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CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS PSICANÁLISE NA RUA: USO DE DROGAS E TÉCNICAS PSICANALÍTICAS

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Academic year: 2021

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CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

PSICANÁLISE NA RUA:

USO DE DROGAS E TÉCNICAS PSICANALÍTICAS

Cecília Cesário Lérco Ciclo V Quinta feira – 18h

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A questão do uso de substâncias psicoativas tem se destacado nas discussões intelectuais, midiáticas e da sociedade por conta da problemática em se tratar as drogas no âmbito da segurança pública ou da saúde coletiva.

Substâncias que alteram a consciência, o estado emocional e físico sempre estiveram presentes na história da humanidade e têm sido utilizadas em diversos contextos: terapêuticos, espiritual, recreativo, etc. O ópio, substância com elevado grau de dependência química, também é base para a produção da morfina, potente analgésico para dores agudas e crônicas. A maconha pode ser utilizada como medicamento para doenças oftalmológicas e insônia. O álcool sempre esteve presente em rituais religiosos, assim como a utilização de certas plantas com efeitos alucinógenos. Assim, a droga pode assumir diferentes significados, de acordo com o contexto de sua utilização.

Visitando as publicações de Freud, pouco encontramos sobre o tratamento de pessoas que utilizam drogas nocivas à saúde. Entretanto, encontramos em sua biografia um amplo percurso da utilização de cocaína e também nicotina. Waks nos conta o caminho trilhado por Freud e sua relação com a cocaína, apontando para a necessidade de Freud em se afirmar através da pesquisa – sua grande paixão – e não somente através da prática médica.

Freud começou a fazer uso da substância de maneira pessoal e terapêutica, recomendando seu uso clínico para algumas afecções como estados de humor depressivo, indigestão, sífilis e até para a desintoxicação de alcóolatras e viciados em morfina. Com sua ampla utilização e recomendação, foi-se provando que a cocaína trazia menos vantagens do que se supunha e seu malefício se tornava claro através dos vários relatos de pessoas que se tornaram dependentes da cocaína.

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Muito se sabe sobre o desejo de Freud em ser reconhecido pela classe médica como um exímio pesquisador. Waks aponta, assim, essa dissonância como um possível sintoma de Freud, que buscou esconder sua experiência desacertada com o uso da cocaína e também sua incapacidade de abandonar o uso da nicotina.

Havia ainda, neste momento, a tentativa de Freud em encontrar uma substância que traria a cura a algumas enfermidades. Após decepções e críticas sobre sua pesquisa com a cocaína, Freud a abandona e busca construir uma outra forma de oferecer ajuda a seus pacientes: a psicanálise.

Freud, em O mal-estar na civilização, diz que o mal-estar, inerente à humanidade, se dá através da imposição pela cultura e pelas próprias instâncias do psiquismo de uma renúncia parcial à satisfação de impulsos sexuais. Ainda de acordo com o autor, esse mal-estar só poderia ser suportado através de três formas: derivativos poderosos, satisfações substitutas e a utilização de substâncias tóxicas, que insensibilizariam o sujeito para esse mal estar.

De acordo com Lacan, a droga “é o que permite ao sujeito romper o casamento com o pequeno-xixi, isto é, com o gozo fálico; pois este casamento gera angústia, por ser oriundo da operação de castração, a partir da qual o sujeito sempre será falta a ser, visto que o objeto que supostamente poderia completá-lo, fazê-lo pleno, se inscreve como impossível, o que traz como consequência uma perda fundamental de gozo”.

Assim, podemos entender que fundamentalmente a utilização de substâncias psicoativas, especialmente de forma crônica, seria uma forma encontrada pelo sujeito para evitar se defrontar com a castração.

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Uma outra perspectiva que lança luz a essa questão seria a pulsão de morte que busca através do uso de drogas o gozo mortífero, aquele que destrói o sujeito a partir da satisfação interminável e a qualquer custo.

Na tentativa de encobrir problemas de ordem política, social e principalmente econômica, as drogas foram colocadas no lugar de vilãs, capazes de degenerar a índole humana. Ao invés de se discutir amplamente as desigualdades sociais que levam o sujeito a uma condição de vulnerabilidade e que o expõem aos mais diversos riscos emocionais e físicos, os governos elegem a droga como a principal mazela da sociedade, que precisa ser combatida a qualquer custo.

Os usuários, a partir das estratégias de guerra às drogas passam a ser vistos como moribundos, ameaças para si e para os outros, consumidores de substâncias que o devoram e que lhe incapacitam para a vida em sociedade. Esses sujeitos estão doentes e são perigosos. São incapazes de falar por si, de refletir sobre suas próprias ações e de relacionarem-se com outras pessoas.

Todos sabem que esta abordagem só tem feito vítimas: os usuários que muitas vezes não são tratados na esfera da saúde e sim da justiça através da via criminal; os familiares que sofrem duplamente pelas dificuldades encontradas tanto no convívio diário com a droga, quanto com o preconceito da comunidade; as vítimas da violência do enfrentamento do tráfico pela polícia; entre outros.

Felizmente, novas abordagens teóricas baseadas na concepção do sujeito biopsicossocial tem ganhado força. Essa nova forma de pensar leva em consideração a co-responsabilização, o vínculo e a implicação do sujeito e tem

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oferecido subsídios para a construção de políticas públicas que olham o usuário a partir da lente da humanização e não da criminalização.

Um exemplo dessa perspectiva é a estratégia de redução de danos. Nela, as decisões sobre o tratamento são tomadas de maneira horizontal, junto com o usuário e não há obrigatoriamente a abstinência. É claro que o melhor cenário para algumas pessoas seria parar de utilizar a substância, visando a melhora de sua saúde. Entretanto, algumas pessoas não querem ou não conseguem parar. Assim, não é o uso da droga o mais importante e sim sua forma de utilização, considerando o sujeito em sua singularidade e a rede familiar e social estabelecida por ele.

Ações padronizadas de cuidado tendem a não contemplar as necessidades particulares dos indivíduos. A droga passa a ser apenas mais uma de suas tantas demandas. O usuário é visto para além do vício, sendo absolutamente necessário cuidar de outras dimensões de sua vida como educação, trabalho, relacionamento familiar, entre outros.

Por conta disso, um conceito muito presente principalmente no cuidado básico à saúde é o conceito de rede. A rede supõe que “um mais um é sempre mais que dois”, ou seja, as pessoas e as instituições devem trabalhar de maneira articulada, somando-se assim suas competências e buscando um interesse em comum. A rede de apoio a usuários de drogas deve ser composta por diferentes instituições como centros de acolhimento, hospitais, grupos de apoio, igrejas e também por vários tipos de profissionais: assistentes sociais, psicólogos, médicos, enfermeiros, dentistas, advogados, educadores, etc. Desta forma é possível abarcar a maior parte das demandas e auxiliar os usuários a reconstruir sua existência nas diversas esferas da vida.

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A psicanálise também pode estar presente nessa rede de atenção. Não somente nos consultórios através o atendimento clínico especializado a familiares e usuários de drogas, mas também na rua, através da sua teoria e de suas técnicas que acompanham os profissionais que trabalham nos mais diferentes dispositivos de saúde. Acredito que seja responsabilidade da psicanálise contribuir para a ampliação da concepção de sujeito nas redes de atenção básica e também apresentar formas de reflexão para os problemas sociais, uma vez que estes são produções humanas. Não é possível que todo o conhecimento psicanalítico fique aprisionado a apenas um nicho reservado de psicanalista e afins.

É claro que a atuação e principalmente as técnicas da psicanálise devem ser adaptadas e muitas vezes recriadas para conseguir lidar com os diferentes contextos existentes. Os Consultórios de Rua, um dos dispositivos que trabalham com a perspectiva humanista, caracterizam-se pela atuação de uma equipe multidisciplinar no contexto de vivência real dos usuários. O analista, nesse cenário, deixa de estar protegido pelo setting pré-programado e passa a estar presente no cotidiano vivenciado pelo paciente. É preciso lidar com os mais diferentes obstáculos que surgem de maneira que seja possível desenvolver assim algum trabalho.

Na abordagem da redução de danos, outro exemplo, é preciso que o psicanalista deixe de lado a vontade que possa surgir de ver o paciente parar de usar a droga. Não está em jogo o desejo do analista e sequer o desejo de forças políticas e sociais que muitas vezes os profissionais de saúde encarnam. O que importa é conseguir colocar em discussão, junto com o paciente, as

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representações e as funções do uso das drogas para ele. A decisão de continuar usando ou parar se dará através da reflexão e não de cima para baixo.

A suposta neutralidade do analista se faz necessária, principalmente em relação a recaídas. Não podemos julgar ou criticar e nem mesmo sermos coniventes demais com elas. Neste ponto, o psicanalista deve buscar entender qual é a função da recaída em relação à terapêutica. Entretanto, muitas vezes o psicanalista não irá conseguir ser neutro demais. Para essas pessoas que estão, na maioria das vezes, em uma situação de vulnerabilidade e frágeis, a atenção e o cuidado oferecidos pelo psicanalista-médico, psicanalista-psicólogo, psicanalista-assistente social é crucial para seu bem estar e muitas vezes para sua sobrevivência.

Uma das diferenciações da clínica com esse tipo de paciente é que o sintoma (utilização das drogas) não está presente no mundo da representação e sim no mundo real, além é claro de ser nocivo direto à saúde do sujeito podendo levá-lo à morte em pouco tempo. Além disso, o sintoma é mantenedor da identidade, ou seja, o sujeito que utiliza a droga passa a ser depositário de uma série de representações sociais que impactam em sua identidade subjetiva e social.

Há nesses pacientes uma grande resistência em abandonar a droga, pois esta funciona como suporte a um ego fragmentado. Ficar sem ela seria abandonar a única coisa real e persistente em suas vidas, que lhe trazem alívio para o sofrimento. Não há a vontade de abandonar a droga, pois não se saberia o que colocar no lugar. É muito comum encontrarmos pessoas que frequentam clínicas ou espaços para tratamento de forma imposta pela família, pois não há uma verdadeira demanda de análise. Para que o tratamento seja bem sucedido

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é preciso construir, juntamente com o usuário, essa demanda. Entretanto, antes mesmo disso, é necessário construir uma demanda por cuidado, por atenção, uma demanda pelo desejo de existir.

Inicialmente, Freud define transferência como uma forma de resistência, associada positiva ou negativamente à figura do analista, que deveria ser superada para o sucesso do tratamento. Este conceito foi sendo transformado durante a obra freudiana. Segundo Laplanche e Pontalis o conceito da transferência pode ser melhor definido por: “uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada. A transferência é classicamente reconhecida como o terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este. Assim, o analista passa a ocupar um lugar pelo paciente que obedece e repete a aspectos do seu inconsciente.

A transferência surge supostamente de maneira espontânea a partir da relação do analista-analisando, em um setting mais ou menos determinado. Freud fala sobre a transferência que se aproxima da sugestão, a fim de fazer com que haja a realização de um trabalho psíquico que resulta na melhora da situação psíquica, no entanto cuidando da independência final do paciente. Quando, estamos falando de territórios diferenciados que não se enquadram no modelo clássico da psicanálise vemos a necessidade de reinventá-la. A transferência analítica com usuários de drogas em condições precárias como habitação, saúde e segurança deve ser, em alguma medida, provocada.

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A transferência provocada seria no sentido de garantir o vínculo necessário para que o sujeito exista e perceba, minimamente, a existência de um outro que está disposto a ajudá-lo em seu processo de retomada da própria subjetividade.

Essa forma de transferência é frequentemente vivenciada pelos profissionais de saúde no âmbito do atendimento público. Essas equipes precisam posicionar a sua prática de maneira que não desconsidere as influências de ordem social, política e cultural na problemática do indivíduo. Não é possível buscar tratar o mundo psíquico do indivíduo sem um aparato que auxilie no cuidado aspectos básicos da vida. Por isso as equipes possuem um caráter multiprofissional e apresentam-se integradas a uma rede de apoio às mais diversas necessidades que possam surgir.

Em um segundo momento, a transferência deve ser estimulada para funcionar como um apoio ao ego fragmentado do paciente de maneira que ele consiga se sustentar para começar a vivenciar outros aspectos de sua vida. Somente com a edificação de um mundo interno antes inexistente será possível construir o vínculo transferencial nos moldes clássicos da psicanálise. O estabelecimento desta transferência é fundamental para a evolução do tratamento com usuários de drogas, pois é através dela que o analista poderá ajudar o sujeito a entrar em contato com seu mundo interno e a construir seu campo de representações.

A transferência positiva do sujeito com o analista garante a possibilidade de continuidade no tratamento, através do estabelecimento de um elo de confiança não somente com o analista mas também com a instituição acolhedora. Assim, se houver alguma mudança de contexto, por exemplo

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transferência ou desligamento do profissional o tratamento não ficará tão prejudicado pois há vínculos transferências também com os demais dispositivos da rede de amparo.

De maneira resumida, este trabalho buscou pensar as principais técnicas e conceitos da psicanálise para fora do consultório, com sujeitos que fogem ao padrão mais comum do divã. Acredito que o psicanalista deve pensar sua intervenção buscando assegurar um espaço de escuta, no qual seja possível a investigação sobre o mundo psíquico dos sujeitos, mas sempre considerando o contexto social, político e econômico. Afirmar e sustentar este lugar é fundamental.

“A existência se dá em presença de um outro cuidador que possibilite a capacidade de sentir-se vivo, real e criativo, em um registro individual”. Winnicott.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Waks, C. E. M. Toxicomania e Psicanálise. O fim da picada. A clínica psicanalítica da toxicomania. São Paulo. 1988

Monteiro, L.F; Monteiro A. M. C. A clínica de rua: pressupostos teóricos-clínicos para uma intervenção no âmbito do consultório de rua. Módulo para capacitação dos profissionais do projeto consultório de rua. Salvador. 2010.

Ribeiro, C. Y. Que lugar para as drogas no sujeito? Que lugar para o sujeito nas drogas? Uma leitura psicanalítica do fenômeno do uso de drogas na contemporaneidade. Rio de Janeiro. 2009.

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