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1.2 Criminalização Das Drogas e a Delinquência Juvenil

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Academic year: 2021

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ÌNDICE

INTRODUÇÃO --- 3

ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL --- 5

1.1 Da Adolescência Ao Mundo Das Drogas e Da Delinquência Juvenil --- 5

1.2 Criminalização Das Drogas e a Delinquência Juvenil --- 7

II. DELINQUENCIA JUVENIL/QUADRO CONCEPTUAL --- 10

2.1. Perspectiva Psicossocial --- 11

2.2 Perspectiva Criminológica --- 12

2.3 Perspectiva Desenvolvimental --- 13

2.4 Perspectiva Clínica --- 14

2.5 Delinquência Juvenil/ Modelos Teóricos Explicativos --- 17

III- FACTORES PREDISPONENTES DA DELINQUÊNCIA JUVENIL EM CABO VERDE --- 19

3.1 Subcultura de Violência --- 20

3.2 Privação --- 20

3.3Vulnerabilidade Familiar --- 21

3.4 Exclusão Social --- 22

3.5 Ambivalência De Referências De Conduta e Convivência Sociais --- 23

3.6 Défice de Autoridade --- 24

3.7 Défice de Protecção --- 24

3.8 Atributos de Personalidade --- 25

IV. FACTORES PSICOSSOCIAIS INERENTES AO CONSUMO DE DROGAS E O AUMENTO DA DELINQUÊNCIA JUVENIL --- 26

4.1 Papel das Drogas no Aumento da Delinquência Juvenil--- 26

4.2 Papel da Família no Aumento da Delinquência Juvenil --- 30

4.2.1Dinâmica Familiar da Delinquência --- 31

4.3 Escola Como Factor Promotor da Delinquência Juvenil --- 32

4.4. O Desemprego como um dos fenómenos que agrava a Situação da delinquência juvenil --- 34

4.5 Factores Da Delinquência Juvenil Ligados a Urbanização --- 35

4.5.1 Da Cultura de Rua aos Grupos Gangues --- 36

V. GRUPOS GANGUES OU THUGUES COMO SURGIRAM --- 38

5.1 Mecanismos Psicossociais que Actuam nos Grupos Delinquentes --- 39

5.2 Formação dos Grupos Gangues na Sociedade Cabo-verdiana --- 40

5.3 Causas Ligadas Ao Surgimento Dos Grupos Gangues/Thugues Em Cabo Verde --- 42

5.3.1.Desigualdade Social, Pobreza Urbana e Jovens --- 43

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5.3.2 Aumento do Consumo e Tráfico de Drogas --- 45

5.4 Tipologia dos Grupos Gangues/Thugues --- 47

5.5 Razões Que Levam Os Jovens a Integrarem Nos Grupos Gangues/Thugues --- 48

5.6 Tipos de Violência/ Presentes Nos Grupos Gangues/Thugues --- 49

VI- CORPO EMPIRÍCO --- 52

1.OBJECTIVOS --- 52

1.1 Objectivo Geral--- 52

1.2 Objectivos Específicos: --- 52

VII. METODOLOGIA --- 53

1 Método e Instrumento --- 53

1.2 Hipóteses --- 53

1.3 Participantes --- 54

1.4 Critérios da amostragem --- 54

1.5 Procedimento --- 54

VIII RESULTADOS --- 56

8.1 Características Sócio - Demográficas dos Participantes --- 56

IX DISCUSSÃO DOS RESULTADOS --- 84

X- Anexos --- 88 XI Bibliografia --- Erro! Marcador não definido.

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INTRODUÇÃO

O aumento do consumo de drogas na camada juvenil, tem constituído uma preocupação a nível mundial e igualmente em Cabo Verde, tendo em conta o impacto da mesma no aumento da delinquência juvenil, aumento dos grupos gangues ou thugues e consequentemente o aumento da mortalidade juvenil. Neste contexto, Cabo Verde desenvolveu medidas, como a criação da Brigada Anti-Crime (BAC), para combater o aumento da delinquência, visto que hoje, quem vive nas duas principais cidades do país, vivem mergulhadas no medo e na insegurança de serem assaltadas ou agredidas.

A literatura apresenta o consumo de drogas, como um fenómeno multicausal e de saúde pública, que envolve não só o próprio dependente, mas também a sua teia de relacionamentos, acarretando diversos problemas e abalos nessas estruturas (Schenker &

Minayo, 2003; Pratta & Santos, 2006). Levando em conta que cada pessoa apresenta-se como um ser essencialmente social, não há como não tentar compreender essa dinâmica histórico- cultural e psicológica das relações desenvolvidas, para que realmente se possa ter uma compreensão ampla e abrangente desse fenómeno (Ferreira & Filho 2007).

Entre as principais atribuições da família, destaca-se a capacidade de auto-regulação, levando a uma responsabilidade de cuidar, atender as necessidades físicas e psicológicas dos seus membros, fazer o controlo das normas e comportamentos que imperam na sociedade e também proporcionar um ambiente de socialização primária aos seus indivíduos, sendo assim o ambiente privilegiado para o fortalecimento das relações e desenvolvimento das suas potencialidades de manutenção (Schenker & Minayo, 2003; Nuno-Gutiérrez e González- Forteza, 2004; Serapione, 2005).

A forma como se dá a educação dos filhos e estilos parentais é um dos factores de forte influência no clima emocional gerado dentro da família que no futuro, pode ser um importante causador de crise (Schenker & Minayo, 2003; Pratta & Santos, 2006). Entre as crises que as famílias contemporâneas estão expostas, esta relacionada com as drogas.

A literatura aponta que factores gerados pela família podem desencadear tanto, comportamentos de prevenção do uso de drogas por seus membros, como para o seu uso efectivo (Schenker & Minayo, 2003; Pratta & Santos, 2006). A qualidade dos vínculos e sua força, relações positivas, declaração de limites e regras claras, dispêndio de apoio e real comunicação entre os membros são factores, que podem actuar, como factores preventivos.

No entanto, Schenker & Minayo, 2003 pontuam que do lado oposto estão os factores que podem colaborar para o consumo de drogas, rompimento familiar.

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Com essa brecha na estrutura familiar, cria espaço para a vida em grupos, de acordo com Osório (2000), o novo século, diferente que o anterior, passará a pautar-se pela grupalidade, sendo o grande desafio aprender a conviver em grupo. Nesse contexto também os jovens começam a privilegiar a vida em grupos e o fenómeno de pressão grupal passa a ter um papel decisivo, na vida dos jovens em sociedade.

Outros fenómenos como o desemprego juvenil, o abandono escolar, a urbanização desorganizada, características de personalidade, como a personalidade anti-social entre outras e características psicológicas, como a fraca capacidade de resiliência, são outros factores que estão por detrás do aumento do consumo de drogas e a entrada dos jovens para os determinados grupos delinquentes (gangues ou thugues).

Com o intuito de compreender melhor a relação que existe entre o consumo de drogas e o aumento da delinquência juvenil, nas duas principais cidade do país, foi realizado um inquérito, com um conjunto de perguntas abertas e fechadas, que foram aplicados a 120 jovens que estão nos grupos denominados thugues na cidade da Praia e gangues na cidade do Mindelo.

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ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

1.1 Da Adolescência Ao Mundo Das Drogas e Da Delinquência Juvenil

A adolescência, como todos os outros estádios do desenvolvimento humano, são marcadas por verdadeiras mudanças tanto a nível do funcionamento biológico, psicólogo e social do indivíduo.

Mas de uma forma particular a todos os estádios, a adolescência, é marcada por transformações biopsico-sociais no indivíduo; a separação e a individuação; os lutos das imagens parentais; os processos de identificação e identidade; a autonomia e a dependência;

o narcisismo primário, e outras questões relacionadas com a auto-estima; bem como, os processos de dor mental e de intolerância à frustração, marcam essa fase da vida do adolescente.

Na perspectiva de Blos (1967), os processos de crescimento inerentes à adolescência apresentam aspecto, que descreve como ‘o segundo processo de individuação’, tendo como referência a sistemática de Mahler (1973). O adolescente é conduzido à independência familiar e ao abandono dos laços objectais infantis (perda do eu parental), para assim aceder à vida adulta. Esta reestruturação implica novos investimentos que contribuem para a formação do carácter, designadamente, novas atitudes e opiniões, bem como, manifestações que se podem reflectir ao nível do protesto familiar, do uso de vestuário extravagante, das paixões e idealizações platónicas, ou do início de uma fase de criação artística ou literária.

Se por um lado, todo este processo faz parte de uma evolução indispensável, por outro, a revolta a ele inerente, pode atingir casos extremos, tais como a delinquência e a toxicodependência, que comprometem o processo individual de maturação. Bowlby (1969) argumenta que na adolescência não há uma desvinculação aos pais, mas antes um crescimento (muito embora de forma menos intensa que na infância) dessa vinculação.

Porém, segundo este autor, a vinculação deve ser entendida como um laço afectivo persistente que promove os comportamentos de autonomia no adolescente e não a sua dependência. De acordo com esta perspectiva, torna-se assim necessária a compreensão dos laços familiares, bem como a transformação dessas mesmas relações, para poder compreender toda essa dinâmica de transformações que decorrem na fase da adolescência.

Numa posição que parece integrar as abordagens assumidas por Blos e Bowlby, Amaral Dias e Paixão (1986), afirmaram que a adolescência constitui uma fase verdadeiramente

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organizadora do psiquismo, vivendo o adolescente numa transição entre a estrutura relacional sincronizada com o meio ambiente (particularmente com o meio familiar) e um estado estrutural caracterizado por uma diacronia relacional que marca a individualização do self adulto. Trata-se pois de um período em que se realiza um desinvestimento nos laços de dependência narcísica que outrora tinham unido a criança aos seus pais, realizando-se o luto das imagens parentais (Amaral Dias, 1991). Nesta fase do desenvolvimento, o luto abre assim possibilidade ao adolescente de estar só e de organizar de forma positiva os processos de individuação/separação (Amaral Dias, 1988). Registando assim nessa fase, uma maior necessidade de pertencer a outros grupos sociais, fora do ambiente familiar, como os grupos pares, vontade de frequentar outros ambientes, como bares, clubes desportivos, associações, praças entre outros espaços públicos, que tanto podem contribuir para o seu crescimento e autonomia como também podem funcionar como espaços desviantes para o adolescente. Por isso cabe a cada adolescente desenvolver a sua resiliência psicológica, para assim estar melhor preparado para dar respostas positivas aos estímulos do meio externo.

Dado a todo o dinamismo e todas as transformações psicossociais que surgem nesse estádio, muitos adolescentes acabam por conseguir organizar o psiquismo de forma a adaptar as novas exigências pessoais e sociais, mas se por um lado há adolescentes que ultrapassam com sucesso essa fase, outros nem por isso, visto que, é exactamente neste estádio que começam a surgir novas problemáticas na vida do adolescente, como é o caso das toxicodependências, entrada para o mundo do crime, a delinquência entre outras problemáticas, que de igual modo, acabam por alterar o funcionamento psicossocial do adolescente.

Foram desenvolvidas investigações com adolescentes toxicodependentes, conforme demonstra a visão concebida por (Morel et al., 1998), evidenciaram nestes um estado psico- afectivo e mental imaturo, sem modelos de identificação satisfatórios que permitissem enfrentar conflitos emocionais. Ao invés, a construção de um ‘eu’, é elaborada através da não existência do processo de alteridade, pelo que, consequentemente, emergem importantes falhas narcísicas, sentimentos de vazio, desvalorização pessoal e angústia. A droga surge assim como um ‘falso escudo protector contra o sofrimento’ que permite ao toxicodependente iludir os aspectos das suas relações com a vida ou usando-se dela como forma de mediação nas suas relações com os outros, já que o uso das drogas é também sintoma de dificuldades de relação.

Depois do enquadramento da fase de desenvolvimento, que caracteriza a adolescência e de termos abordado as principais mudanças psicossociais, que se dão neste estádio de desenvolvimento, passamos agora, para a análise da criminalização das drogas e a delinquência juvenil, duas problemáticas que afectam a camada juvenil essencialmente.

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1.2 Criminalização Das Drogas e a Delinquência Juvenil

Por razões epidemiológicas, políticas, económicas e sociais, o consumo de substâncias psicoactivas tornou-se o foco de atenção mundial, dada a dimensão que adquiriu seu impacto na sociedade moderna. Estima-se que mais de 200 milhões de pessoas no mundo consumem alguma droga ilícita, 1,1 bilião fumam cigarros e cerca de 2 biliões consomem bebidas alcoólicas. A cannabis é a droga ilícita de escolha em muitos países, e a disseminação das drogas injectáveis, aumentou o número de usuários de drogas injectáveis (UDI) desencadeando a epidemia do HIV/SIDA em vários países em todas as regiões do globo.

De igual modo, o consumo das drogas ilícitas e lícitas, como o caso do álcool está associado, com uma ampla variedade de problemas de saúde e sociais, como mortes em acidentes, homicídios, suicídio, violência juvenil, doenças crónicas entre outras.

Com todas as implicações psicossociais, que o consumo das drogas ilícitas e lícitas desencadeia no indivíduo consumidor em particular e na sociedade no geral, ganhou grandes repercussões, levando assim a ser um dos temas de maior interesse na actualidade. Quando se discute a criminalidade entre jovens, refere-se ao impacto que a criminalização das drogas produz nos índices de delinquência juvenil e especialmente na formulação de políticas de controlo social para esta problemática.

Na perspectiva de alguns autores as drogas e delinquência juvenil são questões que normalmente são englobadas no mesmo saco, sem que se saiba com clareza qual é a relação entre elas. O que levou alguns investigadores a desenvolver estudos, como forma de compreender melhor as relações entre as drogas e a delinquência juvenil. Posto esta inquietação vamos apresentar um estudo desevolvido por investigadores argentinos, com o objectivo de estudar e compreender melhor essa relação, para dar melhores respostas as politicas de intervenção na camada juvenil.

Para estabelecer os padrões de uso de drogas entre crianças e adolescentes em conflito com a lei e entender as causas e consequências do fenômeno, um grupo de integrantes do Programa de Assistência e Pesquisa sobre Dependência da Secretaria Nacional da Infância, Adolescência e Família da Argentina, realizaram o "Estudo sobre perfis sociais e padrões de consumo de substâncias psicoativas em adolescentes residentes em dispositivos de regime fechado".

De acordo com a psicóloga Fabiana Cantero e o sociólogo Fernando Veneziale, autores do estudo, não se verificou uma relação linear entre o consumo de substâncias psicoativas e os actos de transgressão da lei. Mas isto não significa que não foram detectados casos em que

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foram cometidos delitos sob o efeito de substâncias psicoativas, mas que não se pode afirmar, segundo os autores, que haja uma relação direta entre o uso de drogas com o momento que antecede os delitos.

Os pesquisadores destacaram outros aspectos como determinantes mais significativos do comportamento delitivo, como um profundo quadro de exclusão e a falta de oportunidades no ambiente onde esses jovens crescem e vivem. Baixa escolaridade, desemprego, o mercado laboral, quando existe, é precário e informal, reincidências no sistema correcional e experiências infantis e juvenis marcadas pela vida nas ruas, pela pobreza e pela violência, são factores de risco, para que germinem comportamentos delitivos, como roubos e furtos, ou atitudes transgressoras, como o uso de substâncias psicoativas legais e ilegais.

De acordo com os dados recolhidos, não se constata uma associação directa entre o consumo de drogas e o delito, entendendo esse consumo como o agente precipitante que empurra o adolescente para o crime. O que se observa é que, em muitos casos, o uso de drogas, seja uma característica que acompanhe o quadro de profunda exclusão. É certo que a situação de vulnerabilidade por si só, não é a causa da delinquência, mas temos que considerar o impacto que este processo tem, tanto no plano subjetivo como no plano objetivo em vidas de jovens que ainda estão em busca de formação da sua identidade.

Ainda consoante os resultados do estudo demostra que, em relação as drogas que mais remetem os jovens a comportamentos delituosos é o “crack”, pelo seu efeito de curta duração, o consumo do “crack” demanda reposição contínua da substância, e em consequência, dos recursos financeiros para sua obtenção. Ou seja o “crack” veio mudar o cenário do consumo de drogas a nível mundial, uma vez que trata-se de uma droga de efeitos rápidos, implica a repetição de mais do que uma dose, e sendo uma droga mais cara, faz com que o adolescente recorre a diversas maneiras de sustentar o vicío outrora causada pela dependencia psiquíca e física, maneiras essas que passa pelo roubo e furto, e normalmente fazem o uso da violência física, psicológica e verbal, para abordar as suas vitimas.

No ponto de vista defendida por estes dois investigadores argentinos, a droga não é a primeira experiência que o adolescente ou jovem passa, quando entra no mundo da criminalidade, mas factores como a privação parental, ou seja a ausência psicólogica dos pais, crises conjugais dos pais como a monoparentalidade, falta de estímulos para convivência familiar e entre irmãos, falta de motivação e interesse para os estudos, falta de diálogo e de afectividade familiar, imposição arbitrária de autoridade, omissão, negligência, repúdio, desprezo, preconceitos, discriminação, são alguns dos factores que geralmente antecedem ao consumo de drogas e são factores de risco que levam os adolecentes e jovens a entrarem para o mundo das drogas e consequentemente para o mundo do crime, leva-os a defender que não existe uma relação tão linear entre o consumo de drogas e a delinquencia juvenil.

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Embora o cosumo abusivo do consumo de drogas esteja ligada ao aumento da delinquência juvenil, não podemos ve-la de uma forma tão linear ignorarando os factores acima referidos, mas sim desenvolver uma visão mais alargada dessa problemática e trabalhar sobre estes factores que geralmente aparecem antes do consumo das drogas, caso queiramos promover uma verdadeira cultura de paz, tolerancia, e dimininuir cada vez mais as estatisticas de adolescentes e jovens que são mortos pelos companheiros e por conseguinte, diminuir o numero de adolescentes e jovens que acabam por enverdar pelo mundo das drogas e da criminalidad

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II. DELINQUENCIA JUVENIL/QUADRO CONCEPTUAL

A delinquência juvenil é na, perspectiva de alguns autores, uma derivação de constructos teórico-ideológicos e jurídicos e da associação entre pobreza, abandono, incapacidade e práticas de delitos.

Os termos nem sempre estão bem explicitados, por um lado, devido à própria complexidade dos fenómenos sociais, dificilmente captáveis em seu estado puro, desprovido de subjectividades. Não por acaso, um mesmo aspecto da problemática social pode ser percebido de ângulos completamente distintos, dependendo de quem esteja envolvido na sua compreensão/análise, explicação/ explicitação. Por outro, a dificuldade em se chegar a um quadro conceptual inequívoco pode estar, como observado por Volpi, correlacionada com a

“inexistência de parâmetros objectivos para medir a dimensão quantitativa real da chamada delinquência juvenil”, levando, por vezes a “avaliações e opiniões impressionistas inadequadas” (Volpi, 2002: 16).

Procurando superar essas dificuldades em termos de delimitação teórica - conceptual e dos mecanismos de aferição do que seja delinquência juvenil, alguns autores passaram a privilegiar um ou outro aspecto considerado mais elucidativo do conceito.

É o caso de Sabater Tomás, que, centrando-se na concepção jurídica da delinquência juvenil, aponta dois critérios definidores: a prática de um acto descrito como delitivo e a menoridade do sujeito (apud: Trindade, 2002: 38). Portanto, retira-se da chamada delinquência juvenil a carga psicopatológica, passando a considerá-la em termos exclusivamente jurídicos. Nesta base, a delinquência nasceria da situação do “menor” face à lei; decorreria da transgressão da norma codificada.

Outros ainda entendem que na definição da delinquência juvenil deve-se incluir tanto as condutas tipificadas nas leis penais quanto os comportamentos anormais, irregulares e indesejáveis. Ou seja, a delinquência juvenil aparece como clara expressão do que se convencionou chamar de conduta desviada, em que se incluem a conduta infraccional, definida como aquela que atinge bens juridicamente garantidos, previamente definidos nas leis penais, de acordo com os princípios da anterioridade e da legalidade (Trindade, 2002:

56), e condutas anti-sociais, definidas como aquelas que, não chegando a merecer inscrição jurídica, traduzem comportamentos que transgridem as normas de convivência, causando

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danos a valores socialmente estabelecidos. Ambas constituiriam desvio em relação à norma: a primeira, em relação à norma jurídica, a segunda, à social.

Esses diferentes pontos de vista, permitem-nos aferir o grau de complexidade da problemática de delinquência juvenil e deixam claro que não existe uma forma única de identificar os adolescentes e o acto infraccional.

A delinquência juvenil, trata-se de uma problemática, que preocupa todas as sociedades do mundo, embora uma mais que outras, devido ao agravamento das questões relacionadas, com a sua tipologia, manifestação e aos factores de risco, por isso várias são as perspectivas que explicaram o conceito da delinquência em diferentes abordagens á psicossocial, a criminal, a desenvolvimental e a clínica.

2.1. Perspectiva Psicossocial

Segundo essa abordagem os actos de violência devem ser vistos como actos sociais, denominados de comportamentos sociais, distinguindo entre estes, por comportamentos neutros, pro-sociais, associais e os anti-sociais, sendo que os dois últimos encontram-se os comportamentos que são considerados comportamentos delinquentes, conforme a avaliação da responsabilidade, levando em conta a intenção culpável.

Para essa abordagem um comportamento etiquetado negativo, é preciso que alguém, no corpo social, o distingue como tal. Por conseguinte, tudo vai depender dos grupos, das regiões em que os autores dos comportamentos se encontram.

Essa abordagem considera impossível, compreender a delinquência sem se referir a sociedade em que ela existe, uma vez que é através da sociedade, das suas regras, das suas normas e das suas leis que o acto delinquente é definido.

Nesta perspectiva surgiu varias teorias que tentaram tornar mais precisas as noções de delinquência e de desvio. Neste sentido surgiu o esquema proposta por Kutchinsky (in Robert, 1973) que pela sua estrutura, leva a considerar a delinquência não como uma sequência lógica de desvio, mas como tendo com o desvio uma franja de intersecção, como por exemplo alguns comportamentos repreensíveis pela lei, mas mesmo assim são praticados pelos cidadãos, como é o caso de conduzir em excesso de velocidade ou a fraude fiscal.

A perspectiva psicossocial toma por fundamento que todo o acto delinquente, isto é, contrário à norma legal ou sociológica, evolui no tempo e no espaço, ou seja um acto reprovado numa sociedade não o é forçosamente noutra (por exemplo o consumo de drogas, a interrupção voluntária da gravidez, a eutanásia, são condutas penalizadas em certos países ao

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passo que não o são noutras culturas). Neste sentido o desvio de um acto é avaliada conforme o grupo social, religioso, cultural, étnico.

Por fim esta abordagem, consideram que os actores do sistema da reacção social intervêm segundo lógicas que se aproximam mais da politica repressiva em vigor no país do que propriamente da materialidade dos actos.

2.2 Perspectiva Criminológica

Nesta perspectiva, não só as leis mudam, e com ela a definição daquilo que é considerado como interdito, mas também, como explicou Cusson (1990), a acção repressiva do Estado intervêm na dinâmica do sistema do crime: quando os casos criminais se tornam muito numerosos, desencadeiam-se no sistema penal um movimento de evacuação do excesso de casos.

O sentido dado do acto pela sociedade tem portanto uma grande importância. O contexto social e legal define a gravidade dos actos cometidos. Segundo essa perspectiva não existe um critério claro e definitivo para estabelecer uma ordem de gravidade dos actos.

Assim, de um ponto de vista estritamente legal, a gravidade do acto é específica em função da pena potencial. Pelo contrário a opinião pública pode estabelecer uma classificação muito diferente da classificação legal.

Este fenómeno de discrepância entre a lei e a opinião pública está bem definido e foi sublinhado por vários autores. Como por exemplo Szabo (1973) escreve que «o roubo de um banco suscita reacções quando é acompanhado de violência. Ao passo que o furto de mercadorias é considerado mais uma “indelicadeza” do que um delito real em situação a sociedade.» Um estudo mais recente (1980), conduzido em Itália por Giasanti e Maggioni, leva a mesma conclusão (Robert e Van Outrite, 1993; p. 248): de uma forma geral, há uma certa discordância entre as sensações prevista institucionalmente pelas leis penais e as exigências e atitudes difundidas na opinião pública.

Essa abordagem vem demonstrar que se basearmos unicamente nas informações oficiais é largamente insuficiente, oferecendo uma visão distorcida da realidade. Por conseguinte para compreender as pessoas que se tornam actores de delinquência, devemos levar em conta, um conjunto de elementos fornecidos por todos os actores da cena criminológica.

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2.3 Perspectiva Desenvolvimental

Segundo a perspectiva desenvolvimental, uma vez que o acto de delinquência surge num determinado momento da vida, é preciso compreende-lo na sua génese. Para compreender o acto delinquente, é necessário encarar dois pontos de vista, o da macrogénese e o da microgénese.

A macrogénese considera o conjunto da vida do indivíduo antes da passagem ao acto, aqui tentamos identificar os mecanismos que, a longo prazo, levaram á passagem ao acto. A microgénese interessa-se pela sucessão das fases antes e em torno do acto de delinquência.

São os acontecimentos e os mecanismos na periferia imediata da passagem ao acto.

A génese da socialização terá um lugar importante na tentativa de compreensão dos actos delinquentes. O processo de socialização age ao longo da vida, mas é particularmente importante durante a infância e sobretudo durante a adolescência. Enquanto criança os pais são as pessoas de referência, para ela, quando vão para escola apreendem a conviver com os seus pares, mas o adulto continua a ser uma referência central. Somente na adolescência se operará progressivamente um deslizamento em direcção ao grupo de pares, se torna o lugar regido por determinadas regras, no qual o adolescente apreende a gerir situações e relações que irá reencontrar ao longo da sua vida.

Quando analisamos a trajectória de vida dos delinquentes, apercebemo-nos frequentemente de diversos insucessos ou “falhanços” surgiram no processo de socialização.

O indivíduo pode ter permanecido num estádio particularmente egocêntrico. Esta perspectiva tenta compreender os mecanismos de socialização-associalização. A associalização provoca processos de marginalização e de exclusão, que por sua vez fazem aumentar a associablidade.

É por isso que um acto delinquente pode por exemplo explicar-se por um fenómeno de exclusão, a qual produzirá depois a delinquência.

As trajectórias delinquentes podem ser muito diferentes. Muitos indivíduos, cometem actos delinquentes na adolescência, alguns, uma vez saídos da adolescência, não tem uma carreira delinquente na idade adulta; outros tornam-se delinquentes apenas na idade adulta.

Essa abordagem acaba por demonstrar, que o processo desenvolvimental, tem um papel extremamente importante na vida do indivíduo e a sua entrada para o mundo do crime.

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2.4 Perspectiva Clínica

Por fim temos a perspectiva clínica que, trata-se acima de tudo de compreender a pessoa no seu estado de funcionamento interno. Esta perspectiva, que integra tanto os factores familiares como os individuais, permite chegar a uma reflexão sobre os componentes possíveis das personalidades delinquentes.

Para ter do individuo uma visão a mais complexa possível, a perspectiva clínica tenta colocar-se em diferentes pontos de visto, todos complementares, como por exemplo: história de coorte de nascimento (ou geração), que consiste em analisar os laços que unem as pessoas da mesma geração do individuo; a história familiar inter-geracional (dos avós aos netos) procurar os padrões e os ciclos; história individual (historia de vida), examinar o passado do indivíduo e os projectos para o futuro. Os defensores dessa abordagem, consideram o indivíduo na sua unicidade mas não se limita a simples observação.

A abordagem clínica, permitiu estabelecer, quadros clínicos clássicos de delinquência e criminalidade, alarga a compreensão do sujeito, permitiu ainda ter uma visão psicossocial que integra numa análise da família, do sistema de reacção social, do sistema jurídico e repressivo.

Numa visão mais holística podemos ver a complexidade da delinquência juvenil, por isso para ter uma visão mais clara e real dessa problemática, devemos considerar determinadas questões chaves, propostas pelas diferentes abordagens, como é o caso do acto delinquente em si, o legal e o ilegal, questões culturais, os acontecimentos de vida do individuo antes e depois do acto delinquente, o ambiente cultural onde esse acto é desenvolvido, a própria historia de vida do individuo, suas relações intra e interpessoais, para assim poder, analisar da melhor forma, a vida de um individuo visto como um delinquente.

Analisando as diferentes abordagens da delinquência juvenil, levanta-se a questão quando pensamos na abordagem clínica, que é a seguinte; existe uma ou várias personalidades delinquentes ou criminosas? Vários foram os autores que estudaram essa questão, entre estes apresentamos a posição defendida por Pinatel em (1963) demonstrando também que Yochelson e Samenow mais tarde também em (1976) nos seus estudos deram muita atenção no estudo dessa questão principalmente, no que toca ao estilo de vida do criminoso e das principais características do seu modo de pensar, assim estes dois autores destacaram o sentido de poder, o pensamento voltado para a acção, a propensão para a cólera, destacaram ainda as distorções cognitivas e os erros do pensamento, que levam os criminosos a passar ao acto de uma forma premeditada ou impulsiva.

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Segundo a abordagem estudada por Pinatel, (1963) sugere a existência de um núcleo central da personalidade delinquente ou criminosa e são idênticos em todos os delinquentes mais perigosos, ou seja os denominados de delinquentes ou criminosos de carreira.

Pinatel desenhou quatro traços nos delinquentes ou criminosos de carreira, que faz com que desencadeiam acções delinquentes, que são as seguintes;

Egocentrismo; caracterizada pelo modo de perceber o mundo em função dos seus próprios interesses, levando estes indivíduos a ter uma incapacidade em ver e aceitar o ponto de vista do outro, esta incapacidade de colocar ou ver a opinião do outro foi apontada pelos clínicos como uma indiferença quanto às consequências dos actos para as vítimas e quanto ao julgamento dos outros sobre os seus actos. O delinquente ao avaliar tudo em relação a si mesmo, sente fortemente a frustração e passa ao acto sem se interrogar o seu próprio comportamento.

Labilidade; a labilidade cobre a inconsistência na adaptação às diversas situações.

Trata-se de uma instabilidade que se nota simultaneamente nas reacções emocionais e nas escolhas do comportamento. O delinquente não mede as consequências do seu comportamento e age a seu modo, sem ter em conta o passado e o futuro. Não levam em conta as ameaças das sanções, não tem uma linha de conduta estável na sua vida.

Agressividade; o delinquente tem tendência a agir e a reagir com violência. Face as frustrações, bem como para atingir os fins, recorre a força e afasta os obstáculos sem se preocupar com o mal que pode fazer.

Indiferença afectiva; o delinquente não sente simpatia pelos outros e é insensível ao sofrimento. Possui uma incapacidade de estabelecer vínculos afectivos, ligada a carências afectivas, conduzem-no a frieza na realidade dos actos. É por isso que são capazes de tirar a vida do outro, ou então agredir de forma agressiva sem receio e arrependimento.

No entanto esta abordagem apresentada por Pinatel foi bastante contestada, segundo alguns autores, trata-se de uma abordagem puramente baseada na visão psiquiátrica, bastante redutor, destacando uma visão bastante estática da personalidade do delinquente, ou seja, é como se o delinquente já nascesse com essas características e as vai manter para o resto da vida, conforme destacou Debuyst, (1987).

Anos mais tarde Favard (1991) veio clarificar a teoria de Pinatel, nos estudos que ele realizou com aplicação de testes de personalidade e métodos estatísticos avançados, veio confirmar a existência das características da personalidade criminosa evidenciadas por Pinatel, sob a forma de um núcleo da personalidade criminosa, embora veio salientar que esses traços se estruturam em uma única estrutura e não em quatro estruturas diferentes conforme defendia Pinatel. No mesmo ano ou seja em 1991 um outro autor chamado de Le Blanc, veio introduzir duas modificações importantes no campo da personalidade delinquente e criminosa. Por um lado, afirma que a delinquência não é a mesma em todos os delinquentes, ao elaborar uma tipologia de delinquentes, pretendeu sublinhar o

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desenvolvimento da personalidade delinquente através da infância e da adolescência. Por outro lado, reorganiza a teoria de Pinatel, para dela fazer uma teoria mais organizada e dinâmica da personalidade dos delinquentes.

Le Blanc retomou a teoria da personalidade do delinquente anteriormente apresentada por Pinatel, reorganizando os diferentes traços, para os introduzir numa perspectiva desenvolvimental, uma vez que uma das limitações encontradas na abordagem de Pinatel foi o facto de este apresentar os traços da personalidade delinquente como sendo estáticos. Ele veio propor uma visão muito mais dinâmica do que a de Pinatel, definindo não uma personalidade criminosa, mas características das personalidades delinquentes.

Segundo essa nova reorganização proposta por Le Blanc a personalidade criminosa já não seria única, remeteria por um conjunto de três elementos dinâmicos; o enraizamento criminoso, dissocialidade que perdura e um egocentrismo exacerbado.

Enraizamento criminoso; nesta instância dois processos fundamentais suportam o desenvolvimento da actividade criminosa, que seriam a activação e o agravamento da delinquência. Apresentando a activação de várias formas; uma activação precoce dos actos delinquentes, uma activação brutal e uma activação diversificada, sendo que essa última é a via mais crimonogénea, pois está na base da construção de uma delinquência crónica. Já o agravamento da actividade criminosa demonstrou existir cinco estádios de agravamento, cada um característico de um período de idade, de um tipo de delito, e de um nível de gravidade particular. Estes estádios são o aparecimento (o início das actividades delituosas no decurso da latência, actividades frequentemente pouco graves como pequenos furtos); a exploração (diversificação dos actos); a explosão (aumento do número de actos que tomam então um cariz nitidamente mais grave); a conflagração (organização dos actos que tomam um cariz mais ou menos definido) e o transbordamento (nesta estádio o individuo não pode exercer qualquer controlo, trata-se de uma delinquência compulsiva). Contudo esses estádios não obedecem uma progressão uniforme o que levou Le Blanc a afirmar que existe um verdadeiro processo de desenvolvimento que corre o risco de perdurar, de se diversificar e de se acelerar se tem início precoce. E que quando desencadeia, segue uma sucessão de estádios de aumento da gravidade.

Dissocialidade; segundo este autor trata-se de um modo de estar na sociedade ou melhor dizendo, um modo de estar «ao lado» da sociedade, traduzindo assim na redução da sociabilidade, da implicação na vida social, da integração social bem como a uma impossibilidade de aceitar as normas sociais. Muitos delinquentes desenvolveram uma socialização não completa totalmente. Portanto os delinquentes estão desinseridos socialmente, notando um enfraquecimento marcado da sua capacidade de se ligar ao meio que os rodeia, não podendo por conseguinte desenvolver ligações significativas com a sociedade. Ainda segundo Le Blanc, outros factores de risco podem favorecer a dissocialidade como, o meio de pares (devido a presença de outras condutas marginais), a escola (quando

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ela funciona como um meio de disfuncionalidade) o meio familiar (quando a socialização que gera é deficiente) e o meio socioeconómico de origem.

Egocentrismo; para Le Blanc, trata-se essencialmente de uma dificuldade em sentir empatia por outrem, de uma incapacidade de entrar em ressonância com os outros, mas também de um grande isolamento, fazendo o indivíduo a agir unicamente segundo a sua lógica pessoal, levando assim a uma ligação inter-humana degrada, constituindo num trampolim para os comportamentos delinquentes. Pinatel concebia o egocentrismo numa visão puramente descritiva, já na visão de Le Blanc veio integrar vários elementos como o fruto de um processo criminógeno, mas egocentrismo parece ser o núcleo de personalidade que estabelecerá a ligação entre a personalidade delinquente e a diversidade das carreiras delinquentes.

A abordagem de Le Blanc, foi assim considerada uma das melhores visões da personalidade delinquente, visto que, tem a vantagem de ser simultaneamente psicológica e centrada na análise, por intermédio de toda a fonte de informação utilizável como dossiers, inquéritos, testemunhos e auto-confissão, dos actos delinquentes, da sua gravidade, da sua precocidade, da sua quantidade e por outro lado por valorizar também os elementos familiares e sociais que constituem o terreno fértil de fixação e a oferta de oportunidades criminosas.

2.5 Delinquência Juvenil/ Modelos Teóricos Explicativos

A evolução do quadro teórico-explicativo da chamada delinquência juvenil tem sido no sentido de se suplantar a tradicional polarização indivíduo e sociedade e instaurar um novo modelo tendente a examinar os efeitos simultâneos das variáveis individuais e contextuais, analisar os micro e macroprocessos, recobrindo um universo holístico e multivariado de factores. Ou seja, para muitos autores, o que se impõe averiguar é como “o delito é produzido no contexto económico, social e cultural e como ele se apresenta no imaginário da sociedade” (Volpi, 2001: 12 Cadernos).

No campo teórico, parece dado assente que os factores predisponentes da delinquência juvenil não podem ser devidamente identificados e ponderados se vistos de forma linear, com base na tradicional polarização indivíduo-delinquente e sociedade-vítima.

Ou seja, o que se nota é que o acto infraccional, tipificador do chamado comportamento anti- social, não é redutível a um único eixo de explicações. Grosso-modo, na sua origem encontram-se múltiplos factores que interagem diferentemente sobre os indivíduos, afectando o seu ser e redefinindo o seu lugar na sociedade. Grosso-modo, na identificação

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dos factores predisponentes à infracção praticada por jovens, perfilam-se as seguintes linhas de abordagem:

Enfoque estrutural, que se centra nas condições sociais, concebe a delinquência como: desencadeada por factores sociais, em associação com factores situacionais e pessoais.

Neste tipo de abordagem, a prática do acto infraccional é, via de regra, imputada à deficiente supervisão e à ruptura dos controles institucionais convencionais. Assim, ante o recuo dos agentes e entidades e num quadro de desorganização social, os padrões criminais substituiriam os convencionais.

Enfoque sociopsicológico, que faz alusão tanto ao controle social quanto às questões de cunho individual, como a auto-estima, e à influência do grupo de jovens sobre o comportamento infractor. Como observado por Schoemaker (Apud: Assis e Souza, 1999: 132), neste tipo de abordagem, a delinquência é associada a problemas de vinculação social do jovem a instituições, como a família, a escola, as igrejas, que teriam por função formar ou adaptar o indivíduo às normas sociais. De igual modo, esse enfoque entende que a visão que o jovem tem de si mesmo, aliada à influência do meio, constituem factor importante a ser considerado na etiologia da delinquência.

Enfoque individual, privilegiando os mecanismos internos dos indivíduos, entende que os atributos de personalidade são chaves para o entendimento se considerados, como resultantes das experiências vividas pelo sujeito durante sua formação.

Partindo destes diferentes modelos explicativos, levanta-se a questão, podemos predizer quem se tornará um delinquente juvenil? Alguns estudos sugerem uma influência genética, na base da delinquência juvenil, mas isto é relativamente pouco importante em comparação com factores como o estilo de práticas educativas, a atmosfera familiar e o estatuto sócio económico, mas contudo há que salientar que o risco é muito maior quando as influências se combinam.

Após realizarmos uma análise teórica detalhada da delinquência juvenil, partindo do ponto de vista de diferentes autores, abordagens e enforques passamos de seguida, a apresentar uma análise telhada da situação da delinquência juvenil em Cabo Verde, através dos resultados do estudo desenvolvido pelo Ministério da Justiça Cabo-verdiana, com os jovens em conflitos com a lei em Cabo Verde.

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III- FACTORES PREDISPONENTES DA

DELINQUÊNCIA JUVENIL EM CABO VERDE

Cabo Verde, de uns anos para cá, principalmente nos principais centros urbanos, as cidades da Praia e do Mindelo, se torna normal ouvir alguém a dizer que foi vitima de um

«casi body» (assalto) com violência, ou então que na noite anterior a sua comunidade foi invadida por um grupo de gangue rival do grupo da sua comunidade. Tornou frequente ouvir uma criança de 10 anos a falar que faz parte do mini grupo gangue da sua comunidade, vários familiares choram pela vida perdida do seu ente querido, ou seja um conjunto de factores que nos leva a pensar e afirmar que a delinquência juvenil e o fenómeno de gangue/ thugue mais ou menos organizado, fazem parte da nossa realidade.

Praticamente quase todas as comunidades da cidade do Mindelo, tem um grupo gangue, começando dos mais antigos o gangue da Ribeira Bote mais conhecido pelo “gangue Pintxá Andor”, o mais numeroso de todos o da Ribeira de Craquinha “gangue BBH” Bela Vista o “Black Enemy” de Monte Sossego, gangue “Cova”, Ribeirinha “gangue RB” embora há quem diga que mais comunidades têm os tais grupos gangues, estes são os mais temidos e mais violentos, sendo que praticamente todos ou já assassinaram um elemento rival ou então já foram alvo de perda de um elemento.

Mas como explicar o porquê de tanta violência? Os resultados obtidos no estudo realizado pelo ministério da justiça de Cabo Verde, demonstra que a, rede causal da delinquência juvenil em Cabo Verde é passível de múltiplas combinações e interacções, não havendo condições objectivas para se determinar um factor preponderante válido para todos os casos e situações. Nesta base, imperioso se torna enfatizar as conexões e os contextos relacionais nos quais os dramas humanos se desenrolam. E o acto infraccional praticado pelos jovens seria inadequadamente apreendido se desconectado desses dramas, retirado dos seus condicionalismos e marcos estruturais, com destaque para a própria peculiaridade do sujeito que infringe, para a sua família, locus privilegiado de pertença emocional e matriz de identidade, a escola, instância de aprendizado e de desenvolvimento de habilidades e competências para uma equilibrada e exitosa inserção socioprofissional, e o mundo laboral, um dos canais de humanização e dignificação das pessoas.

A partir dos indicadores disponíveis, nota-se que em Cabo Verde, a delinquência juvenil tem suas condições de possibilidade nos seguintes traços da vida social e individual dos sujeitos-vítimas:

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3.1 Subcultura de Violência

Em Cabo Verde, e de uma forma particularmente grave, na Cidade da Praia, os actuais modelos de interacção revelam-se pontuados pela violência, condicionando a vida em sociedade e criando condições para o alastramento de delitos. Num cenário onde, a densidade física da população não é acompanhada da densidade moral da mesma, a vida deixa de correr sob o signo do bem comum, tornando inócuos os princípios da boa vizinhança, de cooperação, solidariedade e de reversibilidade de perspectivas.

A subcultura de violência constitui, um dos mais graves problemas com que se defrontam os cabo-verdianos, principalmente os dos meios urbanos. Dos dados recolhidos pelo estudo desenvolvido pelo Ministério da Justiça de Cabo Verde através da Direcção de Reinserção Social (DGSPRS), nos concelhos da (Praia, Santa Catarina, Tarrafal, Santa Cruz, São Vicente e Sal), os dados são bastante elucidativos. Dos adultos inquiridos na cidade da Praia, 42% dos inquiridos, se declaram ter sido vítimas de violência e em 78,6% dos casos, o acto violento foi perpetuado por um jovem.

Pelos dados obtidos do estudo infere-se que a delinquência juvenil em Cabo Verde é um facto indesmentível. No entanto longe de traduzir uma espécie de disfunção do indivíduo, problema social expõe um quadro complexo e dual, no âmbito do qual o jovem violento é ele mesmo vítima de violência, seja ela simbólica ou real. Portanto, importante discutir como o delito é produzido no contexto económico, social e cultural e como ele se apresenta no imaginário da sociedade.

3.2 Privação

O estudo revela um cenário de extrema debilidade da família, enquanto instância de socialização, de transmissão de valores e de afecto, necessários ao desenvolvimento harmonioso de crianças e jovens.

Dir-se-ia que a família, ou o que dela falta, constitui um dos factores chave de encaminhamento do jovem para a delinquência. Sua deficiente presença ou sua ausência total tem repercussão imediata sobre a identidade social, sobre a auto-percepção e sobre o quadro de oportunidades para os jovens.

Efectivamente, se é certo que os jovens dependem muito da assimilação das pautas de conduta dos que o rodeiam, a ausência dos pais pode representar uma inequívoca amputação de um quadro de pertença e de referenciais de conduta, com consequências

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indeléveis sobre o comportamento desses sujeitos. Isso porque no imaginário social desses jovens, dificilmente se encontra fiáveis suportes para a construção de identidades positivas.

A conduta delituosa dos jovens tende a optimizar num quadro de privação parental, já que, estando desprovidos de um suporte comportamental adequado, assegurado primacialmente pela jovem família e via de regra, vinculado e nomadizado pelo afecto e pela cultura, esses jovens dificilmente conseguirão incorporar os modelos convencionais de interacção, necessários ã sua inserção social e à sua afirmação como sujeitos.

Por conta disso poder-se-ia afirmar que a conduta delituosa dos jovens tende a optimizar-se num quadro de privação parental, já que, estando desprovidos de um suporte comportamental adequado, assegurado primacialmente pela família e, via de regra, vinculado e normalizado pelo afecto e pela cultura, esses jovens dificilmente conseguirão incorporar os modelos convencionais de interacção, necessários à sua inserção social e à sua afirmação como sujeitos. Aliás, pelo estudo ficou claro que os jovens têm consciência do peso dessa privação parental na (des) estruturação do seu projecto de vida. Do universo dos inquiridos, 72,9% acham que suas vidas seriam diferentes se vivessem com o pai e 76,9, se com a mãe. Os dados do estudo também sugerem que a ausência dos pais é bastante sentida entre os inquiridos. Dos jovens em situação de privação parental, 56% declararam sentir falta do pai e 88%, da mãe.

3.3 Vulnerabilidade Familiar

A chamada delinquência juvenil ocorre dentro de um quadro familiar e societário concreto, sendo, ao menos parcialmente, expressão da relativa disfuncionalidade, vulnerabilidade e exclusão a que são expostos ou votados alguns indivíduos ou grupos.

O estudo do caso cabo-verdiano deixa transparecer que, em sua grande maioria, os jovens em situação, real ou potencial, de conflito com a lei vivem num quadro de ruptura dos laços familiares, portanto com fracas redesões familiares, com fracas redes de pertença e poucas garantias de protecção, experimentam uma trajectória de exclusão, que intimamente ligada às dinâmicas internas e à história social da família, ganha novas formas e impulsos na escola (através da agressão, reprovação e abandono), para depois sedimentar-se nos espaços macro - sociais de vivência e interacção sob a estima de delinquência.

Os resultados do estudo, constata-se que, aliada a privação parental, os jovens provém de um ambiente familiar que destoa das tradicionais famílias nucleares. Os dados sobre a situação familiar desses jovens explicitam a prevalência das famílias tipo monoparental, formado por pais solteiros, cerca de 33%, ou em união de facto, cerca de 40%.

Dos restantes, 12% são casados e cerca de 11,5%, divorciados ou separados.

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Grosso-modo, são famílias cujos membros têm baixa escolaridade, realizam trabalho não especializado, têm fraco poder aquisitivo e encontram-se desprovidos de mecanismos sócio - culturais de mobilidade. São famílias que vivem no quotidiano a experiência de privação e de frustração e cuja inserção no mundo laboral fica restrito á condição de provisão da subsistência. De resto, um tipo de família que dificilmente se configuraria como um lugar seguro para crescer.

Esse quadro de vulnerabilidade das famílias, caracterizado pela fragmentação dos eixos de inserção como escola e trabalho, tende a engendrar um ambiente de instabilidade e frustração, dada a incapacidade e de os responsáveis pela socialização e pelo provimento e segurança do lar desenvolverem mecanismos e habilidades para enfrentar a situação positivamente, lidar com os seus problemas, ajudar-lhes na construção de um autocontrolo positivo e coerente.

A falta de oportunidade representa, para essas famílias, um forte obstáculo ao desenvolvimento de um senso de responsabilidade colectiva, manietando o potencial emancipatório dos envolvidos, inibindo ou frustrando-lhes expectativas sociais e mexendo com a sua qualidade de vida e auto-estima. Um cenário tendente a empurrar os seus membros mais vulneráveis, normalmente crianças e jovens, para a busca de novos padrões de convivência e novas fontes de sobrevivência e afirmação.

Note-se que, se tratando de contextos familiares precarizados, existe uma nítida propensão para os filhos perderem lugar concreto no quotidiano familiar, o que significa que ficam prejudicados e por vezes despojados dos cuidados elementares, amparo, protecção e supervisão. Em muitos casos, a rua passa a funcionar como marco catalisador de novas dinâmicas, novas identidades, novas pertenças, como um outro lugar, substituto do lar, susceptível de lhe proporcionar segurança e referências que faltaram ou lhe foram negadas em casa. É o tipo jovem que, via de regra, foi criança sem ter tido infância, por causa de sua miséria. Nesta base, poder-se-ia afirmar que a “adolescência envolvida com a criminalidade se constrói a partir da negação de direitos, como a escola, família, saúde, profissionalização”

(Veronese e Rodrigues, 2001, p 34).

3.4 Exclusão Social

Numa situação de exclusão, é lugar-comum crianças e adolescentes verem seus direitos ameaçados ou violados, ficam expostas a uma série de situações discriminatórias (violência, exclusão de escolaridade, prática infraccional, drogas,), “configurando um ciclo que tende ao fechamento e os matem marginalizados” (Gregori, 2000: 17). Trata-se de um cenário em cujo bojo são obrigados a redesenhar suas próprias referências afectivas, de aprendizagem, afirmação e de inclusão. A prática de infracção representa uma parcela do

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que lhes é dado realizar, diante do défice de políticas sociais, de protecção e de solidariedade.

Em Cabo Verde, os jovens em conflito com a lei ou em condições de vulnerabilidade são, via da regra, vítimas de uma dinâmica de frustração e violência tanto familiar como social. Trata-se de uma situação que se reveste de particularidade gravidade, dada a capacidade de retro - alimentação e auto-manutenção desses atributos tipificadores da exclusão e marginalização.

Efectivamente, privação vivida na família tem importantes desdobramentos no nível macro - social, particularmente nos espaços escolares e na sociedade como um todo e o ciclo tende a renovar-se, já que uma deficiente inserção nesses espaços constitui uma das pré- condições de reprodução da privação e frustração familiares.

3.5 Ambivalência De Referências De Conduta e Convivência Sociais

O jovem em situação, real ou potencial, de conflito com a lei parece encontrar-se numa espécie de não-lugar, um referente vazio susceptível de ser preenchido por aportes de diversos quadrantes, natureza e formato. Essa ambivalência espacial existencial configura-se a partir da incompletude dos agentes de socialização, de provimento material, de conivência e de pertença. Isto significa que, quando isoladamente tomados, família, estado e sociedade, figuram no imaginário dos jovens numa dupla condição:

de relativo apoio, mas num quadro de privação, caso de família; de relativo suporte simbólico a expectativas positivas, mas tendente a criminalizar a pobreza, caso do estado; de relativa liberdade, mas impiedosa, caso da sociedade.

O clima de frustração e privação vivido em casa e a dinâmica expulsiva experimentada na escola constituem fortes indutores da delinquência, na medida em que tendente a impelir os jovens a buscar novas alternativas de sociabilidade, novos mecanismos de status e afirmação, novas estratégias de sobrevivência. Á primeira vista, a rua desponta como um dos mais promissores cenários de redesenho de narrativas de vida, uma vez falhadas a família e a escola. De facto, a profusão de oportunidades que ela oferece a sensação de liberdade plena que nela se experimenta possuem inquestionável poder apelativo sobre os jovens provenientes de espaços sócio-familiares adversos e inóspitos.

Doravante, suas condutas, basicamente expressas em forma de actos infraccionais, são motivados pelos inputs que eles recebem dos seus pares, na rua. Uma situação marcada pela ambivalência de referências de conduta e convivência sociais.

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3.6 Défice de Autoridade

A rua constitui um importante indicador de reconversão social dos jovens. Esse seu papel é reforçado quando a família deixa de funcionar como âncora para criar ou reproduzir valores. O estudo desenvolvido demonstra que o défice de autoridade ficou patente, seja ela parental ou estatal, tem uma directa correlação com a prática infraccional dos jovens.

Nesta base, as relações e os conflitos inter individuais tendem a resolver-se em bases heterodoxas e sempre novas, a partir de códigos de convivência não mediados pública e juridicamente. Trata-se de uma situação que tende a engendrar anomia, já não fornece parâmetros de conduta, não possibilita a previsibilidade nas relações intersubjectivas e não disponibiliza recursos sansacionatórios e onequivocos susceptíveis de quebrar a impulsividade.

O estudo ressalta a existência de um hiato: por um lado a família não tem capacidade para reforçar atitudes positivas; por outro a sociedade fica destituída de formas de reprodução permanente das normas consciencializadas de convivência; para agravar ainda mais os decisores políticos não parecem propensos a desenvolver acções consistentes, alargadas e incisivas de resolução de conflitos e de instauração de um ambiente de efectiva paz social. Como diria Emile Durkheim, a transgressão faz parte da normalidade social, pois seu reconhecimento reactualiza a ordem. Em Cabo Verde, porém, a transgressão tende a sedimentar-se no imaginário sem que sua contraparte desponte. E isso pode gerar anomia social, com acrescidos riscos para o tecido social. Há fortes indícios de que existe um quadro de dissuasão solidamente construído. Por essa via, cristaliza-se no imaginário um mundo à parte que paulatinamente vem moldando as atitudes e práticas dos sujeitos, nomeadamente os mais jovens.

No quadro desses é normal que a criminalidade ganhe contornos cada vez mais preocupantes. Como disse Merton, os problemas sociais são normais num contexto de anomia.

3.7 Défice de Protecção

Num quadro de violência, exclusão e défice de protecção, as crianças e adolescentes são mais facilmente interpeladas para a delinquência.

Efectivamente, o apelo emocional parece ser mais aliciante quando o Estado, Família e Sociedade falham em garantir um conjunto de direitos, como a educação forma, profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente.

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3.8 Atributos de Personalidade

A influência do grupo social e os condicionalismos familiares e sócio-estruturais não são suficientes para explicar a delinquência juvenil. Se assim fosse, todos os jovens que vivem sob o mesmo quadro de privação e expostos aos mesmos contratempos patenteariam o mesmo quadro anti-social. No entanto, o que se nota na prática é que os jovens que seguem a via de delinquência têm irmãos não infractores. Ou seja, sujeitos aos mesmos condicionalismos, eles optaram por narrativas de vida díspares.

No estudo desenvolvido pelo Ministério da Justiça de Cabo Verde, demonstra que uma ínfima parte dos jovens, declararam ter irmão envolvido com delitos: 15% nos jovens com idade entre os 12 e os 16 e 15,8% para os maiores de 16. Sendo assim, mesmo reconhecendo que o ambiente familiar e os processos de interacção têm grande influência na conduta delituosa, pois o delinquente emerge necessariamente de um grupo familiar, sendo sempre expoente e consequência das tendências desse grupo, o que se não pode negar é que, sendo sujeitos, dotados de razão e de capacidade de delinear estratégias de vida, os jovens têm como contornar os rumos “naturais” que lhe foram reservados. Ou seja, não há indícios de determinantes inequívocos e unívocos de actos infraccionais. O que existe é um entrelaçamento de factores predisponentes, susceptíveis de converter ou não em facto o que encontra em potência. Por conseguinte podemos ver através dos resultados, apresentados por uma unidade estatal cabo-verdiana, a problemática da delinquência juvenil já existe, e tende a ganhar proporções cada vez maiores.

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IV. FACTORES PSICOSSOCIAIS INERENTES AO CONSUMO DE DROGAS E O AUMENTO DA DELINQUÊNCIA JUVENIL

4.1 Papel das Drogas no Aumento da Delinquência Juvenil

Muitos adolescentes e jovens consomem as drogas, muitos por curiosidade ou desejo de sensações, por causa da pressão dos pares ou como um escape a problemas que os afectam, pondo assim em causa a saúde física, psicológica e social. O abuso de substância significa o consumo prejudicial de álcool ou outras drogas. É um padrão de comportamento muito pouco adaptativo, com duração superior a um mês, em que a pessoa continua a consumir uma substância, depois de conhecer a sua perigosidade. O abuso pode levar a dependência de substâncias (adição) que pode ser fisiológica ou psicológica ou ambas, sendo provável que continua na idade adulta (Kandel, Davis, Kuros e Yamaguchi, 1986).

O consumo de drogas entre adolescentes americanos, esteve crescendo durante os anos 90, embora não seja tão prevalente como nos finais dos anos 70 e inicio dos 80. A marijuana teve o aumento mais acentuado nos adolescentes, visto que vêem cada vez menos a marijuana como um risco, embora o risco percebido relativamente á maior parte das outras drogas, tenha aumentado ou estabilizado, resultados obtidos, num estudo realizado em 1996 com cerca de 49 000 estudantes das escolas públicas e privadas dos Estados Unidos.

A toxicomania é uma doença bastante complexa a nível familiar e comunitário, cuja recuperação implica mais do que a cessação do consumo do álcool e de outras drogas, obriga à procura de hábitos de vida saudáveis não só enquanto indivíduos, mas também no âmbito das famílias e das sociedades.

A toxicomania trata-se de uma problemática que afecta pessoas de todas as idades e de todos os estratos sociais e destrói a igualdade de oportunidades, por impor encargos graves aos grupos mas desfavorecidos e aos jovens.

Várias são as causas que explicam a entrada dos adolescentes e jovens para o mundo das drogas, mas a investigação apontou um conjunto de características do indivíduo e do meio, como:

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 O reduzido controlo dos impulsos e uma tendência para procurar sensações mais do que evitar o perigo;

 Influências familiares, tais como a predisposição genética para o alcoolismo, consumo ou aceitação de drogas pelos pais, práticas parentais inadequadas ou inconsistentes, conflitos familiares, relações familiares perturbados ou distantes;

 Temperamento difícil;

 Problemas de comportamento precoces e persistentes, particularmente a agressão;

 Insucesso académico e falta de envolvimento académico;

 Rejeição de pares;

 Associação com indivíduos que consomem droga;

 Alienação e rebeldia;

 Atitudes favoráveis ao consumo de drogas;

 Iniciação precoce no consumo de drogas

Quanto mais factores de risco estiverem presentes maior a probabilidade de um adolescente ou jovem vir a abusar de drogas e consequentemente a conviver com o impacto da droga na sua vida.

Vários autores desenvolvem estudos para procurar responder aos factores que motivam o consumo de drogas nos adolescentes e jovens. Vários anos defendia-se a percepção de que os adolescentes e jovens consumia drogas porque tem uma motivação para isso, ou seja são as motivações desviantes que conduzem ao consumo de drogas. Mas na percepção de um autor de nome Becker, sucederá o inverso; o primeiro contacto com a droga é mais ou menos fortuito (acaso, simples curiosidade, oportunidade); só depois é que se vai instalar a motivação e depois, por fim, um conjunto de valores desviantes. É a pertença a um grupo de consumidores que motiva o indivíduo a consumir.

O álcool, a marijuana e o tabaco, são as três drogas mais populares entre adolescentes, são muitas vezes chamadas de drogas de entrada, porque o seu consumo leva, muitas vezes, ao consumo de substâncias mais aditivas, tais como a cocaína e a heroína.

O álcool, muitas vezes não é tida como uma droga no meio dos adolescentes e jovens, preocupam-se mais com a marijuana, esquecendo que o álcool também é uma droga potente, que altera a mente, sendo o seu consumo ilegal pelos adolescentes em maioria dos países do mundo, ou seja as alterações psíquicas e sociais que o álcool provoca no organismo são de igual modo destrutiva, para o jovem, levando por vezes a ter comportamentos, desviantes, agressivos e delinquentes.

A partir de 1970, aproximadamente, surgiu um novo desafio relativamente a toxicomania, á medida em largas camadas da população, em especial os jovens norte americanos, iam sendo expostas a várias drogas geradoras de dependência em meios que permitiam, ou até incentivam, o seu consumo. Os valores modernos, ao salientarem a

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importância do controlo individual da vida das pessoas e o aumento simultâneo da tolerância social por estilos de vida alternativos, propiciaram um terreno fértil para actual propagação da epidemia do consumo de droga. Os referidos papéis tiveram um papel preponderante na América do Norte nas últimas décadas, em especial junto dos jovens.

As sociedades modernas promoveram estilos de vida mais diversificadas, no entanto uma das consequências das novas sociedades é o aumento do risco da toxicomania e as suas ramificações, como sendo a delinquência, violências, facto que leva ao surgimento dos tais grupos desviantes ou gangues.

O aumento do consumo das drogas veio também acompanhado da grande transformação dos valores que ocorreu em todo o mundo nos últimos anos. Nos tempos antigos em que tudo era mais simples, a maioria das pessoas nascia, vivia e morria em sociedades unidas, relativamente estáveis e isoladas. Tinham comportamentos comuns e afugentavam os estranhos que procuram entrar nas suas comunidades. A polícia moderna e os sistemas de justiça criminal são muito menos eficazes a controlar os comportamentos desviantes do que o antiquado sistema social das aldeias.

O consumo abusivo das drogas levam os consumidores a desenvolveram uma outra doença mental denominada de perturbação de personalidade anti-social, caracterizado por um padrão de comportamento inadaptado, os traços mais dominantes da perturbação de carácter, consistem no facto de pensarem no presente e não no futuro e na desonestidade frequente, outras características incluem a relativa insensibilidade aos sentimentos dos outros, revolta contra a autoridade e relativa impenetrabilidade face ao castigo e aqui vamos encontrar muitas características dos jovens pertencentes aos tais grupos gangues, que muitas vezes actuam sem medir as consequências, não importam pelo que o outro pensa ou sente, não importam aos danos que causarão no individuo vitima e nem na sua família e nem tão pouco no impacto dos seus actos na sociedade.

De uma perspectiva mundial, passamos agora a apresentar a situação cabo-verdiana face a problemática da toxicodependência e suas ramificações como a delinquência juvenil e a formação dos tais grupos gangues.

Enquanto todas essas mudanças ocorriam no mundo inteiro, Cabo verde não passou a margem dessas influências, prova disso, foi o estudo realizado por Lorenzo I. Bordonaro em Cabo Verde, nas cadeias de São Vicente e São Martinho na cidade da Praia, em 2009, demonstra que, embora a heroína dominasse o pequeno mercado cabo-verdiano nos anos noventa, hoje são o crack, a marijuana, ou um cocktail dos dois, as substâncias mais utilizadas, principalmente na camada juvenil. O uso da cocaína pura está também a aumentar nas áreas urbanas das nossas principais cidades. Segundo dados recolhido pelo mesmo estudo, através de fontes policiais, a cocaína chega pura a Cabo Verde, importada por traficantes nigerianos. A partir da substância pura, o crack é produzido localmente e introduzido no mercado dos estupefacientes, onde teve um impacto notável na última década, devido ao

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