Euribléfaro e ectrópio congênitos associados
a síndrome de Down
*Euryblepharon and congenital ectropion associated with Down's syndrome
Décio Brik(t)
Marcelo T. Cenovicz(2)
Gilvani A. de Oliveira e Cruz(3)
* Trabalho realizado na Clfnica O.ftaJtnoMgica do Hospital de CIinfcas da UFPr.
(1) Residente R2 (1989) do Dep. de OftaJmologia do Hospital de C1Inicas da UFPr.
(2) Residente RI (1989) do Dep. de Oftalmologia do Hospital de C1Inicas da UFPr.
(3) Prof_or Adjunto do Departamento de Ci-rurgia PI4sdca da UFPr. TCBC
Endenço para ClOlTespondênda: Dr. DtCIO BRIK - Rua Jacarezinho 363 - 80510 - CUritiba - PR
ARQ. BRAS. OFrAL. 53(5), 1 990
RESUMO
Um caso de euribléfaro e ectrópio congênitos associados a sín drome de Down é descrito.
O euribléfaro é uma anomalia palpebral congênita e consiste em um aumento primário e bDateral das fissuras palpebrais geralmente acompanhado de ectrópio congênito.
Discufe-se o dignóstico diferencial e as diversas hipóteses propos tas para expUcar o aparecimento desta malformação, bem como as indicações para sua correção.
Palavras-chave: Euribléfaro, Ectr6pio congénito, Srndrome de Down, Mongolismo, Fissura palpebral.
INTRODUÇÃO
Euribléfaro é uma rara alteração palpebral congênita e consiste em um aumento simétrico e bilateral das 11Ssuras palpebrais geralmente acom panhado de ectr6pio congênito(1).
Falha no fechamento das pálpe bras, lagoftalmo e ceratite por expo sição podem estar presentes em ca sos graves(2).
Esta anomalia foi descrita origi nalmente por Desmarres em 1 854 e revisada por Duke-Elder que rela cionou os casos da literatura, de monstrando a limitada incidência e a variabilidade de apresentações clíni cas desta condição(1).
Embora as manifestações oculares da síndrome de Down já terem sido exaustivamente enumeradas pela lite ratura médica e oftalmol6gica não encontramos relato da associação entre euribléfaro e mongolismo; a literatura sobre esta malformação é pouco extensa e não existe uniformi dade de termos, razão pela qual de cidimos publicar o presente caso.
RELATO DO CASO
Paciente de 5 anos de idade, raça negra, foi trazido à Clínica Oftal mol6gica porque apresentava difi culdades em fechar as pálpebras, desde o nascimento. Os pais relata vam um lacrimejamento constante e visão deficiente. A criança deambu lava com dificuldade e não falava. Hist6ria familiar negativa para alte ração ocular semelhante.
Ao exame clínico apresentava importante diminuição no desenvol-· vimento psicomotor e prega palmar dnica bilateral característica da sín drome de Down.
Ao exame ocular constava-se um aumento bilateral das 11Ssuras palpe brais que mediam 30.5 mm por 1 3 mm n o OD e 3 1 m m por 13 mm OE com os olhos na posição primária (Fig. 1).
A pele das pálpebras apresentava tensão aumentada e havia impressão de diminuição da proporção vertical do tarso e conjuntiva palpebral em AO.
219
http://dx.doi.org/10.5935/0004-2749.19900011
Euribléfaro e ectr6pio congênito associados a síndrome de Down
Fig. 1 -Face de pacientes mostrando aumento
simétrico e bilateral das fissuras palpebrais, ec tr6pio das quatro pálpebras e ceratite por exposi ção.
As pálpebras superiores mediam 9 mm e as inferiores 4.5 mm tomando se as medidas a partir dos rebordos orbitários superiores e inferiores até a borda livre das pálpebras em sua linha média. Observava-se ausência do sulco palpebral superior e presen ça de ectr6pio das quatro pálpebras mais pronunciado no terço lateral (Fig. 2).
Lagoftalmo e leucoma vasculari zado ocupando a metade inferior da c6rnea em AO. O diâmetro corneano era de 10 mm em AO. A análise ci togenética revelava uma constituição cromossômica 47 X Y + G confIT mando a hip6tese de trissomia do 2 1 .
DISCUSSÃO
As alterações palpebrais estão entre as principais manifestações oculares da s{ndrome de Down. As pregas epicantais e a tCpica fenda mong6lica podem ser encontradas em até 1 00% dos portadores desta s{ndrome(3) •
Eversão palpebral congênita tam bém já foi descrita em recém-natos que posteriormente apresentaram es tigmas de mongolismo (4).
Alguns autores sugeriram a exis tência de anormalidades estruturais pouco conhecidas nas pálpebras dos pacientes com trissomia do cromos soma 2 1 , em uma tentativa de expli car o éomprometimento palpebral
220
Fig. 2 -Detalhe do olho direito. Nota-se o ectr6-' pio mais pronunciado no terço lateral da pálpe bra inferior, lagoftalmo e leucoma vascularizado.
nesta s{ndrome(5). Entretanto o euri bléfaro é uma condição bastante rara e a sua associação com a sCndrome de Down, até o nosso conhecimento, é inédita.
Devido a sua variabilidade de apresentações clCnicas existem di vergências quanto aos critérios ado tados para o diagn6stico, que deve ser feito ao evidenciar-se um au mento das fissuras palpebrais, con gênito e primário, tanto no sentido horizontal quanto no sentido verti cal(6-10).
DUKE-ELDER relata que o ta manho das fissuras palpebrais nor mais é relativamente constante e no adulto varia de 28 a 30 mm no senti do horizontal por 12 a 14 mm no sentido vertical, estando os olhos em posição primária( 1 ).
O ectr6pio congênito que fre qüentemente é encontrado fazendo parte da anomalia varia de moderado a severo, sendo mais pronunciado nas pálpebras inferiores(2).
Nos casos graves de euribléfaro existem falha no fechamento das pálpebras e cemtite por exposição(8).
Aumentos secundários da fenda palpebral causados por anomalia s tarsais, buftalmo, estafiloma s, pro ptose, cistos orbitários e doenças da pele como ictiose congénita devem ser excluídos ao realizar-se o diag n6stico de euribléfaro(1 0).
Alguns autores descreveram esta malformação em gerações consecuti vas, postulando a hip6tese de
pre-Fig. 3
disposição genética e herança de ca ráter autossômico dominante(7, 9).
As causas desta anomalia perma necem desconhecidas. Revisando a litemtura encontramos diversas teo rias propostas para explicar seu apa recimento, entre elas o aumento da tensão dâ pele das pálpebras, contra ção anormal das fibras do platisma, deslocamentos inferiores dos liga mentos cantais lateral e hipoplasia do tarso e porções do ml1sculo orbi culw;.(8, 10).
O tratamento do defeito palpebral varia dependendo da severidade do caso. Nas anomalias modemdas em que a deformidade é somente estética o tratamento é conservador. Nos ca sos graves, com comprometimento corneano, combina-se a tarsorrafia lateral com enxerto de pele visando corrigir o encurtamento da pele das pálpebras(l1 ).
SUMMARY
A case 01 euryblepharon and con genital ectropion is relatlld.
Euryblepharon is a congenital and rare disorder consisting 01 a symmetrical enlargement 01 the ppl
pebral ap(!rture as a primary ano
maly.
There is a wide variability in the clinical presentatipn and congenital ectropion is usually present,
The main ocular findings, causes and treatment indications are de tailled.
Euribléfaro e ectrópio congênito associados a sfndrome de Down
BIBLIOGRAFIA
1. DUKE-ELDER, Sd: System of 0l?hthal
mology VoI. 3 2" Parto Henry Klmpton London, 1964; pag. 84 1 .
2 . GUPTA, J . S.; KUMAR, K.: Euryblepha ron with Ectropion. Am. J. Ophthalmol.
1 968; 66: 554-6
3. SOLOMONS, G.; ZELL WEGER, H.; JA
NHKE, P.G.; OPITZ, E.: Four Common
Eye Signs in Mongolism. Am. J. Dis. Child.
1965; 1 10: 46-50
4. GILBERT, H. D. et Cols: Congenital Upper
Eyelid Evemon and Down's Syndrome. � J. OphthalmoI. 1 973: 75: 469-72 5. SUTTERLE, H.; GOTTESLEBEM, H. U.:
Konnatales Ektropion der Oberliden und
Mongolismos. K1in. MbI. Augenheilk.
1 967; 150: 552-6
6. GUPTA, A. K.; RAMAMURTHY, S.;
SHUKLAN, K. N.: Euryblepharon A Case
Report. J. Pediat. OphathalmoI. 1972; 9:
173-4
7. WOLTER, J. R.: Familial Euryblepharon.
J. Pediat. OphthalmoI. 1 972; 9: 175-6
8. KEIPERT, J. A.: Euryblepharon. Brit. J.
Ophth. 1 975; 59: 57-8
9. DAVIS, G. V.; LAURING, L.: Familial
Euryblepharon Associated with latent Nis
tagmus, Alternating Sursumduction and
Esotropia. J. Pediat. Ophthalmol. 1974; 1 1:
86-7
10. McCORD. Jr., C. D.; CHAPELL, G.;
POLLARD, Z. F.: CongenitaI Euryble
pharon. Ann. Ophthalmol. 1 979; 45: 1217
1 1. FOX, S. A.: Ophthalmic Plastic Surgery. 5!
Ed. Grune & Straton New York, 1976; Pág. 469