P e d r o S i m ã o O . M e n d e s
2 0 1 2
C i n q u e n t a d í s t i c o s e s c r i t o s e n t r e 1 4 d e S e t e m b r o d e
2 0 1 0 e 1 4 d e M a i o d e 2 0 1 2 . U n s m a c a b r o s , o u t r o s
n e m p o r i s s o ; u n s h u m o r i s t i c a m e n t e n e g r o s , o u t r o s
u m p o u c o m a i s s é r i o s . M a s t o d o s , i n f o r t ú n i o s d e
v i d a s a l h e i a s .
A i m a g e m d e f u n d o d o d o c u m e n t o r e p r e s e n t a
s a l p i c o s d e s a n g u e , t e m á t i c a r e c o r r e n t e a o l o n g o d o s
I n f o r t ú n i o s , c u j a d a t a e m q u e f o r a m e s c r i t o s e s t á
a b a i x o d e c a d a u m , p a r a q u e s e n o t e a d i f e r e n ç a
d o s t e m a s e d a p r ó p r i a e s c r i t a d o a u t o r a o l o n g o
d o s q u a s e d o i s a n o s q u e e s t e “ l i v r o ” l e v o u p a r a
e s t a r p r o n t o .
Corta os pulsos ou rasga o peito.
Deixa-me sorver-te o sangue com uma palhinha.
14.09.2010
Infortúnio #2
Como se alguém quisesse saber de ti
Ou da putrefacção que trazes contigo por entre as pernas.
23.09.2010
Infortúnio #3
Quebra uma lâmpada económica e corta-te nos estilhaços. Chama a atenção, mas sê poupado.
23.09.2010
Infortúnio #4
Quero matar-te (de maçã e canela). Quero mesmo matar-te (de maçã e canela).
17.11.2010
Infortúnio #5
Abre a torneira do lavatório: Afoga-te. Talvez ainda vás ao teu velório.
Acumulas ódio no coração, Pó e sujidade debaixo do colchão.
06.12.2010
Infortúnio #7
Se te agrafasse os olhos abertos E te fizesse espirrar, gostavas?
06.12.2010
Infortúnio #8
Tropeçaste, na cozinha, ou escorregaste E foste cair três vezes em cima da mesma faca.
06.12.2010
Infortúnio #9
Seguro um cutelo com sangue na mão direita. Não sou talhante, nem nada parecido. Queres sair comigo?
06.12.2010
Infortúnio #10
A tua fealdade é tão infeliz
Como a carcaça de um veado perdida num bosque.
Passas fome porque pensas que deves sofrer. Até isso te é mais fácil que pedir perdão.
06.12.2010
Infortúnio #12
Se te matarem durante o sono, não penses que é para não sofreres. O mais certo é que seja só para não te ouvir queixar da dor.
08.12.2010
Infortúnio #13
Morrer de tristeza não é dramático; É só falta de serotonina.
10.12.2010
Infortúnio #14
Matei-o com uma colher de sobremesa. E ali ficou, estendido, sobre a mesa.
15.01.2011
Infortúnio #15
Os teus olhos são tão bonitos Que só me apetece tirar-tos.
O futuro não te mostra mais que pó. Talvez signifique que morrerás só.
27.02.2011
Infortúnio #17
Crava as unhas bem fundo na tua carne, Que não é dor o que sentes, mas arte.
27.02.2011
Infortúnio #18
Ah, pobre coitado!
Queriam dizer cornudo, mas preferem eufemismos.
27.02.2011
Infortúnio #19
Passam os minutos e tu contas cada segundo; Para quê? Na terra, só te sobra um buraco bem fundo.
27.02.2011
Infortúnio #20
Corte de papel, de madeira ou de metal… Corta-te, fatia-te, dilacera-te – não faz mal!
São tantos os infortúnios que te caem aos pés, Que até parece maldição ser-se quem és.
27.02.2011
Infortúnio #22
Tens vários amigos em quem confiar, Mas é pena que só existam na tua cabeça.
30.03.2011
Infortúnio #23
Sussurras uma oração mesmo antes de dormir, Sabendo de antemão que nenhum deus te pode ouvir.
02.06.2011
Infortúnio # 24
A tua vida voltou-se toda do avesso E podes ter a certeza que isto é só o começo.
16.06.2011
Infortúnio #25
Em teu corpo, vinte e cinco chagas Que ardem, que sopras, mas não apagas.
Lambes o sangue do teu inimigo, salpicado em teu rosto, Engasgas-te e a última coisa que sentes é o seu gosto.
16.06.2011
Infortúnio #27
Quanto dessa herdada podridão Te caberá, ainda, no coração?
05.10.2011
Infortúnio #28
Não craves a caneta até o sangue escorrer, Que depois te será mais difícil escrever.
23.10.2011
Infortúnio #29
Sorri, mas só um pouco.
Por teres a sua cabeça nas mãos, podem achar-te louco.
23.10.2011
Infortúnio #30
Ficar só em demasia Faz ganhar pó e dá azia.
Deixaste a boca aberta e fugiu-te o coração. Deixa-te de boca aberta e engole um em segunda mão.
17.11.2011
Infortúnio #32
Não te ouviste bem, porque não te querias ouvir. Quem te mandou cravar duas facas nos ouvidos?
17.11.2011
Infortúnio #33
Dizias que eras vítima todos os dias. Podias ter parado de te cortar, mas não querias.
17.11.2011
Infortúnio #34
Fartas-te de ti mesmo E hás-de ser sempre esmo.
17.11.2011
Infortúnio #35
Já nem pensas em malefícios, Desde que matar é um dos teus vícios.
Ficas só no escuro e sentes medo. Contas a um fantasma, mas é segredo.
22.11.2011
Infortúnio #37
Afagas as vítimas e depois Afogas a fome com faca e sangue.
22.11.2011
Infortúnio #38
Estás no chão e dói-te o peito. Terá sido A facada do outro dia? Não, é só azia.
22.11.2011
Infortúnio #39
Deambulas à noite no cemitério, olhas para trás: Que desastrado! Deixaste cair uma cabeça.
22.11.2011
Infortúnio #40
Não tenhas medo de mim, por favor. O sangue que tenho nas mãos não é meu, amor.
A tua vida não ir a lado algum É o infortúnio número quarenta e um.
26.03.2012
Infortúnio #42
Sabias que a deixarias, mais cedo ou mais tarde. Mas começas a sentir saudade, agora que ela arde.
26.03.2012
Infortúnio #43
Ouves a mesma música vezes sem conta. Logo hoje, o botão repeat havia de ter encravado.
26.03.2012
Infortúnio #44
Levantas-te para começar um novo dia, Mas o mundo acabou e nem sabias.
26.03.2012
Infortúnio #45
Mesmo antes de te deitar, cortaste-lhe as pernas, Mas ainda te foi bater à porta, a rastejar.
Apontam-te uma arma à cabeça e só pensas em quem Irá limpar isto tudo. O teu turno acabou há 10 minutos.
26.03.2012
Infortúnio #47
Não bastava ter meu peito oco,
Que agora também destruo tudo em que toco.
03.04.2012
Infortúnio #48
Arranhas, esgadanhas e gritas
Mas ninguém ouve as tuas unhas a cair no chão.
14.05.2012
Infortúnio #49
Massajas-lhe as costas e vês que estão tensas. Não compreendes: morreu apenas há uns minutos.
14.05.2012
Infortúnio #50
Tentaste que te ouvissem, mas sem sucesso. Cabeças sem corpo não escutam nem congressos.