociedade: conceitos e características da Sociedade da Informação e da Sociedade Digital. Trabalho apresentado no III Intercom Júnior - Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, na subárea Cibercultura e tecnologias da comunicação. Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Santos - 29 de agosto a 2 de setembro de 2007.
34 LOADER, B. (Org). A política do ciberespaço: política, tecnologia, reestruturação global. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.
Segundo Marcondes36, é utopia acreditar que, nesse espaço, todos estão aptos e possuem recursos tecnológicos e educacionais para participar. Para Saco37, só quem possui vantagem no mundo digital são as grandes empresas, capazes de propagar informações aptas a influenciar a sociedade.
De acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 22 de dezembro de 2016, mais da metade dos domicílios brasileiros passou a ter acesso à internet. No ano de 2015, foi verificado que 57,8% dos domicílios brasileiros possuíam acesso à internet38.
Fator determinante para a inclusão digital foi, também, o avanço tecnológico dos aparelhos celulares. Segundo dados do IBGE, o aparelho preferencial para navegar era o computador, mas esse quadro mudou, passando o celular, a partir do ano de 2014, a ocupar esse posto39.
Os aparelhos móveis permitem uma maior interação, por estarem sempre ao alcance dos usuários. Diante disso, surgiu uma maior frequência de utilização das chamadas redes sociais. As redes sociais são estruturas formadas por pessoas conectadas à internet, intermediadas por um dispositivo. São, portanto, uma maneira de conectar-se com outras pessoas, através de sites e aplicativos que tem como base o perfil do usuário, seus gostos, interesses, hobbies, ou qualquer outra informação que deseje compartilhar. Exemplos dessas redes são: Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram, LinkedIn.
O Facebook é um site de relacionamento, no qual o indivíduo, empresa ou grupo pode criar o seu perfil com dados pessoais, fotos, vídeos, links, notícias. É possível, também, adicionar outros usuários no campo de “amigos” e conversar com eles por meio da ferramenta Messenger.
O WhatsApp é um aplicativo de comunicação, no qual a pessoa adiciona os contatos telefônicos das outras e pode trocar instantaneamente mensagens de texto, áudio,
comunicação. Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Santos - 29 de agosto a 2 de setembro de 2007.
36 MARCONDES, V. Novas tecnologias de conexão e o futuro da esfera pública. Trabalho apresentado no Intercom Sul. CDROM. Passo Fundo, 2007.
37SACO, D. Cybering democracy: public space and internet. London: Electronic Mediations, 2002. 38 IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 30 maio 2017.
imagem e vídeo.
O Twitter é uma rede social na qual os usuários podem interagir com seus seguidores publicando mensagens de até 140 caracteres, sendo a sua principal pergunta “o que está acontecendo?”.
O Instagram é um aplicativo no qual os usuários podem postar fotos e vídeos no seu perfil, ou deixá-los disponíveis por apenas 24 horas.
O LinkedIn é uma rede social profissional, visando o conhecimento de profissionais e a obtenção de trabalhos e oportunidades.
A internet é, portanto, formadora de laços sociais e, ainda, criadora de novos padrões de comunicação.
Várias facilidades trouxeram as novas tecnologias para a sociedade. Contudo, acarretaram, também, diversos problemas. Como demonstrado acima, o surgimento da Era Digital se deu numa sociedade desigual, onde nem todos possuem o mesmo nível de acesso, o que gera certo monopólio de produção e distribuição de tecnologia pelas grandes empresas, centrando a sociedade no consumismo em busca dos aparatos considerados essenciais à vida social.
3.3 Os impactos do avanço tecnológico no Direito
O Direito, por sua natureza, é conservador. Diante disso, a introdução de novos princípios e normas é feita de maneira paulatina. Entretanto, as transformações sociais ocorrem em ritmo acelerado, o que gera um descompasso entre o ordenamento jurídico e a necessidade social contemporânea.
Sabe-se que o Direito é um conjunto de normas que dita os parâmetros para a convivência humana e o comportamento social. Sabe-se, além disso, que o avanço tecnológico constantemente modificou a maneira de interação social. Deve, portanto, o Direito estar apto para acompanhar a realidade do tempo em que se desenvolve.
Com a integração das redes sociais, o comportamento das pessoas mudou definitivamente. Tudo pode ser visto e ouvido a partir de um pequeno dispositivo. Indaga-se, portanto, se o Direito é capaz de acompanhar tamanha revolução.
No atual ordenamento jurídico brasileiro, existem duas leis que atendem, em parte, as necessidades da Tecnologia da Informação e Computação, trata-se da Lei Geral de Telecomunicações, Lei Nº 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, e do Marco Civil da Internet, Lei Nº 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
Claramente, as novas tecnologias afetam diversos ramos do Direito, que não está totalmente preparado para isso. O mercado consumidor, por exemplo, adquiriu uma nova maneira de realizar as chamadas relações de consumo, a partir de sites de compra e venda. Surgiram, também, os chamados contratos eletrônicos, pactuados através da internet. Além disso, com a facilidade de divulgação de informações, surge o problema quanto ao controle da proteção aos direitos autorais. De acordo com Lange40, “... qualquer obra digitalizada é facilmente passível de alterações por parte do usuário, que poderá adaptá-la ao seu gosto pessoal ou mesmo, a partir da base, transformá-la numa outra composição”.
O Direito enfrenta, portanto, grande batalha para solucionar as demandas advindas das novas tecnologias, por serem escassos os dispositivos acerca do tema. Os operadores do Direito necessitam, na maioria das vezes, utilizar dispositivos por analogia, aplicar princípios já existentes e fazer pesquisas jurisprudenciais acerca dos novos temas, em busca da melhor solução para o caso concreto.
Houve, por outro lado, adaptações tecnológicas no mundo jurídico que, indubitavelmente, trouxeram facilidade e conveniência para os profissionais. Exemplo disso é a implementação do processo eletrônico, pondo fim aos autos físicos. Tornou-se mais fácil acessar processos, peticionar e acompanhar julgamentos.
3.4 Influência das redes sociais e das novas tecnologias no Direito do Trabalho
Na antiguidade, o trabalho primitivo era feito por meio de técnicas e maquinários rústicos. Com o início da Industrialização, as máquinas ficaram cada vez mais sofisticadas, e
começou a surgir o Direito do Trabalho. A partir desse momento histórico, a legislação busca sempre estar adequada e adaptada às novas tecnologias que possam afetar as relações empregatícias direta ou indiretamente.
Surgiram os computadores e a Internet, que revolucionaram o modo de trabalhar. Tornou-se possível a busca online por empregos, facilitou-se a manutenção de contato com clientes, possibilitou-se a realização de cursos para aperfeiçoamento profissional por meio de vídeo aulas, bem como a realização de compra e venda online. Houve, portanto, uma facilitação na realização de atividades antes mais complexas de serem realizadas.
Em contrapartida, a Internet pode, em diversas situações, gerar complicações no ambiente laboral, como a perda de concentração e a queda da produtividade por seu uso indevido.
Uma das maiores dificuldades quanto ao direito eletrônico é a escassez de normas que o regulamentem. Na esfera trabalhista, os obstáculos para se tornar compatível com a virtualidade são inúmeros.
O mundo do trabalho está em constante e radical mudança nos últimos tempos. A mobilidade e agilidade promovidas pela tecnologia permitem até mesmo que um negócio seja gerenciado em local diverso do que está a empresa. Por isso, é de extrema necessidade que os obreiros se adaptem às tecnologias, que tanto podem ajudá-los a produzir mais em tempo inferior, como também pode torná-los suscetíveis a um maior controle por parte de seus empregadores.
O que se observa é a utilização das novas ferramentas tecnológicas tanto para otimização dos serviços dos empregados, como para a fiscalização pela empresa da realização desses serviços. Surge, então, um novo problema, que será abordado no capítulo 4 deste trabalho: até onde pode o empregador monitorar as redes sociais do empregado? Tal monitoramento viola a intimidade e a vida privada do empregado? E em relação às punições por publicações nessas mídias? Estaria o empregador ferindo o direito à liberdade de expressão do empregado?
3.4.1 O uso da Internet para fins laborais
Existem diversas formas pelas quais a internet pode ser utilizada como facilitadora do trabalho. As novas tecnologias permitem modalidades inovadoras de execução das atividades laborais, exemplo disso é o home office, ou teletrabalho, no qual a presença física do obreiro é dispensada. Inclusive, importante mencionar que essa forma de trabalho encontra regulamentação na Reforma Trabalhista, Projeto de Lei nº 38/201741, cujo relatório foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado em 06 de junho de 2017.
O projeto de lei trata do assunto em seus artigos 75-A ao 75-E, que consideram o teletrabalho como a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências da empresa, através do uso das tecnologias de informação e de comunicação que não configurem trabalho externo.
Além disso, entendem que o comparecimento à empresa para realização de atividade que exija a presença do obreiro não enseja a descaracterização do teletrabalho. Aduzem, entretanto, que a modalidade deve estar expressa no contrato de trabalho, com a especificação das atividades a serem exercidas. Ainda, possibilitam a alteração do regime de trabalho por determinação do empregador, mediante registro aditivo contratual.
Estabelecem, também, que a aquisição, manutenção e fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito e não integrarão a remuneração do empregado. Por fim, preveem que o empregador deverá instruir expressamente os empregados quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, devendo os obreiros assinarem termo de responsabilidade, comprometendo-se a obedecer essas instruções.
Nota-se, portanto, a preocupação do legislador em adaptar o texto normativo à necessidade social contemporânea.
Segundo Alexandre de Souza Agra Belmonte42:
41 BRASIL. Lei nº 38/2017: Reforma Trabalhista. Abril de 2017. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5252522&disposition=inline>. Acesso em: 07 junho 2017.
42BELMONTE, Alexandre de Souza Agra. Os Problemas e Limites do Uso das Redes Sociais no Ambiente de
Trabalho. Lex Magister. Disponível em:
<http://www.lex.com.br/doutrina_24697476_OS_PROBLEMAS_E_LIMITES_D
As redes sociais constituem meios ágeis e eficientes de comunicação e relacionamento social. Como é possível ter acesso a elas no ambiente de trabalho por meio de computadores funcionais, celulares e tablets, com as comunicações alcançando em tempo real pessoas e comunidades as mais distantes; como também é possível acessar as informações postadas pelos trabalhadores e estes falarem publicamente sobre a empresa em que trabalham e até formarem comunidades, novos problemas jurídicos decorrem de sua utilização.
Atualmente, as empresas podem aumentar o alcance de seus produtos, ampliando a rede de consumidores, ao utilizar-se do chamado e-commerce, que se trata de uma plataforma online, na qual os produtos são expostos aos clientes, que podem adquiri-los, pagar por eles e, ainda, rastreá-los até o seu recebimento.
3.4.2 O uso indevido da Internet e sua repercussão no ambiente de trabalho
Muitas vezes, pode ocorrer de os empregados utilizarem de maneira indevida a internet no ambiente laboral.
Apesar de serem importantes instrumentos de trabalho, o uso indiscriminado das novas tecnologias e a falta do bom senso em sua utilização podem gerar diversos conflitos. Por isso, alguns empregadores não permitem o uso habitual de todas essas tecnologias no horário de trabalho, principalmente dos smartphones com acesso às redes sociais, por questão de conveniência.
Para exemplificar uma situação na qual a tecnologia pode ser indevidamente utilizada, necessário abordar o chamado e-mail corporativo, o correio eletrônico por meio do qual a comunicação entre os funcionários da empresa e os clientes é facilitada. Trata-se, portanto, de ferramenta de trabalho, devendo ser utilizado apenas para fins profissionais. Contudo, pode ocorrer de um empregado utilizar-se do correio eletrônico da empresa para fins pessoais ou, ainda, para fins antiéticos, como envio de conteúdo pornográfico aos colegas.
Diante disso, surge a necessidade de monitoramento desses e-mails, sendo ideal que o obreiro assine um termo de responsabilidade, comprometendo-se ao uso estrito do e-mail para fins profissionais.
O mau uso da internet pode ser feito, também, fora do ambiente de trabalho e ainda assim repercutir na relação de emprego.
identifique alguma informação que seja contrária às suas políticas. Conforme Saad43:
Atualmente os comentários em redes sociais, Facebook, Twitter e blogs são analisados pelas empresas ao possibilitar o conhecimento das expressões e pensamentos do candidato à vaga, portanto, haverá juízo de valores sobre a conveniência e adequação ao novo emprego.
Malgrado ainda não haver legislação trabalhista específica acerca do tema, é possível que as empresas criem normas para regulamentar o uso dos aparelhos tecnológicos e da internet no local de trabalho, por meio de regimento interno, quando notar que este uso pode prejudicar o desempenho dos obreiros.
3.4.3 Casos concretos
Como abordado anteriormente, a internet pode ser negativa em algumas situações nas relações trabalhistas, podendo vir a ensejar, inclusive, demissão por justa causa.
Para exemplificar, cita-se situação na qual um empregado foi dispensado por justa causa de uma fábrica de máquinas de construção, ao postar na página de Facebook da empresa comentários ofensivos, somada a uma foto com gesto obsceno. O juiz Paulo Emílio Vilhena da Silva, da 4ª Vara do Trabalho de Contagem, entendeu que “a conduta da obreira teve conotação difamatória, atingindo a honra e a boa fama do empregador”. O TRT de Minas, ao julgar o recurso, manteve a decisão de piso, entendendo que o reclamante tentou manchar a reputação da reclamada44.
Mais uma situação ocorreu, em Minas Gerais, onde uma operadora de caixa foi demitida por justa causa ao ofender sua empregadora, Drogaria Araújo S.A, na página do Facebook. A obreira buscou reverter a dispensa, alegando que não foi precedida de advertência, tampouco de suspensão. A 7ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG) julgou improcedente a ação, por considerar reprovável e desrespeitosa a conduta da obreira. Ao julgar o recurso, a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho não deu provimento ao agravo de instrumento interposto, de número 1649-53-2012.5.03.0007, por entender possível a
43 SAAD, E. Uso irregular de redes sociais pode configurar justa causa. Congresso em Foco Uol, 25/07/2012. Disponível em: <http://m.congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/forum/uso-irregular-de-redes-sociais-pode-configurar-justa-causa/>. Acesso em: 07 de junho de 2017.
44 Mantida justa causa de empregado que postou comentários ofensivos no Facebook da empregadora. Amo
aplicação imediata da justa causa45.
No Rio Grande do Sul, a postagem de fotos da empresa KLL Equipamentos de Transporte LTDA em perfil no Facebook levou à dispensa por justa causa de um operador de máquina de corte. As imagens mostravam o processo produtivo da empresa, revelando detalhes de seus equipamentos, o que, conforme argumenta a empregadora, a conduta é proibida em seu regulamento interno, por colocar em risco o sigilo industrial, bem como a segurança patrimonial. A Quinta Turma do TST, ao julgar o Recurso de Revista, número 1353-44.2013.5.04.0241, não reverteu a justa causa46.
Outro caso envolvendo as novas tecnologias ocorreu em Maringá, no Paraná, onde um serralheiro, mesmo após receber advertências, permaneceu utilizando seu aparelho celular durante o expediente, o que era vedado por medidas de segurança47.
Houve, também, um caso onde o empregado foi demitido por justa causa, quando a empresa teve acesso a um vídeo publicado no YouTube, no qual o obreiro estava dando “cavalo de pau” com a empilhadeira da empresa onde trabalhava. A juíza da 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba/SP, Elizabeth Priscila Satake Sato, ao julgar o processo, negou a reintegração do empregado, por considerar indevida a sua conduta48.
Por outro lado, existem magistrados que consideram a restrição do uso das redes sociais um cerceamento do direito de liberdade de expressão, acreditando que as empresas podem limitar o acesso em seus computadores, mas não podem ditar como o empregado deve utilizar seu celular ou smartphone.
Esse foi o entendimento, por exemplo, do juiz José Luciano Leonel Carvalho, substituto da 1ª Vara do Trabalho de Goiânia, ao afastar, no processo de número 0010486-59.2016.5.18.0001, a justa causa de obreira demitida por usar o Facebook em seu ambiente de trabalho. Segundo ele, “não há lei que autorize a empresa a tornar o trabalhador
45 TST: Caixa demitida por ofender empresa em rede social não reverte justa causa. Amo Direito, 14 dezembro 2016. Disponível em: <http://www.amodireito.com.br/2016/12/tst-caixa-demitida-por-ofender-empresa.html>. Acesso em 30 maio 2017.
46 Mantida justa causa de metalúrgico que postou fotos de indústria no Facebook. Amo Direito, 26 abril 2016. Disponível em: <http://www.amodireito.com.br/2016/04/mantida-justa-causa-de-metalurgico-que.html>. Acesso em 30 maio 2017.
47 Confirmada demissão por justa causa por uso excessivo de celular no trabalho. Amo Direito, 18 março 2017. Disponível em: <http://www.amodireito.com.br/2017/02/confirmada-demissao-por-justa-causa-por.html>. Acesso em 30 maio 2017.
48 BELMONTE, Alexandre de Souza Agra. Os Problemas e Limites do Uso das Redes Sociais no Ambiente de
Trabalho. Lex Magister. Disponível em:
<http://www.lex.com.br/doutrina_24697476_OS_PROBLEMAS_E_LIMITES_D
incomunicável49”.
Diante disso, nota-se que é necessário uma análise de cada caso, com a devida ponderação dos direitos em conflito.
3.4.4 Direito Comparado
Como anteriormente abordado, as novas tecnologias trouxeram para o Direito do trabalho novas possibilidades. Uma delas é a do home office, ou teletrabalho, no qual o empregado pode trabalhar à distância, utilizando as vias tecnológicas para exercer suas atividades. A comunicação entre empregado e empregador foi facilitada, podendo ser feita de maneira instantânea.
Entretanto, como apagadas as fronteiras do local de trabalho, os limites entre trabalho e vida pessoal a cada dia estão menos claros, fazendo com que muitos obreiros estejam disponíveis em tempo integral, recebendo mensagens a qualquer hora.
Malgrado a legislação brasileira não possuir grandes disposições acerca da influência tecnológica nas relações empregatícias, outros países já o fazem, regulamentando alguns aspectos dessa influência.
Exemplo disso é a reforma trabalhista francesa, denominada de Loi Travail, aprovada em 20 de setembro de 2016, que instituiu o direito de se desligar.
Na França, conforme estudo realizado pelo escritório Éléas, cerca de 37% dos trabalhadores afirmam utilizar todos os dias uma ferramenta de trabalho fora do expediente, chegando a sofrer esgotamento, também conhecido como síndrome do burnout50. Por conta disso, a nova lei instituiu o direito à desconexão, prevendo que as empresas que possuem mais de 50 funcionários devem determinar os horários em que os seus empregados poderão se desconectar dos aparelhos eletrônicos.
Estabeleceu-se, portanto, uma obrigação para as empresas, que devem negociar com seus empregados uma maneira de regular o uso das tecnologias de comunicação.
Algumas empresas, mesmo sem previsão legal, já realizavam políticas para
49 Demissão por uso de Facebook fere liberdade, diz juiz ao reverter justa causa. Amo Direito, 6 agosto 2016. Disponível em: <http://www.amodireito.com.br/2016/08/demissao-por-uso-de-facebook-fere.html>. Acesso em 30 maio 2017.