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Nelson Felix: o vazio na subjetividade pós-moderna

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Nelson Felix: o vazio na

subjetividade pós-moderna

Nelson Felix: the emptiness

in the postmodern subjectivity

ANNELISE NANI DA FONSECA*

Artigo completo submetido a 30 de dezembro de 2015 e aprovado a 10 de janeiro de 2016.

Abstract:Nelson Felix approaches how the emptiness of existence, a frequent theme in the postmodern zeitgeist upon which theorists like Bauman (1998), Brucker (1996) and Lipovetsky (2005). These authors have provided theoretical ground for the analysis. Nelson Felix explores the emptiness through aesthetic experience. The au-thor breaks into sculpture through drawing, but with a peculiar approach. The article discusses the artist and his relationship with the assump-tions of creation, its insertion in the postmodern subjectivity and his way of dealing with nature as element.

Keywords: emptiness of existence / subjectivity / postmodernism.

Resumo:O trabalho de Nelson Félix aborda como temática o vazio da existência, tema frequente no zeitgeist pós-moderno, sobre o qual teóricos como Bauman (1998), Brucker (1996) e Lipovetsky (2005) se debruçaram e constituirão as fundamentações teóricas da análise do artista neste artigo. Nelson Felix explora o vazio por meio da experiência esté-tica. É por meio do desenho que o autor inva-de a escultura com materiais clássicos, mas com uma abordagem peculiar. Portanto, o artigo aborda o artista e sua relação com os pressupostos da criação, sua inserção na sub-jetividade pós-moderna e sua forma de lidar com a natureza como elemento.

Palavras chave: vazio da existência / subjeti-vidade / pós-modernismo.

*Brasil, artista visual, designer de moda. Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo

(USP). Mestre em Design pela Universidade Anhembi Morumbi. Bacharel e Licenciada em Artes Visuais Educação pelo Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR).

Bacharel em Moda, UNICESUMAR.

AFILIAÇÃO: Universidade Estadual de Maringá. Avenida Colombo, 5790, Jardim Universitário, Maringá, Paraná, CEP 87020-900, Brasil. E-mail: anne_nani@hotmail.com

Fonseca, Annelise Nani da (2016) “Nelson Felix: o vazio na subjetividade pós-moder

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Nelson Félix desenvolve suas obras partindo de percepções que, de certo modo, constituem o zeitgeist contemporâneo, como vazio existencial e a angús-tia. Bauman (1998) salienta que a angústia emerge da falta de referências pro-vocada pela ruptura moderna com o passado. O autor explica que o rompimento com o passado foi tão radical que atingiu uma magnitude a ponto de alterar a percepção que as pessoas tinham com as normas, as tradições. Deste modo, em suas palavras, as referências que anteriormente eram sólidas, rígidas e, por isso, opressoras se transformam em seu extremo oposto: “líquidas”. A conse-quência disso, consiste na responsabilização dos indivíduos em elucubrar sua identidade, porque diferentemente do período moderno, cabia ao homem ape-nas pensar em seguir ou romper com as tradições, porque elas estavam sólidas, enquanto que o contexto contemporâneo exige que cada indivíduo construa seu referencial. O raciocínio apresentado também pode ser visto em Bruckner & Franco (1997):

Como não ver que a vitória do indivíduo sobre a sociedade é uma vitória ambígua e que as liberdades concedidas ao primeiro – liberdade de opinião, de consciência, de opção de ação – são um presente envenenado e a contrapartida de uma terrível ordem: doravante cada um está incumbido de construir e encontrar um sentido para sua vida. (Bruckner &

Franco,1997:34).

Perante o contexto exposto, pode-se constatar que Nelson Félix constrói seu repertório, de modo poético e autônomo, desviando-se dos modos clássicos de leitura, o artista explora site specific, instalação inserindo o desenho e a escul-tura de forma a expandir suas possibilidades expressivas. Seus referenciais vão de astronomia, o budismo, a geografia, sendo que estas áreas constituem o tempero que o artista acrescenta na estética construtivista e minimalista. Conforme explica a Gabriela Motta (2014): "Disso tudo, nada aparece como referência, citação ou reverência, mas sim como matéria viva, como fluxo vital que anima a existência da obra enquanto ser e jamais enquanto objeto". Isso explica a coerência com que Nelson Félix escolhe seus materiais oriundos com a natureza e com longa tradição de exploração na arte como mármore, o ouro, o grafite. O seu diferencial consiste nas relações que obtém ao colocá-los com borracha e água do mar, por exemplo.

Nesta conjuntura apresentada, a natureza atua como elemento e não como representação, portanto o ambiente natural se expande de um cenário, uma representação de paisagens, ou um reflexo da criação divina predominante em abordagens clássicas, para expandir-se nas significações contemporâneas que exploram a estética relacional e a ecosofia. Para tanto, será apresentada

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a seguir, uma análise dos paradigmas de produção modernos para a compre-ensão dos critérios explorados na contemporaneidade por meio da análise da natureza na poética de Nelson Félix. Isso com o intuito de compreender o vazio na subjetividade contemporânea e as alternativas que o artista propõe. Os cri-térios modernos de produção plástica podem ser resumidos, em síntese, em originalidade e fluência. (Barbosa, 2008). Neste sentido, a forma moderna de encarar a natureza é permeada pelo critério da originalidade e da flexibilidade, ou seja, observando as mudanças de luz, como no impressionismo; a natureza como materialização dos sentimentos, como expressionismo, sobre várias perspectivas, como no cubismo, sobre a égide do inconsciente, como no surre-alismo por exemplo.

Nelson Félix, neste contexto, é contemporâneo, pois extrapola os paradig-mas modernos, inserindo-se nos desdobramentos contemporâneos da produ-ção pós-moderna que, por sua vez, podem ser resumidos como elaboraprodu-ção e fluência, conforme propõe Barbosa (2008). Essas expansões da forma de tradu-zir a natureza reverberam na multiplicidade de enfoques que a contemporanei-dade explora. Como os critérios do período são elaboração e fluência, a natu-reza deixa de ser somente ambientação representada sobre diversos estilos, como na modernidade, para ser um elemento dentro da poética de cada artista. Nelson Félix explora a natureza em várias questões como memória, corpo, des-locamentos, identidade, alteridade, etc, por meio da reflexão em torno de expe-riências cotidianas, a ação do tempo, o entorno circundante. O mesmo fenô-meno pode ser visto na Estética Relacional que, segundo Bourriaud (2009), age como uma espécie de antídoto a um espaço usado quase que exclusivamente para a uniformização de comportamentos, para o entretenimento, por isso, tal vertente teórica entende a arte como um importante vetor de experimentações sociais. Essas experimentações, segundo o autor, enveredam para a exploração do espaço, da natureza como um lugar de reinvestimento em relações signifi-cativas, por isso, configuram alternativas de preenchimento do vazio, porque possibilitam utopias de proximidade, o enfrentamento do vazio que é neces-sário para a projeção da subjetividade do leitor que instiga a reflexão. Neste sentido, o vínculo social é palco para a atividade artística, com o objetivo de tornar as relações homem-mundo, homem-natureza como objeto estético em si, ou seja, tê-las como matéria prima para pensar o processo criativo. A arte de Nelson Félix, neste âmbito, configura uma possibilidade relacional, pois exige um olhar para a natureza além da representação, conforme recomenda Guattari (2012), em sua ecosofia:

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Figura 1 ∙ Nelson Felix, Vazio Coração: Deserto, 1999-2003

04º 37’ 52” S e 37º 29’ 27” W. Site specific. Fonte:

www.nelsonfelix.com.br/obras/vazios/

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É a relação da subjetividade com a sua exterioridade – seja ela social, animal, vegetal, cós-mica – que se encontra assim comprometida numa espécie de movimento geral de implo-são e infantilização regressiva. (...) articulação ético-política – a que chamo ecosofia – entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia esclarecer convenientemente tais questões. (Guattari, 2012: 8).

Neste sentido, Nelson Félix, em seus sites specifics, coloca em prática os preceitos descritos e os da ecosofia, pois trabalha de maneira integrada a natureza, a subjetividade, a política e as relações sociais, isso tudo de maneira extremamente poética e contestadora. Toda essa relação em uma apropriação do ambiente como local de vivências e não somente como de tarefas e contemplação de vazios, mas como um lócus criador com o intuito de instigar o pensamento, convidar a relações consigo mesmo, com a natu-reza e com o outro.

O trabalho do artista, destarte, parte de coordenadas geográficas e seu corpo. Isso ocorre por meio de associações como no deserto do Chile, por exemplo, em que realizou um registro fotográfico coordenando a velocidade de abertura do obturador com a velocidade dos batimentos do seu pulso. Este processo deflagrou foto estouradas em que praticamente não há documentação (Félix, 2011; 2012). O trabalho descrito faz parte das séries que trabalha com os vazios existenciais.

O artista aborda o vazio da existência, subdividindo-o em três grupos: Vazio

Cérebro, Vazio Sexo e Vazio Coração. A temática do vazio é frequente no zeitgeist

contemporâneo conforme analisa o filósofo:

Os grandes eixos modernos a revolução, as disciplinas a laicidade e a vanguarda foram modificados à força de personalização hedonista; o otimismo tecnológico e científico caiu, as indústrias descobertas foram acompanhadas pelo superarmamento dos blocos, pela degradação do ambiente e o desmatamento crescente dos indivíduos; já nenhuma ideologia política é capaz de inflamar as multidões, a sociedade pós-moderna não tem mais ídolos ou tabus, já não tem mais uma imagem gloriosa de si mesma, um projeto histórico mobiliza-dor, hoje em dia é o vazio que nos domina. (Lipovestsky, 2005: XIX).

Neste contexto, a poética de Nelson Félix não se localiza no âmbito do vazio alienante, pelo contrário, o artista extrai do vazio a poesia, como pode ser visto nas imagens apresentadas que fazem parte da série Vazio Coração, pertencente ao projeto Cruz na América. O trabalho foi realizado em dois ambientes diferen-tes, o deserto e o litoral, como pode ser analisado em texto, retirado de seu site, que faz mediação com a produção:

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Figura 2 ∙ Nelson Felix, Vazio Coração: Litoral, 1999-2004. Site specific. Fonte: www.nelsonfelix.com.br/obras/vazios/

Figura 3 ∙ Nelson Felix, Vazio Coração: Litoral, 1999-2004. Site specific. Fonte: www.nelsonfelix.com.br/obras/vazios/

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Todo o trabalho é formatado no atelier do artista, usando para o local – coordenadas, o tempo de exposição da foto é o mesmo da batida do coração do artista no momento da foto e a direção da máquina fotográfica, os eixos da Cruz na América, definindo assim, o enquadramento. Quatro fotos são realizadas mais o zenith e o nadir. Apesar de todo estar trabalho construído apriori, o tempo de exposição, cerca de um segundo, e a intensa luz no deserto, “estouram” as fotos. O acaso interage nesta fração de segundo e determina a visualidade das fotos tiradas. Litoral – Uma esfera de mármore com pinos de ferro, é aban-donada numa praia do Ceará, numa coordenada específica, ao sabor da maré. A peça será modificada pela oxidação lenta do ferro. Nelson Félix (s/d).

Perante o excerto, o que se pode inferir é que a construção da obra se faz por meio do tempo; ora o instante como em deserto (Figura 1), ora o cenário como no litoral (Figura 2 e Figura 3). A seleção de suportes, nesta poética, é extrema-mente pertinente para retratar o instante, a escolha da fotografia e, para ver-sar com o tempo, a obra em construção que literalmente acontece pela ação da natureza e do tempo. Além disso, o que dá o sabor de suas intervenções é o ritmo de seu coração, o ritmo das ondas do mar, o ritmo dos insights do público ao se deparar com o vazio que o autor nos convida a enfrentar.

As imagens inseridas no texto, revelam o círculo maciço de mármore inse-rido na paisagem natural e o deserto. A escultura do círculo também é feita de uma matéria prima natural, mas, sua forma, seu polimento, denuncia a ação humana, sua presença no mar incomoda, contrasta, por isso, nos convida a relacionarmos com a natureza (interior e exterior) de uma outra forma. Ele não representa um ponto final, ele representa um ponto de atenção que, lentamente vai revelar a delicadeza da força da natureza agindo na intervenção humana. A escultura representa um ponto de início de reflexão, um ponto de abertura e não um ponto final, um ponto que chama atenção para a angústia do vazio da exis-tência. A fotografia do deserto, por sua vez, apresenta o vazio do deserto que, deste modo, dá magnitude a amplidão do nosso vazio interior. Schopenhauer (2005) afirma que somente durante a nossa gestação o sentimento de com-pletude é presente em sua totalidade, sendo que, após o nascimento o que vai imperar durante toda nossa vida é a falta – o vazio. Neste raciocínio, a vontade na filosofia do autor assume um papel primordial, porque ela vai auxiliar no processo de consciência de si que a falta instiga, compondo o único aspecto da realidade experienciável. Portanto, o enfrentamento do vazio que o artista pro-põe permite entrar em processo de autoconhecimento, permite conhecer nos-sas vontades genuínas, permite desvencilhar-se do aculturamento e explorar poesia, é este o convite que a obra de Nelson Félix nos faz.

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Referências

Barbosa, Ana Mae (2008) Inquietações e mudanças no Ensino da Arte. São Paulo: Cortez.

Bauman, Zygmunt (1998) O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Zahar.

Bourriaud, Nicolas (2009) Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes.

Bruckner, Pascal & Franco, Cascais. (1997) A tentação da inocência.

Félix, Nelson (s/d) Vazios, 1992-2004 [Consult. 2015-10-21] Disponível em http://nelsonfelix.com.br/obras/vazios/ Félix, Nelson. (2011) Além da Crise, 6

Ventosul, Bienal de Curitiba. Ministério da Cultura, Paraná.

Guattari, Félix. (2012) As três ecologias. Campinas, SP: Papirus.

Lipovetsky, Giles. (2005) A era do Vazio, ensaios sobra o individualismo

contemporâneo. Editora Monole, Barueri-SP. Motta, Gabriela (2014) O Pulso das Coisas

Vivas. Catálogo da Exposição CantosreV. Instituto Ling.

Schopenhauer, Arthur (2005) O mundo como vontade e representação. São Paulo: UNESP.

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