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Vencendo o fenômeno das facções criminosas: como a inteligência policial judiciária do estado do Ceará trabalha para desarticular a organização criminosa denominada Guardiões do Estado (GDE)

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ANTONIO HARLEY ALENCAR ALVES FILHO

VENCENDO O FENÔMENO DAS FACÇÕES CRIMINOSAS: COMO A INTELIGÊN-CIA POLIINTELIGÊN-CIAL JUDICIÁRIA DO ESTADO DO CEARÁ TRABALHA PARA DESAR-TICULAR A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DENOMINADA GUARDIÕES DO ES-TADO (GDE)

Fortaleza 2020

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ANTONIO HARLEY ALENCAR ALVES FILHO

VENCENDO O FENÔMENO DAS FACÇÕES CRIMINOSAS: COMO A INTELIGÊN-CIA POLIINTELIGÊN-CIAL JUDICIÁRIA DO ESTADO DO CEARÁ TRABALHA PARA DESAR-TICULAR A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DENOMINADA GUARDIÕES DO ES-TADO (GDE)

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação

Lato Sensu em Inteligência da Segurança da

Universi-dade do Sul de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de Especialista em Inteligência da Segurança.

Orientação: Prof. Dr. José Luiz Gonçalves da Silveira.

Fortaleza 2020

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ANTONIO HARLEY ALENCAR ALVES FILHO

VENCENDO O FENÔMENO DAS FACÇÕES CRIMINOSAS: COMO A INTELIGÊN-CIA POLIINTELIGÊN-CIAL JUDICIÁRIA DO ESTADO DO CEARÁ TRABALHA PARA DESAR-TICULAR A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DENOMINADA GUARDIÕES DO ES-TADO (GDE)

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Especialista em Inteligência da Segurança e aprovado em sua forma final pelo Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Inteligência da Segurança, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Fortaleza, ___ de ______ de 2020.

________________________________________________________ Prof. Dr. José Luiz Gonçalves da Silveira

Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL

________________________________________________________ Prof.

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Dedico este trabalho primeiramente a Deus, por me guiar no caminho da verdade e do bem.

Aos meus pais Harley e Eliane, por não terem medido esforços para me ofertar a melhor educação, aos quais deixo registrada a minha gratidão.

Aos meus irmãos Rafael e Larissa, pela união e incentivo ao longo de nossa jornada, ainda que distantes.

À minha esposa Jacqueline por todo o amor e companhei-rismo.

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RESUMO

O aumento do crime organizado no Brasil, notadamente as facções criminosas, tem acarretado um aumento vertiginoso de homicídios, tendo em vista a guerra entre estes. No estado do Ceará, a organização criminosa denominada Guardiões do Estado (GDE) tomou grandes proporções, além de contar com uma adesão de criminosos, se instalando um clima de pânico em alguns períodos de ataques contra o Estado. Destarte, ante a existência de mecanismos legais disponí-veis para combater o crime organizado, indaga-se: de qual forma a Inteligência Policial Judici-ária (IPJ) do estado do Ceará pode atuar para desarticular a organização criminosa GDE? Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo apresentar a incidência das facções criminosas no Ceará, com ênfase na GDE e apresentar como a IPJ contribuiu para desarticulação dessa organização criminosa. Buscar-se-á, abordar a análise histórica e avanço legislativo no tocante ao combate a organização criminosa. Verificar-se-á, ainda, o conceito de inteligência, bem como a diferença de IPJ e Investigação Policial, além do papel da IPJ na assessoria à investiga-ção policial com foco nas organizações criminosas. Apresentar-se-á o contexto das facções cri-minosas no Ceará, com ênfase na GDE, desde o seu surgimento, passando pela sua evolução até culminar com seu declínio. Por fim, discorrer-se-á sobre as ferramentas utilizadas pela IPJ que fizeram com que houvesse a prisão das lideranças e mapeamento da facção GDE. A pes-quisa é bibliográfica e documental. Quanto à abordagem, é de natureza qualitativa, e quanto aos objetivos, foi explicativa e descritiva. Os resultados deste estudo demonstram que a atuação da inteligência policial judiciária no combate ao crime organizado contribuiu na desarticulação da GDE.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 06

1. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E INTELIGÊNCIA POLICIAL ... 08

1.1. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: CONTEXTO HISTÓRICO E AVANÇO LEGISLA-TIVO ... 08

1.2. INTELIGÊNCIA POLICIAL JUDICIÁRIA X INVESTIGAÇÃO POLICIAL ... 11

2. PECULIARIDADES DA FACÇÃO CRIMINOSA GUARDIÕES DO ESTADO... 15

2.1 HISTÓRICO DE FACÇÕES CRIMINOSAS NO CEARÁ ... 15

2.2 GUARDIÕES DO ESTADO: HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E DECLÍNIO ... 17

3. FERRAMENTAS UTILIZADAS PELA INTELIGÊNCIA POLICIAL JUDICIÁRIA DO ESTADO DO CEARÁ PARA COMBATER A FACÇÃO CRIMINOSA GUARDI-ÕES DO ESTADO ... 23

CONCLUSÃO... 31

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INTRODUÇÃO

O aumento do crime organizado no Brasil, notadamente as facções criminosas, tem acar-retado uma série de problemas no tocante ao aumento vertiginoso de homicídios, tendo em vista a guerra entre facções que se digladiam com o fito de domínio territorial e o tráfico de drogas.

O estado do Ceará vem sendo palco de constantes matérias jornalísticas noticiando os absurdos casos concretos envolvendo o fenômeno das facções criminosas. A organização cri-minosa denominada Guardiões do Estado (GDE) tomou grandes proporções, além de contar com uma adesão de criminosos, se instalando um clima de pânico em alguns períodos de ata-ques contra o Estado.

Destarte, ante a existência de inúmeros mecanismos legais disponíveis para o combate ao crime organizado, indaga-se: de qual forma a Inteligência Policial Judiciária do estado do Ceará pode atuar para desarticular a organização criminosa GDE?

Nesse contexto, o presente trabalho tem por objetivo apresentar a incidência das facções criminosas no estado do Ceará, com ênfase na GDE e apresentar como a Inteligência Policial Judiciária contribuiu para desarticulação dessa organização criminosa.

Para tanto, adotou-se como metodologia, no presente trabalho, a realização da pesquisa de cunho bibliográfico e documental, uma vez que se pautou em leituras e análise de publica-ções, tais como, livros, artigos, teses, e reportagens jornalísticas, assim como projetos de lei. Quanto à abordagem da pesquisa, tem natureza qualitativa, posto que possui o escopo de con-tribuir para a ampliação do aporte teórico que versa sobre o assunto em análise.

No que concerne aos seus fins, a metodologia adotada é explicativa e descritiva, vez que teve a finalidade de interpretar, explanar e apresentar o fenômeno estudado, com o fito de com-preender a problemática relacionada ao tema.

O desenvolvimento desse artigo foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo, buscou-se inicialmente abordar uma análise histórica acerca do crime de organização criminosa no Brasil, bem como o avanço legislativo, desde a época da Lei nº 9.034/95, passando pela Lei nº 12.694/12 até chegar na Lei nº 12.850/13, em que definiu o crime de organização criminosa. Além disso, discorreu-se sobre o avanço legislativo no tocante ao advento da Lei nº 13.964/19, conhecida como Pacote Anticrime em que aperfeiçoou alguns dispositivos da Lei nº 12.850/13, bem como a Projeto de Lei n° 9.555/18 em que busca alterar a redação de dispositi-vos da Lei nº 13.260/16, Lei nº 12.850/13 e da Lei nº 8.072/90, para reformular o conceito, tipificação e pena de associação a organização criminosa, bem como qualificar como ato terro-rista e crime hediondo qualquer ato praticado por organização ou facção criminosa.

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Outro ponto de suma importância foi compreender o conceito de inteligência em sentido amplo, bem como a diferenciação de Inteligência Policial Judiciária e Investigação Policial, ao mesmo passo em que se apresentou o papel da Inteligência Policial Judiciária na assessoria à Investigação Policial com foco nas organizações criminosas.

No segundo tópico, discorreu-se sobre o histórico das facções criminosas no Ceará, apresentando as alianças entre as facções a nível de Brasil, até haver um episódio internacional no ano de 2016 que culminou com as guerras entre facções e chegou ao Ceará. Nesse sentido, o Estado vivenciou no ano de 2017 o maior índice de homicídios da sua história.

O ponto chave desse capítulo diz respeito a GDE. Com isso, pormenorizou-se o que justificou a sua existência e esclareceu-se o seu local e data de fundação. Além disso, apresentou-se o estatuto da facção e qual o trâmite necessário para ingressar nessa organização criminosa. Explicitou-se as funções e o organograma dessa facção. Abordou-se qual foi o episódio ocorrido no Ceará em que o foco se voltou a GDE e que, a partir daí, intensificou-se os trabalhos investigativos e de inteligência policial judiciária que culminou com o seu declínio.

No terceiro capítulo, discorreu-se quais as ferramentas utilizadas pela inteligência poli-cial judiciária, tanto as já disponíveis à Polícia Civil do Ceará, bem como os produtos resultados de decisões judiciais oriundas de representações policiais, que fizeram com que houvesse a prisão das lideranças e mapeamento da facção GDE. Abordou-se ainda sobre o instituto do Relatório Técnico e como esse documento pode ser um aliado no combate ao crime organizado.

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1. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E INTELIGÊNCIA POLICIAL

1.1. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: CONTEXTO HISTÓRICO E AVANÇO LEGISLA-TIVO

A incidência das organizações criminosas no Brasil se tornou uma realidade. Antes de adentrar na temática central, se faz necessário entender o conceito de organização criminosa para, em seguida, esmiuçar as atividades desempenhadas pela inteligência policial judiciária que contribuíram para desarticulação da facção cearense Guardiões do Estado (GDE).

Preliminarmente, a Lei nº 9.034/95 que tratava de organizações criminosas, trouxe em seu arcabouço legal os meios de prova e os procedimentos investigatórios a serem realizados sobre crimes cometidos por quadrilha ou bando. Todavia, silenciou sobre o conceito de “orga-nização criminosa” propriamente dita e, dessa forma, passou muito tempo em desuso. Gomes (2009, s.p.) entende que parte dos doutrinadores utilizava a definição dada pela Convenção de Palermo (sobre criminalidade transnacional), assim preceituada:

“(...) grupo estruturado de três ou mais pessoas, existentes há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indi-retamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

Essa decisão era muita ampla e, nessa esteira, foi alvo de diversas críticas, inclusive nos entendimentos firmados nos Tribunais Superiores e, dessa forma, afastou a aplicabilidade da Lei nº 9.034/95.

Com o advento da Lei nº 12.694/12 o legislador definiu organização criminosa para o Direito Penal interno e anunciou em seu art. 2º:

“Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas que, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”

Ademais, a Lei nº 12.850/13, conhecida como Lei das Organizações Criminosas, esti-pula em seu art. 1º, § 1º:

“Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pes-soas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas má-ximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacio-nal.

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Impende destacar que a Lei nº 12.850/13 revogou a Lei nº 9.034/95 e alterou o art. 288 do Código Penal Brasileiro (extinguiu o crime de quadrilha ou bando e o transformou em asso-ciação criminosa, determinando que para sua configuração deve haver três ou mais agentes unidos para o fim, agora específico de cometer crimes). Além disso, foi tipificada o conceito de organização criminosa, além impor uma pena-base e casos de equiparação agravamento e au-mento de pena, bem como medidas que podem ser adotadas em eventual envolviau-mento de fun-cionário público e policial.

A Lei nº 13.964/19, conhecida como Pacote Anticrime, trouxe algumas modificações na Lei nº 12.850/13. A primeira se deu no art. 2º, que recebeu os §§ 8º e 9º. O § 8º determina que as lideranças das organizações criminosas armadas ou que tenham armas à sua disposição iniciarão o cumprimento da pena em presídio de segurança máxima. Já o § 9º aduz que o con-denado por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio dessa modalidade não progredirá de regime de cumprimento de pena ou obterá livramento condicional ou bene-fícios prisionais se houver elementos que indiquem a manutenção do vínculo associativo.

Com isso, se percebe uma evolução da lei no sentido de desestimular a continuidade desses membros nas facções. Nos trabalhos policiais é comum verificar que um investigado foi preso pelo delito de integrar organização criminosa e, mesmo depois de encarcerado, continua faccionado, além de reiterar nos mesmos delitos, até que saia pela progressão de regime ou livramento condicional. O advento do § 9º veio para coibir esse tipo de conduta.

A Lei nº 12.850/13 ainda regulamentou a infiltração de agentes em ambiente virtual. Este só será admissível desde que demonstrada sua necessidade e indicados o alcance das tare-fas dos policiais, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas. As demais peculiarida-des continuam idênticas às da infiltração de agentes convencional. Por fim, essa lei ainda regu-lamenta o instituto da colaboração premiada. Todavia, por não serem o foco desse trabalho, não será detalhado.

Em que pese todas essas alterações e evoluções da temática relacionados ao crime or-ganizado, está em andamento o Projeto de Lei nº 9.555/18 de autoria do Deputado Cabo Sabino que busca alterar a redação de dispositivos da Lei nº 13.260/16, Lei nº 12.850/13 e da Lei nº 8.072/90, para reformular o conceito, tipificação e pena de associação a organização criminosa, bem como qualificar como ato terrorista e crime hediondo qualquer ato praticado por organiza-ção ou facorganiza-ção criminosa.

Nessa propositura, o art. 2º da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, passaria a vigorar com a seguinte redação:

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“Art. 2º. O terrorismo consiste na prática, por um indivíduo ou organização criminosa (facção criminosa), dos atos previstos neste artigo, por meio da força física, ações psicológicas ou emprego de arma de fogo, com o objetivo de extermínio(chacina), ou mesmo com o objetivo de intimidar ou coagir o poder público, bem como o uso de cartas físicas ou por meio eletrônico, com objetivo de intimidar a população civil ou segmento da sociedade, provocando terror social ou generalizado ou expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública e a incolumidade pública.”

§1º São atos de terrorismo:

I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explo-sivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; II - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça à pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias e instituições bancárias e sua rede de atendimento;

III - filiar-se ou associar-se a organização criminosa;

IV - qualquer ato de organização criminosa que atentar contra o patrimônio, vida ou a integridade física de pessoa.

Pena -reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ame-aça ou à violência.

(...)

§ 3º São atos de terrorismo punidos com pena de reclusão de vinte a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça e à violência:

I – atentar, mediante grave ameaça à pessoa ou violência, com emprego de arma de fogo, artefato explosivo ou incendiário, contra a vida, a integridade física, a liberdade e livre atuação de integrantes das instituições públicas, civis ou militares;

II – atentar, com emprego de arma de fogo, artefato explosivo ou incendiário, contra instalações de órgãos do judiciário, legislativo e segurança pública, hos-pitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou lo-cais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás (NR) (grifo nosso).

Dentre outras proposituras de mudanças no Projeto de Lei nº 9.555/18, aumenta a pena do art. 2º da Lei º 12.850/13, saindo de 3 a 10 anos para 12 a 30 anos. Esse artigo aduz: “Art.2º

Promover, divulgar, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”.

Acerca do projeto de lei em comento, é válido destacar que Sabino é Deputado Federal pelo estado do Ceará e, nesse contexto, vivenciou os ataques de membros de facções criminosas contra ônibus e prédios públicos, além da maior chacina do Estado, conhecido como Chacina das Cajazeiras. Nesses episódios, percebeu-se o quão frágil é essa lei diante da gravidade dos problemas apresentados. Nesse esteio, vide trecho de sua justificação:

Temos como foco reformular o conceito, tipificação e a pena de associação a organização criminosa, bem como qualificar como ato terrorista e crime hedi-ondo qualquer ato praticado por organização ou facção criminosa, ou seja, pre-tendemos tornar as penas mais rígidas, bem como armar um “cerco jurídico” para os integrantes de facções criminosas, os quais tem seu “papel” facilitado pelas brechas do nosso arcabouço jurídico.

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Esse projeto de lei acarretaria um prejuízo incalculável para as facções criminosas e diante do endurecimento das penas, acredita-se que seria mais difícil cooptar pessoas para par-ticiparem desses delitos. Ademais, o Projeto de Lei nº 9.555/18 encontra-se em tramitação na Coordenação de Comissão Permanente da Câmara dos Deputados.

Depois de ter sido bem delineada o conceito de organização criminosa, ficou claro o quão amplo esse crime pode ser detectado, tais como lavagem de dinheiro, crimes tributários, tráfico de drogas, tráfico de pessoas, tráfico de armas, roubo a banco, dentre outros.

Na atualidade, quando se fala em “facção” criminosa o pensamento que se remete é para Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV), Família do Norte (FDN), Ter-ceiro Comando da Capital (TCC), Amigos dos Amigos (ADA), dentre outros. Pessoa (2019, s.p.) faz a seguinte definição de facção criminosa:

“Uma facção criminosa é classificada como um grupo de pessoas que articu-lam de forma organizada e planejada ações criminosas como homicídios, assaltos, vandalismo urbano e rebeliões em presídios. Em outras palavras, é a prática de um crime a mando de um grupo que tem o seu próprio nome, líderes e níveis hierárquicos muito bem definidos” (grifo nosso).

Com isso, a grosso modo, se pode pensar que o termo “organização criminosa” é gênero do qual “facção criminosa” é espécie, uma vez que, ao realizar uma análise dos pressupostos de organização criminosa disposto no art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/13 e do conceito mencionado

no parágrafo anterior, conclui-se que são praticamente os mesmos, excetuando-se que, nas fac-ções criminosas, grande parte dos seus delitos são eivados de crimes violentos.

Concluído o contexto histórico e o avanço legislativo do delito de organização crimi-nosa, será abordado no ponto seguinte o conceito de inteligência, bem como será estabelecida uma diferenciação de inteligência policial judiciária e investigação policial, ao mesmo passo em que compreender-se-á o papel da inteligência policial judiciária na assessoria à investigação policial com foco nas organizações criminosas.

1.2. INTELIGÊNCIA POLICIAL JUDICIÁRIA X INVESTIGAÇÃO POLICIAL

Constantemente são veiculadas informações em que a Segurança Pública combate a criminalidade com “inteligência policial”. Em alguns casos, o termo “inteligência policial” se confunde com “investigação policial”. Com isso, se faz imperioso entender a diferença desses temas e quando ambos podem ser utilizados em uma investigação de combate ao crime organizado. Vale destacar que este trabalho não pretende esgotar a matéria, mas tem a finalidade de compreender esses institutos para que possam ser abordadas sobre as ferramentas de investigação e de inteligência policial que contribuíram para esfacelar a facção GDE.

Há relatos da atividade de inteligência no Brasil desde 1927 com o advento do Conselho de Defesa Nacional. Durante o golpe militar de 1964 é criada o Serviço Nacional de

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Informações, até culminar com o processo de redemocratização em 1988. Todavia, o modelo atual de inteligência só ocorreu com o advento da Lei nº. 9.883/99 que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), tendo como agência central a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Costa (2017, p.16) aduz:

Com a redemocratização política nacional em 1988, as estruturas que desen-volviam uma inteligência, cuja finalidade era realizar a polícia política, prati-camente se extinguiram. De modo gradual, as agências renasceram com uma nova roupagem, abandonaram o foco anterior e direcionaram os seus esforços para assessorar as investigações policiais complexas e a distribuição do efetivo ostensivo, além de empreender uma efetiva análise criminal.

O art. 1º, § 2º da Lei nº. 9.883/99 define a atividade de inteligência. Vejamos:

"§ 2o Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado." grifo nosso.

O art. 1º do Decreto nº 3.695/00, inseriu a Atividade de Inteligência de Segurança Pú-blica (ISP) e o Subsistema de Inteligência de Segurança PúPú-blica (SISP):

Art. 1º. Fica criado, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, incluído pela Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, com a finalidade de coordenar e integrar as atividades de inteligência de segurança pública em todo o País, bem como suprir os governos federal e estaduais de informações que subsidiem a tomada de decisões neste campo.

De acordo com a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), Costa (2017, p.20) define a atividade de ISP do seguinte modo:

A atividade de ISP é o exercício permanente e sistemático de ações especiali-zadas para a identificação, o acompanhamento e a avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente orientadas para pro-dução e salvaguarda de conhecimentos necessários para subsidiar os governos federal e estaduais a tomada de decisões, para o planejamento e à execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir, neutrali-zar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza ou atentatórios à ordem pública.

Já a 4ª edição do DNISP, publicada em 25 de janeiro de 2016 no Diário Oficial da União, apontou a ISP como um gênero de várias espécies de inteligência, a qual compõe a Segurança Pública, a exemplo da Inteligência Policial Judiciária (2016, p.22):

O exercício permanente e sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pú-blica, orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para assessorar o processo decisório no planejamento, execução e acompanha-mento de uma política de Segurança Pública; nas investigações policiais; e nas ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza que atentem à ordem pública e à incolumidade das pessoas e do pa-trimônio, sendo exercida pelas Agências de Inteligências no âmbito das Polí-cias Federal e PolíPolí-cias Civis.

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Depois de ter sido compreendida a diferença de Inteligência Policial como gênero e Inteligência Polícia Judiciária (IPJ) como uma de suas espécies, se faz imperiosa entender a finalidade geral do IPJ, tanto no âmbito estratégico, quanto no âmbito operacional. Segundo Costa (2017, p. 23-24):

A finalidade geral da IPJ é promover o assessoramento com conhecimentos precisos, completos e robustos nos vários níveis decisórios. O intuito é o de aperfeiçoar as ações de Polícia Judiciária (PJ), detectar possíveis ameaças e mitigá-las, como também salvaguardar o conhecimento produzido.

No âmbito estratégico, busca-se assegurar diagnósticos e prognósticos sobre a evolução de situações do interesse tanto da Segurança Pública, de forma geral, quanto da Polícia Judiciária, subsidiando os seus usuários no processo decisó-rio.

No campo operacional, o objetivo geral é o de assessorar as investigações po-liciais mais complexas e que desencadeiam significativas Operações de Re-pressão Qualificada (ORQ) com foco nas organizações criminosas. A atividade colabora também na criação de uma cultura de inteligência, capacitando e pro-movendo discussões sobre técnicas operacionais em comum com a investiga-ção policial, além de desenvolver protocolos e procedimentos a fim de aper-feiçoar as técnicas e ainda contribuir para que o processo interativo entre usu-ários e profissionais de Inteligência produza efeitos cumulativos, aumentando, assim, o nível de efetividade desses usuários e suas respectivas organizações.

Após diferenciação entre a IPJ no âmbito estratégico e operacional, podemos citar o seguinte exemplo seguido na Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (DRACO) da Polícia Civil do Ceará.

No momento em que o Núcleo de Inteligência Policial (NUIP) dessa Delegacia, através de análise de celulares apreendidos autorizados judicialmente, faz o mapeamento do comportamento de uma determinada facção criminosa em uma região no tocante ao planejamento de cometimento de homicídios, atua de forma estratégica, pois caberá a gestão superior a tomada de decisão (exemplo: deslocamento de policiamento ostensivo nos locais e horários mais críticos, com o fito de evitar novos homicídios).

Por outro lado, quando o NUIP da DRACO, através de análise de celulares apreendidos autorizados judicialmente, identifica um alvo que figura como liderança de facção criminosa em determinada região e, de imediato produz um relatório técnico, com o fito de que os Inspetores de Polícia Civil, através de investigação policial, envidem esforços (exemplo: vigilância ou estória-cobertura) para confirmar as informações levantadas pela inteligência para que, em um segundo momento, seja realizada a sua prisão, se percebe uma atuação operacional. Nesse sentido, Costa (2017, p.36) estabelece uma diferença entre Inteligência Policial Clássica e Inteligência Policial Judiciária:

Pela sua origem histórica e desafios associados à soberania e defesa do territó-rio, a Inteligência Clássica utiliza, em muitas ocasiões, métodos por vezes ile-gais e que ferem o ordenamento pátrio. Na IPJ, o respeito pelo princípio da Legalidade é absoluto, pois os dados utilizáveis no seu assessoramento, em especial no plano operacional, não podem estar eivados de ilegalidade.

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Em outro contexto, Grassi (2018, s.p.) aponta diferenças entre Inteligência Policial e Investigação Policial:

Enquanto a Inteligência Policial é ponto de partida para a compreensão das redes criminosas e de seus fluxos, a Investigação Policial é o resultado das correntes e cruzadas aplicações do aparelho prevento-repressor a partir do trabalho dos órgãos de inteligência, policiais ou não.

Entre outras palavras, a Inteligência é a soma de ações que tem por objetivo subsidiar um processo decisório por parte de uma Autoridade a quem legalmente se atribui poder para tal. À Investigação Policial, por sua vez, cabe a produção de provas com intuito de fornecer autoria e materialidade durante a persecução penal.

Assim, diante do contexto apresentado, tanto a Inteligência quanto à Investigação, apesar das semelhanças, possuem objetivos diferentes. No entanto, ambas visam extrair compreensão de uma malha infindável de informações, presentes no meio ambiente com que lidam assim como se dá com a pesquisa científica e o processo penal: a pesquisa científica, as atividades e operações de inteligência, a investigação criminal e o processo penal buscam a verdade.

Diante da notória escassez de recursos humanos frente ao crescimento do crime organizado, se constata que os serviços de inteligência policial, procuram produzir provas em investigações criminais e processos penais, ao mesmo passo em que produzem conhecimento voltado ao processo decisório estratégico. Conforme Grassi (2018, s.p.):

Por conseguinte, pensamos que a tendência dos serviços de inteligência policial, no Brasil, seja a dupla vertente de produção de provas para investigações e processos criminais (inteligência tática) e a produção de conhecimento destinado ao processo decisório estratégico (inteligência estratégica).

A Polícia Federal fez uma adaptação proveitosa da inteligência clássica às necessidades específicas de suas atividades policiais, especialmente pela inclusão da produção de provas para investigações criminais e processos penais.

Sua atividade de inteligência produz um conhecimento que, conforme o caso, objetiva à produção de prova durante a investigação ou processo criminais (especialmente quanto à ação criminosa complexa), subsidia o planejamento e a execução de outras ações, operações e investigações policiais, estima a evolução da criminalidade ou serve para assessorar autoridades governamentais na formulação de políticas de prevenção e combate à violência.

Portanto, a atividade de inteligência policial da Polícia Federal é voltada especialmente para a produção de provas da materialidade e da autoria de crimes, exercendo atividade de natureza eminentemente executiva (inteligência tática), mas também pode realizar atividade de natureza consultiva, quando, por meio dos conhecimentos contidos em análises de conjuntura criminal ou em estimativas de evolução de criminalidade, assessora autoridades governamentais na formulação de políticas de prevenção e combate à criminalidade (inteligência estratégica).

Diante do exposto, foi possível compreender que a inteligência de polícia judiciária é uma espécie do gênero inteligência de segurança pública, bem como entender as diferenças e similitudes entre Inteligência de Polícia Judiciária e Investigação Policial. No capítulo seguinte, será discorrido sobre o histórico das facções criminosas no Ceará, dando ênfase a GDE, desde o seu surgimento, passando pela sua evolução até culminar com seu declínio.

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2. PECULIARIDADES DA FACÇÃO CRIMINOSA GUARDIÕES DO ESTADO

2.1. HISTÓRICO DE FACÇÕES CRIMINOSAS NO CEARÁ

Antes de adentrar nas peculiaridades da facção GDE, se faz necessária contextualizar como as facções se instalaram no Ceará, quais as alianças formadas, o aumento dos confrontos até chegar na realidade atual.

Em entrevista ao chefe de gabinete do governo do estado do Ceará, Élcio Batista, o governo já detinha conhecimento da existência de facções nos anos de 2013 e 2014 no estado do Ceará, “essa facção se estabeleceu e iniciou um processo de conquista de território e

en-frentamento com outras facções”. Além disso, registrou que até 2016 o Governo evitava

reco-nhecer publicamente a existência de facções no Estado, vindo a reconhecê-los somente em 2017, quando se iniciaram ataques destes contra transportes coletivos e prédios públicos (FAC-ÇÕES..., 2018).

De acordo com as investigações da DRACO da Polícia Civil do Ceará, bem como de-poimentos e interrogatórios em sede de inquérito policial, em um primeiro momento houvera uma corrida entre as facções PCC e CV pela conquista de territórios no estado do Ceará, nota-damente Fortaleza e região metropolitana.

A ideia seria convencer os chefes de grupos locais a se batizarem nas facções supramen-cionadas, sob a promessa de construir um grupo pautado na “justiça, liberdade e igualdade”. Os batismos nos presídios também ocorriam diariamente.

O crescimento das facções ultrapassava as fronteiras de seus respectivos Estados (quais sejam, PCC em São Paulo e CV no Rio de Janeiro). Era uma realidade em todo o Brasil. Além disso, em um primeiro momento não havia uma guerra declarada entre as facções. Era uma busca desenfreada pela captação de criminosos para o PCC e CV. Membros de uma mesma facção não podiam se digladiar, além de outras “regras” estabelecidas em seus respectivos “es-tatutos” que todos deveriam estar cientes no momento em que ingressavam na organização cri-minosa.

Durante a corrida pelos batismos de faccionados PCC e CV, no dia 01.01.2016 surge a facção GDE, que será devidamente pormenorizada em tópico próprio. Além disso, a facção FDN, sediada no Amazonas, também se instalou no Ceará com a missão de cooptar membros para somar em seu grupo criminoso.

Mesmo diante de um cenário já estremecido entre as facções, o acordo de paz ainda preponderava entre estes, nos quais os atritos pontuais eram gerenciados. Contudo, um evento criminoso ocorrido em junho de 2016 no Paraguai foi o suficiente para ocasionar uma guerra declarada entre membros do PCC e CV em todo o Brasil: a morte de Jorge Rafaat, conhecido como “Rei da Fronteira”. Vide trecho de reportagem (MINGARDI, 2019):

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As relações entre as duas maiores organizações criminosas do país, Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC), nunca foram exata-mente amistosas. Há quase uma década vivem se estranhando. No início, dis-putavam os mercados locais em algumas cidades. Essa rivalidade provocou várias mortes, mas ainda não era um rompimento declarado. Em junho de 2016 a guerra esquentou. O principal intermediário do tráfico de cocaína na fronteira paraguaia, Jorge Rafaat, havia sido assassinado. Sua execução também foi ci-nematográfica. Um grupo utilizando armamento de guerra e artilharia antiaé-rea: fuzis e uma metralhadora Browning M2.50, transformou o jipe blindado de Rafaat em um queijo suíço. Até hoje existe uma disputa sobre quem teriam sido os mandantes, o PCC ou o Comando Vermelho.

Seja quem for, após esse homicídio, a rota ficou nas mãos do PCC — mais organizado que o rival —, que conseguiu assumir o espaço vazio criado pela morte do atravessador. O CV ficou no prejuízo. Esses eventos deram início a inúmeros conflitos por todo o Brasil. Não é à toa que os anos de 2016 de 2017 estão entre os mais sangrentos de nossa história.

Tendo em vista que o PCC passou a controlar o tráfico de drogas na região de Pedro Juan Caballero (Paraguai), o CV tivera dificuldade na obtenção de entorpecentes por aquela rota. Com isso, a alternativa que o CV encontrou para dar continuidade no abastecimento das demais regiões do País, foi firmar aliança com o FDN, considerada a facção com o maior do-mínio do tráfico de drogas através de rota fluvial do mundo. Já a GDE, que nasceu de um desdobramento do PCC, continuou a receber os entorpecentes da facção paulista.

Dessa aliança financeira entre essas facções foi desenhada a guerra pelo domínio do tráfico de drogas nas ruas: PCC/GDE versus CV/FDN. Era comum encontrar pichações nas ruas da cidade de Fortaleza com ambas as siglas, ou vídeos em que os faccionados se declara-vam “TUDO 3” (se tratando de PCC ou GDE) ou “TUDO 2” (se tratando de CV ou FDN).

Depois dessa guerra declarada entre as facções criminosas PCC e CV, os índices de homicídios aumentaram em todo o Brasil. Em 2017, o Ceará registrou 5.134 homicídios, sendo o maior número em toda a sua história. Já em 2018, neste mesmo período, foram registrados 4.460 homicídios. Essa problemática da guerra também foi visualizada no interior dos presídios que, por sua vez, vivenciou distintos episódios que culminaram com dezenas de mortes. É o que aduz em reportagem (CARNIFICINA..., 2017):

A crise no sistema carcerário, que explodiu neste ano de 2017, deixou, em 15 dias, mais de 130 mortos. Em dez episódios diferentes ocorridos em oito esta-dos (Alagoas, Amazonas, Paraíba, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Norte e Roraima), muitos deles ligados à guerra de facções que ocorre nos presídios, 133 pessoas morreram.

A solução encontrada pela Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJUS) do Ceará para evitar chacinas dessa estirpe dentro do sistema penitenciário foi separar os presos por facções. Todavia, mesmo com essa cautela, a Cadeia Pública da cidade de Itapagé/CE foi palco de 10 mortes violentas. Segundo Lima Neto (2018, s.p.):

Ontem, dez mortes foram confirmadas dentro da unidade prisional. Apenas um agente penitenciário atuava no momento dos assassinatos. Segundo a Polícia Civil, o espaço contava com 84 presos. Membros do Comando Vermelho (CV)

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e do Primeiro Comando da Capital (PCC) iniciaram o confronto, mas a Polícia não revelou de qual facção pertenciam os detentos que foram mortos.

No curso do ano de 2018, percebeu-se que o PCC ficou em segundo plano no tocante a guerra entre os membros rivais e o GDE ganhou destaque. Ainda nesse ano, o FDN deixou de atuar no Ceará e grande parte dos seus membros migraram para o CV.

Em janeiro de 2019, o Secretário de Administração Penitenciária (SAP), antiga SEJUS, Mauro Albuquerque, iniciou suas atividades e o estado do Ceará vivenciou a maior onda de ataques pelas facções criminosas da sua história, durante aproximadamente um mês. Nesse sen-tido, foi dado fiel cumprimento a Lei de Execução Penal no interior dos presídios.

Além disso, vários chefes de facções foram transferidos às Penitenciárias Federais, ao mesmo passo em que a Polícia realizava trabalhos de inteligência policial judiciária que culmi-naram com investigações e prisão de líderes que ainda estavam em liberdade. Essas ações fize-ram com que o Ceará tivesse a maior queda de homicídios na última década e a maior queda no Brasil no ano de 2019. Foram 2.257 homicídios, ou seja, se tratou de uma redução de 50% de mortes, quando comparada ao ano anterior.

2.2. GUARDIÕES DO ESTADO: HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E DECLÍNIO

Há muita dúvida acerca de quando e onde foi fundada a facção GDE, também conhecida como “745”, que corresponde a posição de cada letra do alfabeto. O que se propaga é que a facção GDE nasceu no bairro Conjunto Palmeiras, Fortaleza/CE. Eis matéria publicado no jor-nal Tribuna do Ceará (SAIBA, 2018):

Os moradores do Conjunto Palmeiras têm uma renda média 15 vezes menor do que do que um morador do Meireles, do outro lado da capital, área nobre da cidade.

Foi nesse cenário de pobreza e falta de oportunidades que nasceu uma das fac-ções criminosas do Ceará que já está disseminada em pelo menos 10 bairros. Se originou de uma torcida de futebol. O envolvimento com o tráfico de drogas foi a alternativa encontrada para financiar o grupo, que acabou virando uma gangue de bairro até se transformar na organização criminosa Guardiões do Estado, a GDE.

*Facção criminosa GDE (FOTO: Reprodução TV Jangadeiro)

Contudo, segundo a DRACO da Polícia Civil do Ceará, após investigações e entrevistas policiais, além de análise de aparelhos eletrônicos apreendidos, constatou-se que, na verdade,

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o GDE foi fundado no dia 01.01.2016 no interior dos presídios. A ideologia foi trazida por um dos fundadores que se encontrava na Penitenciária Federal que, em conluio com outro preso, arregimentaram criminosos que detinham poder em suas respectivas áreas e propuseram a cri-ação de uma facção local. Alguns criminosos estavam insatisfeitos em terem que pagar uma mensalidade para se virem filiados a facções sediadas em São Paulo e Rio de Janeiro.

Outro ponto interessante é que o GDE nasceu a partir do consentimento do PCC, pois é como se fosse um desdobramento dessa facção. Isso pode ser corroborado no momento em que foi verificado inúmeros membros do PCC migrarem para o GDE no instante em que essa facção foi criada, não havendo qualquer tipo de represália. A partir daí o GDE passou a batizar várias pessoas, incluindo detentores da menoridade. Até o início de 2019, a DRACO fez uma estima-tiva de 25.000 membros da facção GDE.

Ainda segundo a DRACO, após a criação do GDE, o PCC passou a fornecer armas e drogas para que a facção local pudesse ganhar força. Essa ideia do PCC de dar suporte para criação e manutenção da GDE só foi possível, uma vez que a facção paulista já vislumbrava uma guerra iminente com o CV e, para não atrapalhar o tráfico internacional de drogas, ampliou essa aliança mercadológica para guerra contra o CV pelo domínio do tráfico de drogas local. Porém, em meados de 2018 já se observava uma autonomia do GDE na importação de drogas e armas para o Ceará, iniciando uma animosidade entre eles e o PCC.

O indivíduo que desejar ingressar na facção GDE deve confeccionar um “cara-crachá”. Se trata de uma fotografia do seu rosto, acrescidos de nome, data de nascimento, vulgo de ba-tismo, padrinhos e “quebrada” (local de atuação). Em seguida, essa foto é encaminhada para o setor de análise e batismo. Caso nenhum membro se oponha, o candidato fará a leitura do “es-tatuto” do GDE, bem como o juramento de aceitar cumprir o que estiver nessa cartilha. Depois disso, será oficialmente membro da GDE.

Vide estatuto da GDE obtido junto ao NUIP da DRACO:

ESTATUTO DOS GUARDIÕES DO ESTADO.

Em 01 de janeiro de 2016, as 16:00, estes se reuniram em várias Unidade Pri-sional no estado do Ceará, decidindo:

Capítulo I – Da denominação, Fundamentos e dos fins:

Art. 1 – Os integrantes se denominam GUARDIÕES DO ESTADO. Art. 2 – São os fundamentos: a lealdade, a igualdade, a transparência e a União acima de tudo.

Art. 3 – Toda luta tem uma causa e nossa causa será a paz para o sistema, a igualdade para todos e justiça para os injustiçados.

Art. 4 – A luta será contra quaisquer tipo de opressão, assaltos, extorsões, es-trupos ou.ainda, quaisquer tipo de injustiças cometidas fora e dentro do sistema carcerário.

Art. 5 – Nossa força e nossa união farão que ecoe a liberdade contra todo tipo de opressão causado pelo governo, ou mesmo qualquer outro instrumento que venha a oprimir, ou se posicionar contra nossa ideologia e nossa luta.

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Art. 6 – jamais um membro da nossa organização ficará desamparado tanto dentro ou fora do Estado, caso seja submetido a pena de RDD, quando lhe faltar condições.

Art. 7 – Para que não falte o auxílio do artigo anterior e para fortalecer a orga-nização será obrigatório a contribuição financeira mensal de todos os integran-tes, conforme será estabelecido pela cúpula o valor, mas sempre de acordo com as possibilidades financeiras de cada um.

Art. 8 – Todos integrantes, denominados de “irmãos”, devem lealdade e res-peito para com a organização.

Art. 9 – Temos como meta: Qualidade e não quantidade, portanto todos os integrantes serão responsáveis diretos por seus afilhados, tendo como obriga-ção procurar informações sobre a procedência e conduta destes, estupradores, cabuetas, ou qualquer outro com conduta duvidosa, pois devemos zelar pela seriedade e objetivos que fizeram o surgimento desta organização.

Art. 10 – A organização terá como um de seus lemas: Um por todos e todos por um, em sendo assim: todos os membros que estiverem em liberdade, de-vem sempre estar em sintonia e harmonia com os membros encarcerados, pre-valecendo a união de todos em busca do mesmo propósito.

Art. 11 – Todos os participantes terão voz, podendo dar opiniões e sugestões, sempre visando o crescimento da “Família Guardiões” porém é importante se ter em mente que a voz final é a dos que integram a cúpula, sendo respeitado assim a hierarquia.

Art. 12 – É terminantemente proibido usar o nome da organização para fins diversos dos aqui estabelecidos bem como para obter vantagens indevidas em benefício próprio que não favoreçam a coletividade. Lembrando que não serão admitidos erros deste tipo, sofrendo punição quem descumprir.

Art. 13 – Para o bom e fiel cumprimento do Estatuto aqui firmado, quem o descumprir será cobrado de acordo com a gravidade do seu erro e culpa. Pois a organização será rígida para com os que faltarem com suas obrigações. Art. 14 – É importante esclarecer, que qualquer acusação feita por integrantes ou contra estes, até mesmo por pessoas não participantes, serão analisadas e julgadas somente mediante provas concretas, pois aquele que fizer acusação indevida, e sem provas, sofrerá severa punição pois só terá oportunidade quem der oportunidade.

Art. 15 – Todos os membros da cúpula julgadora serão obrigados a aplicar à igualdade em suas decisões e sentenças, onde faltas consideradas gravíssimas ocasionarão a exclusão do integrante da organização, como forma de punição. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, o que motiva a organização será sempre expandir e propagar a união e igualdade das favelas em comunhão com a massa carcerária. Lutaremos pela paz dentro e fora do sistema, sempre com a intenção de somar e jamais de dividir e nem muito menos diminuir. Estabelecendo que o certo prevaleça no crime, sendo o errado cobrado e punido por lutaremos por ideias coletivos e dias melhores de forma incansável, sob a proteção de Deus, que abençoará sempre essa família que surge (documento transcrito conforme original).

Um ponto que atrai os criminosos para essa facção é a flexibilidade no pagamento de mensalidade, conhecida como “caixinha”. Em cada bairro de Fortaleza ou região metropolitana, bem como cidade do interior há um faccionado conhecido como “sintonia”, responsável por receber as informações do grupo que coordena e repassá-las para a “instância superior”. Além disso, também controla o recebimento de mensalidades dos faccionados da região em que ge-rencia.

Assim como em outras facções, a GDE dispõe de uma clara divisão de tarefas. Não há um líder supremo, mas um conselho que busca decidir as demandas da facção. A partir de aná-lise de celulares, cruzamento de informações e entrevistas de testemunhas e suspeitos, a DRACO, conseguiu desenvolver o organograma da GDE. Vejamos:

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*Fonte: DRACO da Polícia Civil do Ceará

Cada “sintonia”, “conselho” ou “grupo” exposto na base desse organograma tem uma função específica. É criado um grupo de WhatsApp específico para cada demanda. Vejamos os significados:

- Missão: destinado a reunir faccionados que estão em liberdade para praticar crimes contra facções rivais;

- Disciplina: destinado a apurar algum desvio de conduta de faccionado. Cria-se um grupo

específico para tratar de determinado caso;

- Punição: é um desdobramento da disciplina. Após confirmar o desvio de determinada

con-duta, será deliberado por qual sanção se aplicará ao faccionado;

- Esclarecimento: quando algum fato está em conflito, leva-se ao conhecimento da “instância superior” para ser explicitado os pormenores;

- Geral da liberdade: responsável por coordenar os “sintonias” da ruas;

- Progresso: destinado a praticar crimes que tragam vantagem pecuniária para facção (furto, roubo, sequestro, dentre outros);

- Edital: quando se propõe cometer algum atentado contra autoridade. Faz-se um levantamento dos fatos;

- Resumo: se dá após o resultado do edital para deliberar acerca do andamento do ato crimi-noso;

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- Geral das caixinhas: responsável por coordenar os valores das mensalidades pagas pelos faccionados;

- Sintonias das cadeias: cada presídio que tenha membro GDE possui (possuía) um coordena-dor que participa desse grupo;

- Sintonias das ruas: cada bairro ou cidade tem um coordenador que fica responsável por

cen-tralizar as informações e repassar para o nível superior da cadeia hierárquica;

- Sintonia dos mapeamentos: controlam a entrada de novos faccionados na facção. Também

conhecido como “análise e batismo”;

Em seguida, estão dispostos os treze “legendários” que, por sua vez, atuam como juízes de questões internas (exemplos: quando determinado faccionado não pagou caixinha, decretos de sanções mais brandas, discussões, dentre outros). Já os treze “conselheiros gerais” são uma espécie de juízes de segundo grau, além de administrarem o financeiro e deliberar ações de atentados contra membros rivais. Por fim, há os treze “conselheiros finais”. É a última instân-cia. São responsáveis por decidirem ações de maior complexidade (exemplo: atentados contra autoridades, chacinas, decretação de seus membros que ocupam funções de destaque).

Diante desse formato, a GDE tomou grandes proporções e, como foi dito anteriormente, houvera o recorde de homicídios em 2017 no Ceará. Por mais que houvessem muitas prisões de lideranças da GDE, ainda havia o pleno controle destes com o mundo externo, o que dificul-tava o trabalho policial no combate ao crime organizado. Com isso, se instalou um clima de pânico em alguns períodos de ataques contra o Estado. Esses episódios de ataques contra cole-tivos e prédios públicos geraram uma queda no turismo. Além disso, os comerciantes fecharam seus respectivos estabelecimentos e moradores viveram trancafiados em seus domicílios.

Em 2018, essa facção protagonizou a maior chacina da história, conhecida como “Cha-cina das Cajazeiras”, ocorrida no dia 27 de janeiro de 2018, que contou com 14 mortos e 9 feridos, uma vez que se declararam autores desse evento fatídico. Segundo Freitas (2018, s.p.):

Relatório final: ‘Chacina das Cajazeiras’ foi aprovada por ‘conselho’ O relatório final sobre as investigações da ‘Chacina das Cajazeiras’, elaborado pela DHPP, apresenta depoimentos de alguns dos indiciados pela Polícia, tes-temunhas oculares, sobreviventes do massacre e até de integrantes do Co-mando Vermelho (CV) e da própria GDE. A partir deles, surgiram possíveis narrativas do decorrer da ação, resultante das 14 mortes e, como os executores banharam o bairro de lágrimas.

Diante do exposto, o foco do Estado foi voltado para desarticulação dessa facção. Com isso, a estrutura do GDE foi devidamente mapeada. As lideranças que se encontravam em li-berdade foram localizadas e capturadas. Os bens dos criminosos foram sequestrados e contas bancárias bloqueadas. A grande maioria dessas prisões ocorreu com uso da inteligência policial judiciária.

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Em janeiro de 2019 o estado do Ceará vivenciou a maior onda de ataques por parte das facções. Isso ocorrera devido a entrada de Mauro Albuquerque que assumiu a pasta da Secre-taria de Administração Penitenciária (SAP). A partir daí o sistema penitenciário foi remodelado e hoje se observa uma estrita observância a Lei de Execução Penal. Ainda no curso de 2019 o restante dos líderes da facção GDE foram presos e alguns deles enviados a Penitenciária Fede-ral. Em consequência, o Ceará registrou a maior queda na taxa de homicídios do país no ano de 2019.

Alguns questionamentos foram apresentados aos Policiais Civis da DRACO da Polícia Civil do Ceará com expertise no combate as facções criminosas. Todos responderam que o marco inicial que ensejou uma investigação mais aprofundada que culminou no mapeamento e prisões de lideranças GDE foi após a Chacina das Cajazeiras.

Além disso, foi unânime o entendimento que a maioria dos líderes GDE se encontram presos, bem como que o Estado detém controle absoluto dos presídios (e não as facções crimi-nosas, como preponderava anteriormente). Restou consignado que as prisões das lideranças do GDE no ano de 2018 e 2019 culminaram com uma queda dos crimes violentos (quando soma-dos a remodelagem no sistema penitenciário).

Em seguida, fora realizada a seguinte pergunta: qual a perspectiva de futuro para GDE? Um dos entrevistados respondeu que a erradicação da GDE ocorrerá com a inanição financeira e a prisão da liderança secundária, pois gerará a conscientização na base que não compensa pertencer a facção criminosa. Se trata de uma ação complexa, pois a erradicação da GDE tem que ser acompanhada de uma ação equivalente com as demais facções criminosas atuantes no Ceará (PCC e CV), com o fito de evitar que os demais grupos criminosos se sobreponham. Todavia, em linhas gerais o restante dos entrevistados não acredita no fim da facção GDE.

Para finalizar, foi respondido o seguinte questionamento: quais ferramentas de inteli-gência foram utilizadas no mapeamento e prisão de lideranças GDE? Em linhas gerais os en-trevistados responderam: análise de vínculos, análise de registros de chamadas telefônicas, aná-lise de dados armazenados em nuvens, georreferenciamento de dados, elaboração e anáaná-lise de fluxograma temporal de eventos, análises minuciosas de celulares apreendidos, análise de redes sociais e cruzamento de dados.

Depois de ter sido apresentado as peculiaridades do GDE, desde o seu surgimento, pas-sando pela sua evolução até culminar com o seu declínio, será apresentado no próximo capítulo quais as ferramentas utilizadas pela inteligência policial judiciária que fizeram com que hou-vesse a prisão das lideranças e mapeamento da facção GDE.

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3. FERRAMENTAS UTILIZADAS PELA INTELIGÊNCIA POLICIAL JUDICIÁRIA DO ESTADO DO CEARÁ PARA COMBATER A FACÇÃO CRIMINOSA GUARDI-ÕES DO ESTADO

Ao ratificar o que foi dito anteriormente, a Inteligência Policial será benéfica para que as forças de segurança possam se antecipar a determinados eventos delituosos, além de elaborar estratégias de ação no combate ao crime organizado. Diante de uma Inteligência Policial Judi-ciária forte, facilitará sobremaneira na tomada de decisões, além da realização de trabalhos es-pecíficos de Polícia Judiciária.

A despeito do papel da Inteligência Policial Judiciária no assessoramento à investigação policial, Costa (2017, p. 63) aduz:

As técnicas tradicionais da Investigação Policial normalmente utilizadas na apuração de crimes oriundos da criminalidade de massa dispõem de eficiência limitada na repressão a essas organizações. No nível operacional, a Atividade de Inteligência Policial Judiciária pode assessorar uma investigação policial mais complexa, considerando-se as características que lhe são intrínsecas, o que potencializa a eficiência do processo investigativo com foco em uma or-ganização criminosa.

A ameaça do crime organizado à segurança interna impele alguns serviços de inteligência, que não realizam a Inteligência Policial, ao acompanhamento da criminalidade organizada.

O primeiro passo para se combater uma organização criminosa é conhecê-la profunda-mente. Nesse sentido, a DRACO da Polícia Civil do Ceará utilizou a seguinte estratégia para combater a GDE: o primeiro momento se deu com o seu mapeamento, ou seja, foi realizado um levantamento dos locais em que essa organização criminosa tinha atuação, bem como dos deli-tos que seus membros cometiam, uma vez que o foco principal é compreender o funcionamento desse mecanismo. Vide modelo de mapeamento desenvolvida pela DRACO:

Fonte: DRACO da Polícia Civil do Ceará (dados levantados no início de 2018)

Em um segundo momento, a DRACO atuou em três vertentes. A primeira delas foi lo-calizar e prender as lideranças que se encontravam em liberdade (“sintonias” de bairro,

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“legen-dários”, “conselheiros gerais” ou “conselheiros finais”), bem como sequestrar os seus respecti-vos patrimônios. Além disso, foram confeccionados relatórios técnicos de lideranças para que pudessem ser transferidos à Penitenciária Federal. Por último, houveram operações recorrentes para atacar a base desse grupo criminoso com o fito de desestimular o ingresso de eventuais novos faccionados.

A seguir, serão elencadas algumas ferramentas utilizados pela IPJ da DRACO que po-tencializaram a eficiência de suas ações na assessoria das investigações policiais com foco nas organizações criminosas.

O primeiro banco de dados da Polícia Civil do Ceará foi o SIP3w, que passa constante-mente por aperfeiçoamento. Este programa consegue identificar as ocorrências por nomes de pessoas físicas ou jurídicas, apelido ou documento, bem como realizar estatísticas minuciosas. Integrado ao banco de fotos do Departamento de Trânsito do Ceará (Detran), as fotografias são as mais atualizadas. O perfil de inteligência permite ter acesso a todos os depoimentos e demais peças contidas nos procedimentos policiais. Isso ajuda o NUIP da DRACO no cruzamento de dados e análise de vínculo das facções.

Outro sistema similar é o Consulta Integrada da Secretaria de Segurança Pública e De-fesa Social (SSPDS) do estado do Ceará. Além de possuir algumas das ferramentas supramen-cionadas, esse sistema permite ter acesso a base de dados do Detran, facilitando a pesquisa de investigados por CPF, CNPJ e por placa de veículo (além de fazer uma pesquisa por fragmentos de placa).

O estado do Ceará tem sido pioneiro em algumas tecnologias dentro da proposta de Big

Data.1 Durante o 9º Fórum de Tecnologia e Inovação em Segurança Pública, Costa (2019, s.p.)

apresentou o Big Data “Odin”, bem como o painel analítico “Cerebrum”,2 que, por sua vez, reuniu em torno de 50 bancos de dados de instituições públicas e privadas. Essa ferramenta fornece informações que auxiliam o processo de investigação, inteligência e tomada de decisão (SSPDS, 2019).

Outro caso exitoso no Ceará é o Sistema Policial Indicativo de Abordagem (SPIA).3 Em entrevista ao Superintendente de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), Aluísio

1 Termo da língua inglesa utilizado para designar um grande volume de dados, organizados ou não, de maneira ordenada. Em outras palavras, refere-se a capacidade de armazenamento e processamento de um número imen-surável de informações distintas entre si (EDUCAÇÃO, SOS tecnologia, 2018).

2 Sistema que fornece informações em tempo real, facilitando o processo de investigação, inteligência e tomada de decisão.

3 Trata-se de um programa que integra diversas câmeras de monitoramento no Estado e tem por foco recuperar veículos furtados ou roubados.

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Lira, este revelou que o programa foi iniciado em maio de 2017, com pouco mais de 100 câme-ras. Hoje, o SPIA integra em torno de 3.300 câmeras pertencentes ao Governo do estado do Ceará, Polícia Rodoviária Federal e Guarda Municipal de Fortaleza (MÉDIA..., 2019).

A última plataforma lançada pela SSPDS do Ceará foi o Portal de Comando Avançado (PCA). Se trata de mais um recurso de trabalho criado com o objetivo de fornecer informações gerenciais para a área operacional e administrativa da SSPDS. Todavia, esse dispositivo detém a ferramenta de reconhecimento facial. Com isso, uma simples fotografia de uma pessoa não identificada é inserida nesse sistema que, por sua vez, confronta com as fotografias constantes nos bancos de dados policiais, apresentando todos os indivíduos que detenham as mesmas ca-racterísticas em percentuais de probabilidades.

Uma ferramenta bastante utilizada pelas polícias do Brasil é o Sistema Nacional de In-formações de Segurança Pública (Sinesp). Vide sua definição (Ministério da Justiça e Segu-rança Pública, 2020):

O Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Ras-treabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Dro-gas (Sinesp) é uma plataforma de informações integradas, que possibilita con-sultas operacionais, investigativas e estratégicas sobre segurança pública, im-plementado em parceria com os entes federados. Ele foi criado pela Lei 12.681, de 04 de julho de 2012 e, com a publicação da Lei 13.675, de 11 de junho de 2018, o Sinesp firmou-se como um dos meios e instrumentos para a implemen-tação da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), instituindo-se o Sistema Único de Segurança Pública (Susp).

A plataforma mais utilizada pelo NUIP da DRACO é o Sistema de Informações Confi-denciais (SIC). Esse programa permite inserir uma série de informações sobre alvos, operações, trechos de diálogos de interceptações telefônicas relevantes, organogramas, análise de vínculos, análise de fluxograma temporal de eventos, análise de redes sociais e cruzamento de dados. Nesse sistema, cada alvo tem o seu “dossiê”. Todos os organogramas desenvolvidos pela DRACO de baixa complexidade são desenvolvidos no SIC. Vide o modelo de uma análise de vínculo de um núcleo criminoso do GDE atuante no interior do Estado:

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Em relação a análise de vínculos, Costa (2017, p. 67) esclarece:

A expressiva quantidade de informações relatada de maneira prévia, após a sua coleta, necessita ser processada. Para tanto, é realizado um estudo minucioso de todos os dados obtidos, estabelecendo a sua relevância, buscando identificar padrões, além de comparações ao relacionar fatos, eventos, pessoas e organi-zações, sempre observando o dado de forma isolada, exclusiva, comparando-o, depois, tanto com o todo quanto com outros.

Algo bastante utilizado pela inteligência policial são as fontes abertas, principalmente as redes sociais Facebook e Instagram. Nessas plataformas já foi possível identificar centenas de faccionados e respectivos familiares, além de grupos voltados para práticas criminosas. Im-pende destacar que, mediante autorização judicial, essas redes sociais fornecem a valiosas in-formações. A interceptação telemática já é uma realidade nas investigações policiais da DRACO e tem se mostrada uma grande aliada no combate ao crime organizado. O NUIP da DRACO compila as informações obtidas e direcionam na atuação estratégica ou operacional.

A partir da identificação de perfis de usuários relevantes NUIP da DRACO, as Autori-dades Policiais dessa Delegacia representam pelo afastamento de sigilo telemático com o fito de obter junto as empresas Facebook e Instagram dados cadastrais dos usuários, endereços de IP4 e horário da criação das respectivas contas e portas lógicas5, e-mail principal e secundário, telefones de confirmação, bem como demais informações constantes no banco de dados de car-tões de crédito.

Essa representação também permite obter informações junto a empresa Google. Por-tando apenas terminal telefônico, IMEI6 do aparelho celular ou e-mail, é possível obter várias informações como, por exemplo: obtenção de dados cadastrais das contas solicitadas, nome e outros endereços de e-mail vinculados, conteúdo de fotos armazenadas no Google Fotos7, rela-ção dos locais salvos no Google Maps8, histórico de localização e deslocamento em determi-nado período, listagem das redes wifi9 acessadas pelo dispositivo, conteúdo armazenado no Google Drive10.

4 O termo é a sigla para Protocolo da Internet, ou Internet Protocol, em inglês. Esse protocolo funciona de forma semelhante ao CPF de uma pessoa física, permitindo que conexões e dispositivos sejam identificados a partir de uma sequência numérica (SALUTES, 2018, s.p.).

5 As portas lógicas configuram um mecanismo técnico que permite o compartilhamento de endereços de IP por mais de um usuário de internet (Facebook..., 2018).

6 É um código numérico único e global que identifica celulares internacionalmente. Isso significa que não existem IMEIs iguais, eles são exclusivos para cada aparelho de celular (VOCÊ..., 2018)

7 O Google Fotos surgiu para salvar o espaço de armazenamento dos smartphones e do computador (18..., 2017). 8 O Google Maps é uma das ferramentas mais versáteis e úteis do Google. Mais do que exibir um simples mapa

dos seus arredores, ele também une rotas de trânsito, lugares para visitar em uma cidade, orientações de trans-porte público, entre várias outras funcionalidades em um único aplicativo (JUNQUEIRA, 2018).

9 Wi-Fi é uma abreviação de "Wireless Fidelity", que significa fidelidade sem fio, em português. Wi-fi, ou wireless é uma tecnologia de comunicação que não faz uso de cabos, e geralmente é transmitida através de frequências de rádio, infravermelhos etc (SIGNIFICADO ..., 2018)

10 O Google Drive é uma ferramenta de armazenamento em nuvem oferecem uma variedade de aplicativos utilitá-rios, como: planilhas, documentos, apresentações, agenda e muito mais (CANCELA, 2018).

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Nesse contexto, também é possível a utilização de diversos dados junto a empresa Ap-ple. Uma representação de afastamento de dados telemáticos permite obter dados cadastrais das contas de e-mail vinculadas, nome e outros endereços de e-mail vinculados, fornecimento dos arquivos (áudio, vídeo, imagens) e demais dados armazenados no serviço ICloud11, dados ar-mazenados na aplicação IMaps12 (histórico de pesquisa, pontos de interesse, etc.), histórico de localização e deslocamento registrado na ferramenta “Locais Frequentes” em “serviços do sis-tema”.

Um caso concreto investigado pela DRACO em que o alvo era um suposto fundador da facção GDE foi exitoso devido o conteúdo encaminhado pela empresa Apple mediante autori-zação judicial. A Apple enviou todos os pedidos constantes no parágrafo anterior que, atrelado a investigação policial, foi possível convencer o colegiado da Vara de Delitos de Organizações Criminosas. Com isso, o réu foi condenado a 18 anos e 6 meses de prisão pelos delitos de organização criminosa, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Quanto aos veículos de luxo pertencentes ao faccionado, foram dados perdimentos à Polícia Civil do Ceará.

Não menos importante é obtenção de informações junto a empresa WhastApp. A repre-sentação judicial permite obter os dados cadastrais da conta, informações do aparelho, versão do aplicativo, data e horário do registro, status de conexão, última conexão com data e hora, endereço de e-mail, registros de acessos IP´s e IP da última conexão; histórico de mudança de números; perfil do usuário com foto, nomes dos grupos, seus administradores, integrantes dos grupos com seus respectivos números de telefones e fotos, dentre outras informações.

Outra fonte de obtenção de informação com o fito de localizar investigados é a repre-sentação junto a empresas de aplicativos para que forneçam acesso a toda e qualquer informa-ção existente em seus bancos de dados no tocante a nome de usuários, CPF, e-mail ou terminais telefônicos. Junto às empresas Uber e 99POP, por exemplo, é possível obter a geolocalização13 dos alvos, corridas realizadas (local de busca e local destino), MAC Adress14 e IP utilizados para cada corrida, número de telefone e e-mail vinculados a conta, número de IMEI, dados de cartão de crédito supostamente utilizado, CPF ou outros números de identificação.

11 O conceito-base do iCloud é o armazenamento de arquivos em uma “nuvem”, um servidor online de grande capacidade. Com isso, você não precisa mais do disco rígido do seu aparelho para guardar seus dados. O iCloud sincroniza todos os dispositivos Apple com uma espécie de pasta online gratuita, com 5 GB de espaço, que pode receber fotos, arquivos de texto, contatos e até aplicativos (BARROS, 2011).

12 É o aplicativo e serviço de mapas da Apple para sistemas iOS e macOS. Com ele é possível visualizar mapas do mundo todo com as tradicionais imagens de ruas e divisas ou de satélite (BRITO, 2020).

13 Processo pelo qual é estabelecido, o local exato onde você se encontra (latitude e longitude) através de seu IP (Internet Protocol) e também define as horas de quando foi localizado (GEOLOCALIZAÇÃO, 2012). 14 MAC é a sigla de Media Access Control, ou seja, o Endereço MAC nada mais é que o endereço de controle de

acesso da sua placa de rede. É um endereço único, com 12 dígitos hexadecimais, que identifica sua placa de rede em uma rede (GUISS, 2010).

Referências

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