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Da velocidade do tempo na metrópole contemporânea. Resumo

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Academic year: 2022

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Da velocidade do tempo na metrópole contemporânea

Daniel Paiva1, Filipe Matos2, Herculano Cachinho3

1) Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, Portugal daniel-paiva@live.com.pt

2) Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, Portugal filipematos@campus.ul.pt

3) Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, Portugal hc@campus.ul.pt

Resumo

A vida quotidiana na metrópole contemporânea tem-se caracterizado por uma aceleração dos ritmos urbanos. Neste contexto, o tempo tornou-se um recurso precioso para as famílias, as empresas e os poderes públicos, sendo necessário geri- lo cuidadosamente. Hoje, as práticas de consumo na cidade contemporânea espelham bem a importância deste recurso.

O projeto CHRONOTOPE – Time-space Planning for Resilient Cities, inserido na rede europeia Urban-Net, tem como grande objetivo analisar as temporalidades no espaço urbano e compreender a sua relação com as práticas de consumo. A nossa pesquisa tem como caso de estudo a Urbanização das Colinas do Cruzeiro, em Odivelas; um caso paradigmático da lógica urbana pós-moderna.

O intuito desta comunicação é apresentar uma matriz conceptual sobre o tempo na sua relação com a velocidade, e a sua aplicação enquanto instrumento de observação dos ritmos dos lugares urbanos. Nesta revelar-se-ão os resultados preliminares da aplicação desta matriz ao espaço público do bairro.

Palavras chave: temporalidade; ritmo urbano; tempo lento; tempo rápido; recursos culturais.

1. Introdução

A vida moderna é desde há muito associada à velocidade. Recentemente, tem sido dada atenção ao efeito que a compressão tempo-espaço, a hipermobilidade e a flexibilização dos horários de trabalho têm no quotidiano urbano, ao nível da aceleração dos ritmos económicos, sociais e pessoais (Southerton, 2003; Rosa & Scheuerman, 2009). A tensão entre o rápido e o lento, o ter tempo e o não ter tempo, torna-se uma questão central. Neste contexto, os produtos de consumo tornam-se também recursos temporais e as empresas apercebem-se disso (Arnould, 2005).

O objetivo desta comunicação é apresentar e discutir a conceptualização que o projeto CHRONOTOPE – Time-space Planning for Resilient Cities – tem desenvolvido sobre tempo lento e tempo rápido e as possibilidades de aplicação destes conceitos a

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casos empíricos. Iremos começar por explorar os conceitos de tempo lento e tempo rápido, com recurso a uma matriz conceptual1 que tem sido desenvolvida com base em literatura existente. De seguida, expor-se-á a aplicação desta matriz a uma observação do espaço público realizada no caso de estudo do projeto: a Urbanização das Colinas do Cruzeiro em Odivelas. Concluir-se-á com uma breve reflexão acerca da metodologia usada e dos seus resultados.

2. A velocidade do tempo nos espaços quotidianos na cidade

A reflexão de Lefebvre (2004) sobre ritmos sociais tem sido o ponto de partida comum para uma série de estudos recentes que pretendem analisar a urbanidade a partir dos seus aspetos temporais e espaciais. No cerne desta perspetiva está a noção de que os territórios, em particular os territórios urbanos, são espaços onde coexistem diferentes ritmos sociais. Estes são resultantes da conjugação de diferentes intervenientes. Entre estes podem-se identificar aspetos tão distintos como: os ritmos astrofísicos como as estações do ano e o ciclo solar; os ritmos biológicos dos seres vivos como os do sono e da alimentação; as regras sociais formais ou informais que determinam territórios e horários; ou a materialidade do ambiente físico, construído pelo homem ou não.

A literatura recente destaca algumas transições entre diferentes temporalidades na história recente. Em primeiro lugar, uma linha de pensamento identifica a contraposição entre a temporalidade cíclica e a linear. Os ritmos circanuais e circadiurnos, referentes às estações do ano e ao nascer e pôr-do-sol, condicionam os ritmos biológicos que moldam os ecossistemas terrestres. Os ritmos das sociedades humanas começaram por se adaptar a estes ciclos, mas nos últimos dois séculos isso tem-se alterado. Thompson (1967) identifica, na transição das sociedades agrícolas para as sociedades industriais, uma mudança nos ritmos de trabalho no sentido de serem menos pautados pelos ciclos naturais. Na sua reflexão, Lefebvre (2004) argumenta que os ritmos lineares da produção capitalista se sobrepuseram aos ritmos cíclicos tradicionais.

Por outro lado, tem também sido identificado, num período mais recente, um processo de compressão tempo-espaço que alterou os ritmos sociais. Aqui destaca-se a contínua aceleração temporal da circulação do capital a nível global (Harvey, 1989), resultante do desenvolvimento tecnológico, sobretudo ao nível das tecnologias de

1 Já apresentada numa primeira versão em Paiva, Matos e Cachinho, 2012.

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informação e comunicação. Simultaneamente, devido à flexibilização dos horários de trabalho, o time squeeze e a percepção de falta de tempo tornam-se características marcantes da sociedade contemporânea (Southerton, 2003). Deve-se também acrescentar como a expansão urbana criou uma sociedade hipermóvel, com consequências ao nível dos ritmos sociais (Adams, 2001).

Nas sociedades contemporâneas, surge assim uma dicotomia entre a lógica do tempo rápido, marcada por uma temporalidade linear e pela aceleração dos ritmos sociais, e o desejo do tempo lento. A esta oposição entre rapidez e lentidão têm-se associado distintas atribuições simbólicas (Figura 1), muitas delas com expressão territorial, que traduzem, em parte, as grandes dualidades das sociedades contemporâneas. Assim, o tempo rápido tem sido associado ao triunfo da modernidade sobre o tradicional, aos ritmos do trabalho e da produção estandardizada, e às lógicas globais. Por outro lado, o tempo lento tem sido valorizado como escape à pressão da sociedade da velocidade. O elogio da lentidão e da desaceleração estão também associados a novos movimentos sociais (Downshifters, Slow Food, New Urbanism, Transition Network) que buscam a revalorização da identidade e do saber-fazer locais.

Neste contexto, a realidade local e a autenticidade ganham relevância, em associação com o respeito pelos ciclos naturais e pelos limites dos ecossistemas (Mayer & Knox, 2006).

Tempo lento Tempo rápido

Cíclico Linear

Tradicional Moderno

Natural/ Biológico Artificial/ Cultural

Manual Industrial

Comunitário Individual

Doméstico Profissional

Original/Autêntico Cópia/Reprodução

Local Global

Figura 1 – Temporalidades e as suas associações simbólicas

Não sendo possível a aplicação cega deste alinhamento, este permite-nos ter um ponto de partida para interpretar a realidade complexa e polirrítmica que encontramos nas cidades contemporâneas.

3. A velocidade do tempo nas Colinas do Cruzeiro

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A Urbanização das Colinas do Cruzeiro foi escolhida como caso de estudo do projeto CHRONOTOPE por considerarmos que é um exemplo paradigmático da lógica de urbanização contemporânea. Trata-se de um projeto imobiliário destinado à classe média, situado na cidade de Odivelas, na periferia de Lisboa, junto a uma importante via de acesso a Lisboa (CRIL), numa área predominantemente suburbana. A sua implementação começou em 2001 e, desde então, foram construídos 172 edifícios de arquitectura idêntica, correspondendo a 3660 alojamentos. É hoje habitado por 3053 famílias clássicas, o que corresponde a 7593 indivíduos, havendo uma taxa de ocupação dos alojamentos de 88%. Isto explica-se pela fase do ciclo de vida em que o bairro se encontra. Neste momento, predominam as famílias de um ou dois indivíduos (53% das famílias) e as famílias com crianças com menos de 6 anos (37% dos núcleos familiares).

Os dados disponíveis dos Censos 2011 permitem também perceber que a escolaridade da população é muito elevada (40% tem ensino superior concluído) quando comparado com a região de Lisboa (18%) e que existe uma grande mobilidade pendular entre a população (88% trabalha fora do município de Odivelas).

No nosso estudo pretendemos aplicar a matriz que opõe a rapidez e a lentidão ao espaço público urbano e à sua apropriação. Procuramos explorar o tempo quotidiano, do dia a dia, ao invés do tempo dos eventos. Para tal, focámo-nos no principal eixo comercial e de apropriação de espaço público no bairro em questão, que liga a Praça de Odivelas e a Alameda Porto Pinheiro através da Rua Pulido Valente. Analisámos este espaço e a sua apropriação a partir da observação direta do uso do espaço público ao longo do dia. Nesse sentido, permanecemos no eixo referido ao longo de dois dias de semana (1 de Agosto e 5 de Agosto) e um dia de fim-de-semana (10 de Agosto), nos quais realizámos vários registos descritivos em determinadas horas do dia (8h, 10h, 12h, 14h, 16h, 19h). Nestes, procurámos identificar os ritmos da apropriação do espaço público, mais concretamente os movimentos e fluxos, os espaços de atração e permanência, as características da população e as atividades que esta realiza. Estes registos sistemáticos foram realizados em lugares pré-determinados no eixo que permitiam a observação de quase todo o conjunto.

A análise exploratória dos registos permite-nos obter uma visão de conjunto dos ritmos diários deste espaço. Nas Colinas do Cruzeiro, algumas variações rítmicas ao longo do dia tornam-se bastante claras. A intensidade do movimento e as atividades realizadas em espaço público variam bastante consoante os períodos do dia. Nos dias de semana, entre as 7h30 e as 10:00 horas, o espaço público é marcado sobretudo por

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ritmos rápidos. Existe um pico de tráfego automóvel, principalmente na Praça de Odivelas e na Alameda Porto Pinheiro, por onde se faz a ligação ao exterior do bairro.

Dentro do bairro, destaca-se o movimento das pessoas que se deslocam brevemente aos cafés para o pequeno-almoço ou às creches para deixar os filhos, muitas vezes deixando o carro estacionado em segunda fila na estrada. Entre as 10:00 e as 14:00, o espaço público é ocupado principalmente por mães, pais e avós que passeiam com os seus filhos ou netos. É despendido mais tempo nas esplanadas, os parques infantis começam a ser usados e um espaço com máquinas de exercício físico na Alameda Porto Pinheiro é utilizado para essa prática até ao meio-dia, altura em que o calor se torna excessivo. A partir das 14:00 horas, o uso do espaço público mantém-se, mas concentra-se no interior do bairro. O tráfego automóvel diminui muito e as esplanadas e bancos na rua começam a ser usados também por jovens adolescentes. Entre as 18:00 e as 20:00, os ritmos aceleram novamente, devido ao regresso das pessoas que trabalham. Estes ritmos parecem poder ser explicados por três factores-chave. Em primeiro lugar, as condições naturais desempenham um papel importante. No pico do calor, o interior do bairro é mais procurado pelas suas sombras. Por outro lado, o tempo do trabalho tem um impacto real nos ritmos sociais deste bairro, diferenciando os períodos rápidos e os lentos. Por último, os estabelecimentos, nomeadamente os cafés com esplanada, os serviços bancários e as creches, e o mobiliário urbano, em particular os parques infantis, as máquinas de exercício e os bancos são pontos de atração e ancoragem dos indivíduos.

Nesta análise preliminar, já é possível cruzar alguns aspetos da matriz conceptual com os resultados. Em particular, a distinção entre rapidez e lentidão é visível no caso de estudo, que podemos identificar como um espaço polirrítmico.

Alguns dos aspetos associados ao rápido parecem verificar-se. Destes, destaca-se a associação da rapidez aos ritmos ligados ao trabalho, contrastando com a lentidão da domesticidade e sociabilização.

4. Conclusão

Os resultados preliminares da análise das observações permite-nos obter uma visão de conjunto sobre os ritmos urbanos e avançar com a identificação de alguns factores-chave que explicam esses mesmos ritmos. Futuramente, aprofundar-se-á a exploração dos dados obtidos, através de: 1) a criação de mapas sobre os principais fluxos e locais de atração no eixo observado com o objetivo de identificar as dinâmicas locais; 2) a análise semântica sistematizada dos registos escritos, de modo a entender

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qualitativamente as dinâmicas locais; 3) uma análise aprofundada com recurso à matriz teórica. Esta metodologia parece-nos uma ferramenta com potencial para a compreensão do uso do espaço público a nível das temporalidades e espacialidades, em particular nos novos tipos de urbanizações cujas dinâmicas próprias se encontram por detalhar. Neste momento, são identificáveis duas limitações neste estudo: o facto de não existir, até hoje, uma aplicação empírica dos pressupostos teóricos; e o facto da recolha de dados estar limitada pela subjetividade do investigador. Enquanto que em relação à primeira somos obrigados a aceitar o inegável caráter experimental do estudo, esperamos poder ultrapassar a segunda limitação com o recurso a entrevistas em profundidade aos residentes da urbanização, o que nos permitirá uma análise inter-subjetiva. Esperamos que este estudo permita aos decisores ter uma percepção de como os espaços são utilizados ao longo do dia e do ano.

Bibliografia

Adams J (2001) The Social Consequences of Hypermobility. RSA Lecture. [Acedido em 20 de Setembro de 2013].

http://john-adams.co.uk/wp-content/uploads/2006/hypermobilityforRSA.pdf Arnould E (2005) Animating the big middle. Journal of Retailing, 81 (2): 89-96.

Harvey D (1989) The Condition of Postmodernity: An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Blackwell, Oxford.

Lefébvre H (2004) Rhythmanalysis: Space, Time and Everyday Life. Continuum, Londres.

Mayer H, Knox P (2006) Slow Cities - Sustainable Places in a Fast World. Journal of Urban Affairs, 28:4, 321–334

Paiva D, Matos F, Cachinho H (2012) A Caixa de Velocidades da Cidade, Atas do XIII Colóquio Ibérico da Geografia: 721-731.

Rosa H, Scheuerman W E (2009) High Speed Society. Pennsylvania State University Press, University Park.

Southerton D (2003) Squeezing Time?: allocating practices, co-ordinating networks and scheduling society. Time & Society, 12(1): 5-25.

Thompson E P (1967) Time, Work-discipline and Industrial Capitalism. Past and Present, 38(1): 56-97.

Referências

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