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do passado ao presente, rumo ao futuro!

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Academic year: 2022

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4. Ponte de Lima:

do passado ao presente, rumo ao futuro!

Município de Ponte de Lima

Praça da República 4990-062 Ponte de Lima (+351) 258 900 400 www.cm-pontedelima.pt

4.

Ponte de Lima: do passado ao presente, rumo ao futuro!

JULHO · 2018

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António Feijó, 1917-2017 Memórias e revisitações António Feijó, 1917-2017

Memories and revisitations

ANTÓNIO FEIJÓ, BIOGRAFIA, POESIA PORTUGUESA FINISSECULAR, PONTE DE LIMA, LITERATURA LOCAL,

DIPLOMACIA

ANTÓNIO FEIJÓ, BIOGRAPHY, PORTUGUESE FIN-DE-SIÈCLE POETRY, PONTE DE LIMA, LOCAL LITERATURE,

DIPLOMACY

O primeiro centenário da morte de António Feijó – figura elevada

da literatura finissecular em Portugal – justificou a preparação de um programa comemorativo de conteúdo diversificado que arrancou a 20 de junho de 2017 – dia do desaparecimento prematuro do poeta-diplomata – com uma exposição evocativa do relevante legado feijosiano. A mostra, patente ao público na Biblioteca Municipal de Ponte de Lima (BMPL), congregou 14 painéis generalistas e temáticos que, ao longo de cinco meses, consubstanciaram o essencial da vida e obra do autor de “Sol de Inverno”. O tributo biobibliográfico permitiu a utilizadores e visitantes o acompanhamento de uma síntese biográfica de António Feijó – em que as informações fundamentais surgiam numa combinação concertada de texto, grafismo e imagens –, a apreciação de uma seleção de poemas menos conhecidos do escritor – mormente uns versos apontados na sebenta da cadeira de Direito Romano no tempo boémio da Academia –, o deleitamento com as copiosas aventuras do estudante Feijó na Universidade de Coimbra e com a partida jornalística de um pretenso crime perpetrado por uma quadrilha de carecas em Faldejães – a lembrar a aventura em folhetins de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão –, o entrosamento com a notável produção literária feijosiana – de que se destacam as obras “Cancioneiro chinês” e “Ilha dos amores” –, o entendimento das agruras do exílio permanente por força da carreira diplomática

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The first centenary of the death of António Feijó – an outstanding figure of the Portuguese fin-de-siècle literature – led to an eclectic commemorative program which started on the 20th of June 2017 – the day of his premature demise – with an exhibition honouring the poet’s relevant legacy. The evocative presentation, that was opened to the public at the Municipal Library of Ponte de Lima, gathered 14 generic and thematic panels which displayed, over five months, the essential of the life and work of António Feijó. The biobibliographical tribute allowed both users and visitors to follow a brief biographical history of the poet – in which fundamental contents were presented with a well-combined blend of text, graphics and images –, to appreciate a series of less familiar poems – manly some verses that the poet wrote in his Roman Law lecture notes during his bohemian time at the Academy –, to enjoy the multiple adventures of the young student Feijó at the University of Coimbra and the ingenious news writing on a so-called crime perpetrated by a bold local gang of Faldejães – reminding the creative texts of Eça de Queirós and Ramalho Ortigão –, to discover the remarkable literary productions of António Feijó – which includes “Chinese songbook” and “Island of love” –, to acknowledge the challenges concerning a long-distance diplomatic service – a career that leads Feijó to Stockholm and to the arms of Mercedes Lewin –, to read a fine selection of letters that shows his rich personality – especially the jestful, sharp side of the author – and, finally, to understand the considerable media coverage that surrounded the return of the mortal remains of António Feijó and Mercedes Lewin to his homeland. After the exhibition, it is time to perpetuate the essential of a tribute that honours the legacy of the revered poet.

– profissão que o leva a Estocolmo e ao amor de Mercedes Lewin –, a leitura de uma seleção epistolográfica demonstrativa da riqueza de personalidade de António Feijó – com particular evidência para a faceta jocosa e acutilante do poeta –, e, finalmente, a perceção do mediatismo que rodeou o retorno à terra pátria dos restos mortais do escritor ponte-limense e de sua amada. Depois da exposição, fica a transposição escrita de parte da mostra de tributo num gesto de perpetuação do legado do reverenciado Feijó.

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Notas biográficas

O maior orgulho desta terra é ter sido a terra onde nasceste.[1]

F

eijó fez-se no verbo, na escri- ta de rigorosidade formal, na cultura do perfeccionismo es- tético – consubstanciado no virtuosismo de poemas arreigados em metódicas sequências de rima e ritmo – e na propugnação da nar- ratividade como elemento coesivo da prática textual. Poeta em época de transfigurações literárias, que lhe diversificaram o estilo num correr de pena eclético, legou aos vindouros um conjunto bibliográ- fico valioso e opulento – confor- me sustentaria o eterno amigo de conversas epistolográficas, Luís de Magalhães – marcado pelo cru- zamento das correntes coevas do parnasianismo, do decadentismo/

simbolismo e do positivismo.[2] Dis- tanciado do berço por exigência de carreira, Feijó logrou imortalizar em palavras os símbolos de maior saudade e de grata lembrança. O mítico Lima, rio de memórias, foi um dos elementos evocados em verso para atenuação das “agruras do exílio” – confissão lírica de de- voção à terra amada que, inscrita na inebriante e intimista obra Ilha dos Amores, converter-se-ia no hino oficial da histórica vila alto- -minhota. Volvidos 100 anos sobre o desaparecimento de António Fei- jó, Ponte de Lima presta renovada

Ana Carneiro e

Filipa de Arrochela Lobo

Pinheiro - por ocasião do batizado do poeta, a 6 de junho de 1859.

REIS, António Matos – António Feijó: os lugares da infância. O Anunciador das Feiras Novas. Série 2, ano 30, n.º 30 (2013), p. 49-54 [5] Rui Leite Braga, por exemplo, no artigo sobre António Feijó, publicado n’O anunciador das Feiras Novas de 1993, indica alguns dos topónimos atribuídos à rua onde nasceu o poeta que, antes mesmo da designação atual de General Norton de Matos, se chamava Rua António Feijó por proposta do presidente da Câmara Municipal de Ponte de Lima, Francisco de Abreu Pereira Maia (1865- 1937), conforme documentado no jornal Cardeal Saraiva, de 19 de julho de 1917.

[6] Nas Cartas a Luís de Magalhães, bem como nas Cartas íntimas de António Feijó, o poeta-diplomata faz referências várias à casa de família, que apelida de “solar do Pinheiro” e de “velho e saudoso palacete”.

[7] BRAGA, Rui Leite – Figuras notáveis de Ponte de Lima:

António Feijó. O Anunciador das Feiras Novas. Série 2, ano 10, n.º 10 (1993), p. 37-45

[1] Frase proferida por Pinto de Mesquita num discurso de louvor por ocasião da cerimónia de inauguração do monumento de homenagem ao poeta- diplomata António Feijó, a 1 de junho de 1938. LEMOS, Miguel Roque dos Reys - Anais Municipais de Ponte de Lima. Ponte de Lima: Câmara Municipal, 1977. p. 229 [2] SANTOS, Zulmira Marques C. – António Feijó: uma poética de síntese [Em linha].

Porto: Faculdade de Letras da Universidade, 1986.

[Consult. 28 mar.

2017]. Dissertação de Mestrado. Disponível na Internet:<https://

repositorioaberto.

up.pt/bitstream/

10216/53692/.../

043MS239aTM0001199 16.pdf>

[3] BARROS, João de – Um poeta. Diário de Lisboa [Em linha].

(1927). [Consult. 12 abr. 2017]. Disponível na Internet:<http://

casacomum.org/

cc/visualizador?

pasta=05745.009.

02387>

[4] De acordo com os Registos de Batismo da Paróquia de Santa Maria dos Anjos de Ponte de Lima, referentes ao período de 1845 a 1860, os pais de António Feijó residiam na Rua Direita – zona ainda hoje popularmente conhecida como

homenagem a uma figura de prodi- gioso talento, de elevada instrução e de “sensibilidade alta e nobre”[3]

que, afamada nas letras, granjeou merecidamente o título de perso- nalidade icónica do lirismo no pe- ríodo finissecular português.

1859

A transmutação do tecido urba- no de Ponte de Lima no final de oitocentos e a variabilidade dos dados toponímicos, a que acresce a inexistência em arquivo de uma planta representativa do desenho topográfico da histórica vila no período de transição secular, cons- trangem a identificação exata do local onde se fundava a casa de nascimento de António Joaquim de Castro Feijó. No entanto, a lei- tura do seu assento de batismo,[4] a análise de documentos bibliográfi- cos versados no legado feijosiano[5]

e o recurso a referências epistolares do próprio poeta-diplomata,[6] per- mitem radicar a origem do autor ponte-limense no antigo bairro do Pinheiro, pese embora o corrupio de nomes atribuídos à rua berço que, na atualidade, assume a desig- nação de General Norton de Ma- tos.[7] A despeito de não possuir- mos qualquer registo fotográfico da moradia de família – absorvida pelo projeto de edificação da Villa Moraes – sabemos tratar-se de um palacete pelas frequentes menções de Feijó à habitação onde nasce no primeiro dia do mês São-Joanino do ano da graça de 1859. Da mes- ma forma, a filiação e a fidalguia

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do mancebo parecem reunir afina- do consenso. Filho mais novo de José Agostinho de Castro Correia Pimenta de Barbosa Feijó e de Joa- na do Nascimento Malheiro Perei- ra de Lima e Sampaio,[8] atestam as investigações genealógicas, e os artigos de periódicos coevos consa- grados à carreira do poeta, a pro- veniência aristocrática da família.

Atribui-se-lhe, portanto, vínculo geracional com nobres trovadores e cavaleiros galegos, com o poeta bucólico Diogo Bernardes e com o eminente frade e autor lírico, Frei Agostinho da Cruz.[9] A preclara linhagem – ou “grandiosa paren- tela”,[10] como confessa Feijó ao fiel amigo, Luís de Magalhães, em conversa epistolar – envaidece-o e fá-lo querer aprofundar questões de ascendência e etimologia, moti- vação que o conduz a expedições várias a Espanha. Aqui acede a documentos a partir dos quais se infere, por exemplo, que o apeli- do ostentado não provirá simples- mente de feijão – “que em dialeto galego se escreve feixó ou feijó”[11]

–, mas do latim, “da língua [fala- da por] Cícero e Júlio César”,[12]

porquanto o nome parece derivar de fassolus em referência a uma proeza heroica de um intrépido an- tepassado, D. Tibaldo Feijó, “que fez só frente a seis muçulmanos, dando cabo deles todos para fun- dar Freixo de Espada à Cinta”.[13]

O poeta “nem [cabe] dentro da pele”[14] com tão garboso historial que perfilha e partilha. Aclarada a estirpe geracional de António Fei- jó, avançamos no relato biográfico do poeta, parco em informações

[13] Segundo a obra Elogio del sabio benedictino Fr. Benito Jerónimo Feijóo…, de Marcelo Macias Y Garcia (1887), todos os estudiosos parecem convergir na ideia de que foi o destemido conde D.

Tibaldo o primeiro a ostentar o nome Feijó, havendo, no entanto, discordância quanto à etimologia da palavra. A corrente apoiada pelo poeta sustenta que o apelido deriva do vocábulo latino fassolus, equivalente de fac solus, que poderá aludir às proezas atribuídas a D. Tibaldo. Se considerarmos que, em galego, fac solus se diz fai so, aceita-se a posterior derivação para Feijó, explicação conforme ao poeta ponte-limense nas suas Cartas a Luís de Magalhães.

[14] FEIJÓ, António – Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa:

Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2004.

ISBN 972-27-1140-7.

Vol. 1, p. 339 [8] CABRAL, António

– Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 21

[9] Funerais do amor e da saudade.

Ilustração [Em linha]. A. 2, n.º 47 (1 dez. 1927).

[Consult. 04 abr.

2017]. Disponível na Internet:<http://

hemerotecadigital.

cm-lisboa.pt/OBRAS/

Ilustracao/1927/

N47/N47 _ item1/P20.

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[10] FEIJÓ, António – Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa:

Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2004.

ISBN 972-27-1140-7.

Vol. 1, p. 339 [11] Idem, ibidem [12] Idem, ibidem

[22] A edição de 21 de abril de 1880 do jornal O Commercio do Lima publica uma pequena nota necrológica atinente ao falecimento da mãe de António Feijó a 18 desse mês.

[23] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior.

Lisboa: Bertrand, [1939?]. p. 101 [24] FERREIRA, António – Um passeio cultural na obra de António Feijó. Ponte de Lima: Câmara Municipal, 1959. p. 26 [25] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior.

Lisboa: Bertrand, [1939?]. p. 86 [26] Idem, ibidem [27] SANTOS, Zulmira Marques C. – António Feijó: uma poética de síntese [Em linha].

Porto: Faculdade de Letras da Universidade, 1986.

[Consult. 28 mar.

2017]. Dissertação de Mestrado. Disponível na Internet:<https://

repositorio- aberto.up.pt/

bitstream/10216/

53692/.../043MS239 aTM000119916.pdf>

[15] Os pais de António Feijó tiveram outros filhos – António e Emília – mas ambos terão falecido prematuramente sem descendência. GOMES, José Aníbal Marinho – António Feijó: outro olhar. O Anunciador das Feiras Novas.

Série 2, ano 16, n.º 16 (1999), p.159-160 [16] REIS, António Matos – António Feijó: os lugares da infância. O Anunciador das Feiras Novas. Série 2, ano 30, n.º 30 (2013), p. 49-54

[17] Idem, ibidem [18] MORAIS, Adelino Tito de – Os avós maternos de António Feijó. O Anunciador das Feiras Novas.

Série 2, ano 31, n.º 31 (2014), p. 109-111 [19] MATOS, A. Campos – O mistério da estrada de Ponte do Lima: António Feijó e Eça de Queiroz.

Lisboa: Livros Horizonte, 2001. ISBN 972-24-1176-4. p. 18 [20] DANTAS, Luís – António Feijó, a boémia estudantil e os primeiros versos.

[S.l.: s.n.], D.L. 2008.

ISBN 978-989-95126- 5-8. p. 39

[21] Idem, ibidem, p. 49

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respeitantes ao período da infân- cia, que comparte com os irmãos José, Manuel e Júlio.[15]

Sabe-se que o mancebo aprende as primeiras letras em Ponte de Lima,[16] percorrendo sem dificul- dade os desafios exigidos em cada grau de ensino. Os estudos prepa- ratórios, apesar de iniciados na sua vila berço, porventura como aluno de Miguel Roque dos Reis Lemos, são concluídos na cidade de Braga,[17] seguindo-se em 1877 Coimbra – terra de formação aca- démica de, pelo menos, três gera- ções da progénie materna[18] – para prossecução instrutiva.

O jovem matricula-se em Direi- to – curso de tradição familiar –, mas dececiona-se com o sistema de ensino propugnado pela presti- giada universidade,[19] que adjetiva de obsoleto e despótico. Repro- vado no ano de caloiro – percal- ço que jamais repetirá – Feijó vai conciliando a aprendizagem das leis com a composição de versos, prática que iniciara tempos antes.

Interventivo e diligente, acompa- nha o movimento intelectual coe- vo, indigna-se diante de injustiças sociais, funda com o seu condiscí- pulo e amigo, Luís de Magalhães, a Revista Científica e Literária,[20]

participa em eventos culturais e edita, em 1881, os versos Sacerdos magnus, que recita no Teatro Aca- démico por ocasião das comemo- rações do tricentenário de Luís de Camões.[21] Um ano antes, o jovem estudante sofre um duro revés. A mãe, Joana do Nascimento Ma- lheiro Pereira de Lima e Sampaio, sucumbe a uma pneumonia,[22]

pesarosa notícia que a imprensa ponte-limense se prontifica a lan- çar em face da notoriedade pú- blica da família Castro Feijó e da admiração generalizada pela no- bre senhora, cujo perfil virtuoso, compassivo e solidário se enaltece.

1882

Tornado bacharel de leis, António Feijó – de regresso à terra ber- ço – experimenta o exercício da advocacia no escritório do irmão mais velho,[23] José Joaquim de Castro Feijó, reputada persona- lidade do direito e da política lo- cais. No mesmo período apresenta o seu primeiro volume de poesias – Transfigurações – que congrega versos compostos dos 18 aos 22 anos.[24] Seguro de que a prática forense não traduz a sua melhor vocação, e percebendo porventu- ra que a atividade literária dificil- mente permitirá recolher, per se, o sustento necessário, considera a área diplomática – escolha de profissão de Eça de Queirós e de Ramalho Ortigão, ilustres perso- nalidades com quem se relacio- na – e inscreve-se no concurso público de ingresso. De permeio, lança a antologia poética – Líri- cas e bucólicas (1884)[25] – e edita o poemeto À janela do Ocidente (1885),[26] trabalhos que não fazem descurar a sua estreita colabora- ção com diversos periódicos de interesse artístico e literário, casos da Revista de Coimbra, do Mu- seu Illustrado e de O Instituto.[27]

Aprovado no exame de admissão Tornado bacharel de leis,

António Feijó – de regresso à terra berço – experimenta o exercício da advocacia no escritório do irmão mais velho,

José Joaquim de Castro Feijó, reputada personalidade do direito e da política locais.

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à carreira consular, o jovem au- tor de 27 anos parte para o Brasil na qualidade de adido na legação do Rio de Janeiro, seguindo-se, uns meses depois, representações diplomáticas no Rio Grande do Sul e em Pernambuco.[28] Volvidos quatro anos de serviço por ter- ras de Vera Cruz, António Feijó – desgastado pelo clima e consu- mido por certas especificidades sociais que deplora – já só cogita a transferência para diferentes destinos. A exótica Xangai chega a ser avançada como hipótese de passagem,[29] talvez por influência do trabalho que desenvolve de tra- dução de poemas chineses.

1891

A persistência do poeta-diploma- ta, e a influente rede de conheci- mentos que habilmente conserva, desembocam na mudança de Feijó para Estocolmo, na escandinava Suécia. Ali chega em março como cônsul-geral e encarregado de ne- gócios interino.[30] Um ano antes, edita Cancioneiro chinês, obra aplaudida pela crítica e tida una- nimemente como “a manifesta- ção mais clara [e única, segundo alguns teorizadores], do código estético configurador do Parnasia- nismo”.[31] A primeira temporada no “exílio” do Norte, sob a égide ministerial do Visconde de Soto Maior, parece agradar a António Feijó, que enaltece as qualidades organizativas do reino, o civismo popular e o eficiente sistema de aquecimento de edifícios públicos

[28] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 86

[29] FEIJÓ, António – Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa:

Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2004.

ISBN 972-27-1140-7.

Vol.1, p. 159 [30] RAMOS, Manuela Delgado Leão – António Feijó e Camilo Pessanha no panorama do orientalismo português. [Lisboa]:

Fundação Oriente, 2001. ISBN 972-785- 026-X. p. 140 [31] SANTOS, Zulmira Marques C. – António Feijó: uma poética de síntese [Em linha].

Porto: Faculdade de Letras da Universidade, 1986.

[Consult. 28 mar.

2017]. Dissertação de Mestrado. Disponível na Internet:<https://

repositorio-aberto.

up.pt/bitstream/102 16/53692/.../043MS2 39aTM000119916.pdf>

A persistência do poeta- diplomata, e a influente rede

de conhecimentos que habilmente conserva, desembocam na mudança

de Feijó para Estocolmo, na escandinava Suécia.

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e de habitações. Ainda assim sau- doso da pátria, nostálgico do céu e do sol portugueses – sentimento que se agudiza com a morte do pai, em outubro desse ano, vítima de pleurisia[32] –, empreende viagens intermitentes ao país berço – mor- mente a Ponte de Lima e a Viana do Castelo, cidade de residência do irmão José – e publica Ilha dos amores (1897),[33] obra assumida- mente confessional e reveladora de uma paixão declarada pelas tradições e paisagens da Ribeira Lima,[34] que evoca e perpetua, e de onde se extrai o futuro hino da vila alto-minhota. Em Estocolmo, entre afazeres diplomáticos, resol- ve dedicar-se ao estudo do idioma autóctone para ultrapassar a bar- reira linguística que lhe dificul- ta sobremaneira a comunicação.

Enceta, por isso, traduções com finalidade pedagógica, primeiro de telegramas com cinco linhas,[35]

adiante de textos epistolográficos.

Depois de décadas de enamora- mentos fugazes, António Feijó é

“ferido na asa pelo terrível cupi- do”,[36] golpe sério e de consequên- cias matrimoniais a que o poeta não logra escapar. A 24 de setem- bro de 1900, desposa Maria Luísa Carmen Mercedes Joana Lewin,[37]

bela jovem de 22 anos, de ascen- dência sueca e equatoriana, que se converterá em musa inspiradora e devota companheira.

1901

Regressado de uma prolongada lua de mel, que inclui itinerâncias

várias em território nacional e a passagem obrigatória por Ponte de Lima, António Feijó é promovi- do à categoria de primeiro-oficial,

“seguindo para a Dinamarca e Suécia para tomar posse da gerên- cia das legações de Portugal nestas cortes como Enviado Extraordi- nário e Ministro Plenipotenciário, nomeado por decreto de 20 de ju- nho”.[38] No mesmo ano, nasce o primogénito do casal – António Malcolm Sixto José Agostinho Manuel Thomaz de las Mercedes de Castro Feijó[39] – “um formidá- vel rapagão, grande e gordo muito além das proporções regulares”.[40]

Dedicado ao exercício consular, e especialmente devotado à vida fa- miliar, que em dezembro de 1902 ganha novo elemento – Joana Mer- cedes Lectícia Dagmar de Castro Feijó,[41] linda menina que nasce

“quase miraculosamente, sem fa- zer sofrer a mãe” –,[42] o poeta vai encontrando tempo para lançar a segunda edição de Cancionei- ro chinês – versão que, impressa em 1903, não apresenta grandes alterações, apenas o resultado de

“uma simples escovadela para ti- rar a poeira de alguns adjetivos”.[43]

Paulatinamente familiarizado com o idioma sueco, António Feijó ver- te para português o drama oníri- co em cinco atos de August Strin- dberg (1849-1912) – A viagem de Pedro Afortunado (1906) – e dá início à tradução das cartas de Carl Israel Ruders (1761-1837), algumas delas lançadas no Diá- rio de Notícias (1906-1912),[44]

o que possibilita o contacto do público português com a cultura [32] QUEIRÓS,

Francisco Teixeira de (compil.) – Cartas íntimas de António Feijó. Coimbra:

“O Instituto”, 1961.

p. 196 [33] FERREIRA, António – Um passeio cultural na obra de António Feijó. Ponte de Lima: Câmara Municipal, 1959. p. 41 [34] MARTINS, José Cândido de Oliveira – António Feijó. In Figuras Limianas.

Ponte de Lima:

Município, 2008. ISBN 978-972-8846-15-2.

p. 272

[35] FEIJÓ, António – Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa:

Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2004.

ISBN 972-27-1140-7.

Vol.1, p. 265 [36] Idem, ibidem, p. 395

[37] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 104

[38] DUARTE, Silva – António Feijó e a Suécia. Lisboa: Casa Portuguesa, 1961. p. 15 [39] MORAIS, Adelino Tito de – A descendência (sueca) de António Feijó.

O Anunciador das Feiras Novas. Série 2, ano 28, n.º 28 (2011), p. 141-145 [40] FEIJÓ, António – Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa:

Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2004.

ISBN 972-27-1140-7.

Vol. 2, p. 23 [41] MORAIS, Adelino Tito de – A descendência (sueca) de António Feijó.

O Anunciador das Feiras Novas. Série 2, ano 28, n.º 28 (2011), p. 141-145 [42] FEIJÓ, António – Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa:

Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2004.

ISBN 972-27-1140-7.

Vol. 2, p. 55 [43] Idem, ibidem, p. 71 [44] MARTINS, José Cândido de Oliveira – Viajar com… António Feijó. [Vila Real]:

Direção Regional de Cultura do Norte, D.L.

2009. ISBN 978-989- 8100-25-2. p. 6

(9)

e a literatura escandinavas. Nes- se período, António Feijó vê-se confrontado com a notícia da morte do irmão mais velho, José Joaquim,[45] com quem mantivera em tempos afetuosa relação. Ao poeta já só lhe resta a ligação fra- ternal a Júlio, porquanto Manuel falece na penúltima década de oi- tocentos ainda estudante de Me- dicina em Coimbra.[46] Apesar do infortúnio familiar e da crescente preocupação com o estado debili- tado de Mercedes, a braços com sérios e constantes problemas de saúde, Feijó logra publicar Baila- tas (1907),[47] coletânea de poemas inéditos escritos sob o pseudóni- mo de Inácio de Abreu e Lima.

1908

A imprensa nacional e estrangeira anunciam o trágico assassinato de El-Rei D. Carlos e do príncipe her- deiro, D. Luís Filipe, a 1 de feve- reiro. À distância, “exilado entre as brumas e o gelo do Norte”,[48]

um consternado António Feijó reage com indignação ao regicí- dio[49] e revela uma certa apreen- são quanto ao futuro do país, que visita pela última vez em 1909.[50]

Segue-se um hiato na produção li- terária do autor, que assiste com crescente angústia à fragilidade da adorada esposa. Um ano após o deflagrar da Primeira Grande Guerra – conflito que Feijó des- creve como um “cataclismo [que se despenhara] sobre o mundo”[51]

– Mercedes sucumbe fatal e pre- maturamente à doença.[52] O poeta

fica prostrado diante do terrível desfecho. Sorumbático e despe- daçado, o diplomata que carre- ga a alma de negro vai retirando algum conforto do convívio com os filhos e ainda consegue deixar organizados, paginados e revistos dois trabalhos que fora compondo e que, sob os títulos de Sol de In- verno e de Novas bailatas, teriam edição póstuma. Volvidos dois anos sobre o desaparecimento do seu grande amor, António Feijó não resiste a um ataque cardíaco e morre a 20 de junho de 1917.[53]

De todo o lado chegam mensagens de consternação e textos de lou- vor. Um jornal sueco recupera as declarações de Emygdio Navarro para dizer que o falecimento do autor significava para a Humani- dade uma tripla perda porquanto se revelara “um eminente poeta, um eminente diplomata e um emi- nente carácter”.[54] A guerra que ainda fustigava a Europa impede a transladação dos restos mortais de António e Mercedes de Cas- tro Feijó para Ponte de Lima. O retorno à terra pátria apenas se cumpre dez anos depois, graças aos esforços conjuntos de amigos do escritor e dos governos sue- co e português. Transportados pelo Fylgia, que fundeia no Tejo a 11 de novembro de 1927,[55] os féretros do casal são retirados do navio, no dia seguinte, diante do olhar curioso de milhares de pes- soas que desejam participar no sentido adeus ao poeta que expi- rou de amor, conforme noticiam os periódicos da época. Da capi- tal, o cortejo segue o seu curso [51] FEIJÓ, António

– Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa:

Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2004.

ISBN 972-27-1140-7.

Vol.2, p. 478 [52] Mercedes Feijó falece a 21 de setembro de 1915.

CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 107

[53] DUARTE, Silva – António Feijó e a Suécia. Lisboa: Casa Portuguesa, 1961.

p. 22

[54] Idem, ibidem, p. 25 [55] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 112 [45] FEIJÓ, António

– Cartas a Luís de Magalhães. Lisboa:

Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2004.

ISBN 972-27-1140-7.

Vol. 2, p. 137-138 [46] GOMES, José Aníbal Marinho – António Feijó: outro olhar. O Anunciador das Feiras Novas.

Série 2, ano 16, n.º 16 (1999), p. 159-160 [47] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior.

Lisboa: Bertrand, [1939?]. p. 86 [48] DUARTE, Silva – António Feijó e a Suécia. Lisboa: Casa Portuguesa, 1961. p. 10 [49] BRANDÃO, Fernando de Castro – António Feijó:

diplomata. Lisboa:

Europress, 2008. ISBN 978-972-559-310-3. p. 92 [50] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior.

Lisboa: Bertrand, [1939?]. p. 104

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de comboio até Viana do Castelo, tomando por estrada o caminho de regresso a casa.[56] Em Ponte de Lima, o casal é sepultado a 13 de novembro no cemitério municipal cumprindo-se a vontade expressa de um dos mais notáveis poetas líricos do seu tempo.[57]

Foi para o país do sonho da sua juventude.

Dorme em paz e, para os poetas, é bom dormir.[58]

Em 1938, no dia em que Feijó completaria 79 anos, a vila que amou – e cuja devoção soube retri- buir – inaugura, na presença da fi- lha Joana Mercedes de Castro Fei- jó, um monumento de tributo ao autor que cantou sublimemente a alegria e o esplendor do verdejante Minho.[59] Desde então, compatrí- cios e visitantes podem admirar o busto e alguns versos do distintís- simo poeta que enobrecem a ave- nida maior de Ponte de Lima.

Os anos de Academia

É no n.º 16 da Rua da Matemá- tica[60] – emblemática artéria, exí- gua e empedrada, que serve de morada a tradicionais e boémias repúblicas e demais casas de es- tudantes – que o jovem Feijó, caloiro da academia, inicia o seu conturbado, mas profícuo trajeto coimbrão. Inscrito em Direito na imponente e tradicionalista uni- versidade, cedo se desilude com a metodologia de ensino conven- cionada e, especialmente, com os

mestres que a propugnam. A dis- sidência agrava-se com a reprova- ção no ano de arranque de curso, tropeção imerecido que lhe altera o sistema de aprendizagem, tran- sitando Feijó de uma fase “impro- dutiva” de aplicação e estudo para um proveitoso estado de “cábula habilidoso”.[61] A estratégia adota- da ajuda-o a rematar, sem percal- ços, o bacharelato, mas não apa- ga o sentimento de desdém pela jurisprudência. Para lá da fatali- dade de um destino que o obriga a “passar pelas forcas caudinas universitárias”,[62] Coimbra será sempre para António Feijó um lugar de memórias afetivas, um espaço de ensaio para aprumados poemas, um período de revelação de uma personalidade interventi- va que reage às injustiças, e um tempo de convívio e camarada- gem que se conserva vida fora.

Sobretudo do ponto de vista do intelecto, a ambiência académi- ca possibilita-lhe o contacto com ilustres condiscípulos com quem se reúne no Café Lusitano, espécie de “Olimpo literário”[63] onde se debatem novas correntes de pen- samento e de estilo empurradas por acepipes e alguma bebida. Do núcleo de “janotas”[64] fazem parte Carlos Lobo de Ávila, Queirós Ri- beiro, Alfredo Paçô Vieira e Luís de Magalhães – irmão postiço com quem manterá uma amizade assídua e inquebrável –, que apro- veitam os serões para dizer versos e adestrar talentos. Naturalmente o porte elegante de Feijó, a afa- bilidade que emana e a notável apetência para a escrita poética [61] RAMOS, Manuela

Delgado Leão – António Feijó e Camilo Pessanha no panorama do orientalismo português. [Lisboa]:

Fundação Oriente, 2001. ISBN 972-785- 026-X. p. 139 [62] MATOS, A.

Campos – O mistério da estrada de Ponte do Lima: António Feijó e Eça de Queiroz.

Lisboa: Livros Horizonte, 2001. ISBN 972-24-1176-4. p. 18 [63] COELHO, Trindade – In illo tempore. Mem Martins: Europa- América, [19--?]. p. 72 [64] Idem, ibidem [56] Idem, ibidem

[57] A repatriação dos restos mortais de António Feijó e de sua esposa. Cardeal Saraiva [Em linha].

Ano 17, n.º 746 (3 nov.

1927). [Consult. 5 abr.

2017]. Disponível na Internet:<http://

pesquisa.arquivo.cm- pontedelima.pt/

viewer?id=981261&

FileID=192911>

[58] DUARTE, Silva – António Feijó e a Suécia. Lisboa: Casa Portuguesa, 1961. p. 29 [59] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior.

Lisboa: Bertrand, [1939?]. p. 114 [60] Ao longo da estada académica, Feijó transmuta algumas vezes de residência, julgando- se irrelevante para a matéria tratada o apontamento das sucessivas moradas do estudante. CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres:

(um grande poeta e um notável orador):

António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior.

Lisboa: Bertrand, [1939?]. p. 21

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fazem do estudante ponte-limen- se uma figura de proeminência no universo das letras coimbrãs – um

“poeta a valer”,[65] como lhe cha- ma Trindade Coelho. Mas se o tempo de academia é revelador do lirismo de Feijó – vocação sobre a qual nos debruçaremos na parte dedicada ao legado bibliográfico do autor –, também evidencia o seu espírito combativo e satírico diante de episódios de flagrante arbitrariedade. O mais famoso – que consta de alguma documenta- ção teórica consagrada a António Feijó – é o caso da Zé P’reirada,[66]

campanha estudantil de protesto e contestação que provoca “um dos mais ruidosos chinfrins”[67] de Coimbra e para cujo desfecho em muito contribui a ação diligente do jovem ponte-limense.

A história decorre em véspera de feriado, no mês de dezembro de 1880, num lotado Teatro D. Luís, espaço cénico situado na alta da cidade[68] para onde afluía largo público que, fortemente interessa- do em espetáculos de dramaturgia nacional e estrangeira, procura- va as melhores peças em cartaz.

Sustentam os relatos da época que, num dos entreatos do enredo dessa folgada noite, Augusto dos Santos Pinto – estudante alcu- nhado de “Pássaro” e conhecido pândego –, em resposta ao desafio de colegas para recitação de uns versos, debruça-se de um cama- rote, “com um cigarro nas pontas dos dedos”,[69] e dirigindo-se a um

“caloiro crónico”, de nome Na- bais Caldeira, lança a jocosa rima

“Ó Terra! Ó Céus! Ó numes! / Ó

Nabais, dá cá os lumes!...”.[70] A ti- rada provoca o júbilo do público, maioritariamente académico, mas suscita a ira de um ilustre membro – José Pereira Pinto dos Santos, governador civil do distrito – que, do conforto da sua frisa, dá ordem de prisão ao “Pássaro” para indig- nação da audiência. Rapidamente se instala a confusão, o que dá fuga ao autor da brincadeira, re- viravolta que não impede o magis- trado, por despeito e despotismo, de deter um inocente aluno do li- ceu, totalmente alheio ao gracejo.

O incidente gera intensos protes- tos e as faculdades, unidas em as- sembleia, demandam a libertação imediata do rapaz de 15 anos. A luta assume várias frentes e for- mas. Uma das estratégias adota- das é a publicação de um jornal de denúncia – modesto periódico de voz coletiva e imparcial –, que nasce de um imperativo de justiça, da necessidade de reparo de uma

“ofensa brutal e injustificada”[71] e da exigência de punição “para o funcionário que transgrediu a lei e traiu os deveres mais elementares do seu cargo”.[72] Reivindicações legítimas de uma folha de inter- venção – ajustadamente cogno- minada de Zé P’reira – onde se reitera o pacifismo da oposição es- tudantil que, em contenda com a autoridade, não recorre “a excesso algum”,[73] conservando-se “estri- tamente dentro do protesto vee- mente, mas legal”.[74] No entanto, se na chefia de redação António Feijó, Eduardo de Abreu e Sérgio de Castro asseguram as palavras como meios únicos de combate, (...) se na chefia de redação

António Feijó, Eduardo de Abreu e Sérgio de Castro asseguram as palavras como

meios únicos de combate, do lado das autoridades há registo de desmandos, facto que agudiza a celeuma e intensifica a ação da academia.

A matéria, de contornos gravosos, extravasa as fronteiras

coimbrãs, ecoa na imprensa e chega a ser levada para debate

no Parlamento (...)

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do lado das autoridades há registo de desmandos, facto que agudiza a celeuma e intensifica a ação da academia. A matéria, de contor- nos gravosos, extravasa as fron- teiras coimbrãs, ecoa na imprensa e chega a ser levada para debate no Parlamento,[75] pese embora a continuada resistência do poder político em resolver o litígio.

Em face da estagnação do pro- cesso, cujo desfecho não se vis- lumbra, decide-se pelo endureci- mento de posições de que resulta a constituição de uma associação secreta, inicialmente composta por 13 elementos – sendo um de- les António Feijó –, que assume o propósito de “raptar o governador civil e guardá-lo [como refém], até que o Governo, obrigado pelas circunstâncias, o [substitua].”[76]

O ousado plano não chega a exe- cutar-se, em virtude da queda do

“gabinete presidido por Anselmo Braamcamp”[77] e da subsequente demissão “do governador civil, Dr. Pereira Pinto, que logo [parte]

de Coimbra para [Resende], sua terra”.[78] O acontecimento é pro- cedido da publicação do segun- do e último número do jornal Zé P’reira – a 24 de março de 1881 – que, sob o título Requiescat in pace, se regozija com o desenlace da contenda. De Feijó brotam, em versos alexandrinos, farpas “de- sapiedadas” sobre o representan- te da região administrativa agora destituído: “Hoje que vais partir, adeus, meu caro Zé! | (…) Agar- ra-te à sovela, ao cabedal, ao pez,

| E deixa para sempre a vara do poder, | Porque eu sei muito bem

[65] Idem, ibidem, p. 80 [66] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 26

[67] COELHO, Trindade – In illo tempore. Mem Martins: Europa- América, [19--?]. p. 84 [68] FERREIRA, Rui Filipe Alves – Sousa Bastos: recuperação e reconversão do antigo teatro [Em linha]. Coimbra:

Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade, 2011. Dissertação de Mestrado.

[Consult. 27 abr.

2017]. Disponível na Internet:<https://

estudogeral.

sib.uc.pt/

bitstream/.../1/

Rui%20Ferreira%20 -%20final%20cd.pdf>

[69] COELHO, Trindade – In illo tempore. Mem Martins: Europa- América, [19--?]. p. 85 [70] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 26

[71] PRATA, Manuel Alberto Carvalho (coord.) – Repertório analítico. In Imprensa estudantil de Coimbra [Em linha].

Coimbra: Imprensa da Universidade, 2006.

Vol.1 [Consult. 27 abr.

2017]. Disponível na Internet:<https://

digitalis.uc.pt/files/

previews/98788 _ preview.pdf>

[72] Idem, ibidem [73] Idem, ibidem [74] Idem, ibidem [75] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior.

Lisboa: Bertrand, [1939?]. p. 29 [76] Idem, ibidem [77] Idem, ibidem, p. 31 [78] Idem, ibidem [79] Idem, ibidem [80] Expressão utilizada por António Feijó no vol. 1 da obra epistolográfica Cartas a Luís de Magalhães.

[81] VIEIRA, Amândio de Sousa – António Feijó, 1859-1917: “um acto de cultura”.

O Anunciador das Feiras Novas. Série 2, ano , n.º (1997), p.

102-107 [82] MATOS, A.

Campos – O mistério da estrada de Ponte do Lima: António Feijó e Eça de Queiroz.

Lisboa: Livros Horizonte, 2001. ISBN 972-24-1176-4. p. 7-8

que tens para comer | Muitas ra- zas de milho e muito feixe d’er- va!”.[79] O tempo de academia re- vela o caráter justo e interventivo do estudante ponte-limense, mas evidencia também a sua capacida- de criativa e jocosa, que as férias – pela natureza folgada e distendida do momento – fazem sobressair.

Não se estranha, portanto, que dos períodos de descanso letivo passados no seu “pátrio lar”[80]

surjam relatos de peripécias vá- rias, desde o episódio passado na Quinta-Feira Santa em que Feijó convence os companheiros a usar uma gravata vermelha na Igreja, afiançando ser essa a grande ten- dência de moda na capital[81] – di- tame simulado de elegância a que todos obedecem –, à cena do pre- tenso hipnotismo na Casa de Au- rora[82] em que um compenetrado Feijó persuade a quase totalidade dos presentes – exceção feita para o médico António Inácio Pereira de Freitas, conhecedor da técni- ca – de que pratica com sucesso a arte da hipnose numa impres- sionante sessão previamente in- dustriada e ensaiada. No entanto, o acontecimento mais notório, pela sua imprevisível e mediática repercussão, ocorre no verão de 1880 quando o jovem estudante faz saltar para as páginas de um jornal local um folhetim policial sustentado em informações ficcio- nadas e irreais que amedrontam, mas atiçam a curiosidade popular.

Respondendo à solicitação de- sesperada do diretor de O Com- mercio do Lima, periódico com o qual colabora e que depende de

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uma notícia para o fecho de edi- ção, António Feijó – profusamente inspirado na aventura literária de Eça de Queirós e Ramalho Or- tigão no Diário de Notícias dez anos antes – envia uma missiva ao proprietário da publicação ponte- -limense a dar conta de um crime perpetrado por uma quadrilha de carecas em Faldejães.[83]

O relato anónimo do atemoriza- dor episódio é apresentado com minuciosas descrições do cenário e do grupo de perigosos bandolei- ros – facto que origina apaixona- das conversas nos cafés da região e faz estender a narrativa a mais três números do jornal para gáu- dio do autor e respetivo cúmplice da patranha jornalística. O caso não vai adiante porque motiva o interesse das autoridades locais, da imprensa portuense e da lite- ratura de cordel,[84] o que obriga o jovem estudante a retratar-se diante do irmão, José Joaquim de Castro Feijó, Administrador do Concelho,[85] e a usar as páginas de O Commercio do Lima para atribuir ao episódio uma origem neurótica que lhe causa “transes incongruentes”,[86] estranhas alu- cinações e “os fenómenos mais extravagantes e complicados”.[87]

A explicação de Feijó, que desa- fia o especialista António Freitas – “homem entendido nos segredos apocalípticos da alquimia moder- na”[88] –, a corroborar a autentici- dade da teoria sustentada, encerra o Mistério de Faldejães, um dos folhetins mais audaciosos e in- ventivos da história da imprensa local. Para lá das partidas, que

[83] Idem, ibidem, p. 9 [84] DANTAS, Luís – António Feijó, a boémia estudantil e os primeiros versos.

[S.l.: s.n.], D.L. 2008.

ISBN 978-989-95126- 5-8. p. 24

[85] Idem, ibidem [86] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 49

[87] Idem, ibidem, p. 50 [88] DANTAS, Luís – António Feijó, a boémia estudantil e os primeiros versos.

[S.l.: s.n.], D.L. 2008.

ISBN 978-989-95126- 5-8. p. 27

É num tempo de efervescência cultural e de transmutações literárias que o jovem Feijó adestra a vocação poética.

Primeiro em Braga, onde já verseja “com facilidade e elevação”, adiante em Coimbra,

cidade académica que lhe permite a maturação do lirismo

e o apuramento da forma.

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naturalmente dirime sem mácu- la para a sua reputação, António Feijó frequenta em tempo de férias o reputado Café Camões – onde cavaqueia com os compatrícios e entretém as senhoras “com a sua conversa e o seu espírito sempre cintilantes”[89] –, compõe trovas para entoar com os companheiros as tradicionais Janeiras,[90] percor- re com o amigo Guerra Junqueiro vários destinos alto-minhotos em

“correrias de bric-à-brac”[91] e des- fruta da extensa e bela praia de Âncora, entre várias outras ocu- pações que lhe preenchem os dias de lazer no viçoso Minho.

O Poeta

Muito deve a terra em que Feijó nasceu ao alto poder de expressão do seu gran- de Poeta; mas também o génio do Poeta não poderia ter sido o que foi, se não ti- vesse a embalá-lo desde o berço a beleza das cousas que nos cercam, as vetustas tradições da sua Vila, o espírito da co- munidade de que fez parte.[92]

É num tempo de efervescência cul- tural e de transmutações literárias que o jovem Feijó adestra a voca- ção poética. Primeiro em Braga, onde já verseja “com facilidade e elevação”,[93] adiante em Coimbra, cidade académica que lhe permite a maturação do lirismo e o apu- ramento da forma. Mas o período universitário também lhe propor- ciona o exercício crítico e a inter- venção estética que experiencia num periódico mensal – a Revis- ta Científica e Literária – projeto

consonante com as correntes es- critas da época que o próprio Fei- jó, em parceria com o amigo Luís de Magalhães, funda em dezem- bro de 1880.[94] Num editorial de cariz informativo e doutrinal fica clara a missão do novo espaço de expressão artística que “pretende tornar pública uma certa ativida- de mental (…) desaproveitada e es- téril pela falta de um espaço pró- prio”,[95] através da divulgação “do maior número de temas possíveis para ilustração dos cidadãos”.[96]

Com um custo de 100 réis por exemplar, a revista reúne um nú- mero considerável de colabora- dores – com particular destaque para Correia Barata, Carlos Lobo de Ávila, Luís Osório, Alfredo Paço Vieira e Silva Gaio –, mas encerra volvido pouco mais de um ano. Enquanto subsiste não “salva a pátria com os seus escritos”,[97]

mas proporciona um conjunto de importantes documentos, das mais diversas áreas do conheci- mento, não fosse a época tenden- cialmente enciclopédica. No pe- riódico é possível encontrar textos sobre Literatura, Arte, Ciência, Fé e Economia, uma secção de bi- bliografia com apreciações críticas e uma outra destinada a compo- sições poéticas,[98] parte delas com a assinatura de Feijó. De temática predominantemente natural e ul- trarromântica, o estudante poeta publicita os primeiros sonetos na revista coimbrã – antes aventu- rara-se na pseudonímica Sátira funambulesca, sob o nome de Fra Diavolo[99] –, de que se destacam Versos sem arte, Esphynge eterna, [89] VIEIRA, Amândio

de Sousa – António Feijó, 1859-1917: “um acto de cultura”.

O Anunciador das Feiras Novas. Série 2, ano 14 , n.º14 (1997), p.

102-107 [90] Idem, ibidem [91] DANTAS, Luís – António Feijó, a boémia estudantil e os primeiros versos.

[S.l.: s.n.], D.L. 2008.

ISBN 978-989-95126- 5-8. p. 77

[92] Excerto do discurso do General Norton de Matos por ocasião da inauguração do monumento de tributo a António Feijó a 1 de junho de 1938 (Anais Municipais de Ponte de Lima -1977).

[93] CABRAL, António – Dois diplomatas ilustres: (um grande poeta e um notável orador): António de Castro Feijó, António da Cunha Sotto-Maior. Lisboa:

Bertrand, [1939?].

p. 83

[94] DANTAS, Luís – António Feijó, a boémia estudantil e os primeiros versos.

[S.l.: s.n.], D.L. 2008.

ISBN 978-989-95126- 5-8. p. 39

[95] PRATA, Manuel Alberto Carvalho (coord.) – Repertório analítico: séc. XIX. In Imprensa estudantil de Coimbra [Em linha].

Coimbra: Imprensa da Universidade, 2006.

Vol. 1. [Consult. 28 mar. 2017]. Disponível na Internet:<https://

books.google.pt/>

[96] Idem, ibidem [97] Idem, ibidem [98] Idem, ibidem [99] PINTO, Marta Pacheco – Traduzir o outro oriental:

a configuração da figura feminina na literatura portuguesa finissecular:

(António Feijó e Wenceslau de Moraes) [Em linha].

Lisboa: Faculdade de Letras, 2013.

[Consult. 08 maio 2017]. Disponível na Internet:<http://

repositorio.ul.pt/

bitstream/10451/

8873/1/ulsd066162 _ td _ tese.pdf>

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