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V Congresso Internacional e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental

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Academic year: 2021

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V Congresso Internacional e XI Congresso Brasileiro de

Psicopatologia Fundamental

6 a 9 de setembro de 2012

UNIFOR - Fortaleza - CE

Mesa redonda 90

Título: Corpo e Toxicomania

Marianna T. Oliveira Ana Cristina Figueiredo

Comecemos pelo caso que motivou este trabalho:

Pedro tem 41 anos e se trata em uma instituição psiquiátrica desde 1997 com várias interrupções. Conta com cerca de dez internações curtas na história de seu tratamento, ora por intoxicação pelo uso de cocaína, ora por tentativa de suicídio através da ingestão de medicamentos. Pedro é o filho caçula de três irmãos e sua relação com a mãe é intensa e conturbada. Em sua história de uso de drogas, toda vez que vendeu tudo o que tinha para comprar cocaína, a mãe comprou tudo novamente. Aos 28 anos foi expulso de casa e não teve mais acesso ao endereço da mãe, que se mudou de onde moravam juntos. Desde cedo Pedro não ocupava um bom lugar no desejo da mãe. Ela o identificava com seu pai, alguém de quem sempre falou mal e de quem se separou grávida de Pedro, mudando-se de uma cidade para outra com os três filhos. Pedro cresceu ouvindo sua mãe falar mal de seu pai e dizendo que os dois eram muito parecidos. Só conheceu o pai aos oito anos de idade. Aos treze, seu pai faleceu. Pedro apresenta o pai como a mãe o descreve, alguém que não tinha responsabilidade. E por esse viés encontramos um dos significantes mestres a que Pedro se aliena, a saber, o “vagabundo”, significante atribuído pela mãe.

Pedro fica marcado pelos significantes maternos, lançando-o em uma identificação imaginária ao pai como “drogado”, “fracassado”, que “vai morrer pobre”. Essa identificação com o pai fracassado, entretanto, pode vacilar em alguns momentos. Pedro não fica inteiramente colado a este significante, o que aponta para alguma operatividade do Nome-do-Pai que permite essa separação. Sua mãe encarna

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esse Outro cujo desejo parece ser entregá-lo ao pai num vaticínio do tipo “tal pai, tal filho”. A resposta de Pedro à mãe é a de pensar a si mesmo como “doente” grave que, se por um lado aponta para a ausência de esperança para ele, pondo em risco o trabalho analítico e mesmo sua vida, por outro se apresenta como invenção de Pedro, trabalho na direção de uma tentativa de separação dos significantes do Outro. O principal conflito de Pedro se apresenta como uma divisão entre estes dois significantes: o “doente” um significante novo, e o “vagabundo”, o significante materno. O uso de droga oscila entre o doente e o vagabundo, sustentado nos dois significantes. Ora a droga faz de Pedro um “vagabundo” que não consegue nada na vida e se entrega ao gozo desmedido, ora a droga faz de Pedro um “doente” que precisa de tratamento e cuidados.

Os desenvolvimentos de Fabián Naparstek (2005) sobre a toxicomania na clínica nos ajudam a localizar melhor que função a cocaína tem para Pedro. O autor fará referência ao que chama de tese freudiana e de tese lacaniana, versão que construiu através das formulações de Freud e Lacan sobre o assunto. Naparstek localiza a “Carta 79” de Freud como marco importante para pensar a questão da adicção. “(...) Comecei a compreender que a masturbação é o grande hábito, o “vício primário”, e que é somente como sucedâneo e substituto dela que outros vícios – álcool, morfina, tabaco etc. – adquirem existência” (FREUD, 1897:323). Freud define, portanto, a masturbação como o primeiro vício, localizando outros como substitutos daquela, secundários em relação à masturbação. Naparstek então localiza o que Freud quer dizer com a ideia de que “a masturbação é o grande hábito”, apontando para a estreita relação desta com o autoerotismo. No texto “Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade” de 1908, Freud desenvolve seus pensamentos sobre a masturbação, e nos fala da importância da fantasia inconsciente na vida sexual do sujeito, idêntica à fantasia que servia para dar satisfação sexual durante o ato masturbatório, o qual analisa assim:

Nesse período, o ato masturbatório (no sentido mais amplo da palavra) compunha-se em duas partes. Uma era a evocação de uma fantasia e a outra um comportamento ativo para, no momento culminante da fantasia, obter autogratificação. Como sabemos, esse composto estava em si simplesmente soldado junto. Originalmente o ato era um processo puramente auto-erótico que visava obter prazer

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de uma determinada parte do corpo, que pode ser denominada erógena. Mais tarde, esse ato fundiu-se a uma ideia plena de desejo pertencente à esfera do amor objetal, e serviu como realização parcial da situação em que culminou a fantasia (FREUD, 1908:150).

Vemos que Freud divide o ato masturbatório em duas partes, uma relacionada à evocação da fantasia e a outra referente aos movimentos mecânicos de se tocar para produzir excitação, partes que se encontram fundidas. Ocorre que Freud diz também que em algum momento do passado, tínhamos apenas os movimentos mecânicos aos quais chama de “puramente autoeróticos”. Somente em um segundo tempo é que aparece a fantasia, que se fusiona a isto. Naparstek propõe que chamemos essa primeira ocasião, em que reina um autoerotismo puro, de tempo zero, compreendido como momento mítico. O tempo primeiro seria o da fusão entre movimentos mecânicos e a fantasia, ou “onanismo como solda” como chama o autor. Teríamos ainda um terceiro tempo a que Naparstek chama de tempo 2, o tempo do sintoma, que extrai na sequencia do texto de Freud que estamos trabalhando. Freud (1908) nos fala de três condições necessárias para o surgimento de um sintoma. A primeira é a cessação da masturbação, pois não é possível manter a masturbação e produzir um sintoma ao mesmo tempo. A segunda condição é que não ocorra uma satisfação substitutiva e por último, é necessário que a fantasia se torne inconsciente. Reunindo estes três requisitos, é possível que advenha o sintoma.

Naparstek sublinha a importância do exemplo de Freud do onanismo como solda ou o que chama de tempo 1 no que depois será destacado por Lacan com a ideia de que o significante marca o corpo. Ou seja, um simples pensamento pode provocar a excitação corporal. O autor nos diz entender que Freud localiza a adicção como substituto do puro autoerotismo sem sentido algum, prévio a uma articulação com a fantasia ou com a palavra, onde teríamos apenas movimentos mecânicos sem conexão com uma significação qualquer. O tempo 1 (onanismo como solda) seria o momento, portanto, em que há uma inscrição do falo. A saber, quando o órgão passa a responder à palavra, ao simbólico e pode se tornar um instrumento que pode se relacionar com o outro sexo. Há aqui uma articulação entre movimentos mecânicos e fantasia. É neste sentido que Naparstek acredita que Lacan retoma esta tese freudiana, quando enuncia

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sua própria tese, a de que a droga é o que permite romper o casamento com o pequeno-pipi (LACAN, 1975).

O autor ainda adiciona características ao tempo zero e ao tempo um, pondo no primeiro o pênis enquanto órgão e no segundo a inscrição do falo, a ideia de instrumento. Nos fala que é possível localizar dentro do campo fálico duas modalidades diferentes de satisfação: (1) pela via do onanismo como solda, que implica em um gozo auto-erótico que mantém um laço com o falo, mas que tem a característica de ser estanque, preso e (2) o sintoma ou o amor, que implicam em deslocamento e em jogo significante, possibilitando equações fálicas. O autor ressalta ainda que há diferença entre o falo estar inscrito e o falo ser posto em funcionamento. Desta forma, a inscrição fálica não garante seu funcionamento enquanto função que dá medida às coisas. O que Naparstek chama de “a verdadeira toxicomania” no sentido da tese lacaniana seria uma satisfação fora da regulação fálica, que Freud chama de puramente auto-erótico, quando a droga rompe com o falo e se perde toda medida. Seria o que acontece na overdose.

Retomando o caso de Pedro, sabemos que sua relação com drogas se iniciou em 1984, aos quatorze anos começou a experimentar todas as drogas que havia disponíveis: maconha, álcool, cocaína e cogumelos. Diz que se sentia mais inteligente quando se drogava. Aos poucos foi estreitando seus laços com a dupla cocaína e álcool e hoje diz que não tem mais uma questão com o álcool. Parou de beber e não sente vontade. Diz que seu “problema é a cocaína” e que suas “recaídas” são diferentes de um tempo para cá. Quando acontecem, ele consegue parar de se drogar no mesmo dia. Ele acredita que hoje tem maior controle, o que nem sempre acontece na prática. Afora isso, não tem mais um uso social da droga. Aliás, diz não ter relações sociais. Quando se droga, o faz sozinho em sua casa. Poderíamos situá-lo neste tempo primeiro, o da masturbação como solda, em que a droga permite um gozo fálico, ainda que a fragilidade deste mantenha no horizonte um gozo no corpo que ratifica uma queda do sujeito como objeto, uma entrega à inércia, mais próximo do tempo zero de que nos fala Naparstek.

O gozo fálico se apresenta quando ele nos diz que a droga é seu “único prazer”, que aumenta sua autoestima, com a qual sente “orgasmos múltiplos”, “como se você deitasse e ficasse fazendo sexo sem parar.” Pedro fala ainda do “controle” que faz do seu uso de cocaína, que consegue parar no mesmo dia, que sempre compra a mesma quantidade. Essa descrição que faz Pedro aponta para uma inscrição do falo,

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que permite uma certa medida. Mas, por outro lado, com a cocaína ele não precisa buscar uma mulher, pois consegue recuperar uma satisfação autoerótica pela via fálica, consegue encontrar-se com alguma coisa que remeta à existência de sua virilidade, de sua potência. A cocaína poderia ser pensada como significante que dá nome a este objeto que Pedro tem sucesso em encontrar, que de alguma forma sabe manipular, com o qual sabe “se virar”. Pois Pedro não sabe “se virar” com quase nada que diga respeito às exigências da vida como sustentar um trabalho, um encontro com o Outro sexo, ao modo de uma relação afetiva, ou cuidar de sua casa. A crença de Pedro de que é um “animal” que deve ser “extinto” por não conseguir se adaptar faz coro com o que diz sua mãe, que acredita que o filho não terá “nada” quando ela morrer.

Há uma enorme dificuldade de Pedro em se separar de sua mãe. Suas tentativas se dão por uma recusa do que ela lhe dá e lhe demanda. Entretanto, não segue a partir daí, buscando na vida algo que possa afirmar e tomar como direção. Insiste repetidamente que tem uma doença grave que não sabe bem o que é, mas que está relacionada a uma dificuldade em se adaptar ao mundo. Pedro estaciona nessa recusa mas volta a se dirigir à mãe, no que chama uma “compulsão de pedir”. Pede para que sua mãe o reconheça como sujeito, condição capaz de garantir suas possibilidades de vida. Pedro vacila entre acreditar em sua mãe e destituí-la, jogando fora tudo que dela vem, culpando-a de tudo que lhe acontece na vida. A droga se apresenta aqui trazendo uma dimensão de separação da mãe. Nos momentos em que estava se drogando com frequência sentia prescindir da mãe por um lado e por outro, sentia tê-la mais perto, suportando melhor sua ausência e sua presença. Por essa via, a droga seria um instrumento para barrar esse Outro consistente que a mãe encarna para Pedro. Ao mesmo tempo, consistiria num apelo de cuidado, ratificando um lugar de dependente da mãe. Eis o paradoxo.

Quanto à potência que Pedro diz experimentar com a cocaína, que pode até provocar uma disposição de se movimentar na vida, não se sustenta por muito tempo e fatalmente lança-o na inércia de que se queixa. Quando não chama de “inércia”, nomeia de “prostração” o que experimenta na maior parte do tempo. Passa os dias dormindo e o resto do tempo vendo televisão. Vai deixando a casa virar “um nojo”, não consegue “fazer nada”, não tem vontade alguma. Fora da inércia ou da prostração, abre-se um pequeno espaço para o “movimento” de arrumar a casa, de entregar currículos, de malhar, “movimento” que ele não sustenta por muito tempo.

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Pensando desta maneira, diríamos que não parece haver um rompimento do casamento com o pequeno-pipi como nos fala Lacan. Pedro ainda sustenta de algum modo algo da função fálica, contribuindo para a manutenção deste ‘casamento’, ainda que seja precário.

Em suma, a droga para Pedro circularia entre um gozo fálico e um gozo no corpo, apontando para uma vacilação entre um e o outro. O primeiro trazendo uma ilusão de potência que pode permitir algum movimento que logo se perde, não se sustenta, desembocando no segundo, na “prostração” ou “inércia” do gozo no corpo. É nesta inércia que podemos localizar o rompimento do “casamento com o pequeno pipi”, principalmente quando entra em ação sua força destrutiva que se acompanha de um uso desenfreado de cocaína, em que perde a medida fazendo valer um gozo no corpo de consequências perigosas, um “gozo perigoso”, como nos fala Lacan no Seminário 18 (1971) desmedido, mortífero.

Pedro tem diversas internações por tentativa de suicídio, o que mais uma vez indica uma ruptura com o falo, um desligamento do Outro, como se não houvesse nenhuma solução possível para sua dor que pudesse se articular pela via da palavra, que pudesse ser encontrada no campo do Outro. Mas sustentamos que há uma inscrição fálica para Pedro, uma vez que não se trata de um psicótico, embora seu funcionamento se dê de forma limitada, impedindo a possibilidade de que aconteçam deslocamentos que permitam investimentos em outros objetos.

O que nos chama a atenção neste caso é que observamos que a droga cumpre mais de uma função para Pedro: opera tanto como tentativa de separação da mãe invasiva podendo permitir o acesso ao gozo fálico, quanto na direção de uma inércia no corpo, de um gozo perigoso, excessivo. O primeiro parece ser o motor que o faz se movimentar e administrar minimante sua relação com a mãe, ainda que este arranjo se desfaça com facilidade. O segundo desfaz qualquer ligação ao falo, trabalhando mais para a inércia da pulsão de morte quando o uso da droga se intensifica para um gozo no corpo desenfreado que o deixa impotente frente à vida.

BIBLIOGRAFIA

FREUD, S. (1897) Carta 79, em Edição Standard das Obras Completas, ESB, vol.1, , Rio de Janeiro, Imago

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______. (1908) Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade, em Edição Standard das Obras Completas, ESB, vol.IX, , Rio de Janeiro, Imago

LACAN, J. (1971) O Seminário – livro 18 De um discurso que não fosse semblante, Rio de Janeiro, Zahar Editor, 2009.

_______ Encerramento das Jornadas de Cartéis da EFP, Paris, 1975

NAPARSTEK, F. (org.) Introducción a la clínica con toxicomanías y alcoholismo, Buenos Aires, Grama Ediciones, 2006

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