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Pierre Fatumbi Verger um Mensageiro entre dois mundos

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Academic year: 2021

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Pierre Fatumbi Verger um Mensageiro entre dois mundos

Thiago Leandro da Silva1

Em muitos setores da nossa sociedade estão ocorrendo debates em torno do processo de valorização da cultura afro no Brasil, suas influências no que temos hoje, nosso modo de vida como o jeito de “ser brasileiro”. Muito se confunde quando falamos do processo de infiltração desta cultura, sabemos que o brasileiro se formou derivado de muitas culturas ao que se constituiu a formação da nação em si, devido aos vários períodos de correntes migratórias provenientes de diversas partes do mundo que trouxeram diversas etnias contribuindo para a formação do povo brasileiro. O que não se pode negar é que de todas as influências que nossa cultura veio sofrendo, nenhuma foi tão forte e deixou tantas marcas quanto a afro. Sentimos esta influência na religião (até mesmo a cristã), na culinária, na arte e no próprio jeito de encarar as diversidades.

O brasileiro pode ser considerado o mais africano dos povos fora da África, aliás, foi a nação que mais recebeu escravos provenientes de países como Benin e Angola. Também é mais afro por ter costumes dos ex-escravos ainda preservados fazendo de sua cultura, oriunda da religiosidade, a mais preservada aos costumes provenientes da África.

Quando Pierre Verger começou seus trabalhos na Bahia, se sentiu atraído de tal forma pela religiosidade afro que quis conhecer a fundo estes costumes se preparou para uma viagem para a África. Quando chega ao novo continente com fotos dos cultos realizados na Bahia, os sacerdotes não acreditavam e achavam que ele trapaceara, achavam que ele fotografava as tribos vizinhas. Entretanto, as fotos eram realmente baianas e devido às semelhanças entre as formas de condução dos cultos, prova-se que os baianos fazem. Como na África, os afros residentes da Bahia buscaram sempre preservar os costumes como os primeiros africanos a chegarem no Brasil.

O que buscamos em nossas discussões é entender a África em sua essência, mergulhar em sua cultura sem deixar que nosso pré-entendimento possa influenciar nossas conclusões. Existem na África centenas de nações e dentro destas, sub-divisões de tribos e povos, por isso, a África se torna tão complexa e, para muitos pesquisadores não é fácil buscar respostas.

No período onde a busca por mão-de-obra escrava estava no auge, a África era a principal fornecedora de trabalhadores. Os portugueses incentivavam conflitos entre os diferentes povos para que os prisioneiros de guerra fossem trocados por diferentes utensílios, principalmente as armas. Depois de capturados eles eram despojados de qualquer seus bens materiais. Em Daomé2 existia o “Portal do não retorno” quando os escravos passavam por este portal eram automaticamente excluídos da sociedade a qual faziam parte. Eram considerados espíritos e para a própria cultura regional a morte figurava na travessia de um rio e neste caso um “gigantesco rio” chamado Atlântico.

Isso para os próprios escravos se tornaria uma aceitação a própria condição escrava, pois entendiam-se já mortos, em outro patamar, como se a escravidão fosse um castigo por algo que se fizera em vida e que agora seriam punidos pelos Orixás.

1 Graduando do 5º Período do curso de História da UFG-CAJ – Universidade Federal de Goiás – Campus

Avançado de Jataí

2 Hoje conhecido como Benin

Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)

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2 Mas para eles, colocados amontoados em navios e lançados ao desconhecido, sem poder levar nada além da roupa do corpo, nem mesmo nada que representasse sua antiga vida pois agora se tornaram escravos, não podendo ter motivos pra voltar. Por isso, antes do embarque, eram obrigados a dar voltas em uma grande árvore que entendia-se que quando o fizessem, os escravos tudo esqueceriam e assim se tornando mais passivo à sua nova condição.

Mas quando o escravo chegava ao continente americano, ao qual passaria a trabalhar trazia com sigo uma grandiosidade cultural em sua memória isso a deixava ainda mais viva pois estava dentro de seu imaginário.

Tudo isso era vivenciado por seus proprietários que, por sua falta de conhecimento, não entendiam o que se passava, achando que eles estavam apenas festejando o que na verdade não estava ocorrendo. O que ocorria era vivenciar seus hábitos assim como faziam na África de maneira rica e cheia de emoção, pois estavam representando a África que trouxeram em seus corações. Isso torna o rito ainda mais importante para eles, pois perdendo isso perderiam a única coisa que ainda não tinham conseguido retirar, significava sua identidade cultural o que os ligava a África.

Busco neste trabalho observar e analisar o documentário que aborda a vida de Pierre Fatumbi Verger no período em que ele morou na Bahia e fez seus estudos sobre as culturas africanas, mais especificamente o Candomblé.

Pierre Verger era um Francês proveniente de uma família tradicional que detinha algumas posses e algum status na sociedade ao qual fazia parte. Verger não se sentia parte desta realidade e após a morte de sua mãe resolve sair pelo mundo e com uma maquina fotográfica, a famosa RolleiFlex, acabou por fazer história e revolucionar a fotográfica contemporânea, ele percorreu todos os continentes do mundo.

E quando chegando à Bahia decidiu que era ali que queria ficar sendo Verger uma pessoa com sérios problemas depressivos, chegando a cogitar sua morte antes da velhice. Ele conta que certa vez resolveu que a velhice era deprimente demais então comprou um metro de um tecido e todo dia cortava um milímetro do pano e quando este se acabasse se mataria o que acabou não acontecendo uma vez que Pierre Verger morreu com 94 anos de idade.

Ele brincava que ao invés de se matar acabou por espalhar pedacinhos de pano em vários cantos do mundo;

“Espalhei aqueles milímetros em três continentes (a Europa, a África e as Américas), os oceanos Atlântico e Pacifico, os rios afluentes do Amazonas e a baia de Guanabara. (Verger. 1982a: 147)”3

Tinha ele um modo diferente de observar o cotidiano social ao qual estava disposto a fotografar e isso fazia com que suas fotos se tornassem únicas. Fez da fotografia sua profissão e com esta conseguiu fundos para patrocinar seu ideal de vida e liberdade desprovido de qualquer bem que não pudesse carregar. Foi na Bahia financiado por uma revista. Teve a missão de fotografar os festejos afros-descendentes que ele começou sua jornada.

Pierre conseguirá uma bolsa de estudos para ir até a África para fotografar os rituais das tribos que tinham como religião as mesmas trazidas para o Brasil. Verger acabou por assumir um papel fundamental em relação às visões que existiam entre o

3 VERGER, Pierre Fatumbi. Pierre Verger – Saída de Iaô – cinco ensaios sobre a religião dos

orixás – fotos de Pierre Verger. Organização e tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Prefacio: Luis Pellegrine, fotos: Scipioni. Introdução: Rita Amaral e Vagner Gonçalves da Silva. Projeto Gráfico: Diana Mundlin. São Paulo: Axis Mundi Editora, 2002. p.35.

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3 Brasil e a África, digo isso por que antes dele a historiografia brasileira dificilmente via o negro antes de sua condição de escravo. Pierre um branco europeu que se dispõe a observar a africanidade de uma maneira jamais aborda nem pelos mais renomados especialistas sobre a África.

Meu embasamento teórico se firma no documentário “Pierre Fatumbi Verger –

um mensageiro entre dois mundos” e no Livro “Pierre Verger – Saída de Iaô – cinco

ensaios sobre a religião dos orixás – fotos de Pierre Verger”; o documentário

apresentado por Gilberto Gil, demonstra a importância que a pesquisa de Verger teve para a historiografia afro brasileira, por que Verger não era um pesquisador acadêmico, estava estudando por se interessar pela cultura afro baiana mais como ele mesmo diz: para entender a cultura baiana era preciso buscar nas raízes afro o que era na verdade esta rica cultura.

Conseguindo uma bolsa pela IFAN, embarca para a África em sua segunda viagem, mas desta vez ele estava com um importante item em mão: sua bagagem fotos dos rituais baianos, percorreu diversos povoados do Benin e assim fez sua primeira ação diferenciada que realmente mudou as perspectivas e assim esboçando o que futuramente se tornara um forte elo entre estes dois lados do Atlântico, pois com as fotos dos cultos baianos, pôde mostrar para os sacerdotes como eram parecidos as formas de cultos separados por anos de isolamento entre estas, Verger se tornará uma ponte entre os sacerdotes africanos com os baianos em relação às ritualísticas e assim pode fortalecer as relações entre estes.

“É preciso ser antes espectador que ator: acredito que um bom fotografo é um voyeur sublimado. É preciso viver com as pessoas antes de fotografa-las, para que elas estejam habituadas com sua presença. Não é necessário procurar compreende-las, mas senti-las, torna-se um simples observador. (Verger, 1991a: 167)” 4.

O documentário trabalha com o roteiro feito por Pierre Verger na África, mas principalmente faz-nos filtrar nossas percepções para o que na verdade é a cultura africana hoje, como vivem as pessoas do Benin e como o Brasil também pode proporcionar para estas nações um pouco de influência cultural.

Tanto no documentário “Pierre Fatumbi Verger um Mensageiro entre dois mundos” como em outro documentário que foi gravado no mesmo dia deste o “Atlântico Negro a Rota dos Orixás” abordam a realidade dos descendentes de ex-escravos que retornaram ou dos desentendes de traficantes que ali ficaram e sendo estes excluídos do convívio por estarem fora da ordem social se fundaram em sociedades que tentam preservar as tradições brasileiras como eram em 1888.

Logo que estes escravos foram libertos alguns deles tomaram rumo em direção a África mas, ao chegar lá não tinha mais o encaixe para continuar sua vida uma vez que, quando uma tribo perdia a guerra, seus membros eram escravizados ou mortos. Sendo assim, uma tribo derrotada estava forjada a se exaurir do mapa. Estes escravos não eram aceitos pela sociedade, famílias como a dos Felix de Souza, Domingos, Gonzalo, Monteiro, Almeida que ainda se prendem em tradições brasileira e se dizem brasileiros apesar de não mais falarem o português, se dizem brasileiros e buscam viver com tais.

Pierre Verger obteve grandes conquistas em relação a sua pesquisa, ele se dizia um incrédulo e por isso acreditava ser o motivo por seu êxito como ele mesmo disse:

4 VERGER, Pierre Fatumbi. Pierre Verger – Saída de Iaô – cinco ensaios sobre a religião dos

orixás – fotos de Pierre Verger. Organização e tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Prefacio: Luis Pellegrine, fotos: Scipioni. Introdução: Rita Amaral e Vagner Gonçalves da Silva. Projeto Gráfico: Diana Mundlin. São Paulo: Axis Mundi Editora, 2002. p.37.

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”... é a coisa realmente não me interessa, é por isso que consegui. Porque na vida, quando você está com uma dama, se você correr atrás, ela te deixa. Se você olha para o outro lado, é ela que corre atrás de você. Com esse conhecimento é a mesma coisa.” 5

E com este jeito, sem se importar mais já se importando, sendo apenas o voyeur que observa entende sem se intrometer tenta não ser percebido para não influenciar suas fotografias conseguiu fazer parte deste meio e mesmo não sendo um afro descendente alcançou postos de muito valor dentro do Candomblé tanto na Bahia quanto na África, na Casa Branca na Bahia recebeu o titulo de Asáelemassó, no Apo Afonjá recebeu o titulo de Ojuobá e na África recebeu o titulo de Ojérendê.

O próprio documentário tenta de certa forma trazer a tona o sentimento que Pierre Verger alcançou e, também nos trás uma reflexão, pois o documentário aborda uma África viva, cheia de mistérios e com riquezas culturais incalculáveis para qualquer antropólogo e essa cultura é que estamos abandonando.

Para entendermos a África é preciso antes olhá-la com olhares múltiplos, pois ela é diversificada. Não é necessário saber o que buscamos, pois não se sabe o que encontraremos. É importante fazer como Verger que apenas viveu o momento. Quando se observa seu material pode-se nitidamente ver que Verger assume o papel de mensageiro, representante e um sacerdote Candobrécista. Muitos companheiros de religião falam que ele nunca escreveu mais do que podia, mostrando a nós que para alcançar êxito não se faz necessário tirar a mística, é exatamente o que Pierre Fatumbi Verger conseguiu.

Referencias Bibliografias

VERGER, Pierre Fatumbi. Pierre Verger – Saída de Iaô – cinco ensaios sobre a

religião dos orixás – fotos de Pierre Verger. Organização e tradução: Carlos Eugênio

Marcondes de Moura. Prefacio: Luis Pellegrine, fotos: Scipioni. Introdução: Rita Amaral e Vagner Gonçalves da Silva. Projeto Gráfico: Diana Mundlin. São Paulo: Axis Mundi Editora, 2002. p.37.

CHALHOUB, Sidney. Visões de Liberdade: uma história das últimas décadas da

escravidão na corte. São Paulo. Companhia das Letras, 1990.

MACEDO, Marluce. O Brasil negro e suas africanidades. domingo 20 de agosto de 2007.

http://www.ciranda.net/spip/article442.html?var_recherche=compreender

HOLANDA, Luiz Buarque de; GIL, Flora; BARROS, Leonardo Monteiro de; HOLANDA, Pedro Buarque de. Pierre Fatumbi Verger – Um mensageiro entre dois

mundos. (Documentário). Produção de Flora Gil. Direção de Luiz Buarque de Holanda. Salvador-BA, Benin Norte da África. Gegê Produções; Conspiração Produções. 1996. 1’20”39.DVD.

5 HOLANDA, Luiz Buarque de; GIL, Flora; BARROS, Leonardo Monteiro de; HOLANDA, Pedro

Buarque de. Pierre Fatumbi Verger – Um mensageiro entre dois mundos. (Documentário). Produção de Flora Gil. Direção de Luiz Buarque de Holanda. Salvador-BA, Benin Norte da África. Gegê Produções; Conspiração Produções. 1996. 1’20”39.DVD. t. 1’01”06.

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BARBIERI, Renata; AYALA, Albina Cusmanich. Atlântico negro a Rota dos Orixás.

(Documentário). Produção de Renata Barbieri; Albina Cusmanich Ayala. Direção de Renata Barbieri.Sã Luiz do Maranhão-MA; Salvador-BA; Benin Norte da África.Video Grafia; ISER. 1996. 0’54”01. DVD.

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