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I - A Revista do Ensino: imprensa pedagógica como corpus discursivo

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A Revista do Ensino e o projeto de medicalização da educação (1939 - 1942)

Carlos Augusto Ferreira Kopp

Universidade de Santa Cruz do Sul1

Introdução

Neste artigo busco problematizar o processo de medicalização da educação durante o Estado Novo (1937 – 1945) a partir de artigos publicados na Revista do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul entre os anos de 1939 e 1942. Destarte, analiso aqui como o discurso médico divulgado no periódico passou a interferir no campo da educação e como, nesse contexto, a Revista do Ensino serviu como um dispositivo de governamento biopolítico do Estado, visando à constituição de um novo corpo-espécie da população.

Para tanto, este artigo foi organizado em três eixos. No primeiro, discorro sobre a Revista do Ensino e de que forma o periódico constituiu-se como um importante fio condutor do saber médico e do discurso estadonovista, pensando nos artigos publicados na revista como a pedagogia “oficial”, na medida em que o periódico contava com o apoio do governo do Estado do Rio Grande do Sul.

No segundo eixo, faço uma breve contextualização da primeira metade do século XX no Brasil, focando as rupturas e condições históricas que tornaram possível a ascensão do discurso médico e como os processos de medicalização passam a ganhar força, sobretudo a partir da criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930.

No terceiro e último eixo, analiso cinco artigos publicados na Revista do Ensino, utilizando como referencial teórico-metodológico os conceitos de medicalização, biopolítica e governamento, desenvolvidos por Michel Foucault. A análise dos artigos, instrumentalizada por conceitos de matriz foucaultiana, permite pensar de que maneira o discurso médico em circulação no periódico foi responsável pela propagação do projeto educacional do Estado Novo, inserindo-se assim em um amplo processo de medicalização da sociedade.

I - A Revista do Ensino: imprensa pedagógica como corpus discursivo

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A Revista do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul foi um importante periódico da imprensa pedagógica rio-grandense, sendo publicada em três fases: 1939 – 1942; 1951 – 1978 e 1989 – 1992. Neste trabalho, circunscrevo minha análise aos artigos da fase inicial da revista, tendo em vista o contexto histórico aqui investigado, o Estado Novo.

Dentre as produções acadêmicas utilizando a Revista do Ensino como fonte de pesquisa, destaca-se a tese de doutorado de Maria Helena Câmara Bastos, intitulada A Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1939 – 1942): o novo e o nacional em revista, defendida em 1994, publicada em 2005. Os trabalhos acerca do periódico, apesar de apresentarem diferentes lentes teóricas, possibilitam pensar em como a Revista do Ensino foi utilizada como um dispositivo de governamento pelo Estado em diferentes contextos históricos, por diferentes grupos políticos em diferentes sistemas de governo: a era Vargas (1930 – 1945), a ditadura militar (1964 – 1985) e o regime democrático.

A Revista do Ensino surgiu como resultado da mobilização de um grupo de intelectuais vinculado à Universidade de Porto Alegre, interessado em participar do projeto estadonovista de “reconstrução nacional” (BASTOS, 2005). Nesse sentido, é possível pensar a revista como resultado de uma complexa rede de relações pessoais, e como a manutenção destas relações foi fundamental para o desenvolvimento do periódico na medida em que os professores da Universidade de Porto Alegre, oriundos de diversas áreas, também assinavam alguns dos artigos publicados na revista. O periódico contava também com o apoio técnico-pedagógico da Secretaria de Educação e Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul (Sesp). É importante frisar que, apesar das relações estabelecidas entre os professores e editores da Revista do Ensino com as instituições públicas, a mesma era financiada de forma autônoma, tendo sua renda oriunda de assinaturas e anúncios publicitários por ela divulgados. O interesse em contribuir com as diretrizes do Ministério da Educação e Saúde Pública aparece no editorial do primeiro volume da Revista do Ensino, assinado pelo professor Pery Pinto Diniz:

Damos corpo e forma ao velho ideal de servir à coletividade, colaborando [...] na solução do problema da formação da inteligência nacional, obra da educação organizada que se reveste de importância máxima sobretudo na fase atual, caracterizada pelo nacionalista e patriótico da reconstrução do país, e afirmação de sua existência como nação livre e soberana no conceito internacional” (REVISTA DO ENSINO, 1939, p. 7).

Os artigos da Revista do Ensino contavam com temáticas diversas e eram assinados por profissionais que incluíam, além de professores da UPA e da rede pública, médicos,

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jesuítas, militares, funcionários do Departamento Estadual de Saúde, entre outros. O periódico era organizado em quatro seções principais (“Noticiário”, “Legislação estadual e federal”, “Política Educacional” e “Saúde”), cada uma com subseções.

A seção Política Educacional era a principal plataforma de comunicação entre a Revista do Ensino e os professores gaúchos. Além do espaço para perguntas e diagnósticos na subseção “Consultas”, a subseção “Nossas realizações escolares” apontava os resultados das visitas realizadas pelo corpo editorial da revista às escolas, destacando aspectos positivos e incentivando outras escolas e professores com as ideias estadonovistas para educação. O subsídio às práticas docentes também era realizado na seção “Contos infantis”, onde a adaptação e tradução de histórias tinham como objetivo auxiliar os docentes no exercício de sua profissão, bem como, contribuir para a representação do aluno, da família, da comunidade e disseminar valores morais e sociais relevantes do seu ponto de vista à sociedade em construção (BASTOS, 2005).

A educação sanitária foi um tema recorrente na Revista do Ensino, tornando-se uma seção do periódico a partir da edição de número 10. Os artigos eram, em sua maioria, escritos por médicos e funcionários do Departamento Estadual de Saúde, e envolviam questões como a construção de espaços e práticas escolares de acordo com preceitos médicos, a disseminação de hábitos de higiene, alimentação e doenças. Segundo Bastos, os artigos

mobilizavam a professora à educação sanitária, qualificando-a para desenvolver atividades de moralização de condutas, diagnósticos preliminares de sintomas e doenças, tomada de medidas preventivas, ensino de hábitos de higiene e de alimentação saudáveis, preenchimento de fichas médicas escolares com dados da atividade escolar do aluno. A melhoria da raça brasileira era considerada uma atribuição escolar, cabendo à escola formar o homem “novo” para o Estado Novo (2005, p. 110).

A análise dos artigos publicados na Revista do Ensino possibilita pensar em como o discurso médico, legitimado pelo Estado, tinha como objetivo a constituição de um novo corpo-espécie da população, agora medicalizado e apto ao desenvolvimento nacional, a partir da normatização (entendida aqui como um processo de criação de normas ou modelos prescritivos a partir dos quais se normaliza) de práticas através da construção de narrativas acerca do papel do docente.

II – O Brasil na primeira metade do século XX

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transformações no Brasil. O término de mais de 300 anos de escravidão, bem como, a proclamação da República, impactaram elementos centrais do Estado brasileiro, colocando em discussão a própria ideia de identidade nacional a partir do momento que os negros, até então escravizados, passaram a ser trabalhadores livres. Destarte, nas primeiras décadas do século XX os intelectuais brasileiros desdobraram-se em pensar os rumos a serem tomados com a República e o que é ser “brasileiro”.

Este debate foi articulado a partir da tradução das teses biodeterministas, que já vinham sendo discutidas no Brasil desde o século XIX, e servindo como referencial teóriconas pesquisas desenvolvidas em instituições como a Escola de Medicina da Bahia e a Escola de Recife. Como nos aponta Lilia Mortiz Schwarcz:

Autores como Nina Rodrigues, da Escola de Medicina da Bahia; Sílvio Romero, da Escola de Recife; e João Batista Lacerda, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, entre tantos outros, destacaram “as mazelas da miscigenação racial” e, informados por teorias estrangeiras, condenaram a “realidade mestiça local” (2001, p. 24).

Nesse contexto, atravessados por um discurso salvacionista, a miscigenação e o mulato sofrem uma série de ressignificações, ora vistos como degenerados, ora como o que legitimava o Brasil como um paraíso racial, na medida em que a miscigenação seria a prova da coexistência harmônica entre negros e brancos. Pensar esse debate em sua complexidade nos permite perceber também a influência de movimentos científicos plurais nessa nova ordem discursiva, sobretudo pelos movimentos eugenista e higienista. Assim, surgem no Brasil diversas entidades organizadas por grupos intelectuais, como a Sociedade Eugênica de São Paulo, fundada em 1917 pelo médico eugenista Renato Kehl e a Liga Brasileira de

Higiene Mental, fundada pelo psiquiatra Gustavo Riedel em 1923.2

O debate acerca do país e sua população incentivou uma espécie de “redescobrimento” cultural do Brasil, destacando-se a literatura nacional. Nesse sentido, o sertanejo, o caboclo e o caipiraprotagonizam uma gama de pesquisas e obras literárias que abordam seu comportamento e modos de vida. No relatório Viagem cientifica pelo norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco, sul do Piauhi e de norte a sul de Goiaz (1916), realizada por Belisário Penna e Arthur Neiva, os autores (ambos médicos do movimento higienista)

2 Para uma discussão mais aprofundada acerca do movimento eugenista no Brasil, ver SILVA, 2007, 2013 e

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detalham a fauna e a flora das regiões visitadas, bem como, expõem a situação de abandono, precariedade sanitária e as doenças da população brasileira afastada dos grandes centros urbanos.

O personagem Jeca Tatu, criado por Monteiro Lobato na obra Urupês (1918), é um interessante elemento a ser pensado nesse contexto. Ao discorrer sobre a morada de Jeca, uma “casa de sapé de lama que faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro” (LOBATO, 2004), a simplicidadede seu mobiliário, a preguiça, a falta de conhecimento e participação política, bem como, a falta de uma estética ou senso artístico, Lobato, além de comparar Jeca Tatu com o homem pré-histórico, constitui uma análise acerca do cenário nacional a partir de seu personagem.

Outra questão importante é a forma como Monteiro Lobato muda seu posicionamento inicial para uma ideia de que Jeca Tatu estaria doente. Esse deslocamento discursivo, de uma visão eugenista (Jeca é preguiçoso) para uma visão sanitarista (Jeca está doente, mas pode ser curado) nos aponta a complexidade deste debate e suas tensões. Lobato tornou-se um importante defensor do saneamento, criando em 1920 o Almanaque do Biotônico em parceria com o farmacêutico Cândido Fontoura. Jeca Tatu, agora Jeca Tatuzinho, passa a protagonizar uma série de peças publicitárias nas quais se destaca a importância da saúde como um elemento da civilidade do homem.

A Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder deram início a um novo período político na história nacional. A criação do Ministério da Educação e Saúde Pública evidencia como as políticas envolvendo a educação e a saúde foram articuladas de maneira conjunta, bem como, de que maneira o Estado e a medicina firmaram um compromisso de higienização das cidades e das populações, pois o Estado reconheceu que a ordem e o progresso sociais dependiam da higienização destas (ZUCOLOTO, 2007, p. 139).

O processo de medicalização da educação intensifica-se durante o Estado Novo (1937 – 1945), período de incentivo à nacionalização a partir da centralização do poder. Neste contexto, a educação pública é atravessada por uma série de reformas educacionais durante o período de gestão do ministro Gustavo Capanema. Tais reformas incluíam alterações curriculares, a construção de novas escolas (agora respeitando padrões arquitetônicos regidos pelo discurso médico), a criação de novas disciplinas e a valorização da língua portuguesa enquanto língua nacional. A escola passa a ser o campo de atuação de vários profissionais, principalmente pela participação ativa de especialistas que intervinham no processo

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educacional e foram essenciais para o controle da individualidade infantil; pois a inadaptação aos padrões escolares não era um dilema a ser resolvido apenas pelos professores (VILELA; BONTEMPI JR., 2008, p. 4).

III – A Revista do Ensino no projeto de governamento biopolítico

Tomando os artigos previamente selecionados como corpus discursivo deste trabalho, minha análise foi instrumentalizada pelos conceitos de medicalização, biopolítica e governamento desenvolvidos por Michel Foucault. Nessa configuração teórica, destaco também que o conceito de medicalização foi utilizado de forma mais ampla, envolvendo questões que vão além da utilização de psicofármacos por parte dos discentes. No contexto aqui analisado, penso a medicalização como uma forma do discurso médico inserir-se no campo educacional. Como nos apontam Cruz, Ferreira e Cardoso Jr.:

A partir dos estudos realizados por Michel Foucault (2001; 2006; 2010), podemos entender o processo de medicalização como uma forma da medicina, através da utilização de um conjunto de tecnologias e estratégias que irão determinar regras de higiene, condutas morais e costumes sexuais, alimentares e de comportamentos sociais, governar o modo de vida dos homens num processo de disciplinamento dos corpos e de controle populacional biopolítico (2014, p. 211).

Destarte, a análise dos artigos da Revista do Ensino pela perspectiva da medicalização refere-se à forma como o saber médico irá construir narrativas normatizadoras na pedagogia, na medida em que os artigos do periódico incitam o professor a auxiliar médicos e outros profissionais da saúde na construção de um ambiente escolar que proporcione uma formação saudável dos alunos, identificando também as doenças e dificuldades dos mesmos e encaminhando-os para os profissionais adequados.

O conceito de biopolítica surge no capítulo final do livro História da Sexualidade I: A vontade de saber, publicado em 1976. Esse conceito é posteriormente desenvolvido por Foucault nos cursos do Collège de France (organizados como livro a partir das obras Em Defesa da Sociedade e Segurança, Território e População). Michel Foucault define a biopolítica como uma nova tecnologia de poder, centrada na promoção da vida dos indivíduos, agora pensados como corpo-espécie populacional. Esse “desbloqueio” do biopoder ocorre durante o século XVIII, a partir do momento em que os habitantes de um mesmo território passam a ser entendidos e governados como população. Como nos aponta Foucault, a biopolítica

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centrou-se no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração da vida, a longevidade, com todas as condições que se podem fazê-los variar; tais processos são assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores: uma bio-política da população (FOUCAULT, 2013, p. 152).

Assim, penso a medicalização da educação como um fenômeno da biopolítica que, amparada pelo saber médico, irá constituir novas práticas de governamento dos sujeitos. A Revista do Ensino constitui-se, nesse contexto, como um importante dispositivo de governamento biopolítico responsável pela circulação do projeto estadonovista de constituição de um corpo-espécie (e uma escola) saudável, dentro das normas do discurso médico.

Destaca-se a forma que o próprio periódico validava o saber médico como especializado, logo, o saber “verdadeiro”. Essa relação entre o saber médico e a Revista do Ensino como agente de circulação da pedagogia “oficial” aparece no editorial do primeiro volume do periódico, de setembro de 1939:

Através das nossas secções (...) nos integraremos dentro dos problemas comuns que enfrenta o professor, para trazer-lhes os resultados das pesquisas dos técnicos especializados, as normas legais interessantes ao ensino, observações e conclusões de inquéritos, iniciativas aconselháveis e para esclarecer suas dificuldades (1939, p. 2).

A nutrição também foi um elemento de discussão importante no processo de medicalização da educação. Na Revista do Ensino, essa discussão envolveu artigos sugerindo dietas respeitando uma alimentação balanceada para cada fase da vida, bem como, a importância do refeitório escolar como um ambiente pedagógico e sua construção correta. Muito mais que alimentar a criança, a escola deveria proporcionar um espaço limpo e calmo para a realização das refeições. Nas edições de outubro, novembro e dezembro de 1939 (correspondendo às edições de número 2, 3 e 4 do periódico), o Departamento Estadual de Saúde publicou os artigos Alimentação do pré-escolar, Alimentação do escolar de 7 a 12 anos e Alimentação do escolar de 12 a 16 anos. Nos artigos evoca-se também o papel da família, sobretudo da mãe, na alimentação correta (e higiênica) de seus filhos. Para o órgão público, era necessário “estabelecer escolas ou clínicas de alimentação, afim de preparar as mães no sentido de aprenderem a bem alimentar os seus filhos” (1939, p. 269).

No artigo Em prol da saúde de nossos escolares, publicado na edição de janeiro de 1940, o professor F. G. Gaelzer expõe alguns dos resultados prévios dos exames médicos

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realizados entre os estudantes gaúchos, nos quais verificou-se alto grau de deficiência física em que a mesma se encontra (1940, p. 37). Segundo Gaelzer:

Como o problema máximo dessa questão é a higiene dos prédios escolares, o Govêrno do Estado, em seu ótimo plano de ação, determinou construções novas para todos os grupos escolares de sede de município. É indiscutível que grande número de moléstias infantis, que podem ser evitadas, são produzidas pelo fato de estarem as crianças confinadas ao interior das escolas, quatro horas diárias, por cinco dias da semana, quarenta semanas do ano, durante todo o estágio escolar, isto é, dos seis aos catorze anos (1940, p. 37).

Gaelzer nos aponta também que os investimentos do Estado não se limitam apenas a questão da higiene escolar:

Além do conforto, do ar e da luz, também estuda-se cientificamente a divisão do dia escolar, distribuindo as atividades de tal forma, que seja evitada uma fadiga desnecessária. Por investigações feitas, conclui-se que, quando trabalhos idênticos em seus processos motor e mental se sucedem, êles casam mais do que, quando intercalados com outros cujos processos motores e mentais diferem. Estudam-se assim os meios mais propícios à aplicação de cada espécie de atividade escolar, para a máxima economia do sistema nervoso das crianças, evitando uma dispersão inútil de suas energias (1940, p. 38).

Na edição de número 7, de março de 1940, é publicado o artigo Saúde e contrôle sanitário, tradução do capítulo XII da obra The principal and his school, de Elwood Cubberley. Neste artigo, Cubberley caracteriza a direção escolar como uma posição que “oferece amplas oportunidades para obras de alta utilidade no sentido da conservação da saúde, ainda que, é claro, não seja única nesse aspecto (1940, p.200)”. Nesse sentido, o artigo apresenta diversas funções do diretor nesse processo, incluindo o conhecimento de “leis gerais do crescimento e resistência às doenças”, o “sentido educacional da idade fisiológica”, “desordens do crescimento”, “maus efeitos na vida escolar”, entre outros elementos constituintes da educação sanitária. A difusão de noções sobre a própria saúde, hábitos de higiene e a preparação dos alunos para lidarem com acidentes também são apresentadas pelo autor.

O artigo Como compreendemos a higiene escolar, da autoria do médico Radagásio Taborda e publicado na edição de janeiro de 1941. Neste artigo-relatório, Taborda expõe a receptividade da educação sanitária nas escolas, que agora contavam com grêmios de saúde e exposições de trabalhos sobre higiene, peças de teatro e um “Concurso de Asseio”. As visitas serviam como uma forma de verificar as condições sanitárias das escolas, bem como, realizar exames médicos e distribuir medicamentos. Para Taborda:

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Quão diferentes essas escolas, parcelas concientes duma organização de finalidades de tamanho alcance, das velhas aulas de ensinar a lêr, escrever e contar, cuja feição se deixava ao critério das mestras, quase autócratas. Células vivas do que vai ser o Brasil de amanhã, numa organização assim, já se vê, há lugar, se acolhem, até, de braços abertos, todos quantos, informados dos mesmos ideais, se apresentam portadores de contribuição mínima que seja à maior eficácia dos empreendimentos e realizações. Fôra absurdo imaginá-las em tôrres de marfim! Com o repentino surto do que é, hoje, a Escola Primária no Rio Grande do Sul, coincidiu, em boa hora, êsse climax de atividades do Departamento Estadual de Saúde. De seu programa consta, com relêvo primacial, a Propaganda e Educação Sanitária (1941, p. 101).

O desenvolvimento sadio dos corpos, através da prática de exercícios físicos, foi o tema de diversos artigos publicados na Revista do Ensino, como o artigo Finalidade da Educação Física Moderna, da autoria do médico Savino Gasparini, da edição de junho de 1941. Para Gasparini, o homem não pode, por sua natureza animal, fugir da necessidade de correr, saltar, trepar, nadar, lutar, movimentar-se para que seus órgãos internos trabalhem bem (1941, p. 72). Nesse sentido,

a educação física deve preencher 4 finalidades: 1ª, visando a saúde; 2ª, visando o desenvolvimento neuro-muscular; 3ª, visando a recreação e 4ª. Visando o aperfeiçoamento de qualidades sociais e morais. A primeira na ordem de importância individual e coletiva é a finalidade higiênica e, por isso, defendida pelos médicos e sanitaristas (1941, p. 72).

Os artigos analisados neste trabalho, apesar de enfatizarem a situação das escolas gaúchas, inserem-se em uma discussão de nível nacional, chamando sempre o sentimento de patriotismo e pensando no “Brasil de amanhã”. Assim, a medicalização da educação constitui-se como um projeto do Estado que, intensificado durante a Era Vargas, tinha como objetivo um governamento biopolítico dos corpos, pensando no devir nacional a partir de uma promoção da saúde dos indivíduos.

Considerações Finais

A primeira metade do século XX foi marcada por um importante debate acerca da identidade nacional. Os intelectuais que se debruçaram acerca do que é “ser brasileiro” foram atravessados por diferentes movimentos científicos, tornando a análise desse processo um movimento complexo na medida em que os próprios pensadores do período mudavam seus posicionamentos ou baseavam-se em aspectos de diferentes linhas teóricas em suas reflexões. Pensar esse debate é pensar também em uma série de relações pessoais e grupos formados por diferentes intelectuais, ora aproximando-se por posicionamentos teóricos semelhantes, ora

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aproximando-se por relações de amizade ou até mesmo parentesco.

O início da década de 30 e a era Vargas circunscrevem um período de modernização nacional. Para tanto, era necessária uma reeducação da população, a fim de torná-la saudável, constituindo assim o brasileiro moderno. Esse processo só foi possível através da medicalização da sociedade, sobretudo pela medicalização da educação e das reformas instauradas pelo Ministério da Educação e Saúde Pública entre 1930 e 1945. Nesse contexto, a Revista do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul pode ser pensada como um dos dispositivos que serviram como fio condutor das ideias estadonovistas, como as cartilhas de higiene, os almanaques de saúde e programas de rádio que tinham como objetivo disseminar o discurso médico.

O processo de medicalização da educação na contemporaneidade vem se manifestando cada vez mais pela proliferação de diagnósticos e a utilização de medicamentos enquanto medidas corretivas. Conforme esse processo se intensifica, intensificam-se também as pesquisas acadêmicas pensando os aspectos negativos da medicalização (ou medicamentalização) dos discentes.

Destarte, a resistência ao processo de medicalização da educação é possível, mas requer o estabelecimento de um novo paradigma, inserido em uma ordem discursiva diferente do saber médico enunciado por periódicos como a Revista do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul.

Referências

BASTOS, Maria Helena Câmara. A Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1939- 1942): o novo e o nacional em revista. Pelotas: Seiva, 2005.

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DEPARTAMENTO ESTADUAL DE SAÚDE. Alimentação do escolar de 12 a 16 anos. Revista do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v. 1, n. 4, p. 269 – 270, dezembro de 1939.

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DINIZ, Pery Pinto. Editorial. Revista do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 7 – 9, setembro de 1939.

GAELZER, F. G. Em prol da saúde de nossos escolares. Revista do Ensino do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, v. 2, n. 5, p. 37 – 38, janeiro 1940.

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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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ZUCOLOTO, Patrícia Carla Silva do Vale. O médico higienista na escola: as origens históricas da medicalização do fracasso escolar. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, v. 17. n. 1, p. 136-145, 2007.

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