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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS ADRIANE AUGUSTA VIANA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS

ADRIANE AUGUSTA VIANA

ADAPTANDO “A QUEDA DA CASA DE USHER” PARA O CINEMA: O CASO DE JESS FRANCO

Guarulhos 2020

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ADRIANE AUGUSTA VIANA

Adaptando “A queda da casa de Usher” para o cinema: o caso de Jess Franco

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Renata Philippov

Guarulhos 2020

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3 Na qualidade de titular dos direitos autorais deste trabalho, em consonância com a Lei de direitos autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita no Repositório Institucional da UNIFESP, sem qualquer ressarcimento dos direitos autorais, para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico desse trabalho para fins de divulgação intelectual da instituição.

Viana, Adriane Augusta

Adaptando “A queda da casa de Usher” para o cinema: o caso de Jess Franco/ Adriane Augusta Viana. Guarulhos, 2019.

195 p.

Dissertação de Mestrado (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2020.

Orientação: Profa. Dra. Renata Philippov

Título em inglês: Adapting “The Fall of the House of Usher” to the movies:

Jess Franco’s case

Literatura 2. Adaptação 3. Gótico 4. Cinema 5. “A queda da casa de Usher”

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ADRIANE AUGUSTA VIANA

Adaptando “A queda da casa de Usher” para o cinema: o caso de Jess Franco

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Letras da Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Renata Philippov

Aprovada em: 16/12/2020

_______________________________________________

Profa. Dra. Renata Philippov Universidade Federal de São Paulo

_______________________________________________

Prof. Dr. Leonardo Garcia Santos Gandolfi Universidade Federal de São Paulo

_______________________________________________

Profa. Dra. Maria Luiza Guarnieri Atik Universidade Presbiteriana Mackenzie

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5 AGRADECIMENTOS

A Deus, por sempre iluminar o meu caminho.

A minha mãe querida e amada, pelo apoio, pelo carinho, pelos conselhos, por ser minha melhor amiga, por torcer pelas minhas vitórias e por sempre estar comigo em todas as etapas da minha vida.

A meu pai, pelo ombro amigo, pela ajuda, pela dedicação e pelo apoio incondicional com os meus estudos. Se cheguei até aqui, foi graças ao senhor e à minha mãe.

Ao meu irmão, pelo apoio e pela paciência em vários momentos difíceis.

Aos meus cachorrinhos Teddy e Tico, que considero como filhos, pela companhia, pelo amor e carinho.

Aos meus amigos, por me apoiarem e entenderem a minha ausência.

A minha querida orientadora Renata Philippov, pela paciência, pelas orientações, pela dedicação, pela grande ajuda, por acompanhar a minha pesquisa a todo momento e pelas inúmeras contribuições dadas para esta dissertação. Tenho muito a lhe agradecer.

Aos professores doutores Leonardo Gandolfi e Maria Luiza Atik por aceitarem o convite para compor a banca e pelas contribuições para esta pesquisa.

Aos meus professores e ex-professores de cinema e literatura pelas aulas magníficas que auxiliaram meus estudos durante o mestrado.

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6 RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a adaptação do conto “A queda da casa de Usher” (1839), de Edgar Allan Poe, por parte do diretor espanhol Jess Franco, na versão cinematográfica intitulada Neurosis – The Fall of the House of Usher (1987). A proposta é discutir como o diretor busca transpor para o cinema tanto a questão da espacialidade gótica quanto o aspecto da casa mal-assombrada, presentes no conto de Poe. Para tal, focaremos em algumas cenas do filme. Franco adaptou o respectivo conto de Poe três vezes recorrendo a diferentes títulos e enredos: em 1983, o diretor lançou El Hundimiento de la Casa Usher; em 1984, a segunda adaptação recebeu o título de Los Crímenes de Usher; em 1987, foi a vez de Revenge in the House of Usher ser lançado no mercado. O título deste último foi renomeado Neurosis – The Fall of the House of Usher quando de seu lançamento em vídeo. A pesquisa visa contribuir para a fortuna crítica da obra de Poe em geral, do conto em particular, do filme aqui contemplado e da obra do diretor Jess Franco, ainda pouco conhecido no Brasil.

Palavras-chave: Usher; Edgar Allan Poe; Jess Franco; adaptação fílmica.

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7 ABSTRACT

This research aims at analyzing the adaptation of Edgar Allan Poe's tale “The Fall of Usher's House” (1839) by Spanish director Jess Franco, in his version titled Neurosis - The Fall of the House of Usher (1987). The objective is to discuss how the director seeks to transpose to the cinema both the Gothic spatiality and the question of the haunted house, present in Poe’s tale. To do so, we will focus on some scenes from the film. Franco adapted the tale three times resorting to different titles and storylines: in 1983, the director released El Hundimiento de la Casa Usher; in 1984, the second adaptation received the title Los Crímenes de Usher; in 1987, it was the turn of Revenge in the House of Usher to be released in the movies. The latter was renamed Neurosis - The Fall of the House of Usher when it was released on video. The research aims at contributing to the critical fortune of Poe's works in general, the tale’s in particular, as well as that of the film here addressed and of Jess Franco’s works, a director still rather unknown in Brazil.

Keywords: Usher; Edgar Allan Poe; Jess Franco; film adaptation.

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8 ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Cena em que Harker percorre uma área montanhosa...98

Figura 2: Imagem em plano geral do cenário percorrido por Harker...99

Figura 3: Imagem do castelo no alto da montanha...100

Figura 4: Cena do espaço interno do castelo, com os dois criados de Dr. Usher e Melissa...102

Figura 5: Cena de preparação para a transfusão de sangue em Melissa...103

Figura 6: Imagem da gárgula na parede do castelo...105

Figura 7: Chegada do visitante ao castelo...106

Figura 8: Rachadura na estrutura do castelo...106

Figura 9: Harker observa a estrutura do castelo...107

Figura 10: Chegada de Harker na entrada da área interna do castelo...109

Figura 11: Dr. Usher percorre uma enorme escadaria para o encontro com Harker...111

Figura 12: Encontro entre Dr. Usher e Harker...112

Figura 13: Dr Seward no alto da escadaria (o labirinto da mente humana)...115

Figura 14: Dr. Usher é atendido por Dr. Seward...116

Figura 15: Maria escuta o diálogo entre Harker e Dr. Usher na sala escura do castelo...117

Figura 16: Dr. Usher confessa a Harker que é um assassino...119

Figura 17: Cena em que Harker está dormindo em seu quarto...120

Figura 18: Harker descobre o local em que as prostitutas estão presas e acorrentadas no castelo...121

Figura 19: Harker descendo a enorme escadaria...122

Figura 20: Imagem de Santa Maria e do menino Jesus...125

Figura 21: Cena do filme O Terrível Dr. Orloff em que uma prostituta é sequestrada e levada até o castelo...130

Figura 22: Flashback de uma cena de O Terrível Dr. Orloff em que Morpho segura o corpo de Margot no colo...131

Figura 23: Dr. Usher e Maria observam os primeiros sinais de ruptura da estrutura do castelo...134

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9 Figura 24: Estrutura interna do castelo no momento de seus primeiros indícios de

desmoronamento...135

Figura 25: Morpho aguarda pela recuperação de Melissa na sala de transfusões...136

Figura 26: Enquadramento da cena em que Harker e Dr. Seward conversam em meio à arquitetura gótica local...137

Figura 27: Harker e Dr. Seward caminhando próximos às áreas que remetem à arquitetura gótica...137

Figura 28: Aparição do fantasma de Edmonda no castelo...138

Figura 29: Imagem da armadura gótica...140

Figura 30: Dr. Usher cai próximo à armadura gótica no enorme salão...141

Figura 31: Imagem que remete ao erotismo em primeiríssimo plano do busto de uma das moças sequestradas...142

Figura 32: Harker próximo a uma janela com aspecto de arco ogival, característico da arquitetura gótica...143

Figura 33: Cena de Maria no quarto de Harker...148

Figura 34: Dr. Usher com uma faca ensanguentada após assassinar sua criada Maria...149

Figura 35: Imagem do castelo em um cenário próximo ao anoitecer...151

Figura 36: Fissura na estrutura do castelo...152

Figura 37: Morpho cai sobre Melissa durante a queda do castelo...153

Figura 38: Cena do desmoronamento do castelo...153

Figura 39: Harker volta do castelo, após o desmoronamento...154

Figura 40: Capa da edição brasileira lançada em 2011 pela Vinny Filmes...158

Figura 41: Capa do DVD estrangeiro, lançado sob o título de Revenge in the House of Usher...159

Figura 42: Capa da segunda versão do DVD sob o título de Revenge in the House of Usher...160

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10 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

CAPÍTULO 1 – Quem é Jess Franco?...17

CAPÍTULO 2 – Alguns aspectos sobre o gótico e o cinema de horror...34

2.1 – O gótico norte-americano e Edgar Allan Poe... 36

2.2 – O gótico espanhol...39

2.3 – A espacialidade gótica...41

2.4 - O cinema de horror...46

2.5 - O cinema de horror espanhol...50

CAPÍTULO 3 – A linguagem cinematográfica...55

3.1 - Questões metodológicas de análise de filmes...59

3.2- Procedimentos de adaptação: do texto literário para o discurso fílmico (audiovisual)...67

CAPÍTULO 4 – A espacialidade gótica e a casa mal-assombrada...86

4.1 - “A queda da casa de Usher” e a espacialidade gótica...86

4.2 – A espacialidade gótica em Neurosis – The Fall of the House of Usher………….96

4.3 – Jess Franco, diretor autoral...156

CONSIDERAÇÕES FINAIS...168

REFERÊNCIAS...172

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11 INTRODUÇÃO

“A queda da casa de Usher” (1839) de Edgar Allan Poe é um dos contos mais conhecidos e também um dos mais adaptados, por diferentes autores e de diferentes maneiras, para o cinema.1 Um fato interessante é que cada autor reconta essa história de Poe a sua maneira, fazendo com que a mesma adquira uma nova versão e trazendo elementos que podem se aproximar ou se afastar da narrativa original. Foi por essa razão que surgiu o interesse em estudar nesta pesquisa especificamente este conto do escritor norte-americano, em sua adaptação para o cinema. A intenção inicial seria analisar alguma adaptação cinematográfica de algum conto de Edgar Allan Poe. Depois de assistir alguns filmes adaptados a partir das obras do escritor norte-americano, optou- se por fazer um estudo sobre uma adaptação de “A queda da casa de Usher”. Porém, durante as buscas por fontes que fizessem abordagens sobre os filmes assistidos do respectivo conto, foi possível perceber que as adaptações dirigidas por Roger Corman e Jean Epstein, por exemplo, foram as mais pesquisadas e analisadas por diferentes autores, enquanto parecia que quase nenhum estudo sobre outras adaptações feitas para o mesmo conto de Poe existisse. Tendo em vista que as tão conhecidas adaptações de Corman e Epstein já haviam sido analisadas por outros pesquisadores, surgiu a ideia em fazer um estudo sobre a versão dirigida por Jess Franco, após assistir a película do diretor espanhol em um canal do Youtube. Dentre as inúmeras adaptações cinematográficas existentes de “A queda da casa de Usher”, um exemplo que chama atenção por apresentar um enredo muito diferente e que, assim, mantém um certo afastamento em relação ao conto de Poe é a versão de Franco, intitulada Neurosis – The Fall of the House of Usher (1987), motivo que nos levou a fazer um estudo sobre esse filme, em cotejo com o conto de Poe.

“A queda da casa de Usher”, publicado em 1839 na Burton’s Gentleman’s Magazine e em 1845 em Tales of the Grotesque and Arabesque, narra a história de um cavaleiro que vai visitar um velho amigo de infância, Roderick Usher, em uma noite escura do outono, logo após receber uma carta pedindo que lhe faça companhia por conta de uma grave doença. Ao avistar a casa pela primeira vez, o narrador sente uma mistura de tristeza e melancolia, que o aflige e faz acreditar que essa sensação é causada pelo aspecto fúnebre da casa, que tem a seu lado um lago e árvores mortas. Para sua surpresa, acaba descobrindo depois que a casa possui uma maldição que também atinge

1 Nosso recorte aqui. Na verdade, há muitas adaptações para outras mídias também.

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12 Usher, que sofre de devaneios ao longo de toda a narrativa. Alguns dias após a chegada do visitante, Madeleine, irmã de Usher, morre e Roderick, com a ajuda do amigo, resolve manter o seu corpo dentro de uma das criptas localizadas na adega da casa, enterrando-a logo depois. Uma determinada noite, em um de seus devaneios, devaneios esses cada vez mais presentes, Usher começa a ouvir gritos de Madeleine vindos da direção da adega e percebe que cometeu um engano ao enterrar a sua irmã viva, mas nada faz. Durante a noite, em uma temível tempestade, Madeleine consegue escapar de sua tumba e segue em direção ao quarto de Usher. Logo quando o encontra, Madeleine abre a porta, cai sobre o irmão e o visitante, que testemunha tudo, acaba fugindo do local a tempo de escapar da destruição da casa, que sucumbe dentro do lago.2

Em relação às adaptações cinematográficas do respectivo conto, duas das edições mais conhecidas são as dos diretores Jean Epstein, de 1928, e Roger Corman, de 1960. A maldição da casa é uma das características que continua sendo mantida na grande maioria das adaptações de “A queda da casa de Usher”, porém, o mesmo não pode ser dito em relação à adaptação contemporânea dirigida por Hayley Cloake. O filme do diretor australiano recebeu o título de The House of Usher (2006) e possui certo afastamento – ou seja, traz poucas semelhanças em relação ao conto de Poe em termos de enredo. O título, por exemplo, não apresenta a palavra “fall”, que é um dos prenúncios do que estar por vir na narrativa do conto. Outros elementos marcantes e que caracterizam a respectiva obra de Poe - o aspecto gótico, a maldição da casa e sua decadência - são fatores que também não aparecem na adaptação de Cloake (cf.

KRAWCZYK-LASKARZEWSKA, 2012).

O filme que pretendemos analisar nesta dissertação traz um enredo bastante diferente em relação ao conto original, conforme mencionado previamente, e mistura elementos de outros filmes do autor, fato que acontecia com recorrência na filmografia do cineasta e que será comentado no primeiro capítulo desta dissertação. Assim, o presente estudo propõe como recorte o fenômeno da casa mal-assombrada, dentro do escopo da espacialidade gótica, e pretende analisar como o diretor a configura em algumas cenas do filme. Vale salientar que Franco investiu o próprio dinheiro e adaptou esse mesmo conto em três versões cinematográficas bem diferentes umas das outras, com acréscimos e retiradas de cenas, bem como trazendo inícios e finais modificados no enredo (cf. GUERRA, 2014). São elas: El Hundimiento de la Casa Usher (1983), Los

2 Aqui fazemos um resumo bastante conciso da narrativa. Voltaremos a ele no capítulo 4.

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13 Crímenes de Usher (1984), e, por fim, Revenge in the House of Usher (1987), que em alguns países ficou conhecido como Neurosis – The Fall of the House of Usher.3

Em março de 1983, aconteceu a primeira e única exibição de El Hundimiento de la Casa Usher (primeira adaptação de Franco) na Espanha, no “Festival Internacional de Cine Imaginario y de Ciencia-ficción de Madrid” (Imagfic). No entanto, o filme não foi aclamado pelo público presente (cf. GUERRA, op.cit) e as críticas recebidas sobre essa adaptação foram notícia do jornal El País, cuja reportagem recebeu o título de

“Risas ante el terror de El Hundimiento de la Casa Usher” [Risos diante do terror de El Hundimiento de la Casa Usher]. Ou seja, o filme acabou sendo banalizado por crítica e público devido às várias alterações feitas por Franco nesse filme em relação ao enredo original do conto de Poe. O cineasta, por sua vez, queixou-se de que o público não havia

“entendido nada” (cf. GUERRA, 2014, s/p). Devido ao fracasso do filme, nenhuma distribuidora se interessou em lançá-lo nos cinemas e com isso, Franco ficou com seu projeto arquivado (cf. GUERRA, op.cit).

A partir de 1984, o diretor acabou optando em criar uma nova versão da adaptação, com o título de Los Crímenes de Usher, e imaginou que conseguiria fazer a distribuição de seu filme acrescentando cenas de nudez e violência. Porém, nenhuma das duas versões adaptadas por Franco chegou a ser lançada oficialmente.4 Como forma de se reestabelecer financeiramente, Franco, decidiu, então, oferecer a versão original de El Hundimiento de la Casa Usher ao produtores Marius e Daniel Lesoeur, da distribuidora francesa Eurociné, que, logo de imediato, aceitaram lançar o filme mundialmente, com a condição de que as cenas de nudez e violência, contidas em Los Crímenes de Usher, fossem excluídas e substituídas por novas cenas, dando origem a uma nova versão do filme, como uma espécie de atualização do antigo clássico de Franco O Terrível Dr. Orloff. 5 Com isso, essa terceira e última versão do filme recebeu

3 Nesta pesquisa de mestrado, procuramos manter o primeiro título que o filme aqui analisado recebeu, Neurosis – The Fall of the House of Usher, título esse dado logo quando foi lançado. O título foi modificado tempos depois para Revenge in the House of Usher devido ao seu lançamento comercial em vídeo e é a única versão disponível em DVD (cf. GUERRA, 2014). Até pouco tempo atrás, o filme podia ser encontrado no site de vídeos Youtube.com, hospedado com o mesmo título que recebeu pela primeira vez, porém a película foi deletada e até o presente momento não pode ser mais acessada através do referido canal.

4 A segunda edição do filme, Los Crímenes de Usher, é considerada como um raro material do cineasta pelo fato de existir apenas uma única cópia da película, a qual teria sido divulgada ilegalmente pelo ator francês, e amigo de Franco, Alain Petit (cf. GUERRA, op.cit).

5 Conforme veremos no capítulo 4, em que serão feitas as análises da adaptação cinematográfica de Jess Franco, o filme não apenas dialoga com o conto “A queda da cada de Usher” de Edgar Allan Poe, mas também com uma das obras do diretor espanhol, intitulada O Terrível Dr. Orloff, com cenas em preto e

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14 o título Neurosis – The Fall of the House of Usher, mas o filme foi renomeado como Revenge in the House of Usher quando foi lançado oficialmente em vídeo (cf.

GUERRA, op.cit).

Assim, almejamos compreender o processo adaptatório do cineasta em Neurosis – The Fall of the House of Usher (1987) em relação ao conto, tomando como recorte a questão da casa mal-assombrada em relação à espacialidade gótica. Nos limites desta pesquisa, foi selecionada como corpus, essa última adaptação cinematográfica de Franco por ser a única lançada em DVD (cf. GUERRA, 2014), bem como nosso levantamento nesse sentido, fato que nos auxilia em termos de acesso.6 Curiosamente, na capa da edição brasileira aparece o nome A.M. Frank como diretor, que seria um dos pseudônimos adotados por Franco, conforme afirma Aguilar (1999).

Nessa adaptação, ao contrário do conto, Usher não é amigo do narrador. Dr.

Usher, como é chamado no filme, é um ex-professor de medicina de Alan Harker, o famoso narrador (aqui é nomeado, enquanto no conto, não o é), que vai visitá-lo depois de receber uma carta com um pedido de ajuda para a realização de seus experimentos macabros dentro do castelo em que vive recluso por vários anos. Dr. Usher sequestra prostitutas com a ajuda de seu criado Morpho para fazer transfusões de sangue em Melissa, sua filha, que necessita do procedimento para sobreviver. Ao longo da história e com alguns dias hospedados no castelo, Harker começa a perceber movimentos estranhos e sinistros no ambiente que habita, um local mal-assombrado pelo espírito da mulher de Dr. Usher, que foi assassinada por ele e aparece para atormentá-lo. A história termina tal como no conto, com a destruição do castelo e com o abraço de Morpho e Melissa em meio ao final trágico dos personagens.

Ao fazer um levantamento de artigos, dissertações e teses em periódicos indexados e bancos de teses e dissertações publicadas nos últimos cinco anos, não foi possível encontrar até o momento nenhuma pesquisa já realizada no Brasil acerca da adaptação de “A queda da casa de Usher” feita por Franco. Tudo o que foi possível encontrar foram algumas sinopses e breves análises, não muito recentes e nem tão branco que foram extraídas do referido filme e acrescentadas em Neurosis – The Fall of The House of Usher.

6 No Brasil, o DVD foi lançado em 2011 pela Vinny Filmes, dentro da coleção “Clássicos do Terror”, porém, a contracapa do encarte dessa edição possui algumas informações confusas, como por exemplo, o título, que não é o oficial e se assemelha em parte com o título que o filme recebeu na França, Névrose.

Ou seja, o título ficou como Nevrose La Chute de la Maison Usher. Além disso, a sinopse da edição brasileira do filme contém diferenças em relação à versão dirigida por Jess Franco.

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15 abrangentes, sobre Neurosis – The Fall of the House of Usher feitas em blogs e sites específicos sobre cinema, tais como o blog Filmes para doidos de Felipe M. Guerra e o site IMDb, por exemplo. Por outro lado, foram encontrados trabalhos acadêmicos internacionais e vastas pesquisas acerca do diretor e do conjunto de sua obra, tais como a tese de Glenn Ward (2011) intitulada “Journeys into Perversion: Vision, Desire and Economies of Transgression in the Films of Jess Franco” e a de Alejandro Mendíbil Blanco intitulada “Jess Franco: de los márgenes al cine de autor/Análisis del relato cinematográfico”. Por ser um diretor aparentemente não muito estudado no Brasil e por não parecer haver nenhuma pesquisa publicada sobre o filme em questão, esse é um fator que justifica a relevância do estudo feito nesta dissertação. Assim, para se compreender porque Neurosis – The Fall of the House of Usher difere tanto do conto de Poe, como veremos mais adiante, é necessário, primeiramente, conhecer o diretor espanhol e a sua obra cinematográfica, os quais serão abordados no primeiro capítulo.

Desse modo, visando a atingir os objetivos desta pesquisa, a dissertação está assim organizada: o primeiro capítulo trará uma breve biografia do cineasta Jess Franco com base nos estudos de Carlos Aguilar (1999), Tatjana Pavlovic (2003), Alejandro Mendíbil Blanco (2019) e Glenn Ward (2011), como forma de compreender a história do diretor e os trabalhos desenvolvidos por Franco no cinema, que, a nosso ver, repercutem no processo de adaptação de Neurosis – The Fall of the House of Usher.

O capítulo dois focalizará na fundamentação teórica, com os estudos de Aparecido Donizete Rossi (2008), Fred Botting (2005) e David Punter (2012) quanto ao gótico e Misha Kavka (2002), Andrew Tudor (1989) e Xavier Aldana Reis (2017) no que concerne ao cinema de horror, dentro de uma perspectiva do gótico, pois é por esse escopo que pretendemos compreender o filme de Franco.

O capítulo três trará algumas das teorias do cinema através dos estudos de Robert Stam (2003), Robert Stam & Alessandra Raengo (2006), Ismail Xavier (1983, 2003, 2005), James Andrew (2002), Amy Villarejo (2007) e Jacques Aumont e Michel Marie (2013), os quais nos servirão de paradigma teórico e/ou instrumentalidade para a análise de algumas cenas do filme. Além disso, serão utilizados os estudos de Linda Hutcheon (2013), Robert Stam (2006, 2009), Claus Clüver (2006, 2011) e Irina Rajewsky (2005, 2010) em termos de teoria da adaptação, de forma a embasar a análise e a comparação entre o conto de Poe e o filme de Franco.

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16 O capítulo quatro abordará “A queda da casa de Usher” de Edgar Allan Poe e discutirá como a espacialidade gótica aparece representada no conto, através da análise de algumas cenas. Em seguida, essa mesma questão da espacialidade, tal como aparece no filme de Jess Franco, será discutida, visando a compreender como este a configura em Neurosis – The Fall of the House of Usher. Na medida do possível, escolheremos cenas equivalentes ou análogas, tanto no conto quanto no filme, o que facilitará a análise comparativa. Esse capítulo será seguido de considerações finais e de referências empregadas ao longo da dissertação.

Esperamos, assim, que nosso estudo possa contribuir para a fortuna crítica do contista, bem como para a do cineasta espanhol, cuja filmografia talvez ainda seja pouco estudada pela academia internacional e brasileira, conforme levantamento do estado da arte feita para esta dissertação.

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17 CAPÍTULO 1 – Quem é Jess Franco?

Nascido em 12 de maio de 1930, em Madri, Jesús Franco Manera, mais conhecido como Jess Franco, foi diretor de cinema, roteirista, montador, produtor, ator e compositor. Desde pequeno demonstrou uma grande paixão pela música, seguindo os passos de um de seus irmãos mais velhos, Enrique, que mais tarde viria a se tornar um especialista em musicologia e compositor no cinema (cf. AGUILAR, 1999). O período de sua infância foi marcado pelo regime ditatorial do general Francisco Franco, que em 1936 deu um golpe de estado na Espanha e declarou guerra por três longos anos, instaurando o fascismo no país, regime que perdurou até meados de 1975, ano da morte do governante (cf. AGUILAR, op. cit).

O interesse de Jess Franco pelo cinema, segundo o próprio, começou ainda no Instituto Ramiro de Maetzu, quando se tornou membro do clube de cinema do local e programou um cineclube, fazendo empréstimos de filmes antigos ou raros que ele conseguia em distribuidoras de Madri (cf. J. FRANCO, 2012). Na época de sua juventude, a Espanha viveu sob forte censura por parte do governo ditatorial de Francisco Franco, que atingiu o âmbito cinematográfico, em especial os filmes que abordavam temas que iam contra o governo. Segundo Jess Franco:

(…) O cinema e todos os outros espetáculos sofriam censura dupla e até tripla. Havia, primeiro, o comitê de censura, que era moral-político e que, nos bons tempos, proibiu de uma só vez um filme quando o considerou antifascista, anti-militar, anti-clerical; um militar não podia ser um traidor, ou prevaricador, corno ou simplesmente um ladrão a menos que tenha sido criticado por todos e, no final, severamente punido. A esposa deveria ser honesta, fiel e discreta, e o marido um modelo de virtudes. Não poderia haver padres renegados, apóstatas. O desejo, em geral, deveria ser puro como uma pátena, impoluto.

Politicamente, nada poderia ser visto ou dito que pudesse ser considerado subversivo: os fascistas eram os mocinhos e os vermelhos eram os bandidos. Os vermelhos - isso era simples - eram todos esquerdistas, comunistas, anarquistas, separatistas, republicanos, ateus, maçons, protestantes (J. FRANCO, 2012, p. 5. Tradução minha).7

7 No original: "(…) El cine, y todos los demás espectáculos, sufrían una censura doble y hasta triple.

Estaba, primero, la junta de censura, que era político-moral y que, por las buenas, prohibía de un plumazo una película cuando la consideraba antifascista, antimilitar, anticlerical; un militar no podía ser traidor, o prevaricador, cornudo, o simplemente chorizo, a no ser que fuera vituperado por todos y, al final, severamente castigado. Una esposa debía ser honesta, fiel y discreta, y su marido un dechado de virtudes.

No podía haber curas renegados, apóstatas. El deseo, en general, debía ser puro como una patena, impoluto. Políticamente, no podía verse o decirse nada que pudiera considerarse subversivo: los fascistas eran los buenos y los rojos, los malos. Rojos — esto era sencillo — eran todos los izquierdistas, comunistas, anarquistas, separatistas, republicanos, ateos, masones, protestantes”.

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18 Ingressou na universidade para estudar Direito, mas abandonou os estudos logo depois. Posteriormente, juntou-se ao Instituto de Pesquisa e Experiências Cinematográficas (IIEC), criado em 1947, para ensinar uma profissão em cinema, conciliando tal prática com seus estudos em Filosofia e Letras. Começou a frequentar o cinema e adquirir plenos conhecimentos sobre o assunto, mantendo contato com diversos talentos intelectuais e artísticos (cf. AGUILAR, 1999). No período em que era estudante em Madri, começou a ganhar dinheiro extra escrevendo histórias de horror e seriados western utilizando o nome de David Khune, um dos seus inúmeros pseudônimos (cf. PAVLOVIC, 2003). No entanto, embora Franco alegasse que escreveu uma dúzia de romances durante a juventude com o uso de vários pseudônimos, nenhum desses trabalhos veio a público (cf. STRUB, 2016).

Mudou-se para Paris em 1952 e submeteu-se a fazer serviços braçais, tais como

“catador” de papel, pedreiro, pintor e a exercer tarefas em uma fábrica de assentos (cf.

AGUILAR, 1999). No entanto, segundo Tim Lucas, 1952 foi o ano em que Franco deu início às suas atividades no âmbito cinematográfico quando passou a trabalhar no

“L’Instituto de Investigaciones y Experiencias Cinematograficas” fazendo dublagem de filmes franceses para o espanhol (LUCAS, 1993, p. 14). Retornou à Espanha em 1953, depois de receber uma proposta feita por Juan Antonio Bardem, seu conhecido do IIEC, para trabalhar na produção do filme Cómicos (1953). Desde então, aos vinte e três anos de idade, Franco iniciou oficialmente a sua carreira de diretor, desenvolvendo vários trabalhos e funções na área, tais como assistente de direção e supervisor de dublagem de filmes estrangeiros. Franco também escrevia ensaios para a revista Film Ideal. Ao mesmo tempo, o diretor começou a trabalhar em documentários patrocinados pelo governo e recebeu outras propostas de vários diretores espanhóis, desenvolvendo escritas de script, edição e música (cf. PAVLOVIC, 2003). Passou a manter contato com importantes cineastas, como, por exemplo, Leon Klimovsky e Joaquin Romero Marchent, além de se tornar amigo do ator e diretor Fernando Fernán Gomez. Todos os trabalhos realizados por Franco serviram como aprendizado e possibilitaram recursos para que ele pudesse financiar a sua primeira produção cinematográfica, intitulada Tenemos 18 años, lançada em 1959.

Franco começou, então, a dirigir musicais e filmes de horror de baixo orçamento, além de ficção-científica, suspense e filmes pornográficos (cf. PAVLOVIC, op.cit). Suas principais referências cinematográficas serviram de inspiração para a

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19 produção de seus filmes e se concentravam em gêneros americanos dos anos 30 e 40, em especial os filmes de terror e suspense, desde os mais famosos até os filmes das séries B e C, passando por algumas tendências europeias, como é o caso do noir francês e do expressionismo alemão (cf. AGUILAR, op.cit). Além de cinema e música, Franco também nutria uma forte paixão pela literatura, cujas referências trouxeram contribuições para sua obra cinematográfica: a primeira delas é Cornell Woolrich8 e a segunda é o escritor setecentista francês Marquês de Sade, com o qual Franco se identificava diretamente por causa do contexto sexual adotado pelo autor em suas narrativas e seu ponto de vista filosófico9, além de ser uma fonte em que Franco podia retirar todo erotismo advindo da literatura francesa (cf. AGUILAR, op.cit). Esta última referência fez com que, posteriormente, Franco dirigisse o filme Marquis de Sade:

Justine (1968).10

Franco obteve uma ampla popularidade e não só chamou a atenção no contexto espanhol, como também na França, Alemanha, Suíça, além de países como Estados Unidos, Itália, Grã-Bretanha e Portugal, onde foram realizadas algumas de suas coproduções (op.cit). Considerando o fato de que a Espanha enfrentou uma forte censura no período do governo Franco, o diretor espanhol sofreu sérias consequências por conta de seus filmes eróticos, de modo que se viu obrigado a sair de seu próprio país. Por essa razão, sua carreira cinematográfica se espalhou por toda a Europa.

Franco, ainda em relação à censura, assim se manifesta em palavras bastante críticas e ácidas:

(…) O primeiro cinema que vi foi alemão, mas não o de Fritz Lang ou Lubitsch, mas as porcarias das propagandas de Veit Harlan ou Gustav Ucicky, que eram prejudiciais, porque em geral tinham uma excelente fatura técnica. Aquele cinema, com raras exceções, não gostava dos espanhóis, nem das comédias estúpidas de Theo Lingen, Hans Moser e companhia. Quase não havia cinema americano e a censura se encarregava em cortar e mudar o que considerava moral ou politicamente perigoso. A dublagem se tornou obrigatória, então os atores diziam o que os censores queriam. Os alemães sempre foram exaltados, assim como alguns italianos, se eram fascistas. E o cinema

8 Cf. o site IMDb, Cornell Woolrich nasceu em 4 de dezembro de 1903, em Nova York, e faleceu em 25 de setembro de 1968 na mesma cidade. Era escritor e adotava os pseudônimos de George Hopley e William Irish em alguns de seus romances. Escreveu obras como The Black Angel (2012 [1943]) e The Black Path of Fear (2016 [1944]).

9 Cf. Castro (2006), Marquês de Sade é considerado um romancista libertino e seus romances trazem em seu contexto uma teoria filosófica proposta pelo próprio autor. Alguns temas como a consciência moral, a natureza, o sangue-frio em oposição à paixão, o diálogo libertino, o sexo como estímulo da inteligência ou a ascensão libertina, entre outros, são encontrados nas narrativas de Sade.

10 No Brasil, o filme recebeu o título de Santuário Mortal, baseado na obra de Marquês de Sade.

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20 espanhol? Frente de Madrid, Por qué te vi llorar o Raza, com base em uma discussão escrita pelo próprio General Franco. Um cinema feito por idiotas para idiotas, para todos nós, pobres espanhóis esmagados e subjugados (J. FRANCO, op.cit, p. 9. Tradução minha).11

De acordo com Pavlovic (2003), a partir da década de 60, Franco dirigiu filmes como Labios Rojos (1960), El Caso de dos Bellezas (1967), Bésame Monstruo12 (1967), Lucky, el Intrépido (1967), entre outros, que marcam uma fase em que começa a se interessar pelo comix e pela arte pop. Nesse período, Franco buscava mostrar suas personagens como mulheres dominadoras, independentes e extremamente sedutoras.

Um exemplo disso acontece no filme El Caso de dos Bellezas, cuja trama gira em torno de duas detetives, Diana e Regina, que tentam desvendar uma série de casos de desaparecimentos de garotas. Nas cenas, as duas protagonistas aparecem dirigindo carros potentes e usando roupas formidáveis, além de serem sedutoras e inteligentes (cf.

PAVLOVIC, op.cit). Franco traz duas personagens que não se encontram em ambiente familiar, no convívio com pais severos ou em meio a casamentos opressivos, de modo que assim ele opera uma ruptura da imagem da mulher doméstica, gentil e passiva (op.

cit).

Em 1962, Franco lançou O Terrível Dr. Orloff, um de seus filmes mais importantes e que marcou a sua entrada no gênero horror. A película conta a história do médico Dr. Orloff, que, com a ajuda de seu criado Morpho, sequestra dançarinas de boates para cortar e utilizar a pele de suas vítimas na tentativa de reconstruir o rosto de sua filha, Melissa. No entanto, o filme não escapou da censura. Uma das cenas que mostra a nudez de uma das vítimas sendo cortada ao meio por um bisturi na região dos seios foi exibida apenas na versão francesa, em L’horrible Dr. Orlof [sic] (cf.

AGUILAR, op.cit). Franco assim relata:

(…) Eu terminei de filmar O Terrível Dr. Orloff, que foi minha primeira incursão em filmes de terror, e como um fiel espectador do gênero, eu sabia que o público, aqui, tinha a tendência de pegar a piada, rir e aplaudir nos momentos mais assustadores. Eu queria que

11 No original: “El primer cine que yo vi fue alemán, pero no el de Fritz Lang o Lubitsch, sino los bodrios propagandísticos de Veit Harlan o Gustav Ucicky, dañinos, porque en general tenían una excelente factura técnica. Ese cine, con raras excepciones, no gustaba a los españoles, como tampoco gustaban las estúpidas comedias de Theo Lingen, Hans Moser y compañía. Casi no había cine americano y la censura se encargaba de cortar y cambiar lo que consideraba moral o políticamente peligroso. El doblaje se hizo obligatorio, así los actores decían lo que los censores querían. Los alemanes eran siempre ensalzados, así como algunos italianos, si eran fascistas. Y ¿qué decir del cine español? Frente de Madrid, Por qué te vi llorar o Raza, basado en un argumento escrito por el propio general Franco. Un cine hecho por imbéciles y para imbéciles, para todos nosotros, pobres españoles machacados y sojuzgados”.

12 Também conhecido como Kiss me, monster e Küss mich, monster.

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21 eles calassem a boca e isso só poderia ser alcançado se de fato os impressionasse. Estudei o roteiro mecanicamente e distribuí cinco ou seis instantes de imagens chocantes. Um dos mais terríveis era um bisturi abrindo o torso de uma mulher, na mesa de operações. O efeito foi muito bem-sucedido, mas a censura o deixou em um piscar de olhos, porque o seio da paciente era visível. E ainda assim funcionou.

Todos os engraçados calaram a boca de repente.

Para a versão francesa, o plano foi deixado inteiro e alguns críticos falaram sobre ele, comparando-o - tome castanhas! - com o olhar de Buñuel em El Perro Andaluz (J. FRANCO, op.cit, p. 39. Tradução minha).13

Com base na citação acima, é importante ressaltar que Franco considera que seus filmes pertencem ao cinema de horror, sem fazer qualquer menção de que suas obras tenham relação com o gótico, muito embora sejam encontrados traços do gótico em seus filmes. Ou seja, tanto O Terrível Dr. Orloff, bem como Neurosis – The Fall of the House of Usher e outras de suas películas, pertencentes ao mesmo gênero, são vistos por Franco como filmes de horror. Em 1965, o cineasta lançou Miss Muerte14, um filme em preto e branco que, assim como O Terrível Dr. Orloff, traz também uma série de elementos de horror que caracterizam suas obras como um todo: iluminações em claro- escuro, explorações de monstruosidades, cientistas loucos, servos mudos e castelos góticos (cf. PAVLOVIC, op.cit). A partir do surgimento de Necronomicon15, em 1967, seus filmes começaram a obter êxito no circuito norte-americano, pois o público parecia interessado em pornografia e a censura não era tão acirrada quanto na Espanha.

Segundo Franco, após o sucesso de Necronomicon:

O filme me abriu muitas portas, incluindo as do cinema inglês e norte- americano. Todo mundo queria erotismo. E eu, encantado. Eu havia passado de terror e suspense para o cinema erótico, no qual aparentemente, eu estava indo muito bem. Comecei a desenvolver uma atividade frenética, sobretudo com os americanos. Graças a sua organização, aprendi o back to back, ou seja, terminar um filme hoje e começar outro amanhã. Alguns outros países europeus colaboraram

13 No original: “Yo terminaba el rodaje de Gritos en la noche, que fue mi primera incursión en el cine de terror, y como espectador fidelísimo del género, sabía que el público, aquí, tenía la tendencia a tomárselo a chufla, y a reírse y aplaudir en los momentos más espeluznantes. Yo quería que se callaran y eso sólo lo podía lograr impresionándolos de verdad. Estudié maquiavélicamente el guión y distribuí cinco o seis instantes de imágenes impactantes. Una de las más terribles era un bisturí abriendo el torso de una mujer, en la mesa de operaciones. El efecto estaba muy logrado, pero la censura me lo dejó en un flash, porque se veía el seno de la paciente. Y aun así funcionó. Todos los graciosos se callaron de golpe.

Para la versión francesa, el plano se dejó entero y algunos críticos hablaron de él, comparándolo

—¡toma castañas! — con el ojo de Buñuel en El perro andaluz”.

14 Também conhecido como O Diabólico Dr. Z.

15 Filme também conhecido com o título de Succubus.

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22 mais, especialmente os alemães (J. FRANCO, op.cit, p. 41, grifos do autor. Tradução minha).16

Após Necronomicon, Franco conseguiu dirigir muitos filmes ao mesmo tempo e trabalhou em diversos países, tais como França, Alemanha, Suíça, Portugal, Itália, Estados Unidos, entre outros. Eram tantas produções que, certas vezes, vários deles acabavam sendo vendidos ao mesmo tempo para diferentes distribuidores (cf.

PAVLOVIC, op.cit), a tal ponto que alguns dos atores acabavam ficando confusos em saberem de quais filmes haviam participado de fato.

Franco buscava sempre combinar o horror a outros gêneros em um mesmo filme, como por exemplo, a pornografia, uma de suas maiores obsessões (cf.

PAVLOVIC, op.cit). Tomemos por exemplo dessa mescla La Comtesse Noíre17 (1973), um filme pornográfico com vampiros. Apresenta um certo toque de violência, poder, erotismo, fetichismo e voyeurismo, que podem ser observados através dos ângulos da câmera de Franco (cf. PAVLOVIC, op.cit), elementos que fizeram com que, segundo Pavlovic (op.cit), a obra fosse rejeitada na Espanha. Seguindo a mesma linha de La Comtesse Noíre, Franco dirigiu outros filmes com vampiros, que, por sua vez, trazem alguns traços de Drácula, de Bram Stoker. Alguns exemplos são Vampiros Lesbos (1971), Drácula contra Frankenstein (1972) e a sua própria adaptação para o romance inglês, intitulado Conde Drácula (1970). Em sua tese intitulada “Journeys into Perversion: Vision, Desire and Economies of Transgression on the Films of Jess Franco”, Glenn Ward argumenta que o tema do vampiro nos causa reflexões e também reações. O autor enfatiza que a teoria psicanalítica se encarrega de abordar assuntos como o horror, de modo geral, bem como o vampirismo, tendo em vista que este último tema está inteiramente ligado ao desejo erótico (WARD, 2011, p. 112). Referindo-se ao estudo de Judith Halberstam (1995), a quem cita, Ward argumenta que o sexo não é um dos únicos interesses das ficções com vampiros, pois segundo a análise foucaultiana, as narrativas góticas do final do século XIX abordam o tema do desejo junto a discursos acerca de nação, raça e classe (op.cit, p. 114). Com isso, Ward complementa que assuntos que envolvem relações de classes mostradas nos filmes de Franco, por sua vez, apresentam a sexualidade em sua forma gótica com uma certa frequência, como por

16 No original: “La peli me abrió cantidad de puertas, entre ellas, las del cine inglés y el americano.

Todos querían erotismo. Y yo, encantado. Había pasado del terror y el suspense al cine erótico, que al parecer, se me daba bastante bien. Empecé a desarrollar una actividad frenética, con los americanos, sobre todo. Gracias a su organización yo aprendí el back to back, o sea, terminar una peli hoy y empezar otra mañana. En ellas colaboraban algunos países europeos más, sobre todo, los alemanes”.

17 No Brasil, o filme recebeu o título de A Maldição da Vampira.

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23 exemplo, os ataques sofridos feitos por médicos e libertinos aristocráticos às prostitutas e strippers (op.cit).

De acordo com Jean-Claude Seguin Vergara, em boa parte dos filmes de Franco, o corpo, em especial o da mulher, é considerado como um objeto de desejo que desempenha uma espécie de peça fundamental no processo de criação de suas obras (cf.

VERGARA, 2015, p. 74). Nesse sentido, é preciso considerar que relacionar o corpo a um “objeto de desejo” está inteiramente ligado à etimologia da palavra pornografia e que, ao mesmo tempo, contribui para compreendermos a diferença entre pornografia e erotismo, elemento bastante presente também na filmografia do diretor espanhol.

Pornografia advém de duas palavras gregas, que são πόρνη, cujo significado é

“prostituta”, e γράφειν, que é o mesmo que “registrar, escrever, ilustrar”, além do sufixo –ία, que quer dizer “estado de, propriedade de, lugar de” (p. 71). Logo, tais significados remetem, em um primeiro momento, ao sentido de “a escrita da prostituição”(op.cit, p.

71. Tradução minha).18 Segundo Vergara, houve uma evolução em relação ao sentido da expressão, que até hoje continua em expansão, muito embora seja mantido, mesmo que de forma implícita, o seu sentido primário. De acordo com o estudioso, quando palavras como “sensualidade, erotismo e pornografia” são comparadas, dão ideia de “desejo”, mas se observamos “pornografia” em seu sentido mais amplo, poderia, ao mesmo tempo, ser associada a “outras perversões”, assim como Román Gubern o faz, relacionando-a “ao proletário, os nazistas, os religiosos e “os cruéis’”(GUBERN, 1989, p. 132 apud VERGARA, 2015, p. 71. Tradução minha).19 Assim, devem ser considerados também outros componentes, conforme os indivíduos e suas culturas, tais como a variabilidade do sensual, do erótico e do pornográfico, bem como sua representação artística no âmbito cinematográfico, dentro de uma comunidade étnica, religiosa e/ou política (VERGARA, 2015, p. 71). No caso de pornografia no cinema, há duas modalidades em seu conteúdo e que diferem entre si, como por exemplo, ‘“a realidade cinematográfica” e “o desejo do espectador”’ (op.cit, p. 71. Tradução minha)20, nos quais estão inseridos a nudez e o sexo implícito ou explícito, aspectos que podem ser aplicados ao cinema erótico em sentido amplo, tais como a “descoberta” (que durou até o fim da censura na Espanha, publicada em decreto no Diário Oficial do Estado de novembro de 1977), a classificação de filmes na categoria “S” (entre os anos

18 No original: “la escritura de la prostitución”.

19 No original: “lo proletario, lo nazi, lo religioso y lo “cruel”’.

20 No original: ““la realidad cinematográfica” y el “deseo espectatorial”’.

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24 de 1977 a 1982, estendendo-se até fevereiro deste último ano com a lei nº 1/82) e na categoria “X”, entre 1982 a 1987 (op.cit).

Em detrimento de forte interesse e “impulso crescente” (p. 72) por filmagens de películas cinematográficas pornográficas, foi decretado o fim da censura imposta pelo regime ditatorial de Francisco Franco, mas isso não significava que o sexo nas telas seria liberado totalmente. Temas como sexo e violência sofreram sérias restrições, conforme o artigo 6 do Real Decreto, publicado em 1977, pelo qual tais filmes só poderiam ser exibidos em salas especiais e para maiores de 18 anos (BOE, 1977, p.

26421 apud VERGARA, 2015, p. 72). No entanto, essa restrição descrita no Real Decreto não foi tão satisfatória naquele período, pois as determinações postas em documentos oficiais eram muito gerais e não poderiam responder à real situação do cinema na época. Por essa razão, tal restrição teve que sofrer uma certa classificação a partir de 7 de abril de 1978 com a publicação de a “Ordem”. Ou seja, filmes que focassem apenas no sexo propriamente dito seriam classificados como contendo cenas que descrevem “a realização de atos sexuais de uma maneira direta e real na visão do espectador, sem qualquer suposição” (BOE, 1978, p. 9023 apud VERGARA, 2015, p.72-73. Tradução minha).21

Já no caso de filmes cuja temática era a violência, estes seriam compreendidos como tal caso houvesse alguma incitação nesse sentido, e os filmes seriam destinados também à exibição apenas para maiores de idade.22 A chamada “descoberta”, citada por Vergara, nada mais é do que um assunto que trata do corpo, fornece fragmentos, detalhes e partes deste “objeto” inacessível que pode ser completado através da visão do receptor que o observa, como se este estivesse participando de um jogo de quebra- cabeças, em que as peças devem ser encaixadas por ele, como por exemplo, na visualização de um strip-tease inacabado (p. 74). Assim, boa parte dos filmes de Jess Franco, que compreendem os anos de 1959 a 1966, envolvem a tal “descoberta”, que foi comentada por Jack Hunter (2013), segundo o qual Jess Franco faz uma abordagem

21 No original: “la realización de actos sexuales de manera directa y real a la vista del espectador sin suposición alguna”.

22 Tal classificação não foi e nem é algo exclusivamente da Espanha, na medida em que filmes que deveriam ser exibidos para o público maior de 18 anos foram classificados pelo subcomitê com a letra

“S”, pois poderiam ferir a sensibilidade do espectador, e tal informação deveria constar no início do filme e durante a sua divulgação em veículos de publicidade (op.cit). Esta classificação trata do sexo de forma geral, como os chamados filmes softcore, em que os atos sexuais são apenas encenados, sem mencionarmos o uso das imagens hardcore, em que as cenas são representadas de forma “real’. Assim, a partir da lei nº 1/1982, os filmes hardcore passaram a ser compreendidos como filmes pornográficos, recebendo a classificação “X”.

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25 sobre o corpo feminino “descoberto” em filmes do gênero “terrorífico” (op.cit). Quando os filmes de Franco passaram a mostrar cenas lésbicas ou sadomasoquistas, que só eram veiculadas no circuito internacional, como é o caso de Necronomicon, tiveram que esperar mais alguns anos para que fossem divulgadas na Espanha. De fato, isso só foi possível após cenas lésbicas contendo duas mulheres fazendo amor apareceram em filmes como Me Siento Extraña (1977), de Enrique Martí Maqueda, e Una Loca Extravagancia Sexy (1977), de Enrique Guevara (1978). Foram, portanto, mais de vinte anos até que tais filmes de Franco pudessem vir a público na Espanha.

A presença de corpos nus mostrados de formas parciais no então “cinema descoberto” serviram apenas para compor roteiros que não necessitassem do uso de cenas mais ousadas ou explícitas. Segundo Vergara, os filmes de Franco possuem como principal matéria-prima o erotismo, como é o caso Eugenie – Historia de una Perversión (1980). O sexo não servia apenas para incrementar películas mais suaves, mas sim como elemento para elaboração dos roteiros (op.cit) e o caráter erótico era um tanto recorrente em suas obras, nos dizeres do próprio Franco, citados por Torres (1991) e reproduzidos por Vergara (2015):

A carga erótica dos meus filmes é uma das coisas que mais danos me causaram na Espanha. O erotismo me interessa, pois pode interessar a qualquer escritor ou pintor. Acho que é um dos elementos que está mais presente na nossa vida e é um dos motivos de nossa existência.

Esquecer isso ao fazer um filme é estúpido. [...] Qualquer história que contar, se levar a sério, tem um certo contexto social, mas o erotismo também tem que estar presente porque está em cada passo que você dá (TORRES, 1991, p. 37 apud VERGARA, 2015, p. 77. Tradução minha).23

Com o fim da censura do regime franquista, Jesús Franco inicia uma nova fase em sua carreira, lançando seu primeiro filme classificado na categoria “S” e intitulado El Sádico de Notre-Dame (1979), que nada mais é do que uma repetição de seu filme anterior, O Exorcista Diabólico (1975) e o qual foi “reciclado’ posteriormente em Sexorcismes (1975), com o acréscimo de cenas hardcore. Nesse contexto, o cinema erótico de Franco também não escapa das inúmeras manipulações e repetições

23 No original: “La carga erótica de mis películas es una de las cosas que más daño me ha hecho en España. Me interesa el erotismo como le puede interesar a cualquier escritor o pintor. Creo que es uno de los elementos que es tá más presente en nuestra vida y uno de los móviles de nuestra existencia. Olvidar esto cuando hacer uma película es una estupidez. […] Cualquier historia que cuentes, si te la tomas en serio, tiene un cierto com texto social, pero también tiene que estar presente el erotismo porque está en cada paso que daos”.

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26 características de seu trabalho, como o uso dos mesmos atores nas cenas, bem como repetições de posturas e toques nos mesmos lugares (p. 78).

A partir de 1975, quando os filmes hardcore passaram a obter a classificação

“X”, como também acontece em outros países europeus, o cinema erótico adquiriu uma dupla inclinação. Os filmes rodados por Franco nos anos de 1972 a 1975, com gravações de cenas softcore, foram recuperados pelo cineasta e sofreram a inclusão de cenas hardcore na versão original, que haviam sido filmadas, porém não utilizadas previamente. Desse modo, as películas passaram a ser filmadas duplamente (ou seja, uma vez contendo cenas hardcore e, em outra, trazendo cenas softcore). No entanto, os filmes softcore de Franco dos anos de 1972 a 1975 ainda não poderiam ser exibidos na Espanha, pois ainda não havia sido criada a classificação da categoria “S”, o que só ocorreu no país em meados de 1977. Somente em 1982, com a criação da categoria “X”

na Espanha é que os filmes puderam sofrer as tão frequentes manipulações das cenas, como acima mencionado.

Tim Lucas (1993, p. 25), classificou os anos de 1973 a 1979 como o período dos

“Anos de Pornô Holocausto” [The Porno Holocaust Years], embora a maioria dos filmes de Franco mostrasse a nudez do corpo da cintura para cima (por exemplo, o caso de O Terrível Dr. Orloff, de 1962, primeiro filme do diretor em que a nudez começou a se tornar evidente) e houvesse simulações de atos sexuais desde Eugenie – Historia de una Perversión, Franco ainda precisava ir mais além no que se referia ao cinema erótico. A Eurociné era a empresa responsável por acrescentar as cenas hardcore nos filmes de Franco desde A Virgin Among the Living Dead24 (1973) e, curiosamente, tais películas eram redundantes, pois as imagens com atos sexuais não eram tão chocantes quanto as bizarras narrativas, com histórias sem sentido (ou até mesmo satíricas), que as interrompiam (LUCAS, 1993, p. 25). Nesse sentido, conforme apontado por Lucas, enquanto a maior parte do público se sentia amedrontada por conta de cenas que exibiam cabeças giratórias e camas levitando, Franco, por sua vez, produzia filmes com enredos ainda mais terríveis, como é o caso de Lorna – O Exorcista25 (1974), uma mescla de terror com pornografia, em enredo girando em torno de uma virgem

24 Conhecido também como La nuit des étoiles filantes, cujo título em francês é o oficial do filme. Em espanhol, o filme recebeu 4 títulos diferentes: Los Sueños Eróticos de Christina, La Noche de las Estrellas Fugaces (título de trabalho), Virgen entre los Muertos Vivientes (título em DVD) e Una Virgen en Casa de los Muertos Vivientes (título do box em vídeo).

25 Conhecido também como Les possédées du diable em seu título original.

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27 adolescente que é possuída em um ritual por um demônio, que a amamenta e quebra seu hímen com um vibrador tenebroso, além de lamber o sangue em sua haste brilhante (op.cit).

O diretor espanhol também fez participações em seu próprio filme, interpretando um serial killer em O Exorcista Diabólico, de 1975 (conhecido também como Sexorcismes em sua versão hardcore), ao lado de sua nora, Caroline Rivière, no papel de uma das mulheres que são despidas, humilhadas, torturadas e assassinadas pelo personagem de Franco. Mais tarde, em 1979, Franco recebeu remuneração de coproduções espanholas e utilizou cenas estendidas deste filme para a criação de sua nova e terceira versão, chamada El Sádico de Notre Dame, que também recebeu os títulos de Demoniac e The Ripper of Notre Dame no exterior (op.cit). Com isso, Lucas enfatiza que esse período ficou caracterizado pela volta do gênero women in prison [mulheres na prisão], também conhecido pelas siglas WIP, que ficou popularizado com um de seus filmes, intitulado 99 Mulheres (1969). Ainda de acordo com o autor, esses filmes adquiriram sólidas críticas sociológicas advindas das ditaduras do Terceiro Mundo, porém tal perspectiva “- e qualquer sátira intencional – tendia a ser afogada em um pântano de sadismo”(op.cit, p. 27. Tradução minha).26

Após a morte de Francisco Franco, no período de 1980 a 1987, classificados por Tim Lucas como “os anos de retorno à casa” [The Homecoming Years] (op.cit), Jess Franco volta a Madrid e passa a dirigir aproximadamente oito filmes por ano. Diversos filmes de sexo lançados pelo diretor passam a obter um teor “perversamente satírico”

(op.cit, p. 28. Tradução minha).27 Segundo Lucas, tais paródias genéricas pareciam ter o propósito de caçoar de qualquer indivíduo (p. 28), de modo que a própria nudez passou a se tornar ridícula. Esse período também marca uma fase em que Franco começou a

“reviver” em novas películas muitos de seus personagens antigos, como por exemplo, Dr. Orloff, Al Pereira, Eugenie e as Amazonas vindas dos anos 70, do filme Maciste contre la reine des Amazones (1974). Lucas aponta para o fato de que o uso de tais personagens nada mais era do que uma forma de manter o interesse de Franco por filmes que não eram tão atrativos. Em suma, os anos 80 não foram tão significativos para Franco e, portanto, não trouxeram muito sucesso para o diretor espanhol, salvo algumas exceções, tais como os filmes Gemidos de Placer [Moans of Pleasure] (1983),

26 No original: “- and any intentional satire – tended to be drowned in a morass of sadism”.

27 No original: “perversely satirical”.

(28)

28 que tem Sade como fonte de inspiração, além de Sola Ante el Terror [Alone Against the Terror] (1983) e Juego Sucio en Casablanca [Dirty Game in Casablanca] (1985), que foram escritos por Santiago Moncada. Lucas aponta essas exceções, como os títulos citados acima, como alguns dos exemplos que serviram tanto para o diretor espanhol quanto para sua esposa, Lina Romay (que também adotava uma série de pseudônimos em parceria com Franco), para que ambos ficassem cada vez mais imersos na pornografia hardcore. Nesse sentido, o autor destaca como exemplo deste trabalho o filme Falo Chest28 (1987), que consiste em uma paródia baseada na série de TV americana conhecida como Falcon Chest, que utiliza os nomes dos personagens com o propósito de fazer referências de forma rude, mas ao mesmo tempo hilária, aos atores que participam da série (op.cit).

De acordo com Pavlovic, o cineasta seria uma imagem inversa e irônica do ditador Francisco Franco:

O interesse de Jesús Franco pelo horror, pela pornografia e pelas imagens pulp de superespiões e homens musculosos pode ser visto como um esforço para representar tudo o que o governo fascista havia reprimido oficialmente. Seus autorretratos, como o caso do personagem sacerdote católico enlouquecido, podem ser considerados como uma representação daqueles aspectos da vida de Francisco Franco, que a versão cinematográfica oficial, branqueada, havia deixado de fora deliberadamente. Os filmes de Jesús Franco promovem o retorno ao reprimido fascista, a manifestação do delírio para o qual essa ordem política chamou sua atenção, mas teve que rejeitar em nome da normalidade, da moralidade católica e da ordem política e familiar (PAVLOVIC, op.cit, p. 120. Tradução minha).29 A crítica completa ainda que, além da possibilidade de se fazer uma leitura de Jess Franco como uma imagem invertida e irônica de Francisco Franco, ao mesmo tempo, o governante também pode ser considerado como um personagem de um dos filmes do cineasta espanhol. Alguns dos interesses de Jess Franco, presentes na maior parte de suas películas, tais como o terror, a pornografia e as imagens de superespiões e homens musculosos, podem ser vistos como fatores representados no cinema de Franco de tudo o que havia sido reprimido pelo governo fascista (op.cit). De certa forma, os

28 Não foi possível encontrar informações acerca do filme Falo Chest e da série Falcon Chest.

29 No original: “Jesús Franco’s interest in horror, in pornography, and in the pulp imagery of superspies and musclemen can be seen as an effort to represent all that the Fascist government had officially repressed. His self-portrayals, in figures such as the crazed Catholic priest, might be regarded as an acting out of those aspects of Francisco Franco’s life that the official, whitewashed, cinematic version had deliberately left out. Jesús Franco’s films enact a return of Fascism’s repressed, the playing out of the delirium that that political order drew its energy from, but had to disavow in the name of normality, Catholic morality, and political and familial order”.

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