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Interrupção do estágio de convivência: responsabilidade civil em razão dos danos morais causados aos adotandos

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Academic year: 2021

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CARINI SILVA COELHO

INTERRUPÇÃO DO ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA: RESPONSABILIDADE CIVIL EM RAZÃO DOS DANOS MORAIS CAUSADOS AOS ADOTANDOS

Florianópolis 2020

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CARINI SILVA COELHO

INTERRUPÇÃO DO ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA: RESPONSABILIDADE CIVIL EM RAZÃO DOS DANOS MORAIS CAUSADOS AOS ADOTANDOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Patrícia Russi de Luca, Esp.

Florianópolis 2020

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CARINI SILVA COELHO

INTERRUPÇÃO DO ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA: RESPONSABILIDADE CIVIL EM RAZÃO DOS DANOS MORAIS CAUSADOS AOS ADOTANDOS

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Florianópolis, 24 de julho de 2020.

______________________________________________________ Professor e orientador Patrícia Russi de Luca, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Jeferson Puel, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Denis de Souza Luiz, Esp.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

INTERRUPÇÃO DO ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA: RESPONSABILIDADE CIVIL EM RAZÃO DOS DANOS MORAIS CAUSADOS AOS ADOTANDOS

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Florianópolis, 24 de julho de 2020.

____________________________________

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À minha família, em especial ao meu marido e minha filha amada Júlia. Eu amo vocês!

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AGRADECIMENTOS

Sou grata às oportunidades que a vida me proporcionou, por ter chegado até aqui. Nessa trajetória muitas pessoas foram importantes, mas não poderia deixar de mencionar àquele que esteve ao meu lado, me ofereceu apoio, compreendeu as minhas ausências, cuidou da nossa pequena nos momentos que precisei me dedicar aos estudos. Obrigada Juliano por tudo o que fazes por mim e para mim! Sem você eu não teria conseguido alcançar mais esse objetivo. E você Juju? O que dizer para uma criança tão linda e especial como você? Você é maravilhosa minha filha, é a perfeição em forma de gente! Eu amo você profundamente!

Às minhas amigas: Ana Maria, Carol e Joana, vocês me receberam de braços abertos, com vocês encontrei o significado de dedicação, amizade e parceria. Obrigada pelos momentos que passamos juntas, pelas horas de estudo, pelos áudios intermináveis, pela troca de figurinhas engraçadas nas madrugadas exaustivas de estudo, enfim, obrigada por fazerem parte da minha vida e dessa conquista.

Por fim, não poderia deixar de citar e agradecer muito à minha orientadora: Professora Patrícia Russi de Luca, um exemplo de profissional, competente, comprometida com a qualidade de ensino. Obrigada pela doçura, sabedoria, dedicação e por ter compartilhado comigo teus conhecimentos.

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“Não sei… se a vida é curta ou longa demais para nós. Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo: é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira e pura… enquanto durar”. (Cora Coralina).

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é demonstrar a possibilidade de incidência da responsabilidade civil por danos morais causados ao adotando, em virtude da desistência da adoção no decorrer do estágio de convivência. O método de abordagem utilizado é o dedutivo, por meio da técnica de pesquisa bibliográfica, com base na legislação, doutrinas e artigos científicos. Para introduzir o tema, apresenta-se o instituto da adoção no ordenamento jurídico brasileiro, reportando-se ao seu conceito, evolução histórica, os tipos, o processo e os cadastros de adoção existentes no Brasil. Em seguida, adentra-se no tema da responsabilidade civil, abordando-se seu conceito, antecedentes históricos, pressupostos gerais e espécies. O último capítulo apresenta a possibilidade de incidência da responsabilidade civil por danos morais ao adotando em razão da desistência da adoção durante o estágio de convivência. Demonstra-se os motivos que culminam na devolução dos adotandos, bem como as consequências que este ato proporciona às crianças e/ou adolescentes que enfrentam esse novo abandono. Por fim, a pesquisa conclui que a interrupção do estágio de convivência de forma leviana e inconsequente pelos adotantes, viola os direitos fundamentais da criança e/ou adolescente, gerando dano, configurando o ato ilícito, portanto, passível de reparação. Em que pese não existirem meios capazes de compensar satisfatoriamente o sofrimento dos adotandos, a responsabilização civil do adotantes apresenta-se como uma medida para amenizar os danos suportados pelas crianças e/ou adolescentes, pois o novo abandono deixará marcas não só em suas vidas, mas em suas almas.

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LISTA DE SIGLAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade CC – Código Civil

CNJ – Conselho Nacional de Justiça CRFB/88 – Constituição Federal de 1988 ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

SNA – Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento STF – Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 A ADOÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 12

2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADOÇÃO NO BRASIL ... 12

2.2 TIPOS DE ADOÇÃO ... 18

2.3 DO PROCESSO DE ADOÇÃO ... 22

2.4 OS CADASTROS DA ADOÇÃO ... 24

3 RESPONSABILIDADE CIVIL... 27

3.1 CONCEITO E ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL . 27 3.2 PRESSUPOSTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ... 31

3.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL ... 37

4 A RESPONSABILIDADE CIVIL E A DESISTÊNCIA DA ADOÇÃO NO ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA... 41

4.1 DA DESISTÊNCIA DA ADOÇÃO E A DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ... 41

4.2 A POSSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS DANOS MORAIS CAUSADOS À CRIANÇA OU ADOLESCENTE QUE SÃO DEVOLVIDOS NO ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA ... 48

5 CONCLUSÃO ... 56

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1 INTRODUÇÃO

O processo de adoção é permeado de desafios que ensejam a dedicação e comprometimento de todos os atores do sistema de garantias de direitos e, sobretudo, dos pais que optam pela adoção como uma forma de exercer a paternidade ou maternidade.

Nesta perspectiva, a colocação da criança e do adolescente em família substituta por meio da adoção é composto por etapas, que devem ser conduzidas pelo Poder Judiciário, a fim de garantir proteção às crianças e adolescentes que serão inseridos em uma nova família.

Trata-se de um processo longo, que exige reflexão, preparação, planejamento, oportunidade que os pretensos pais devem pensar e repensar a respeito da decisão de ter um filho. No entanto, mesmo diante de todos os investimentos referentes à preparação dos adotantes, no cotidiano do Poder Judiciário ainda é muito comum nos depararmos com casos de desistência da adoção, algumas ocorridas no decorrer do estágio de convivência e outras até mesmo após o trânsito em julgado da sentença que constituiu o vínculo de filiação.

Nesse contexto, os que mais sofrem são as crianças e adolescentes, tendo em vista a frustração e sentimento de abandono, os quais deixam marcas profundas e muitas vezes irreversíveis, que serão visíveis ao longo de suas vidas.

A criança considerada apta para adoção, já sofreu pela separação precoce de seus pais e de sua família de origem. Ao vivenciar o estágio de convivência, passa a acreditar que receberá uma família, que será amada novamente, no entanto, ao ser devolvida como se fosse uma mercadoria, sofre um novo golpe.

Responsabilizar os adultos que, voluntariamente, se submetem ao estágio de convivência e, sem maiores explicações desistem, é uma medida necessária e providencial, pois espera-se que os adultos tenham consciência e responsabilidade acerca de seus atos, assim, devem ter claro que a adoção é um ato que requer seriedade, que é a vida de um ser humano que está em discussão, assim, sua irresponsabilidade produz sofrimento e causa danos irreversíveis naquele que sofre “a devolução”.

Ao trabalhar com processos afetos à vara da infância e juventude, surgiram as primeiras inquietações sobre a necessidade de se imputar a responsabilidade civil aos pais adotantes que desistem do processo de adoção no decorrer do estágio de convivência. Os danos ocasionados pela “devolução” são imensuráveis na vida das crianças e adolescentes, tendo em vista que estas precisam retornar ao acolhimento e as possibilidades de inserção em família tornam-se cada vez mais remotas.

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Nesse viés, o desenvolvimento do presente trabalho encontra-se baseado no seguinte problema de pesquisa: é possível responsabilizar civilmente os adotantes que desistem da adoção durante o estágio de convivência em razão dos danos morais causados aos adotandos? Para tanto, o objetivo geral da pesquisa é demonstrar a possibilidade de responsabilização civil por danos morais em razão da desistência da adoção no estágio de convivência. Os objetivos específicos, por sua vez, consistem em contextualizar o instituto da adoção no Brasil; discorrer sobre a responsabilidade civil, apresentando sua conceituação, pressupostos gerais e espécies e, por fim, demonstrar a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil por danos morais em razão da desistência da adoção durante o estágio de convivência.

O método de abordagem utilizado é o dedutivo, pois parte-se da contextualização da adoção como questão geral para ao final apresentar a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil por danos morais em virtude da desistência da adoção de crianças e adolescentes no estágio de convivência. Será adotada a natureza qualitativa, por meio do procedimento monográfico. A técnica empregada será a pesquisa bibliográfica, em que se utilizam doutrinas, dissertações, artigos científicos, periódicos, com o objetivo de extrair as informações mais relevantes para o desenvolvimento do tema.

O estudo foi dividido em quatro capítulos: o primeiro contém a presente introdução e o quinto expõe as conclusões obtidas por meio desta pesquisa. O segundo capítulo apresenta o instituto da adoção, reportando-se ao seu conceito, evolução histórica, os tipos, o processo e os cadastros de adoção existentes no Brasil.

O terceiro capítulo tem como enfoque a responsabilidade civil, apresentando seu conceito, antecedentes históricos, pressupostos gerais e espécies.

Para finalizar a presente pesquisa, o quarto capítulo aborda a questão da responsabilidade civil em casos de desistência da adoção durante o estágio de convivência. Inicialmente, aborda-se a questão da desistência da adoção no estágio de convivência e a devolução de crianças e adolescentes. Por fim, demonstra-se a possibilidade da responsabilização civil dos adotantes pelos danos morais causados às crianças e adolescentes que sofrem esse novo abandono.

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2 A ADOÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Este capítulo possui como objetivo introduzir e contextualizar o tema adoção, apresentando sua conceituação e breve histórico no Direito Brasileiro. Em seguida abordar-se-á a forma como o instituto se perfectibiliza no mundo jurídico, apresentando as espécies admitidas no ordenamento jurídico brasileiro e o funcionamento do cadastro nacional, discorrendo-se sobre o processo de adoção.

2.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADOÇÃO NO BRASIL

Segundo Josiane Rose Petry Veronese e João Felipe Correa Petry (2004, p. 112) na atualidade a família é concebida “como espaço de vínculos afetivos, de espaço para a formação de valores, com ênfase à liberdade, ao respeito, à dignidade de cada elemento que a compõe”. Adotando esse novo paradigma a Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) promoveu mudanças providenciais e emergenciais ao reconhecer a pluralidade das formas familiares. A atual Carta Magna, no art. 226 “preceitua que a proteção à família não se dirige unicamente àquela originária do casamento, outras são as modalidades de família”, a qual, portanto, passa a ser “gênero que comporta várias espécies. É o reconhecimento que a família não é mais singular. É plural”. (PEREIRA, 1997 apud VERONESE; PETRY, 2004, p. 111).

Ao mesmo tempo que reconheceu as diversas formas de família, a nova sistemática constitucional proibiu qualquer diferenciação entre os filhos, sejam eles biológicos ou adotivos (DIAS, 2017).Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (2019a, p. 1944), enfatizam que:

A Constituição da República, nos arts. 226 a 230, consagrou proteção isonômica aos filhos, afastando todo e qualquer (odioso) tratamento discriminatório. O filho adotivo não é mais um filho de segunda categoria e não pode sofrer discriminação em relação aos demais filhos. A relação jurídica filiatória determinada pela adoção tem as mesmas qualificações e direitos reconhecidos aos filhos decorrentes do elo biológico.

Dias (2017, p. 511) esclarece que a “adoção cria um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica”.

Trata-se da constituição jurídica do vínculo de filiação entre os pais e filhos, não havendo qualquer distinção entre os filhos biológicos e adotivos, visto que a Constituição Federal de 1988 proíbe qualquer forma de diferenciação (DIAS, 2017).

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[...] mecanismo de determinação de uma relação jurídica filiatória, através do critério socioafetivo, fundamentado no afeto, na ética e na dignidade das pessoas envolvidas, inserindo uma pessoa humana em família substituta, de acordo com o seu melhor interesse e a sua proteção integral, com a chancela do Poder Judiciário.

No tocante à natureza jurídica da adoção, existem divergências doutrinárias acerca do tema. Maria Berenice Dias (2017, p. 511) define o instituto jurídico como “ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial”.

Já para Arnoldo Wald (1999 apud FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a, p. 1944) trata-se de uma ficção jurídica que cria o parentesco civil, através de um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente.

Entre aqueles que defendem a adoção como ato jurídico em sentido estrito, encontramos Paulo Lôbo (2018, p. 277) visto que segundo este autor, é um ato que depende de decisão judicial para produzir efeitos.

Farias, Netto e Rosenvald (2019a, p. 1945) o classificam como um ato complexo, uma vez que para seu aperfeiçoamento exige dois momentos distintos: a chancela estatal e a manifestação de vontade das partes.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 676) alegam que a adoção é um ato jurídico em sentido estrito, uma vez que “[...] o ato jurídico em sentido estrito ou não negocial caracteriza-se por ser um comportamento humano cujos efeitos estão legalmente previstos. Vale dizer, não existe, aqui, liberdade na escolha das consequências jurídicas pretendidas”.

Cabe destacar que a adoção é medida excepcional e ato irrevogável (ECA, art. 39, § 1º) à qual se deve recorrer apenas quando esgotados todos os esforços para manutenção da criança na “família natural ou extensa1.” (LÔBO, 2018, p. 280). Além disso, é ato

personalíssimo, sendo vedada a realização de adoção por procuração (ECA, art. 39).

No tocante à irrevogabilidade da adoção, Paulo Lôbo (2018, p. 276) ressalta que “a condição de filho jamais poderá ser impugnada pelo pai ou mãe que o adotaram, nem o filho poderá impugnar a nova paternidade ou maternidade, inclusive quando atingir a maioridade, pois inaplicável o art. 1.614 do Código Civil”.

1 Art. 25 do ECA: “Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus

descendentes.

Parágrafo único: Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.

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Trata-se de uma característica de extrema importância, tendo em vista que de acordo com o art. 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a adoção rompe definitivamente com os vínculos com os pais biológicos, atribuindo ao adotado a condição de filho, “do vínculo de consanguinidade não resulta qualquer outro efeito jurídico, pessoal ou patrimonial”. (DIAS, (2017, p. 512).

Daí a necessidade de assegurar ao adotado segurança jurídica e estabilidade familiar, tornando a adoção uma medida irrevogável. Nesse sentido, Farias, Netto e Rosenvald (2019a, p. 1956) destacam:

De fato, os efeitos decorrentes da decisão judicial que defere a adoção têm de ser

irrevogáveis e irretratáveis, evitando uma instabilidade familiar ou uma fraude

sucessória. Com isso, a superveniência da morte do adotante não afetará a relação paterno-filial estabelecida pela sentença de adoção, transitada em julgado (ECA, art. 49), não gerando um restabelecimento do poder familiar anterior. Por idêntica lógica, a recíproca há de ser verdadeira. E, com isso, o óbito do adotado não afeta o vínculo de parentesco estabelecido pela adoção.

Cristiano Chaves de Farias, Felipe Netto e Nelson Rosenvald (2019a, p. 1956) asseveram:

De qualquer sorte, é preciso salientar que em casos pontuais e especiais (expecionalíssimos) será possível o cancelamento da adoção e o restabelecimento do poder familiar com a intenção de resguardar interesses existenciais (jamais para fins patrimoniais) e a dignidade do adotado.

No tocante à origem do instituto da adoção, destaca-se que este existe desde os tempos mais remotos, visto que a “[...] adoção foi instituída com a finalidade de dar filhos a quem não podia tê-los, a fim de que a religião da família fosse perpetuada”. (BORDALLO, 2018, p. 352).

No Brasil, originalmente, a adoção foi prevista nas Ordenações do Reino, que continuaram a vigorar após a independência (BORDALLO, 2018). Nessa ocasião, “a adoção era um instituto pouco valorizado, sendo mesmo vetado ao adotado citar o nome do pai adotivo”. (MALUF; MALUF, 2018, p. 581).

Somente em 1916, com a instituição do Código Civil, houve a sistematização do instituto da adoção em dez artigos: art. 368 a 378. (GRANATO, 2012).

Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 379) esclarece

O Código Civil de 1916 disciplinou a adoção com base nos princípios romanos, como instituição destinada a proporcionar a continuidade da família, dando aos casais estéreis os filhos que a natureza lhes negara. Por essa razão, a adoção só era permitida aos maiores de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada, pressupondo-se que, nessa idade, era grande a probabilidade de não virem a tê-la.

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Em razão das dificuldades impostas pelo Código Civil de 1916, sobretudo, pela limitação de idade para adotar, fato que inviabilizava a realização da adoção, surgiram movimentos sociais no sentido de modificar as exigências legais vigentes.

Assim, foi promulgada a Lei n. 3.133/57, que trouxe alterações bastante significativas, dentre as quais destaca-se: reduziu para trinta anos a idade mínima do adotante, eliminou a exigência de não ter o adotante prole legítima ou legitimada; reduziu a diferença de idade entre o adotante e o adotando para 16 anos de idade, permitiu ao adotante acrescentar ao nome dos pais biológicos o nome dos pais adotivos ou usar somente o nome dos pais adotivos (GONÇALVES, 2019, GRANATO, 2012).

Mais tarde em 1.965, foi promulgada a Lei n. 4.655, “que veio atribuir nova feição à adoção, fazendo com que os adotados passassem a ter integração mais ampla com a família (trata-se da legitimação adotiva)”. (BORDALLO, 2018, p. 355).

A respeito da legitimação adotiva, Granatto (2012, p. 45) esclarece que:

[...] só podia ser deferida quando o menor até sete anos de idade fosse abandonado, ou órfão não reclamado por qualquer parente por mais de um ano, ou cujos pais tivessem sido destituídos do pátrio poder, ou ainda na hipótese do filho natural reconhecido apenas pela mãe, impossibilitada de prover sua criação (art. 1º).

Dentre as inovações promovidas pela Lei 4.655/1965 destaca-se: irrevogabilidade, rompimento com a família de origem e equiparação dos filhos adotados aos biológicos, que porventura, o casal viesse a conceber; salvo o direito sucessório (BORDALLO, 2018).

O Código de Menores, instituído pela Lei n. 6.6787/1979, substituiu a legitimação adotiva pela adoção plena e também admitiu a adoção simples, regulada pelo Código Civil. (MALUF; MALUF, 2018; GRANATO, 2012).

Nas palavras de Bordallo (2018, p. 355):

A adoção simples era aplicada aos menores de 18 anos, em situação irregular, utilizando-se os dispositivos do Código Civil no que fossem pertinentes, sendo realizada por meio de escritura pública. A adoção plena era aplicada aos menores de 7 anos de idade, mediante procedimento judicial, tendo caráter assistencial, vindo a substituir a figura da legitimação adotiva. A adoção plena conferia ao adotado a condição de filho, desligando-o totalmente da família biológica.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88), que consagrou no art. 227, § 6º o princípio da proteção integral, promovendo grandes inovações no Direito de Família

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e, sobretudo, para a adoção, surgiu a necessidade de elaboração de uma nova legislação infraconstitucional a fim de efetividade aos novos ditames constitucionais.

Galdino Augusto Coelho Bordallo (2018. p. 358) destaca que “no sistema anterior à Constituição Federal de 1988, os filhos pertenciam à família, sem que tivessem qualquer direito, pois na hierarquia familiar, ficavam em plano inferior”.

Na medida que o conceito de família se ampliou, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído em 1990 por meio da Lei 8069, foi promulgado com a finalidade de dar efetividade ao comando constitucional, passando a regulamentar a adoção de menores de 18 anos (DIAS, 2017). Assim, passam a existir dois regramentos: a adoção estatutária, restrita a crianças e adolescentes, cujo procedimento é judicial, e a adoção de maiores de 18 anos de idade, regulamentada pelo Código Civil de 1.916, instrumentalizada por meio de escritura pública (DIAS, 2017; BORDALLO, 2018).

Nesse contexto, a adoção é entendida como uma modalidade de colocação de criança ou adolescente em família substituta, prevista no art. 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Está disciplinada nos arts. 39 ao 52-D do referido Estatuto. Bordallo (2018, p. 351) assevera que “de todas as modalidades de colocação em família substituta previstas em nosso ordenamento jurídico, a adoção é mais completa, pois possibilita a inserção da criança ou do adolescente de forma integral em um novo núcleo familiar, rompe totalmente com os vínculos biológicos, o que não ocorre com a guarda2 e tutela3.

A partir da promulgação do Código Civil de 2002, eliminou-se a possibilidade de adoção por escritura pública, introduzindo uma única maneira para a adoção: apenas pela via judicial (BORDALLO, 2018).

O Código Civil de 2002 trouxe um capítulo que versava sobre o tema adoção, assim, não se podia tratar do assunto sem utilizar os dois diplomas legais: o ECA e o Código Civil (CC) de 2002. Bordallo (2018), salienta que não havia incompatibilidade entre os dois

2 Guarda é aqui entendida como modalidade de colocação em família substituta, ou seja, a guarda estatutária.

Segundo Maciel (2018, p. 300) “essa modalidade de guarda é a medida direcionada à criança ou adolescente na hipótese do art. 98 do ECA (pais omissos, negligentes, faltosos, abusadores) que objetiva conferir um responsável a um menor de 18 anos, quando a guarda natural dos genitores não possa ou não deva ser exercida”. Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2019a, p. 1886), enfatizam que “a guarda estatutária também pode ser vista como um mecanismo, incidental ou preparatório, para a concessão de uma tutela (no caso de criança ou adolescente órfã) ou de uma adoção (quando cessará o poder familiar dos pais)”.

3 Tutela segundo Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2019a, p. 1915) “ é o encargo

conferido a alguém para dar assistência, representar e administrar a pessoa e o patrimônio de uma criança ou adolescente, cujos pais são mortos, declarados ausentes por decisão judicial ou destituídos do poder familiar, com o escopo de garantir sua proteção integral”.

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instrumentos legais, pois alguns dispositivos encontrados no Código Civil repetiam artigos do ECA.

A Lei 12.010/2009 eliminou qualquer dúvida a respeito da incidência de um ou outro diploma legal, pois revogou todo o capítulo do Código Civil que tratava da adoção e alterou os artigos 1.6184 e 1.6195, que passaram a vigorar com nova redação (BORDALLO, 2018). Tartuce (2019, p. 519), destaca que:

A lei de 2009 representou mais uma tentativa de decodificação, ou seja, de retirada dos institutos privados do Código Civil. Todavia, não deixou de causar certo espanto, uma vez que uma típica norma de proteção de vulneráveis – o ECA – passa a regulamentar interesses de adultos, o que é criticável, do ponto de vista técnico-metodológico e estrutural.

A finalidade da Lei 12.010/2009 “foi a de realizar uma adequação do ECA, atualizando-o e tentando melhorar não só as regras da adoção, mas as concernentes às políticas públicas realizadas com a finalidade de garantir a convivência familiar”. (BORDALLO, 2018, p. 356-357).

Dentre as principais inovações, Madaleno (2018) destaca a revogação dos:

[...] §§ 1º ao 3º do art. 392-A da CLT, para estabelecer que a mulher celetista pode adotar crianças de qualquer idade e a licença-maternidade será sempre de cento e vinte dias [...]. O propósito da nova Lei de Adoção foi o de priorizar o acolhimento e a manutenção da criança e do adolescente com seu convívio familiar, com sua família biológica, desde que reflita o melhor interesse do infante, e só deferir a adoção, ou sua colocação em família substituta como solução excepcional.

Em 22 de novembro de 2017 foi sancionada a Lei 13.509/2017 que introduziu novas mudanças ao processo de adoção, cujo objetivo é agilizar os procedimentos, fixando prazos e estabelecendo penalidades àqueles que desistem ou devolvem crianças e adolescentes após o trânsito em julgado da sentença de constituição do vínculo de filiação. (MADALENO, 2018). Evidencia-se a prevalência do princípio do melhor interesse da criança, garantindo-se a convivência familiar já preconizada no art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nesse sentido leciona Assis (2017, p. 2):

4 Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei n o 8.069, de 13 de julho

de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

5 Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de

sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Observa-se que com a publicação da Lei nº 13.509/2017 a intenção do legislador foi efetivar a proteção integral da criança e adolescente, protegendo-os de modo mais efetivo nas situações de risco e oportunizando-lhes uma convivência familiar, enaltecendo o convívio em famílias acolhedoras e colocando em última hipótese o acolhimento institucional.

Diante do exposto, conclui-se que o instituto da adoção vem evoluindo ao longo da história e na legislação brasileira, entretanto, “falar claramente de adoção de crianças no Brasil é muito recente [...]”. (WEBER, 2001).

2.2 TIPOS DE ADOÇÃO

As formas de adoção existentes no Brasil são: singular, conjunta, unilateral, homoafetiva, “a brasileira”, internacional, póstuma, de nascituro e intuitu personae (dirigida).

Singular é a adoção realizada por pessoas solteiras, viúvas, divorciadas, separadas judicialmente, pessoas casadas ou que vivem em união estável, mas que desejam adotar de forma individual (MADALENO, 2018). O mesmo autor esclarece que nesses casos não é necessário o consentimento do outro cônjuge ou companheiro, muito embora a exigência pela estabilidade do vínculo familiar permaneça incólume.

Adoção conjunta é aquela realizada por duas pessoas casadas ou que vivem em união estável, é disciplinada pelo art. 42, §2º do ECA. A adoção conjunta pressupõe a existência de uma entidade familiar configurada pelo casamento ou união estável, entre um homem e uma mulher ou entre homoafetivos, assim, não é possível, por exemplo, a adoção por dois irmãos ou duas irmãs. (MADALENO, 2018). Em virtude de decisão com efeito vinculante proferida pelo STF, casais homoafetivos também podem adotar conjuntamente (LÔBO, 2018).

Paulo Lôbo (2018, p. 287) explica que, excepcionalmente, casais divorciados podem adotar conjuntamente, desde que a convivência com a criança tenha se iniciado no decorrer do casamento e que haja acordo a respeito da guarda e convivência com o filho, essa regra é prevista no art. 42, § 4º do ECA. Em que pese a lei mencionar que o estágio de convivência deve ter se iniciado durante a vigência do casamento, o autor alerta que o dispositivo deve ser interpretado de uma forma ampliada, tendo em vista que em algumas situações o próprio estágio de convivência é dispensado.

Adoção unilateral é aquela que ocorre quando uma pessoa é adotada pelo cônjuge ou companheiro de seu genitor, substituindo ou inserindo somente um dos pais e sua respectiva ascendência (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

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Dias (2018, p. 519) comenta que que há três possibilidades para a ocorrência de adoção unilateral: quando o filho foi reconhecido por apenas um dos pais, a ele compete autorizar a adoção pelo seu parceiro; reconhecido por ambos os genitores, é deferida a adoção ao novo cônjuge ou companheiro do guardião, decaindo o genitor biológico do poder familiar; e com o falecimento do pai biológico, pode o órfão ser adotado pelo cônjuge ou companheiro do genitor sobrevivente.

No tocante à adoção por casais homoafetivos, Farias, Netto e Rosenvald (2019a) afirmam categoricamente que o casal homoafetivo pode adotar. Justificam que a amplitude da expressão família substituta (ECA, art. 28) autoriza a afirmação de que não existe qualquer óbice para uma adoção pelo par homossexual porque a adoção, “em toda e qualquer hipótese, está submetida ao melhor interesse da criança ou do adolescente. Por isso, apresentando reais vantagens para o adotando (art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente), a adoção pode ser deferida a um casal de pessoas do mesmo sexo”. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a, p. 1951).

Ademais, não há como negar que a decisão proferida pelo STF em controle de constitucionalidade (ADIN 4277/DF, Rel. Min. Carlos Ayres Britto), com eficácia erga omnes6,

promoveu mudanças providenciais e emergenciais ao reconhecer a natureza familiar das relações das uniões afetivas, visto que dirimiu qualquer dúvida por ventura ainda existentes. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

Outra modalidade de adoção presente no Brasil é a adoção “a brasileira”. É uma modalidade de adoção que ocorre quando uma pessoa registra como seu um filho que sabe não ser. Esse fenômeno é considerado ato ilícito “porque contrário à norma jurídica”. Além disso, essa prática é tipificada como crime no art. 242 do Código Penal. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

Esse tipo de adoção ocorre quando “um homem registra, como seu, filho de outro homem, casa-se com a mãe da criança ou vive em união estável com ela, criando e educando o filho alheio como se fosse seu”. (MALUF; MALUF, 2018).

Luz (2009, p. 251) assevera que a adoção à brasileira também se configura:

[...] quando uma criança é encontrada junto à porta da casa ou simplesmente abandonada na rua, em lixeiras ou outros recipientes. Também pode ocorrer nas hipóteses de entrega espontânea da mãe ou do pai logo após o parto e antes que se proceda ao registro da criança.

6 Diz-se dos direitos que são concedidos ou extensivos a todos, ou das obrigações que a todos vinculam ou

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Dias (2017, p. 525) destaca que em grande parte dos casos, ao romper a relação conjugal e surgindo as obrigações decorrentes da paternidade, como pagar alimentos, aquele que reconheceu a paternidade de modo espontâneo, mesmo tendo conhecimento que não era de fato o genitor da criança, busca desconstituir o vínculo de filiação por meio de ação anulatória ou negatória de paternidade. Destaca que a jurisprudência tem sido uníssona e “reconhecendo a vulnerabilidade do ato, praticado de modo espontâneo, não admite a anulação do registro de nascimento, considerando-o irreversível”.

Lôbo (2018, p. 256) argumenta que apesar de violar os ditames legais, a adoção à brasileira atende ao disposto no art. 227 da Constituição Federal de 1988, assim, entende que essa situação deve ser considerada pelo aplicador do direito, “ante o conflito entre valores normativos (de um lado o atendimento à regra matriz de prioridade da convivência familiar, de outro os procedimentos legais para que tal se dê, que não foram atendidos)”.

Outra modalidade de adoção prevista encontra-se disposta no art. 42, § 6º do ECA, que prevê a adoção póstuma, que “é condicionada à preexistência de um processo de adoção que deveria estar em curso quando do óbito do adotante”. Neste caso, os efeitos da sentença da adoção póstuma, retroagem ao momento da morte do adotante, e destarte assegura todos os vínculos originados da adoção, inclusive, com relação ao direito sucessório do adotando (MADALENO, 2018).

A produção de efeitos ex tunc7, ou seja, a partir da morte do adotante, constitui uma

exceção, tendo em vista que, em regra a sentença de adoção possui “eficácia constitutiva, operando efeitos jurídicos a partir do seu trânsito em julgado. Trata-se, pois, de uma eficácia ex nunc8, não retroagindo seus efeitos” (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

No tocante à adoção de nascituro, existem divergências doutrinárias sobre o tema. Segundo Bordallo (2018, p. 382) o Estatuto da Criança e do Adolescente não traz qualquer regra a respeito da possibilidade ou impossibilidade de adoção de nascituro. Esclarece que o Código Civil de 1916 previa a possibilidade no art. 372, no entanto, o regime constitucional atual não recepcionou o texto do Código Civil de 1916, concluindo que como não há qualquer indicação no ordenamento sobre o tema, e considerando que o Código Civil atual não reproduziu o dispositivo do Código de 1916, não é possível a adoção de nascituro.

7 De agora; a partir do presente momento, sem efeito retroativo. (SIDOU, 2016, p. 263). 8 De então, ou desde então; com efeito retroativo. (SIDOU, 2016, p. 263).

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Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (2019a, p. 1952) mencionam que o art. 2º do Código Civil abriu espaço para as divergências existentes, uma vez que o dispositivo expressa que “a personalidade civil da pessoa humana começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Em razão deste dispositivo, doutrinadores como Silmara Juny A. Chinelato e Almeida defendem que é possível a adoção do nascituro, uma vez que o ordenamento jurídico reconhece a tutela jurídica dos seus interesses (ALMEIDA, 2000 apud FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

No entanto, Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (2019a, p. 1953) adotam posicionamento divergente, pois entendem que:

Efetivamente, a adoção reclama a demonstração de sua viabilidade pelo convívio entre as partes envolvidas, o que restaria frustrado em relação ao nascituro, podendo, assim, comprometer a proteção integral, constitucionalmente assegurada. Outro óbice é que a Convenção de Haia, incorporada ao ordenamento interno por força do Decreto Legislativo nº 63/95, exige, para a formalização da adoção internacional, o consentimento da genitora após o nascimento da criança (art. 4º, c, n.4). Sob o prisma processual também haveria impedimento, pois o art. 165, III, da norma estatutária, exige a qualificação completa da criança a ser adotada e de seus pais, o que não seria possível na hipótese em comento. O raciocínio servirá, por igual, para a adoção de embrião laboratorial fecundado.

Com relação à adoção intuitu personae ou dirigida, Maria Berenice Dias esclarece que o ordenamento jurídico brasileiro não reconhece o direito da mãe de entregar o filho para a pessoa eleita por ela. A regra vigente é que somente pessoas inscritas no cadastro nacional de adoção pode adotar (DIAS, 2017; FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

Maria Berenice Dias (2017) considera que o direito de a mãe eleger a quem entregar o próprio filho à adoção “é o maior gesto de amor que existe: sabendo que não poderá cria-lo, renunciar ao filho, para assegurar-lhe uma vida melhor da que pode lhe propiciar, é atitude que só o amor justifica!”, por isso apresenta posicionamento crítico à regra vigente. (DIAS, 2017).

O mesmo entendimento é defendido por Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (2019a, p. 1959):

A regra geral de que somente pessoas inseridas em lista é que podem adotar exige temperamentos. Com efeito, a própria legislação, no § 13 do art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, autoriza a adoção por família ou pessoa não cadastrada, havendo a comprovação do preenchimento dos requisitos exigidos pelo sistema. Outrossim, com base nos princípios informadores da adoção, em especial a proteção integral infanto-juvenil e a real vantagem do adotando, é possível ao juiz, em cada caso concreto, autorizar a adoção por pessoa ou casal fora da lista ou fora de sua vez. É que, ao nosso viso, a adoção deve ter em mira a proteção dos interesses da criança ou adolescente, e não dos adultos interessados em adotar.

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No que diz respeito à adoção internacional, vale ressaltar que esta modalidade está prevista no art. 227, § 5ª da CF. É regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no arts. 46, §3º, 50, §§6º e 10, 51 e 52, observados os procedimentos previstos nos arts. 165 a 170, com alterações introduzidas pela Lei 12.010/2009 e também pela Convenção de Haia, no que se refere à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção, aprovada em 29 de maio de 1.993 (Decreto Legislativo n. 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgado pelo Decreto n. 3.087, de 21 de junho de 1999). (MADALENO, 2018).

Rolf Madaleno (2018) lembra que a adoção de criança e adolescente por estrangeiros constitui medida excepcional, em caráter subsidiário, uma vez que:

[...] o inciso II do § 1º do art. 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente unicamente defere a adoção internacional se forem esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família adotiva brasileira, com a comprovação, certificada nos autos, da inexistência de adotantes habilitados residentes no Brasil com perfil compatível com a criança ou adolescente, após consulta dos cadastros indicados no art. 50, §§ 5º, 6º, 10, do ECA, sendo direito do adotando permanecer em seu país, em suas raízes.

Encerradas as contextualizações sobre as modalidades de adoção previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro, passa-se a explanar a respeito do processo e cadastros de adoção.

2.3 DO PROCESSO DE ADOÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta uma série de dispositivos que abordam o tema adoção. Estão elencados nos artigos 39 ao 41 os aspectos gerais da adoção, seus efeitos pessoais e patrimoniais. A partir do art. 42 o legislador apresenta os requisitos e vedações para que uma pessoa possa adotar uma criança ou um adolescente.

No caput do artigo 42 verifica-se que qualquer pessoa pode adotar, independentemente do seu estado civil, desde que tenha 18 anos de idade (BRASIL, 1990).

O §2º do mesmo artigo, traz a vedação que uma mesma pessoa seja adotada por duas pessoas, salvo se forem cônjuges ou companheiros. No entanto, em razão de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277/2011, com efeito vinculante, a Suprema Corte estendeu aos casais homoafetivos os mesmos direitos conferidos aos companheiros da união estável, o que inclui o direito de adoção conjunta (LÔBO, 2018, p. 286-287).

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Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 386) alerta que para adotar, não basta apenas o preenchimento das condições previstas em lei de forma explícita, tendo em vista que “[...] Está implícito, no entanto, que o adotante deve estar em condições materiais e morais de desempenhar a função, de elevada sensibilidade, de verdadeiro pai de uma criança carente, cujo destino e felicidade lhe são entregues”.

Os requisitos exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para adoção são: a) idade mínima de 18 anos de idade (art. 42, caput); b) diferença de idade entre adotante e adotado de 16 anos (art. 42, §3º); c) consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar; d) concordância deste se contar com mais de 12 anos (art. 28, §2º); e) processo judicial (art. 47, caput); f) efetivo benefício para ao dotando (art. 43). (GONÇALVES, 2019).

No tocante ao consentimento dos pais biológicos, Farias, Netto e Rosenvald (2019a), esclarecem que este pode ser dispensado quando tratar-se de pais desconhecidos (que não constem no registro civil) ou que tenham sido destituídos do poder familiar (ECA, art. 45, § 1º). Além disso, nos casos de abandono e em situações que os pais se encontrem em lugar desconhecido também é dispensável o consentimento.

O encaminhamento de uma criança ou adolescente para adoção ocorre nas situações em que os pais do adotando forem falecidos, destituídos do poder familiar ou houverem manifestado voluntariamente sua concordância com o encaminhamento do filho para adoção. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

Dias (2017, p. 539) salienta que “a gestante ou a mãe que deseje entregar os filhos à adoção tem direito à assistência psicológica no período pré e pós-natal”, conforme disposto no art. 8º, §5º do ECA.

Além disso, cabe lembrar que o art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, ainda, que a gestante deve ser encaminhada para a Vara da Infância e da Juventude, onde receberá as orientações prestadas pela equipe interprofissional a respeito dos efeitos do ato, posteriormente, seu consentimento será colhido em audiência com o juiz com a presença do representante do Ministério Público (ECA, art. 166, §2º).

Maria Berenice Dias (2017, p. 536) esclarece que o processo de habilitação à adoção “é de jurisdição voluntária”, cuja competência pertence à Vara da Infância e da Juventude.

Para iniciar o processo de habilitação à adoção, não é necessário a presença de advogado, basta que os pretendentes se dirijam até a vara da infância e da juventude de sua cidade, com petição instruída com os documentos descritos no art. 197-A do Estatuto da Criança

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e do Adolescente. Na oportunidade, os candidatos já devem indicar o perfil da criança ou adolescente desejado (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a, DIAS, 2017).

Com os documentos em ordem, o processo é autuado. Durante a tramitação processual, os candidatos serão submetidos ao estudo psicossocial, que deve ser realizado pela equipe interprofissional da Vara da Infância e da Juventude (ECA, art. 197-C), além de um período de preparação psicossocial e jurídica, nos termos do art. 50, § 3º do ECA. (DIAS, 2017). O art. 50, § 4º da norma estatutária, traz a exigência de que os candidatos tenham contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados. No entanto, trata-se de dispositivo controverso, conforme se extrai das palavras de Maria Berenice Dias (2017, p. 537):

Há uma exigência particularmente perversa: incentivar, de forma obrigatória, o contato dos candidatos com crianças e adolescentes que se encontram institucionalizados e em condições de serem adotados, pois além de expô-los à visitação, pode gerar neles falsas expectativas. Afinal, a visita é tão só para candidatar-se à adoção. E, depois de habilitados, nunca mais os candidatos poderão ter contato com qualquer criança abrigada.

Esgotado o rito processual e deferida a habilitação, o candidato é inscrito nos cadastros (ECA, art. 50), cuja ordem cronológica é observada de forma rigorosa, admitidas exceções somente em situações extremamente especiais, nas quais analisando o caso concreto, o magistrado poderá autorizar a adoção por pessoa ou casal fora da lista de pretendentes, baseando-se nos “princípios informadores da adoção, em especial a proteção integral infanto-juvenil e a real vantagem para o adotando”. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

2.4 OS CADASTROS DA ADOÇÃO

Bordallo (2018, p. 384) explica que o Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 50, determina que “em cada comarca e juízo (pois não podemos esquecer que em uma única comarca poderá haver mais de uma Vara da Infância), um cadastro de crianças e adolescentes passíveis de serem adotados e de pessoas que desejam adotar”.

O mesmo artigo disciplina no § 5º que “[...] serão criados e implementados cadastros estaduais e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção” (BRASIL, 1990).

Em 14/08/2019 em razão da necessidade de racionalizar e aprimorar os bancos de dados, os cadastros e os sistemas que versam sobre acolhimento e adoção de crianças e

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adolescentes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 289 que dispõe sobre a implementação e funcionamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), cuja finalidade é “consolidar dados fornecidos pelos Tribunais de Justiça referentes ao acolhimento institucional e familiar, à adoção, incluindo as intuitu personae, e a outras modalidades de colocação em família substituta, bem como sobre pretendentes nacionais e estrangeiros habilitados à adoção”. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2009).

O art. 5º da resolução esclarece que:

[...] o SNA integra todos os cadastros municipais, estaduais e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pretendentes habilitados à adoção, inclusive os cadastros internacionais, conforme preceitua o art. 50, § 5º e 6º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dispensada a manutenção pelos tribunais de cadastros separados. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, adota o cadastro único informatizado de adoção e abrigo (CUIDA), instituído através do Provimento 13/2005 de 20 de outubro de 2005. Trata-se de um sistema de informações acerca de pretendentes habilitados à adoção no Estado de Santa Catarina, de instituições e programas de acolhimento de crianças e adolescentes acolhidos ou em condições de colocação em família substituta (SANTA CATARINA, 2005).

Rolf Madaleno (2018) alerta que:

Os cadastros de adoção, tanto para inscrição de crianças ou adolescentes habilitados para adoção como de pessoas ou casais habilitados para adotarem, deverão seguir a ordem cronológica de inscrição e o artigo 197-E do Estatuto reafirma não só a obrigatoriedade da inscrição dos candidatos à adoção e o rigor a ser observado pela autoridade judiciária na restrição da ordem de inscrição, salvo quando, atento ao princípio dos melhores interesses do infante, se façam presentes as hipóteses previstas nos incisos I, II e III do § 13 do artigo 50 do ECA.

Verificando que a criança ou adolescente se encontra em condições de colocação em família substituta, será providenciada sua inserção no cadastro no prazo de 48 horas, nos termos do art. 50, §8º do ECA. (BORDALLO, 2018, p. 387).

A vinculação da criança apta a ser adotada ao pretendente habilitado, ocorre a partir do perfil da criança, quando o sistema abre a lista de pretendentes disponíveis. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019; SANTA CATARINA, 2005).

Com o parecer positivo das equipes técnicas envolvidas, inicia-se o estágio de convivência, previsto no art. 46 do ECA, cujo objetivo “é o de permitir que a autoridade judiciária, com auxílio de equipe técnica interprofissional, possa avaliar a conveniência da adoção”. (LÔBO, 2018, p. 283).

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O estágio de convivência tem como objetivo avaliar a formação da nova família, aferindo-se as condições dos adotantes e, sobretudo, avaliar a adaptação da criança ao novo núcleo familiar. Essa averiguação acerca dos adotantes é necessária, pois muitas vezes é no estágio de convivência que o adotante se mostra uma pessoa totalmente diversa daquela que buscou o juízo para adotar uma criança ou adolescente. (BORDALLO, 2018).

Finalizado o estágio de convivência sem intercorrências e ocorrendo a total integração do adotando ao novo núcleo familiar, os autos seguem para sentença, oportunidade que a adoção será formalizada.

É durante o estágio de convivência que ocorrem os problemas entre adotantes e adotados, a maior parte causados por aqueles, que cometem atos de violência contra a criança/ adolescente, ou comparecem ao juízo para devolvê-la, pois perderam o interesse em adotá-la. (BORDALLO, 2018).

Diante da gravidade da conduta adotada pelos adotantes e em razão das graves consequências que a interrupção do estágio de convivência proporciona, discute-se a possibilidade de incidência da Responsabilidade Civil em razão dos danos morais causados aos adotandos.

Nesse contexto, o capítulo seguinte abordará o tema da Responsabilidade Civil, com o objetivo de demonstrar as características do instituto, abordando os elementos necessários para sua configuração. Seu estudo é imprescindível para demonstrar a possibilidade de incidência do instituto nos casos de interrupção do estágio de convivência, tema central do presente trabalho e objeto do quarto capítulo.

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3 RESPONSABILIDADE CIVIL

O presente capítulo tem como objetivo contextualizar o tema Responsabilidade Civil. Para tanto, abordar-se-á o conceito e os antecedentes históricos do referido instituto. Em seguida, serão apresentados os pressupostos e as espécies de responsabilidade civil previstas em nosso ordenamento jurídico.

3.1 CONCEITO E ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

O conceito de responsabilidade civil está em constante renovação, acompanhando o progresso e o desenvolvimento da sociedade. Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (2019a, p. 886) destacam:

[...] a responsabilidade civil dos nossos dias pode ser comparada a um edifício em construção. Se já temos, de um lado, conceitos e categorias assentados, temos, de outro, espantosa dinâmica social, muita velocidade na transmissão das informações, novos valores sendo incorporados pela sociedade civil, ou pelo menos por parte dela. Nesse sentido, o direito de danos dos nossos dias exige um intérprete mais atento, mais dedicado ao que mora além das aparências.

Atento às mudanças promovidas pelo desenvolvimento da sociedade, no Código Civil de 2002 o legislador dispôs o instituto no livro I da parte especial, que versa sobre as obrigações. Especificamente, a responsabilidade civil está regrada no título IX, capítulos I e II – “Da obrigação de indenizar” e “Da indenização” –, iniciando no art. 927 e com término no art. 954. (RIZZARDO, 2019).

No que tange ao dever de indenizar, Cavalieri Filho (2018, p. 13) esclarece que “a violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano”. Ou seja, trata-se de um dever jurídico sucessório, que decorre de um dever jurídico primário.

Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2018, p. 894) complementam:

Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada — um dever jurídico sucessivo — de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.

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Assim, responsabilidade civil pode ser definida como “a reparação de danos injustos resultantes da violação de um dever geral de cuidado”. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019b, p. 906).

Em termos gerais, verifica-se que a responsabilidade civil surge a partir de um ato ilícito, que cause um dano, do qual nasce a obrigação de indenizar. Um de seus objetivos é possibilitar que a vítima volte ao “status quo ante9, ou seja, estado o qual o lesado se encontrava

antes de suportar a ofensa”. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019b).

Quanto às origens do instituto, Rizzardo (2019, p. 30) esclarece que é incontroverso que o instituto, numa fase inicial da humanidade, “não passava de um direito à vingança. A pessoa que sofria um mal podia, pelo próprio arbítrio, ir à desforra, ou buscar fazer justiça pelas próprias forças, no que não era reprimida pelo poder estatal que então existia”.

Glagliano e Pamplona Filho (2018, p. 899) complementam:

De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido. É dessa visão do delito que parte o próprio Direito Romano, que toma tal manifestação natural e espontânea como premissa para, regulando-a, intervir na sociedade para permiti-la ou excluí-la quando sem justificativa. Trata-se da pena de Talião10, da qual se encontram traços na Lei das XII

Tábuas11.

Especificamente sobre o nascimento da responsabilidade civil, Farias, Netto e Rosenvald (2019b, p. 59) asseveram que em momento posterior às formas primitivas de autotutelas, deu-se início a compensação pecuniária, dando origem ao instituto no sentido moderno, pois tratava-se de

[...] um acordo pelo qual a devolução de uma soma em dinheiro substituía tanto a vingança incondicional como a Lei de Talião. Nesse ambiente nasce a responsabilidade civil, no sentido moderno da expressão, compreendida como obrigação de restituir ao ofendido uma soma em pecúnia com a função de sancionar o ofensor e satisfazer o ofendido.

9 Expressão empregada para significar o estado, ou a situação em que se achava anteriormente algum

acontecimento. (SIDOU, 2016, p. 587).

10 “PENA DE TALIÃO. Hist. Antigo método de vingança privada, consistente em infligir no corpo do apenado o

mesmo dano ou mal por ele perpetrado no corpo da vítima, tendo como ponto fundamental a equivalência, daí ser considerado um estádio evoluído da compensação de injúria”. (SIDOU, 2016, p. 455).

11 “LEI DAS DOZE TÁBUAS. (Lat. Lex duodecim tabularum.) Dir. Rom. Primeiro direito escrito romano,

elaborado em razão das secessões da plebe e surgido do imperativo de limitar o poder dos cônsules (301 a.U.c., ou 452 a.C.)”. (SIDOU, 2016, p. 362).

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Todavia, Gonçalves (2018, p. 25) menciona que foi somente no Império Romano que houve uma maior especificidade dos conflitos, dividindo-se a matéria entre delitos públicos e delitos privados, o que consequentemente, proporcionou a diferenciação entre pena e reparação, uma vez que “nos delitos públicos, a pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida aos cofres públicos, e, nos delitos privados, a pena em dinheiro cabia à vítima”.

Na mesma direção, inserem-se os apontamentos feitos por Farias, Netto e Rosenvald (2019b, p. 62):

Contudo, na era imperial romana, assiste-se a uma progressiva crise da pena privada, determinada basicamente pelo sucesso da pena pública, inaugurada pelo juízo penal mediante demanda do ofendido. Os jurisconsultos romanos registraram uma melhor efetividade da esfera penal, alegando-se a inidoneidade da pena privada para punir o ofensor indigente. O juízo cível, assim, reserva-se às demandas ressarcitórias.

Entretanto, foi a edição da Lex Aquilia12 que promoveu a evolução do instituto, tornando-se o marco da responsabilidade civil. O direito passou a admitir que a pessoa se obrigasse com outra sem a existência de qualquer manifestação de vontade negocial ou p´revia relação jurídica. (LÔBO, 2019, p. 326).

Gagliano e Pamplona Filho (2018, p. 900-901) observam que a adoção da culpa como elemento base da responsabilidade civil aquiliana, foi “incorporada no grande monumento legislativo da idade moderna, a saber, o Código Civil de Napoleão, o que influenciou diversas legislações do mundo, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916”.

No Brasil, a responsabilidade civil no direito pré-codificado pode ser dividido em três fases: na primeira nas Ordenações do Reino tinham presente o direito romano, mandado aplicar como subsidiário do direito pátrio, por força da chamada Lei da Boa Razão (Lei de 18 de agosto de 1769), a segunda fase inaugura-se com o Código Criminal de 1830, que esboça, no instituto da “satisfação”, a ideia de ressarcimento e a terceira fase inicia-se com Teixeira de Freitas, que se opôs que a responsabilidade civil estivesse geminada à criminal. Em 1898, Carlos de Carvalho, retoma a discussão com a Nova Consolidação das Leis Civis, que aborda o instituto da responsabilidade civil, que considera independente da criminal. (PEREIRA, 2018).

12 “LEI AQUÍLIA. (Em dir. rom., lex Aquilia de damno dato) Lei plebiscitária, provavelmente do ano 286 a.C.,

proposta pelo tribuno da plebe Aquilius, sobre danos culposamente causados em coisa alheia. Base da responsabilidade extracontratual, e ancestral remota, porém direta, do art. 186 do Código Civil. Cf. responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva”. (SIDOU, 2016, p. 361).

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Gonçalves (2018, p. 27) ressalta que “o Código Civil de 1916 filiou-se à teoria subjetiva, que exige prova de culpa ou dolo do causador do dano para que seja obrigado a repará-lo”.

Entretanto, a teoria da subjetiva não se mostrou satisfatória, uma vez que não conseguia atender às demandas emergentes da vida em comum, em razão do grande número de casos concretos onde os danos continuavam a ocorrer sem a devida reparação pela impossibilidade de comprovação da culpa. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2018).

Diante do novo cenário, começaram a surgir construções jurisprudenciais, no sentido de ampliar o conceito de culpa e acolher novas teorias que defendiam a reparação do dano decorrente do fato ou devido ao risco criado. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2018). Gonçalves (2018, p. 27-28) destaca o surgimento da teoria do risco, em que “se subsume a ideia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade”.

Nesse contexto, no direito moderno, a teoria da responsabilidade objetiva, apresenta-se sob duas formas: teoria do risco, já abordada acima e a teoria do dano objetivo, em que existindo o dano, este deve ser reparado, independentemente da ideia de culpa. (GONÇALVES, 2018).

O Código Civil de 2002 promoveu mudanças significativas no instituto da responsabilidade civil estabelecida no Código de 1916, que consagrava a teoria subjetivista, pois o Código atual prestigia a responsabilidade objetiva, uma vez que apresenta três cláusulas gerais de responsabilidade objetiva: a primeira conjugando o art. 927 com o art. 187, que define o abuso do direito como ato ilícito, a segunda encontra-se no parágrafo único do art. 927 do Código Civil e a terceira está no art. 93113 do CC. (CAVALIERI FILHO, 2018).

Importante destacar que o Código Civil de 2002, mantém o princípio da responsabilidade com base na culpa (art. 927), definindo o ato ilícito no artigo 186. Ao mesmo tempo, no parágrafo único do artigo 927, dispõe refletindo a moderna tendência da responsabilidade civil objetiva. (GONÇALVES, 2018).

No tocante à positivação da responsabilidade civil objetiva no ordenamento jurídico brasileiro, Tartuce (2018, p. 335) ressalta sua imprescindibilidade, uma vez que:

13 Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas

(32)

[...] representa um aspecto material do acesso à justiça, tendo em vista a conjuntura de desequilíbrio percebida nas situações por ela abrangidas. Com certeza, afastada a responsabilidade objetiva, muito difícil seria, pela deficiência geral observada na grande maioria dos casos, uma vitória judicial em uma ação promovida por um particular contra o Estado, ou de um consumidor contra uma grande empresa.

Verifica-se que a responsabilidade civil caracteriza-se como um instituto em constante transformação, uma vez que deve acompanhar o desenvolvimento da sociedade a fim de oferecer respostas às demandas emergentes deste processo de renovação das relações humanas. Nesse sentido, “a responsabilidade civil atual se põe em permanente processo de abertura e reformulação, renovando-se a partir da renovação que emerge da própria sociedade contemporânea”. (FARIAS; NETTO; ROSENVALD, 2019a).

Por conseguinte, diante da relevância e amplitude da temática, na sessão seguinte serão abordados os pressupostos da Responsabilidade Civil.

3.2 PRESSUPOSTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A definição dos pressupostos da responsabilidade civil é tema controverso entre os doutrinadores. Farias, Netto e Rosenvald (2019b, p. 187) apresentam uma classificação tetrapartida, formada pelos elementos: ato ilícito; culpa; dano; nexo causal. Fundamentam a classificação no art. 92714do Código Civil de 2002. (BRASIL, 2002).

Na mesma linha, com fundamento no art. 18615 do Código Civil de 2002, Gonçalves (2018, p. 53), aponta quatro elementos essenciais da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima.

Entretanto, Donizetti e Quintella (2017, p. 399) apresentam posicionamento diverso. Para estes autores, adotar a culpa como fundamento da reparação civil estar-se-á limitando a abrangência da responsabilidade civil e como consequência impedindo a concretização das suas funções:

[...] aceitar a culpa como fundamento da reparação civil importa limitar a imposição da responsabilidade e do consequente dever de indenizar ao sujeito que causou dano culposamente, o que priva de reparação o dano causado sem culpa, assim como o causador por culpa quando não se consegue produzir prova dela.

14 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. (BRASIL,

2002).

15 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano

(33)

No mesmo sentido, é o entendimento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2018, p. 911-912) que justificam que o Código Civil de 2002 prevê outra “espécie de responsabilidade, que prescinde deste elemento subjetivo para a sua configuração (a responsabilidade objetiva).”. Assim, consideram a culpa elemento acidental, portanto, entendem que “os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade”. Argumentam que para ser considerado elemento da responsabilidade civil, este deve ter generalidade, ou seja, ser comum à todas as espécies de responsabilidade.

Maria Helena Diniz (2005, p. 42) aponta a existência de três elementos: existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima; nexo de causalidade entre o dano e a ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade.

Tartuce (2018, p. 386) observa que “tradicionalmente, a doutrina continua considerando a culpa genérica ou lato sensu16 como pressuposto do dever de indenizar, em

regra”. Ressalta que,

[...]ainda prevalece o entendimento pelo qual a culpa em sentido amplo ou genérico é sim elemento essencial da responsabilidade civil, tese à qual este autor se filia. Desse modo, pode ser apontada a existência de quatro pressupostos do dever de indenizar, reunindo os doutrinadores aqui destacados: a) conduta humana; b) culpa genérica ou lato sensu; c) nexo de causalidade; d) dano ou prejuízo.

Com o objetivo de melhor compreender os pressupostos da responsabilidade civil, adentraremos ao estudo de cada elemento de modo individual.

O primeiro elemento a ser estudado é a conduta. Cavalieri Filho (2018, p. 39) conceitua a conduta como “o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas”. Esclarece que “a ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo”.

Gagliano e Pamplona Filho (2018, p. 914), entendem que a ação ou omissão humana voluntária é pressuposto essencial para configuração da responsabilidade civil, devendo ser o primeiro elemento da responsabilidade civil a ser estudado, seguido do dano e do nexo causal, pois “o núcleo fundamental da noção de conduta humana é a voluntariedade,

Referências

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