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Um pacotaço contra o funcionalismo: o PLP 257/16 em exame

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Academic year: 2021

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Um

pacotaço

contra

o

funcionalismo: o PLP 257/16

em exame

Michelangelo Marques Torres |

“O PT agarrou o violino do poder com a mão esquerda para tocar com a direita”. Frei Beto. “Eu tenho um vice que é uma pessoa experiente, séria, que tem uma tradição política, que eu tenho certeza que saberá honrar e me substituir à altura (…) O meu vice não caiu do céu. O meu vice não é um vice improvisado. É uma pessoa competente, um homem capaz”. Dilma Rousseff “As despesas do setor público se encontram em uma trajetória insustentável. (…) Se eu ficar presidente durante todo o período, eu quero cumprir uma missão. Mesmo que em breve período. Para que eu ajude a tirar o país da crise, não será no prazo de poucos meses, vamos levar tempo. Quando pudermos entregar o país para uma eleição tranquila, saberemos que cumprimos o nosso papel”. Michel Temer A ofensiva do capital sobre o trabalho vem se intensificando, sobretudo pelo avanço da pauta das terceirizações [1] e da flexibilização trabalhista. Se é verdade que, nessa esteira, as pautas de reforma previdenciária correspondem a ataques mundiais do imperialismo e governos a seu serviço – vide o caso emblemático francês – no Brasil, país semiperiférico e subordinado ao imperialismo na localização do sistema mundial de estados e na divisão internacional do trabalho, as contrarreformas sociais e trabalhistas se aprofundam em contexto de crise.

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Em decorrência dessa ofensiva dos interesses do capital, o gerenciamento do Estado burguês pretende votar o Projeto de Lei Complementar 257/2016. O PLP foi apresentado ainda no segundo mandato do governo Dilma (PT) [2], em sua fase final antes do processo de impeachment, e segue sendo levado a cabo pelo governo interino Temer (PMDB). A intenção de Dilma e seus ministros, Nelson Barbosa (Fazenda) e Valdir Simão (Planejamento), era aprofundar o plano de ajuste nos gastos públicos sob apreciação do Congresso Nacional (de composição política mais reacionária desde a Ditadura Militar), inclusive legislando sob medidas provisórias[3]. O governo de Frente Popular – de concertação e conciliação de classes – encabeçado pelo PT perdeu sustentação e estabilidade para gerenciar os negócios do capital e regular o conflito de classes, papel que vinha desempenhando desde os governos Lula da Silva, sofreu uma manobra-golpe parlamentar ainda que sem alteração do regime, expressa na decisão de abertura do processo de impeachment da presidente Dilma pelo Congresso Nacional[4], sob influência de Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Assim, as pautas políticas conservadoras vêm ganhando ressonância e enorme visibilidade. Já no governo Temer a proposta de votação d o P L P 2 5 7 c h e g o u a c o r r e r s o b r e g i m e d e u r g ê n c i a constitucional de apreciação[5]. Mas, afinal, do que se trata o projeto?

Intitulado Plano de Auxílio aos estados e distrito federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal (PLP 257/2016), trata-se de um monumental ataque ao funcionalismo público e a classe trabalhadora de conjunto. O intuito é elevar a arrecadação da União, com restrições aos entes federados e restrições de gastos orçamentários públicos, a fim de manter integralmente o pagamento de juros e amortizações da dívida pública ao sistema financeiro internacional (realizar superávit primário). As consequências imediatas são os cortes de programas sociais e alterações no funcionamento do serviço público, em todos os níveis. O projeto prevê, ainda, congelamento de salário dos servidores, aumento das alíquotas

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previdenciárias dos servidores de 11% para 14%, suspensão de concursos públicos e privatização das empresas públicas. Conforme podemos verificar:

Art. 3º – A União poderá celebrar os termos aditivos de que trata o art. 1º desta Lei Complementar, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal sancionar e publicar leis que determinem a adoção, durante os 24 meses seguintes à assinatura do termo aditivo, das seguintes medidas:

I – não conceder vantagem, aumento, reajustes ou adequação de remunerações a qualquer título, ressalvadas as decorrentes de atos derivados de sentença judicial e a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal;

Que fique claro: Trata-se de um ataque de grande monta. O PLP 257/16 representa uma contrarreforma fiscal, objetiva precarizar os serviços públicos, retirando direitos e benefícios do funcionalismo, como o pagamento de progressões de carreira e gratificações, por exemplo. O referido pacotaço ao funcionalismo contém quatro pontos essenciais: a) Plano de auxílio aos estados; b) Regime Especial de Contingenciamento (REC); c) limite para o crescimento do gasto público; d) o uso de depósitos remunerados vinculado a política monetária.

O plano é complexo, mas o intuito é simples: impor um pacote fiscal a ser seguido pelos estados. A desvinculação das receitas da União, por exemplo, cria teto para gastos dos municípios e estados. Ao limitar concursos públicos e gastos com o quadro de pessoal, as novas contratações serão apenas para repor aposentadoria. A ideia é que os estados “honrem” o ajuste fiscal – o que aponta para medidas inconstitucionais, uma vez que ferem normativas da Constituição Federal –, o que na prática implica, por exemplo, não conceder vantagem, aumento, reajustes ou adequação de remunerações aos servidores e limitação do crescimento de despesas correntes.

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Únicos dos Servidores estaduais e a previdência social – servidores ativos e inativos, civis e militares – no intuito de limitar os benefícios, progressões de carreira e vantagens em comparado ao que é estabelecido aos servidores da União. Conforme aborda o art.4º:

Art. 4º – Além do requisito de que trata o art. 3º, os Estados e o Distrito Federal sancionarão e publicarão lei que estabeleça normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal do ente, com amparo no Capítulo II do Título VI, combinado com o disposto no art. 24, todos da Constituição Federal, e na Lei Complementar nº 101, de 2000, e que contenha, no mínimo, os seguintes dispositivos:

I – instituição do regime de previdência complementar a que se referem os §§ 14, 15 e 16 do art. 40 da Constituição, caso ainda não tenha publicada outra lei com o mesmo efeito;

(…)

IV – elevação das alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores e patronal ao regime próprio de previdência social para 14% (quatorze por cento) e 28% (vinte e oito por cento) respectivamente, podendo ser implementada gradualmente em até 3 (três) anos, até atingir o montante necessário para saldar o déficit atuarial e equiparar as receitas das contribuições e dos recursos vinculados ao regime próprio à totalidade de suas despesas, incluindo as pagas com recursos do Tesouro;

V – reforma do regime jurídico dos servidores ativos e inativos, civis e militares, para limitar os benefícios, as progressões e as vantagens ao que é estabelecido para os servidores da União;

O governo objetiva, com o PLP 252/16, suspender o reajuste do salário mínimo, reduzir o quadro do funcionalismo público,

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impor Plano de Demissão Voluntária, redução de benefícios aos trabalhadores e restringir novas contratações que venham via concurso público.

No que se refere ao Regime especial de Contingenciamento de Gastos, o projeto destaca que caso haja crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) baixo ou negativo, seja a nível nacional, regional ou estadual, “o Poder Executivo contingenciará a totalidade da despesa pública”, salvo aqueles gastos considerados essenciais. Ou seja, o item 31 do PLP procura conferir legitimidade para o corte fiscal na prestação de serviços públicos.

Já o artigo 14 do referido projeto de lei complementar procura assegurar um clima de “capitalismo sem risco” para os investidores, com benefícios ao capital financeiro, como sobra de caixa e títulos da dívida pública sob altíssimos juros. Pressupõe, ainda, o investimento de empresas sob garantias do governo e sem exigências. É o Estado sendo uma verdadeira “mãe” para o rentismo. O Plano de auxílio aos estados prevê uma política de ampliar o refinanciamento das dívidas por 20 anos dos estados e ajuda do BNDES. Em troca os estados aderem ao plano federal de ajuste impondo um pacotaço aos servidores públicos.

Segundo Fattorelli (2016), o artigo 14 do referido PL, no que toca ao Plano de Auxílio aos Estados, visa a “transformação da União em uma seguradora internacional para investimentos de empresas nacionais ou multinacionais no exterior”, uma vez que o Estado brasileiro pode oferecer garantias fiscais a entidades privadas, inclusive estrangeiras, como organismos financeiros multilaterais, sem contrapartida, o que altera, inclusive, a Lei de Responsabilidade Fiscal. Já o art.16 do PLP 257/2016 prevê “garantia de remuneração de sobra de caixa de bancos”, ou seja, o Banco Central receberá a sobra de caixa depositada pelos bancos, sem nenhum risco, a fim de receberem a remuneração desejada. Segundo Fattorelli, “o BC retira do sistema financeiro o que considera excesso de moeda, trocando

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referido excesso por títulos da dívida pública que pagam os juros mais elevados do planeta”. Ou seja, os beneficiados são os bancos e grandes empresas que investem no exterior, os quais lucram com a transferência dos recursos públicos dos serviços públicos e do direito dos trabalhadores para benefício do capital financeiro.

O projeto inclui as despesas com aposentados e pensionistas no cálculo das despesas públicas com pessoal. Com o pressuposto equivocado de que há um déficit na previdência, a intenção é utilizar o superávit da Seguridade Social para outras finalidades, como o pagamento de juros da dívida federal. Veda, por fim, a alteração de estrutura de carreira ou concessão de vantagem (aumento e reajuste de remuneração) que implique aumento de despesa.

A sangria da Dívida Pública é intocável

Qualquer investigação orçamentária revela que o compromisso do governo federal com os credores da dívida pública está em primeiro plano, seja nos governos PSDB, PT ou PMDB. Nesse aspecto, o PLP 257/2016 explicita “…assegurar a manutenção da e s t a b i l i d a d e e c o n ô m i c a , c r e s c i m e n t o e c o n ô m i c o e sustentabilidade intertemporal da dívida pública”.

O lucro líquido dos bancos no governo Dilma foram os maiores da história. Segundo dados disponíveis, em 8 anos de governo FHC os bancos lucraram R$30,7 bilhões; em 8 anos do governo Lula o ganho foi de R$ 199 bilhões; apenas em 3 anos de governo Dilma (2011-213) os lucros foram de 179,6 bilhões (PUERO, 2016:8). Em 2015 o ajuste fiscal representou um corte de R$70 bilhões no orçamento público das áreas sociais, sendo R$ 10 bilhões apenas da Educação, segundo os dados do Governo Federal – embora a Auditoria Cidadã da Dívida informe que apenas na educação o corte foi de quase R$30 bilhões.

Apenas em 2015, 47% do Orçamento Público foi destinado ao gasto da Dívida Pública (juros e amortização), limitando a

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escassa destinação orçamentária para as áreas sociais, como Saúde, Educação, Moradia e Transporte. Em 2014, o montante foi de 45,11%, sobrando 3,98% para Saúde, 3,73% para Educação, e 0,04% em Cultura. No entanto, a dívida não para de crescer, sob a rolagem de altíssimos juros.

Desde o início do governo Dilma, a dívida pública aumentou 67%, superando o montante de R$ 3 trilhões. Não é à toa que em janeiro de 2016 a presidente vetou a realização de auditoria da dívida pública com participação de entidades da sociedade civil. Entendeu agora a relação da dívida pública e o interesse dos bancos com o descaso com os direitos sociais básicos previstos na Constituição Federal?

A burguesia e a grande mídia querem transformar o frágil governo Temer num governo forte para aplicar a sua política No país, predomina o chamado presidencialismo de coalização, no qual o executivo muitas vezes impõe sua agenda ao legislativo, em troca de concessões aos congressistas, oriundos dos lobbys empresariais. Com apoio de uma base aliada no Congresso, acordada com as diretrizes do governo, o executivo acaba aprovando seus projetos na Câmara e governa auxiliado por medidas provisórias. Foi justamente a perda de capacidade de governabilidade que debilitou o governo Dilma, sob oposição do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB) [6], contexto em que mudanças na correlação de forças políticas abalou a relação entre Executivo e Congresso Nacional. Como é sabido, o favorecimento irregular a grandes frações do capital, a exemplo da construção civil (empreiteiras envolvidas em escândalo de corrupção) e os cartéis de financiamento eleitoral, foram o centro da crise política que deflagrou a Operação Lava-Jato, demonstrando que “tudo o que era sólido se evapora no ar” (MARX e ENGELS, 2003:29).

Ligado a grupos religiosos neopentecostais e a um partido fisiológico, a aposta em Temer decorre do fato de que a burguesia e a grande mídia querem transformar o seu governo

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ilegítimo, fruto de uma manobra parlamentar, em um governo forte para aplicar sua política. No entanto, apesar da governabilidade do governo interino do PMDB e sua capacidade de alianças no Congresso Nacional, o governo Temer é impopular e frágil. Apenas em um mês três ministros caíram[7].

Puerro (2016) observa que o empreendimento burguês e midiático, com a rede Globo em destaque, tem sido procurar conferir estabilidade à imagem pública do governo Temer, a fim de impor a continuidade de seu programa de ajuste fiscal. Um bom exame, nesse sentido, é apresentado conforme segue:

[…] a burguesia e o imperialismo querem um governo mais estável para implementar aquilo que Dilma vinha tentando aplicar, mas a instabilidade causada pela crise política dificultava: o ajuste fiscal (nome genérico para arrocho salarial e retirada de direitos); as reformas antipopulares, tudo para continuar mantendo o altíssimo lucro dos capitalistas e jogando os curtos sobre a classe trabalhadora. Temer e seus asseclas estão a serviço disso (PUERRO, 2016:8).

O governo ilegítimo de Temer, fruto de uma manobra parlamentar-palaciana, pretende aproveitar-se da crise política e do apoio de partidos burgueses da direita tradicionais e de manifestações reacionárias (de composição social das classes médias abastadas) para acirrar um pacote neoliberal mais agressivo ao funcionalismo público e ao conjunto da classe trabalhadora.

Em período de crise, o “ideal” é reduzir custos e possibilitar retorno a curto prazo para a taxa de lucro, diz os ditames do capital. A aposta na terceirização dos serviços públicos (redução de custos sociais e trabalhistas) e das atividades-fim (terceirização total) deve ser a próxima investida nesse sentido, já no segundo semestre. Por isso o capital e seus investidores requerem estabilidade na política. Mas, ao que tudo indica, haverá muita resistência e luta.

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Considerações finais

É preciso derrubar o Projeto de Lei Complementar 257/2016. O receituário neoliberal prevê o manejo da economia com toda carga na despesa pública, proporcionando desequilíbrio fiscal e corte de investimento público nas áreas sociais. Desta vez o ajuste vem com um pacotaço sobre os servidores públicos. O Projeto Complementar visa sacrificar os cofres públicos e o funcionalismo em proveito do pagamento dos juros e amortização da dívida pública, prevendo o refinanciamento das dívidas dos estados pela União. Na prática, os estados, ao assumirem o rigoroso ajuste fiscal (como a limitação de despesas, suspensão de admissão e contratação de pessoal, corte de benefícios trabalhistas, instituição de regime de previdência complementar, avaliação periódica dos programas, reformar o regime jurídico dos servidores a fim de limitar benefícios e progressões de carreira) recebem o prolongamento da dívida e as garantias dadas pela União, como a redução de 40% no valor das prestações. Trata-se de um arrocho aos servidores públicos, acoplado ao projeto de ajuste fiscal e corte orçamentário das áreas sociais para sobra de caixa destinada ao pagamento dos juros da dívida pública. No limite, pode-se afirmar que se configura a transferência de recursos públicos para o capital financeiro.

Conforme demonstramos, o PLC além de reformar o Regime Jurídico dos servidores e a Previdência Complementar, transforma a União em seguradora internacional para investidores financeiros. Portanto converge com os interesses do imperialismo para a América Latina. Em verdade, trata-se de uma reforma administrativa do funcionalismo público, com ataques aos direitos dos servidores públicos – ativos, aposentados e pensionistas. É bom que fique claro que o ataque aos trabalhadores vem se aprofundando com as medidas administrativas de reforma fiscal, como a mais recente Proposta de Emenda Constitucional 241/16, que prevê o congelamento do orçamento da União por 20 anos (sem a previsão

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de revisão orçamentária caso haja crescimento econômico). É também por isso que a tarefa n.1 da classe trabalhadora brasileira é derrubar o governo Temer e não fomentar nenhuma ilusão com o Congresso Nacional. Tampouco a saída pode ser pelo “fica Dilma”. As entidades de representação sindical e suas centrais devem se unir aos partidos e movimentos populares combativos a fim de construírem uma alternativa classista ao ajuste fiscal do PT/PMDB/PSDB. Ao fim e ao cabo, a chamada a uma greve geral pode ser uma primeira alternativa nesse sentido.

Notas

[1] Tramita no Senado a proposta de regulamentação da terceirização do trabalho na chamada atividade-fim (PLC 30/2015), após sua aprovação no primeiro semestre de 2015 pela Câmara dos Deputados. Trata-se da legalização da terceirização total. O presidente do Congresso Nacional, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), já afirmou que “é imperioso apreciar o projeto” que terá destaque ainda em 2016. Cabe lembrar que parte importante do empresariado brasileiro apoia o projeto da terceirização, que, em verdade, represente a desregulamentação das condições de trabalho e um ataque a legislação social protetora do trabalho.

[2] Não é secundário salientar que o PLP 257/2016, de autoria do executivo, está sendo planejado desde 2014 pelo governo Dilma (PT), apesar de apenas ter sido apresentado pelo governo em fevereiro de 2016, ainda às vésperas da definição do afastamento da presidente da República.

[3] O “estelionato eleitoral” veio com a imposição de um duríssimo ajuste fiscal no segundo mandato de Dilma, que na campanha eleitoral havia se comprometido em não mexer em direitos dos trabalhadores. Servindo os interesses do capital financeiro aceitou a nomeação de um ministro banqueiro

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(Joaquim Levy) respeitado pelas finanças mundiais e que logo mostrou a que veio: redução de direitos trabalhistas como o acesso ao seguro-desemprego, redução ao direito a auxílio-doença, ao abono salarial e à pensão por morte, elevação dos juros bancários e intensificação dos cortes orçamentários, especialmente nas áreas sociais. Em seu segundo mandato, a presidente passou a operar uma contrarreforma trabalhista por meio de edição de Medidas Provisórias (lembremos as MPs 664 e 6 6 5 , b e m c o m o o P P E – s o b r e o P P E , v i d e : http://blogconvergencia.org/?p=4918).

[4] O Senado aprovou instauração do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) por 55 votos favoráveis e 22 contrários no dia 12 de maio de 2016 (afastamento por até 180 dias, até o julgamento final do processo). Com o afastamento da presidente, assume como presidente interino o vice Michel Temer (PMDB).

[5] Em meio à turbulência nas alturas da crise política, o presidente interino Michel Temer retirou do regime de urgência o PLP 252/15 em despacho, no Diário Oficial da União, em 24 de maio. Assim, o projeto retorna para a fila de votação no Congresso. Conferir: “No – 284, de 23 de maio de 2016. Solicita ao Congresso Nacional que seja considerada sem efeito, e, portanto, cancelada, a urgência pedida para o Projeto de Lei Complementar no 257, de 2016, enviado ao Congresso Nacional com a Mensagem no 95, de 2016” (DOU, 24/05/2016).

[6] O deputado Eduardo Cunha (PMDB) foi afastado de seu mandato parlamentar e da presidência da Câmara dos Deputados, em 05/05/2016, por determinação do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Operação Lava Jato, ancorado na decisão de 11 ministros do Supremo. A decisão se deu a partir de uma liminar pedida pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, no final de 2015.

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(Planejamento), uma semana depois foi a vez de Fabiano Silveira (Transparência, Fiscalização e Controle) e, em seguida, em menos de uma semana, Henrique Eduardo Alves (Turismo). Este foi ex-presidente da Câmara dos Deputados e ocupa cargo de Deputado a 11 mandatos consecutivos, de 1971 a 2015, além de ser citado em delação premiada envolvendo denúncia de corrupção. A queda do primeiro ao terceiro ocorreu do dia 23 de maio a 16 de junho deste ano.

Referências:

MARX, Karl; e Friedrich Engels. Manifesto Comunista. São Paulo: Sundermann, 2003.

FATTORELLI, Maria Lúcia. PLP257/2016: Desmonte do Estado Brasileiro para servir ao pagamento de uma dívida nunca auditada. Auditoria Cidadã da Dívida, 2016. Disponível em:

http://www.auditoriacidada.org.br/blog/2016/05/21/plp-2572016- desmonte-do-estado-brasileiro-para-servir-ao-pagamento-de-uma-divida-nunca-auditada/ (acessado em 24/05/2016).

PUERRO, Mauro. Governo Dilma: foi tanto ajuste que desaguou, cruzes, no Temer/Cunha. Revista Desafios na Educação. n.2, São Paulo: ILAESE, maio, 2016, p.08-12.

O que está em jogo no “Mais

Mises, menos Marx”

André Guimarães Augusto |

Recentemente, nas Universidades brasileiras, têm aparecido adesivos e cartazes com o slogan “Mais Mises, menos Marx”.

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Rapidamente os adeptos do apologista do neoliberalismo souberam transformar sua propaganda em dinheiro e pululam sites vendendo camisetas – algumas de péssima qualidade estética – com o mesmo slogan. O objetivo destas notas críticas é ir ao pensamento de von Mises, rever seus conceitos de liberalismo, sua apreciação do fascismo e questionar quem realmente os seus asseclas, no presente, visam atingir com sua propaganda.

Ludwig von Mises (1881-1973) foi um economista austríaco, considerado um dos pais do neoliberalismo. No panfleto “Liberalism” (2002),escrito em 1927, von Mises faz uma apologia da ideologia liberal[1] então em crise, propondo sua renovação. Dentre outras coisas, o livro trata do fascismo, então no poder na Itália. No livro, von Mises faz a seguinte apreciação do fascismo: Não se pode negar que o Fascismo e movimento similares visando o estabelecimento de ditaduras são repletos das melhores intenções e que suas intervenções têm salvo a civilização Européia até agora. O mérito que o Fascismo ganhou desse modo para si viverá eternamente na História. Mas embora sua política tenha trazido a salvação até o momento, ela não é do tipo que pode prometer um sucesso continuado. O Fascismo foi um improviso emergencial. Vê-lo como algo mais do que isso seria um erro fatal (von Mises, 2002, p. 51, tradução nossa.).

Para desfazer eventuais equívocos, decorrentes de desconhecimento histórico, é preciso notar que a origem judaica de von Mises não era um impedimento para sua simpatia ao fascismo em 1927. Inicialmente o fascismo contava com judeus entre seus adeptos e a “American Jewishpublishers” listou Mussolini entre os vinte grandes católicos do mundo defensores dos judeus. As leis discriminatórias aos judeus só foram adotas no fascismo italiano em 1938 (Paxton, 2004, p.166).

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existem – a defesa que von Mises faz dos méritos do fascismo na salvação da civilização Europeia, mesmo que apenas como um “improviso emergencial”. O possível espanto dos liberais ingênuos pode ser desfeito se observamos que von Mises acreditava na existência de uma afinidade entre o fascismo e o liberalismo. Von Mises é explícito ao afirmar essas afinidades: “eles ainda não conseguiram se libertar completamente, como os Bolcheviques russos, de um certo apreço pelas noções e ideias liberais”(ibidem, p. 49, tradução nossa). Segundo von Mises o caráter ditatorial do fascismo seria progressivamente abandonado devido a sua afinidade com o liberalismo. Von Mises atribui a essa estima dos fascistas pelas ideias liberais o caráter meramente emergencial do fascismo: “Assim que o primeiro fluxo de raiva tiver passado, sua política tomará um curso mais moderado e provavelmente o será cada vez mais com a passagem do tempo. Essa moderação é o resultado do fato de que a visão liberal tradicional continua a ter uma influência inconsciente nos Fascistas” (ibid, p. 49, tradução nossa). Deste modo, o caráter ditatorial do fascismo seria apenas um recurso de emergência, sem o abandono do liberalismo. Como será argumentado a seguir, o liberalismo de von Mises não é incompatível com uma ditadura emergencial.

As afinidades entre o neoliberalismo de von Mises e o fascismo são mais do que inconscientes. Outros trechos do livro de von Mises e sua concepção de liberalismo mostram que esta é completamente compatível com o estabelecimento de uma ditadura “emergencial” e temporária. Para von Mises, o programa do liberalismo pode ser resumido na manutenção da propriedade privada dos meios de produção, sendo o resto um resultado desta (ibidem, p. 19). Consequentemente, isso significa que a existência de uma ditadura ou democracia é subordinada, no neoliberalismo de Von Mises, à manutenção da propriedade privada dos meios de produção. Ao discorrer sobre as funções do Estado e do governo, von Mises defende explicitamente a teoria do Estado gendarme (ibidem, p. 37). De acordo com von Mises, a compulsão e a coerção do Estado devem ser aplicadas

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contra “os inimigos da sociedade”, que não são capazes de fazer os sacrifícios necessários para tornar a sociedade possível(ibidem, p. 35). Mas von Mises entende como condi- ção para continuidade da existência da sociedade e da civilização a manutenção da propriedade privada dos meios de produção: “A sociedade só pode continuar a existir sobre o fundamento da propriedade privada” (ibidem, p. 87, tradução nossa). Assim, o autor coerentemente afirma que a posição do liberalismo a favor do Estado restrito à função de coerção e compulsão, “é a consequência necessá- ria de sua defesa da propriedade privada dos meios de produção” (ibidem, p.38, tradução nossa).

Um pouco adiante von Mises faz a crítica do uso da força como meio de chegar ao poder. No entanto, o aristocrático autor faz uma defesa da suspensão da democracia com o uso temporário da força para manter a ordem social capitalista:

Certamente, não se deve e não se precisa negar que há uma situação em que a tentação de se desviar dos princípios democráticos do liberalismo se torna verdadeiramente muito grande. Se homens prudentes veem sua nação, ou todas as nações do mundo, no caminho para a destruição, e se eles acham impossível induzir seus companheiros cidadãos a ouvir seu conselho, eles podem se sentir inclinados a pensar que é justo somente recorrer a qualquer meio, desde que seja viável e leve ao fim desejado, com o objetivo de salvar todos do desastre. A ideia de uma ditadura da elite, de um governo da minoria mantido no poder pela força e dirigido no interesse de todos, pode surgir e encontrar adeptos. Mas a força nunca é um meio de superar essas dificuldades. A tirania da minoria nunca pode perdurar a menos que ela consiga convencer a maioria da necessidade, ou de qualquer forma, da utilidade de sua direção. Mas então a minoria não precisa mais da força para se manter no poder. ( ibidem,p. 45, tradução nossa.).

Cabe lembrar novamente que a “destruição”, de acordo com von Mises, significa a destruição da propriedade privada dos meios

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de produção. Segundo von Mises, a propriedade privada é a única condição para a “sobrevivência da sociedade”. Deve se notar também que a “suspensão temporária” da democracia ocorre em um tempo abstrato, até que a maioria “esteja convencida” da manutenção da ordem da propriedade privada dos meios de produção, o que pode levar anos ou décadas. Aqui podemos voltar à questão do Fascismo, uma vez que esta argumentação de von Mises precede imediatamente sua defesa do fascismo.

Fica claro agora que ao falar dos méritos eternos do fascismo ao “salvar a civilização Europeia”, von Mises se refere à manutenção da propriedade privada dos meios de produção por meio de uma “ditadura de elite”. Von Mises tenta marcar as diferenças entre o liberalismo e o fascismo. O aristocrata se refere ao “programa antiliberal e a política intervencionista” dos fascistas (ibidem, p. 50), embora deva se notar que, a despeito do programa “antiliberal” do partido fascista, nos dois primeiros anos em que Mussolini foi primeiro-ministro sua política econômica não ficava nada a dever ao receituário dos economistas neoliberais de hoje, com balanço nos gastos do governo e políticas deflacionárias (Paxton, 2004, p. 109). Pelo menos em um primeiro momento, a despeito das diferenças “programáticas”, a afinidade entre o liberalismo e o fascismo era de natureza prática e não apenas “inconsciente”. Cabe notar, em relação aos argumentos que serão apresentados mais à frente nesse texto, que os partidos de ultradireita na Europa hoje advogam políticas pró-mercado (Paxton, 2004, p. 186), isto é, advogam, “Mais Mises”.

Von Mises, no entanto, ressalta que a diferença entre os liberais e os fascistas não está no uso da violência para defender a propriedade privada dos meios de produção. A diferença é de fundo filosófico: como idealista, von Mises vê as ideias, e não as armas, como o recurso último que decide a luta. Mas por tudo que foi apresentado antes, é evidente que von Mises defende o uso da violência e das armas quando as ideias não estão funcionando. Daí que o fascismo seja

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aceitável para um liberal, mesmo que apenas como um “improviso emergencial”.

É importante notar que von Mises muda radicalmente sua apreciação do fascismo no Epílogo do seu livro “Socialismo”, escrito em 1947. Aqui, no contexto da guerra fria e com a derrota do fascismo, von Mises muda de ideia e já não vê esse mais como um companheiro necessário do liberalismo em situação emergencial, mas como uma “variante” de um vago e mal definido “socialismo”. Na guerra fria, era preciso igualar o fascismo, o nazismo e o stalinismo por meio da teoria do totalitarismo. Àquela altura, o fascismo já não era mais defensável e nem necessário para a manutenção da propriedade privada dos meios de produ- ção. Fascismo, para o neoliberalismo de von Mises, e r a a p e n a s u m r e c u r s o a s e r u s a d o d e a c o r d o c o m a conveniência: o único verdadeiro inimigo a ser combatido por todos os meios – inclusive os meios do fascismo – era o comunismo.

No momento da guerra fria, o Fascismo servia a outro fim de propaganda ideológica: estender até o limite absoluto o conceito de socialismo. Nesse texto von Mises defende que, em 1947, “As políticas de todas as nações do ocidente são guiadas por ideias anti-capitalistas” (von Mises, 1962, p. 527, tradução nossa). Von Mises chega mesmo a afirmar que, antes da primeira guerra mundial, todos os governos estavam comprometidos com políticas intervencionistas que levariam ao socialismo, chegando ao paroxismo de afirmar que “O esquema de seguridade Social de Bismark foi mais importante na abertura dos caminhos em direção ao socialismo do que a expropriação das retrógradas manufaturas russas”(ibidem, p. 567, tradução nossa). A mudança do Fascismo de uma política que mantém “inconscientemente” os valores liberais para uma “variante do socialismo” visava, portanto,um outro alvo: o Estado de Bem-estar das democracias ocidentais.

Pode-se retomar agora a questão central desse texto: O que está em jogo então quando se pede hoje “Mais (von) Mises”?[2]

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Se os propagandistas são fiéis ao pensamento de seu ídolo, fica claro que estes não têm nenhum compromisso de princípio com a democracia liberal ou de qualquer outro tipo. Deve se notar, que, ao contrário de von Mises, que defendeu a ditadura fascista quando esta vigia, Marx foi duro crítico da ditadura de Luís Bonaparte, tendo que partir para o exílio na Inglaterra e sendo perseguido e vigiado pela polícia durante toda sua vida. Diante de tudo isso, não se pode afirmar que pedir “Mais (von) Mises e menos Marx” significa pedir uma ideologia que pregue mais democracia e menos ditadura, exceto para os incautos e estrategistas que reduzem fatos e ideias a slogan simples – e para os que ganham dinheiro com isso, vendendo camisetas de mau gosto.

Não se pode nem mesmo cometer o anacronismo de identificar Marx com Stálin e retransformar o significado do slogan em uma luta contra a ditadura soviética. Em primeiro lugar porque, como foi aqui demonstrado, “Mais (von) Mises” não significa mais democracia por princípio, já que o aristocrata liberal aceita a ditadura por conivência, para preservar a propriedade privada dos meios de produção. Mas além do anacronismo da identificação de duas figuras históricas que nunca se conheceram, o anacronismo é levado ao paroxismo uma vez que não existe mais URSS, ou “ditadura comunista”. Apenas a propaganda de natureza fascista que procura inventar um inimigo externo para ganhar adeptos é capaz de imaginar que a valorosa, porém pequena e isolada, Cuba é capaz de representar o “terror” de uma “ameaça comunista” capaz de “destruir a civilização” do capital.

Quem então seria o verdadeiro alvo dos adeptos do “Mais (von) Mises”? Como vimos Von Mises escolheu os inimigos do neoliberalismo de acordo com as circunstâncias. Ao abandonar a defesa por princípio da democracia e ao estender o conceito de socialismo para qualquer situação em que o Estado não atua apenas como polícia, abriu as portas para o novo inimigo do neoliberalismo: a própria democracia liberal.

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É fácil constatar empiricamente que os defensores do “Mais (von) Mises” elegeram a democracia liberal como seu maior inimigo no presente. Uma breve olhada no site do Instituto Von Mises Brasil – eles não omitiram a origem aristocrática do seu mestre – nos brinda com textos com títulos como: “Como a democracia destrói a riqueza e a liberdade” (2013), de Frank Karsten; “A tragédia social gerada pela democracia” (2014), de Frank Karsten & Karel Beckman; “Porque a democracia precisa de Aristocracia”(2014), de Marcia Christoff-Kurapovna; “Porque a Monarquia é superior à democracia” (2009), e “Democracia: o deus que falhou (2008), ambos de Hans-Herman Hope.

Os argumentos apresentados por esses autores contra a democracia liberal são absolutamente fiéis aos argumentos de von Mises. H-H Hope sintetiza a objeção dos libertinos da propriedade privada à democracia: “democracia (governo da maioria) e propriedade privada são incompatíveis.”(Hope, 2008). Esse autor – uma espécie de Marques de Sade da propriedade privada – faz uma afirmação que poderia ter sido escrita pelo próprio von Mises: “a democracia, no século XX, tem sido a fonte de todas as formas de socialismo: o socialismo democrático (europeu), o neoconservadorismo e o “esquerdismo chique” (americano), o socialismo internacional (soviético), o fascismo (italiano), e o nacional-socialismo (nazismo)” (Hope, 2008). No mesmo tom, Karsten & Beckman afirmam que “As democracias ocidentais estão seguindo o mesmo caminho já percorrido pelos países socialistas” e que isto é da própria “natureza coletivista da democracia”. (Karsten & Beckman, 2014).

A natureza aristocrática da crítica que os libertinos da propriedade privada fazem à democracia liberal é explícita em vários momentos. Christoff-Kurapovna, sintetiza o argumento: “Em suma: se as modernas democracias capitalistas ocidentais quiserem sobreviver, elas terão de incorporar aquilo que sempre consideraram ser seu completo oposto: características aristocráticas (a visão de longo prazo)”(Christoff-Kurapovna,

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2014). H-H Hope, por exemplo, afirma que “Em outras palavras, a proporção tanto de pessoas débeis como de características pessoais falhas, além de hábitos e formas de conduta nada elogiáveis vão aumentar, e a vida em sociedade vai se tornar cada vez mais desprazível (sic)”(Hope, 2008); Karsten &Beckman, por sua vez afirmam: “Logo, na democracia, é de se esperar que haja um emburrecimento da população e uma diminuição de normas gerais de cultura e etiqueta. Onde a maioria reina, a mediocridade torna-se a norma.”(Karsten & Beckman, 2014). Não é preciso muito esforço para observar esses argumentos aristocráticos repetidos roboticamente na imprensa, nas redes sociais e nas ruas pelos defensores do “Mais (von) Mises” e por ex-estrelas midiá- ticas que se transformaram em buracos negros e astrólogos decadentes.

O que propõe os libertinos de mercado para “salvar” a propriedade privada da democracia liberal? H-H Hope sintetiza a proposta: a alternativa é a “ordem natural” e “Em uma ordem natural, cada recurso escasso, inclusive toda terra, é gerido privadamente”(Hope, 2008); assim, a propriedade privada é apresentada como a alternativa à democracia liberal.

Os adeptos da libertinagem da propriedade privada se autodenominam muitas vezes como anarcocapitalistas. Há, claro, muitas semelhanças com as propostas de Proudhon. Mas Proudhon é uma eterna fonte de inspiração dos fascistas; um dos primeiros grupos fascistas do início do século vinte chamava-se CircleProudhon (Paxton, 2004, p.48). Ademais, os militantes e os “teóricos” do “Mais (von) Mises” devem saber que “Liberalismo não é anarquismo, não tem nada a ver com o anarquismo” (von Mises. 2002, p. 37, tradução nossa).

A proposta da ordem natural é a de uma ditadura de elite, liberta dos controles formais “coletivistas” de eleições, atuação de grupos de pressão e até mesmo de forças armadas públicas. Em tal ditadura, a direito de excluir – leia-se a discriminação – e a desigualdade seriam plenamente vigentes. O Marquês de Sade da propriedade privada, H-H Hope, é mais uma

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vez explícito: “Em uma ordem natural, o direito de excluir – algo inerente à própria ideia da propriedade privada – é restaurado e devolvido aos donos de propriedade” e “uma ordem natural é claramente não-igualitária.”(Hope, 2008).

A alternativa do Marques de Sade da propriedade privada se estende à formação de milícias privadas, um elemento do fascismo clássico revisto para se transformar em um grande negócio. De forma despudorada, afirma H-H Hope:

uma ordem natural é caracterizada por cidadãos coletivamente armados. Essa característica é estimulada por empresas de seguro, que desempenham um papel proeminente como fornecedores de segurança e proteção em uma ordem natural. Seguradoras vão encorajar o porte de armas oferecendo prêmios mais baratos para clientes armados (e treinados em armas). (Hope, 2008)

Obviamente não se trata de armar toda a população, só aqueles que puderem “comprar o seguro”, já que a sociedade da ordem natural é “claramente não igualitária”. Trata-se, portanto, de formar milícias privadas, nos moldes do Heimwehr, dos squadristie da SA[3]. Sendo fiel ao seu mestre Mises, a função dessas milícias privadas é obviamente defender a “ordem natural”, isto é, a propriedade privada dos meios de produção. Mas ao contrário do fascismo clássico, Hope propõe tirar o que historicamente foi um “empecilho” do meio do caminho dessas milícias, pois disputava com elas o espaço da coerção: os exércitos do Estado[4] . Ademais, as SAs ultraliberais estariam garantidas e controladas por um capital privado, uma seguradora. Fascismo de mercado é o que propõe os adeptos de “Mais (von) Mises” como alternativa à democracia liberal.

Em resumo, propor “Mais Mises e Menos Marx” nas universidades hoje é propor a difusão de uma ideologia aristocrática que prega a ditadura de elite, a formação de milícias privadas, a libertinagem da propriedade privada e o fascismo de mercado em

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lugar da luta contra todo tipo de opressão e autoritarismo que marcou cada momento da vida e da obra de Marx.

Referências:

CHRISTOFF-KURAPOVNA, Marcia. Porque a democracia precisa de Aristocracia. Disponível em: Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 11 de abril de 2014.

HOPE, Hans-Herman. Democracia: o deus que falhou. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 24 de agosto de 2008. . Porque a Monarquia é superior à democracia. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 10 de setembro de 2009.

KARSTEN, Frank. Como a democracia destrói a riqueza e a liberdade. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 15 de novembro de 2013.

KARSTEN, Frank. & BECKMAN, Karel. A tragédia Social gerada pela democracia. Disponível em: . Acesso em: 02/11/2014. Publicado em 01 de abril de 2014.

MISES, Ludwig von. Liberalism in theclassicaltradition. São Francisco, Cobden Press, 2002. . Socialism. An economic and sociologicalanalysis. New Haven, Yale University Press, 1962. PAXTON, Robert O. The anatomy of fascism. New York, Alfred A. Knopf, 2004.

Notas:

* Artigo publicado originalmente na revista Marx e o Marxismo v.2, n.3, ago/dez 2014.

[1] Em seu livro, von Mises afirmar fazer uma apologia – como u m a d e f e s a – d a p r o p r i e d a d e p r i v a d a d o s m e i o s d e

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produção(Mises, 2002, p.87) e caracteriza o liberalismo como uma ideologia (Mises, 2002, p. 192)

[2] Há que se notar que o slogan omite espertamente o título de nobreza do aristocrático liberal. Embora com o fim do Império Austro-húngaro, em 1919, a partícula von, que indicava o status de nobreza, tivesse sido abolida, Mises nasceu von e seus livros continuaram sendo assinados por von Mises. Como veremos adiante, a omissão do indicador aristocrático no slogan propagandístico é evidentemente uma estratégia e não de um esquecimento.

[3] Os Heimweher (Áustria), os squadristi (Itália) e a SA (Alemanha), eram grupos paramilitares que formavam o braço armado dos partidos católico conservador (Áustria), do fascista (Itália) e do grupo Nazista (Alemanha). O seus membros eram formados por veteranos da primeira guerra mundial e jovens desempregados. Seus principais alvos eram os partidos de esquerda, atuando assim como força contra-revolucionária. [4] Paxton (2004) mostra os conflitos entre as milícias do partido Nazista e Fascista e os agentes das instituições estatais. A maior evidência desse conflito foi a “Noite das Facas Longas”, na qual os membros da milícia nazista, a SA, foram assassinados, pois queriam ocupar o espaço do exército regular como força de coerção. Em um acordo com o alto comando do exército, Hitler ordenou o assassinato de grande parte dos membros da milícia nazista.

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estamos tentando esconder o

marxismo!»

|

(breve

entrevista com um jacobino

negro –e editor– Bhaskar

Sunkara)

Alona Liasheva (*) & Bhaskar Sunkara (**) | Trad. Betto della Santa

Por Alona Liasheva (AL) | A Jacobin é uma das mais bem-sucedidas publicações da esquerda radical no mundo contemporâneo e, com certeza, a mais bem-sucedida da história dos Estados Unidos. Embora o projeto só tenha sido iniciado em Setembro de 2010 a sua audiência já atingiu 700mil visitantes por mês para a versão online e 15mil assinantes na versão impressa dentro e fora dos EUA. A revista cobre política, economia e cultura contemporâneas, dos Estados Unidos e em todo o mundo, desde uma perspectiva socialista. Para entender o que são as condições e estratégias de avanço de Jacobin e os planos futuros do seu projeto editorial o portal Commons

decidiu falar com o editor-chefe e secretário de redação da revista, Bhaskar Sunkara (BS), sobre a batalha que seu periódico está travando no mundo das letras e da política. AL: Em suas outras entrevistas você costuma enfatizar que Jacobin é mais um produto da nova geração. O que há de especial a respeito desta geração?

BS: Eu não acho que haja nada de especial sobre esta geração. O que é diferente é apenas o fato de que as expectativas de trabalho e de vida desta geração vão ser piores do que as gerações anteriores. Há um certo conjunto de situações econômicas objetivas diferentes: há uma massa maior de gente

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alienada, desbaratada e jovem desempregada que têm a percepção de que mereceria emprego em tempo integral estável, à maneira da geração de seus pais, mas eles não têm acesso a isso . E, obviamente, isso leva a um nível de mal-estar que a esquerda pode explorar. E eu acho que o fenômeno Sanders é indicativo disso. Considerando que, por anos e anos, as pessoas foram dirigidas pela mensagem de que quaisquer problemas particulares que estejam acontecendo são resultado de seus fracassos pessoais, produto de falta de reciclagem, incapacidade de se adaptar à nova economia, fracasso em tentar – arduamente o bastante – conseguir um emprego. Sanders está enfatizando que as raízes desses problemas são sociais e as soluções para esses problemas são coletivas. Por isso, é mesmo uma forma em que a maioria da população jovem iria apoiar – uma espécie de Estado social de redistribuição de renda – e eu acho que é um tremendo progresso. E eu também acho que é terreno fértil para aqueles de nós, da esquerda radical, construir algo por fora disso.

Portanto, esta situação é um dos fatores da nossa origem, mas honestamente eu acho que nós poderíamos ter sido bem-sucedidos em outros contextos também. Poderíamos ter construído provavelmente alguma coisa, sem crescer tão rápido, mas relativamente competente, em condições políticas menos propícias.

AL: Como vocês conseguem estar presentes nos debates políticos mainstream [da grande mídia] com uma posição radical à esquerda?

BS: Se você escrever de forma clara e sem jargão, e mantiver algum tipo de profundidade analítica, é mais fácil para as pessoas honestas da mídia em geral se envolverem com o seu trabalho. E como está escrito de tal forma, que exige envolvimento, nós nos envolvemos em política no patamar que eles estabelecem. Então, se a Vox [grande corporação midiática dos Estados Unidos] tem um artigo polêmico sobre a saúde pública, partimos de observar a forma como eles estão usando

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os dados e, como eles estão manipulando-os, e nós os desmontamos por dentro, em paciente explanação, em vez de manter a denúncia em um nível puramente moralista. Eu acho que isso é importante.

Há outra razão para nós sermos capazes de debater com o mainstream. As pessoas da centro-esquerda podem estar dispostas a se voltar mais para as forças mais à esquerda, hoje em dia, porque nos Estados Unidos por um longo tempo a centro-esquerda foi considerada extrema-esquerda e deixou de ser, de muitas maneiras, isso é o que o espectro político era. Por isso nós fomos uma surpresa para eles. Mas o que é a chave para chamar a atenção da mídia é que estamos chegando a centenas de milhares de pessoas todos os meses online. Se você tem tráfego suficiente e se você tem suficiente audiência, em algum grau você exige alguma atenção.

AL: Vocês tiveram receios sobre a utilização de um vocabulário marxista na abordagem do público norteamericano, que por muitos anos não estava usando nem mesmo a palavra “classe”?

BS: Eu acho que, dadas as condições do terreno, no final de 2010, ficou claro que há um público potencial que teria interesse neste tipo de coisas, mas eu nunca pensei em audiência. Estamos publicando o que desejamos publicar, usando o quadro de referências que pensamos ser útil, um quadro marxista e de política socialista. E no processo de criação disso, construímos e formamos um público. E temos tido a audiência da esquerda liberal de forma ampla e os formamos de várias maneiras, e temos um público socialista. Nós não estávamos tentando “esconder” o marxismo! Isto seria um grande erro. Eu acho que é melhor ser claro a respeito. Obviamente, vocês, na Ucrânia [Commons é uma iniciativa ucraniana, bilíngue, de política radical], tem uma situação particular para lidar, que é o legado do stalinismo, mas até certo ponto, nos Estados Unidos, temos de lidar com o legado do anticomunismo, que é uma espécie de paralelo, por assim dizer.

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Mas se você deixar a terminologia marxista e sua linguagem apenas para as velhas forças stalinistas, então as pessoas n u n c a t e r ã o u m a c o n c e p ç ã o d o s o c i a l i s m o c o m o a l g o antiautoritário, no final das contas. E a coisa é que eles vão te chamar stalinista não importa o quê faça, não importa o que sua política seja, não importa em que vocabulário você descrevê-la. Então você pode chamar-se abertamente-se um socialista e usar abertamente a terminologia, porque o uso de expressões como “esquerda democrática” e congêneres não iria realmente evitar as acusações. Então é levantar a cabeça, sacudir a poeira, e dar a volta por cima!

AL: Sendo socialistas, como vocês abordam projetos socialistas do passado, que tinham um monte de contradições?

BS: Ainda que venhamos de uma tradição intelectual e política que sempre foi muito fortemente antistalinista, ainda nos apontam o dedo em riste. E às vezes a melhor maneira de responder ao anticomunismo não é ser completamente defensivo. Em outras palavras, não temos nenhum problema em falar sobre o legado positivo do Partido Comunista dos Estados Unidos, e o trabalho de organização que eles fizeram. Da mesma forma não temos problemas ao falar sobre o papel de Cuba e de outras forças que atuaram em Angola, por exemplo, ou o papel que desempenharam os soviéticos em lugares como o Vietnã. Portanto, somos muito explícitos ao dizer que nosso modelo é diferente daqueles realmente existentes ao longo da história, mas, ao mesmo tempo, nós queremos fazer recuar certos discursos de volta ao armário. Especialmente as ideias do liberalismo político, europeu ocidental, que iguala nazismo a comunismo. Que a União Soviética, e aqueles que lutaram contra ela, eram essencialmente uma só e mesma coisa: duas forças más lutando entre si… E apenas pelo princípio mesmo de sermos honestos com a história tal como aconteceu é que criticamos essas visões equivocadas. Mas, em geral, tomamos uma distância suficiente da metástase anticomunista do câncer stalinista, que não nos representa.

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AL: Que papel a Jacobin desempenhou na ascensão de Bernie Sanders?

BS: É difícil dizer. Mas acho que contribuiu para a politização de muitos daqueles que estão ativamente envolvidos no terreno, porém, é uma influência de tipo indireta. Iria existir de alguma forma, objetivamente, mesmo sem nós, enquanto fenômeno. Nós desenvolvemos a consciência de classe dos ativistas envolvidos em algum grau. E é o objetivo pelo qual estamos inspirados: elevar o nível de organização coletiva, e consciência de classe, e perspectivas políticas, das pessoas envolvidas em movimentos reais. Eu não acho que podemos fazer, diretamente, nada além disso.

AL: Vocês publicam análises incrivelmente nítidas sobre a situação em países europeus e outros rincões do mundo. Por que é importante para você ter uma perspectiva internacional? E como manter isso?

BS: Estamos cobrindo a Europa, talvez porque, de longe, somos capazes de acessar às redes que já construímos. Eu sei de pelo menos algumas dezenas de pessoas boas, com boas perspectivas, claras e nítidas, em quase todos os países da Europa. Nós cobrimos até a Moldávia, com alguns artigos. Nós não somos uma organização de mídia tentando fazer conexões com outras organizações de mídia, somos socialistas que têm laços e perspectivas internacionais e, obviamente, nós pensamos que muitos desses debates são de particular interesse para os socialistas nos Estados Unidos. Por exemplo, na Grécia vemos problemas no poder de Estado em se estabelecer até mesmo o mais moderado dos projetos de esquerda, também vimos o que aconteceu na França, com Hollande, e assim por diante. Então, todos esses exemplos tristes tem relevância nos Estados Unidos. E na organização Podemos [do Estado espanhol] – nós estamos vendo um projeto político interessante e há muito que aprender. Estamos vendo também os limites do discurso populista, de tipo “nem esquerda, nem direita”. Oxalá isto esteja mudando e as coisas estejam se movendo em uma boa

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direção com Podemos. E, claro, isso tem muita relevância aqui. Então nós meio que queremos cobrir essas coisas com um nível de detalhe que as pessoas nos países em si ainda podem obter algo útil fora dele, enquanto um monte de outras publicações de esquerda, que geralmente publicam coisas, sobre eventos internacionais, pretendem atingir apenas o seu público interno, em vez de pessoas que são diretamente afetados pelos acontecimentos.

AL: Vocês começaram a compartilhar a versão impressa da revista internacional. Em que outras partes do mundo a Jacobin é popular? Vocês acham que há uma chance de que ela venha a se tornar a voz principal da esquerda global?

BS: Nós realmente não perspectivamos esses tipos de expectativas grandiosas. Nós fazemos as coisas bem, peça a peça, dia a dia, em vez de definir grandes metas. Nosso público costumava ser ainda mais internacional, por porcentagem. É realmente uma coisa muito boa que tenhamos crescido tão rápido nos Estados Unidos ao longo dos últimos anos, por isso o nosso público doméstico supera as demais audiências. Então nós costumávamos ser algo como 53-54% com sede nacional, e no mês passado o público do país cresceu para 66%. Alguns dos maiores países são os que seria de se esperar: Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Alemanha, França, Índia, Brasil, Suécia, Holanda. Nós não vamos muito bem no Leste Europeu, afora a Polônia. Também nos Balcãs e na Grécia vamos muito bem. Na Ucrânia durante o mês passado só tínhamos um milhar de visitantes individuais, o que é bastante baixo. E em toda a Rússia tivemos apenas três mil. Na Romênia temos tantos quanto na Rússia.

AL: Você poderia nos dizer como a Jacobin é organizada a partir de dentro? Como as pessoas se coordenam entre si? E como vocês lidam com as diferenças ideológicas?

BS: Estamos estruturados como uma publicação de tipo profissional, todos os editores têm a sua esfera de

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competência e interesse especializado. Mas nós nunca nos estruturamos como uma revista tradicional. Para nós tem mais a ver com a divisão do trabalho. Se alguém sabe mais sobre um assunto, se alguém publica mais sobre um assunto, nós damos trabalho para eles. Mas a principal coisa também é que não somos uma publicação patrulheira. Nós só precisamos geralmente saber o que os perímetros mais amplos da nossa política são, o que é aceitável, o que é inaceitável, não precisamos saber quê posição a pessoa precisa tomar em particular. Assim, por exemplo, na questão do ‘Brexit’ [a saída da Grã-Bretanha da União Europeia] há uma diversidade inimaginável de opiniões, mas não precisamos de uma linha única, conquanto os artigos sejam provenientes da perspectiva socialista em sua pluralidade de posições.

AL: Quais as conexões que vocês tem com a academia norteamericana?

BS: Essencialmente uma boa parte de nosso conteúdo é proveniente de estudantes universitários ou jovens pesquisadores. Mas nós não prospectamos diretamente as instituições acadêmicas. Nós nos beneficiamos dos conhecimentos das pessoas que têm empregos e publicam no âmbito da universidade.

AL: E a última pergunta: quais os planos para o futuro, para além da revolução mundial [Sorriso]?

BS: Então, vamos lançar uma revista mais teórica, uma revista d e i d e i a s , c h a m a d a C a t a l y s t : U m Ó r g ã o d e T e o r i a e Estratégia, editado por Robert Brenner [importante historiador econômico marxista, ligado à New Left Review e Verso, com relevante contribuição à teoria da crise do capital] e Vivek Chibber [cientista social marxista de origem indiana crítico do pós-colonialismo e dos estudos subalternos, também ligado à NLR e V]. Está pra sair no Outono. Estamos planejando também alguns outros projetos. Em geral mais coisas vão sair, até o final do ano. E, além disso, em nível internacional, à

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medida que continuamos a crescer, gostaríamos de manter suficiente foco na perspectiva internacional, cobrindo coisas, como ocupações, em França, ou a crise, no Brasil, de muito perto, mas, ao mesmo tempo o que está realmente ajudando, uma coisa boa, é que a cobertura ao longo dos últimos anos girou um pouco mais na direção nacional, em termos do número de artigos. Isso mostra que há um interesse real de público, nos Estados Unidos, para a política socialista. Obviamente, é uma coisa muito boa. Eu acho que o papel de uma publicação socialista deve residir em cobrir as coisas que estão acontecendo no Estado espanhol, assim como o que está acontecendo no Canadá, com algum sentido de proporção e perspectiva. Mas também é bom que estejamos construindo cada vez mais o nosso público interno, tanto quanto pudermos, porque se nós construirmos uma oposição socialista radical por fora do âmbito dos apoiadores de Bernie Sanders, seria, mesmo, um tremendo de um avanço fenomenal.

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(*) Entrevistadora. É investigadora doutoranda em estudos urbanos na Università degli Studi di Milano, com ênfase na questão da moradia no Leste Europeu. Ucraniana, ela é co-editora de Commons: Órgão de Crítica Social. Cobriu eventos políticos atuais no Estado espanhol.

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(**) Entrevistado. É jornalista político, editor-chefe e secretário de redação da revista Jacobin. Filho de imigrantes de Trinidad Tobago, cresceu em Nova Iorque e lá fez parte da Democratic Socialists of America. Seu sonho era ser jogador de basquete profissional na NBA.

Originalmente publicado In: «We are not trying to hide Marxism!»: A brief interview with Bhaskar Sunkara, editor of Jacobin Mag. Consultado em: 17/ Jun./ 2016.

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O Massacre da Noite Latina na

Boate LGBT em Orlando

Jéssica Milaré |

A Boate Pulse, em Orlando, Flórida, EUA, havia preparado mais uma noite latina para o último sábado, dia 11. “Chamando todos os nossos latinos, latinas e todo mundo que aprecia uma batida latina! É hora de festejar hoje à noite!”, dizia a página da boate na rede social. Kenya Michaels, uma drag queen portorriquenha, seria uma das convidadas. As noites de sábado na Pulse costumavam atrair muitas LGBTs latinas. Infelizmente, o que deveria ser uma noite de festa tornou-se uma noite de horror. Quando a festa já estava terminando, Omar Mateen, armado com uma carabina, foi responsável pelo maior tiroteio em massa da história contemporânea dos EUA. 49 LGBTs saíram mortas e outras 53 ficaram feridas. Muitas destas últimas provavelmente não vão sobreviver.

Mateen tinha um histórico de agressão, à sua ex-esposa; declarações racistas e homofóbicas.

Foi uma noite trágica. Mas igualmente trágica é a campanha que estão fazendo para promover o ódio contra muçulmanos, uma vez que Omar Mateen era muçulmano e, pelo que algumas fontes indicam, havia jurado lealdade ao Estado Islâmico. De fato, não há nada a ser defendido neste Estado, mas esse fato não pode ser utilizado para favorecer a islamofobia ou o racismo contra os povos islâmicos. Não podemos esquecer que a LGBTfobia não é e nunca foi exclusiva de islâmicos. O fato do responsável direto pelo ataque ser islâmico não diminui a culpa dos fundamentalistas cristãos que disseminam o ódio contra LGBTs, como a Fox News, um canal estadunidense

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fundamentalista cristão que dissemina ódio contra LGBTs, islâmicos e imigrantes latinoamericanos, ou como Donald Trump, que também propaga o ódio contra minorias oprimidas.

É verdade que o Estado Islâmico está comemorando o ataque, mas também há muitos fundamentalistas cristãos fazendo o mesmo. O pastor cristão Steven Anderson de Tempe, no Arizona, por exemplo, lançou um vídeo no Youtube em comemoração ao massacre: “há 50 pedófilos a menos neste mundo”. Este cretino teve ainda a coragem de dizer que “essas pessoas deveriam ter sido mortas de qualquer maneira, mas elas deveriam ter sido mortas da maneira correta, elas deveriam ter sido executadas por um governo justo que as teria julgado, condenado e garantido sua execução.” Por acaso um crime de ódio cometido pelo Estado deixa de ser um crime de ódio?

A Igreja Batista de Westboro, muito conhecida pelo ódio escancarado contra LGBTs, através do Twitter, afirmou que “Deus enviou o atirador para Pulse em Orlando!”, “Parece totalmente justo para a América Sodomita!”, entre outras aberrações. Essa igreja costuma fazer protestos carregando placas com mensagens homofóbicas como “Deus odeia os viados” [God hates fags].

Convém inclusive lembrar que, há poucas décadas atrás, ser L G B T e r a c o n s i d e r a d o c r i m e n a m a i o r i a d o s p a í s e s “ d e s e n v o l v i d o s ” , o q u e s ó f o i r e v e r t i d o p e l a s insubordinações LGBTs que se espalharam pelo mundo após a Revolta de Stonewall, em Nova Iorque, de 1969.

A criminalização da diversidade sexual e

de gênero

A partir do século IV, houve um processo de condenação moral e criminalização cada vez maiores na Europa da relação sexual entre dois homens, então chamada de “sodomia”, assim como também do desempenho do papel de gênero diferente do que era imposto (o que era considerado uma “negação do próprio sexo”).

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O ápice da barbárie foram as Santas Inquisições, que condenaram milhares de “sodomitas” e “bruxas” à morte, como a Inquisição nas Cidades-Estado da Itália (iniciada pelo Papa Gregório IX em 1232) e a Inquisição Espanhola (iniciada em 1483). Um exemplo bastante conhecido dessa perseguição é condenação de Joana D’Arc à morte na fogueira, no século XV. Durante a colonização da América e da África e a escravização dos povos nativos a partir do século XVI, o homem branco europeu mostrou-se espantado com a liberdade sexual e a diversidade dos papéis de gênero que encontrou em vários desses povos. A existência de “sodomia” nesses povos era moralmente condenada e as pessoas infratoras eram condenadas. Já no final do século XVI, quando a colonização do Brasil estava em seu início, houve centenas de condenações por sodomia, entre elas pessoas brancas, negras e indígenas. Um exemplo é a Xica[1] Manicongo, negra, sapateira, escrava, quimbanda, pode ser considerada a primeira travesti documentada do Brasil. Em 1591, Xica foi denunciada ao Santo Ofício da Bahia.[2]

O frade Giovanni Antonio Cavazzi também escreveu um relato moralista sobre as quimbandas no Congo, no século XVII:

Entre os feiticeiros, um há que não mereceria ser lembrado, se esta omissão não prejudicasse o conhecimento necessário q u e e u , p o r m e i o d e s t e e s c r i t o , p r e t e n d o d a r a o s missionários. Chama-se nganga-ia.quimbanda, ou ‘sacerdote chefe do sacrifício’. Este homem, tudo ao contrário dos sacerdotes do verdadeiro Deus, é moralmente sujo, nojento, impudente, descarado, bestial e de tal modo que entre os moradores da Pentápolis teria o primeiro lugar. Para sinal do papel a que está obrigado pelo seu ministério, veste fato e usa maneiras e porte de mulher, chamando-se também a ‘grande mãe’. Não há lei que o condene como não há ação que não lhe seja permitida. Portanto, fica sempre sem castigo, embora abuse sem embaraço de sua impudecência, tão grande é a estima que por ele o demônio inspira! Por isso são julgados favores

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os mais manifestos ultrajes que ele faz à honra dos casados ou às concubinas dos mais guardados haréns.[3]

A condenação moral à cultura e aos costumes destes povos tinha como objetivo justificar ideologicamente a colonização e a escravidão. Os missionários cristãos impuseram a eles a cultura moralista cristã europeia, fazendo-os abandonar pouco a pouco sua própria história e sua cultura. Afinal, como a própria História demonstra várias vezes, para dominar e explorar um povo, é preciso impor sobre ele a ideologia dos dominadores.

A luta pela descriminalização da

homossexualidade e da transgeneridade

A revolução industrial trouxe multidões às cidades e ao trabalho assalariado, o que criou as condições para o surgimento de “guetos LGBTs” como bares, restaurantes e até banheiros de estações ferroviárias. Isso fez com que essas pessoas que rompiam os padrões de gênero e sexualidade se identificassem como uma minoria que é marginalizada da sociedade e privada dos direitos aos quais o resto da população tinha acesso. Consequentemente, as identidades LGBTs foram gradualmente surgindo e se desenvolvendo a partir da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que se desenvolviam também os métodos de repressão e criminalização.

As revoluções burguesas derrubaram os Estados Feudais e criaram os Estados Burgueses, mas não demoraram a trair a liberdade, a democracia e a laicidade que tanto pregaram, criminalizando a “sodomia”, perseguindo, prendendo e executando sistematicamente as pessoas LGBTs, a exemplo do que se fazia na Idade Média. A medicina, por sua vez, apresentou-se como uma suposta alternativa a essa barbárie, buscando nas LGBTs uma fonte de lucro, fazendo experiências com choques elétricos, castrações e lobotomias para encontrar uma “cura” às supostas doenças que denominaram “homossexualismo”,

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“transexualismo”, etc. Apenas uma parte dos médicos chegaram a conclusão que isso não era possível e que era necessário garantir a inclusão dessas pessoas na sociedade.

A lógica dessa barbárie não foi rompida pela “benevolência” da medicina, do cristianismo nem mesmo dos políticos. Mesmo após a perseguição pelo nazismo e pelo stalinismo, depois da II Guerra Mundial, os diversos Estados capitalistas, com poucas exceções, continuaram com a criminalização da diversidade. Nas décadas de 1950 e 60, conforme aumentava a quantidade de “guetos gays”, houve uma escalada crescente de repressão policial às LGBTs nos países capitalistas. Na época, enquanto algumas pessoas transgêneras pequeno-burguesas (como centenas de assinantes da revista Transvestia) escondiam sua identidade dentro de casa, a maioria das travestis eram expulsas de suas casas, das escolas e dos seus empregos e encontravam, como única alternativa de sobrevivência, a prostituição. Viviam nas periferias, corriam o risco de serem presas sob acusações como “usar roupas erradas”, por falsidade ideológica ou por suas condições sociais. No geral, ser LGBT era considerado um pecado e um crime.

Em 28 de junho de 1969, policiais de Nova Iorque foram até o bar Stonewall para fazer mais uma batida policial. A rotina era separar as pessoas em três grupos: os homens, as mulheres e as chamadas “aberrações” (nome dado às pessoas que usavam roupas destinadas ao sexo oposto). Estas últimas seriam presas, devido a uma lei de Nova Iorque que proibia a travestilidade. Todas as pessoas que estavam com roupas femininas eram levadas por uma policial até o banheiro feminino para que o seu “sexo” fosse verificado. Se a pessoa fosse do “sexo masculino”, seria presa. Neste dia, entretanto, as pessoas com roupas femininas se recusaram a ir ao banheiro feminino. Outras se recusavam a mostrar seu documento de identidade.

Referências

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