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CEP- Centro de Estudos Psicanalíticos. Formação em Psicanálise

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Academic year: 2021

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CEP- Centro de Estudos Psicanalíticos

Formação em Psicanálise

RAIZES E EXPRESSÕES DA AGRESSIVIDADE NO TEXTO OS TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE

Aluna: Maria Vera Lucia Barbosa

Ciclo: II; Quinta feira: Manhã

Aggression, termo utilizado Por Freud que designa tanto as agressões como a agressividade. Tendências ou conjunto de tendências que se atualizam em comportamentos reais ou fantásticos que visam prejudicar o outro, destruí-lo, constrange-lo, humilha-lo etc. A agressão conhece outras modalidades além da motora violenta e destruidora. Não existe comportamento, quer negativo (recusa de auxílio, por exemplo) quer positivo, simbólico (ironia, por exemplo) ou efetivamente concretizado, que não possa funcionar como agressão. A psicanálise atribui uma importância crescente à agressividade, mostrando-a em operação desde cedo no desenvolvimento do sujeito e sublinhando o mecanismo complexo da sua união com a sexualidade e da sua separação dela. Esta evolução das idéias culmina com a tentativa de procurar na agressividade um substrato pulsional único e fundamental na noção de pulsão de morte.

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Este texto de Freud e os demais textos referidos neste trabalho estão indicados no fim do texto, na referência bibliográfica.

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JUSTIFICATIVAS E OBJETIVOS

A agressividade, tema central da psicanálise, tem me interessado de maneira singular. Ela está presente em toda a obra Freudiana e ao longo do desenvolvimento de sua teoria vai recebendo novos olhares, em especial a partir da segunda tópica com a Pulsão de vida e de morte. Contudo, compreender o pensamento Freudiano requer acompanhar a sua criação e estudá-lo desde os inícios. O texto “Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), um dos textos que inauguram o pensamento Freudiano, considerado, juntamente com a Interpretação dos sonhos, um dos mais importantes de sua obra, em sendo um texto estudado no ciclo II, a que se refere este trabalho, foi considerado um bom ponto de partida para iniciar uma reflexão em torno da agressividade. Ao longo do curso, com a inserção de novas leituras, o tema poderá vir a ser aprofundado, acompanhando o avanço do pensamento Freudiano, adentrando por outros textos tais como Luto e melancolia; Pulsão de vida e de morte; Os instintos e suas vicissitudes. E também outros autores.

Dadas as justificativas acima, este trabalho tem como objetivo utilizar o texto Os três ensaios como referência para pensar acerca da origem e natureza da agressividade, sua relação com a sexualidade, e as implicações existentes em suas variadas formas de expressão. A agressividade aqui entendida a partir da definição contida no Dicionário de Psicanálise de Laplanche e Pontalis (edição de 1992, Martins Fontes), conforme citação em nota de rodapé, página do título.

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RAIZES E EXPRESSÕES DA AGRESSIVIDADE

Foi Freud o primeiro a afirmar que a pulsão sexual está presente desde a infância e exibe uma mescla de agressividade, estando ambas intimamente correlacionadas, contrariando a opinião popular de que a sexualidade está ausente na infância e só desperta no período da vida designado puberdade. Já em 1898, o autor referido ressalta o significado da infância para a origem de certos fenômenos importantes, que dependem da vida sexual, trazendo para primeiro plano a sexualidade infantil. Se a pulsão sexual está presente desde a infância e a ela está mesclada a agressividade, então se pode concluir que a agressividade também está presente desde a infância. O que permite acreditar na existência de um foco, a priori, que se desenvolve, expande e expressa das mais variadas formas. E, remete à preocupação em compreender a natureza e origem da agressividade, bem como a construção de sua expressão, por acreditar, com isso, ser possível visualizar e planejar ações alternativas de cuidado, prevenção e manifestação.

Freud faz uma analogia entre a pulsão sexual (libido) e a pulsão de nutrição (fome); ambas como expressões de necessidades. Diz ele, a necessidade sexual no homem e no animal expressa-se na biologia pelo pressuposto de uma pulsão sexual. A origem da pulsão sexual está nas organizações pré-genitais da vida sexual, em que as zonas genitais ainda não assumiram papel preponderante. Algumas dessas organizações dão a impressão de constituir recaídas em estados anteriores da vida animal, como é o caso da organização oral, também conhecida como canibalística. Nessa organização a atividade sexual ainda não se separou da de nutrição e não se diferencia correntes opostas em seu interior. O Objeto é o mesmo, tanto para uma, quanto para outra e, até então, o alvo sexual consiste na incorporação do objeto. Este desejo canibalístico é uma co-participação do aparelho de dominação que atende a satisfação da necessidade de nutrição.

A incorporação do objeto, sob a forma de identificação, irá desempenhar mais tarde o papel psíquico importante de desligar da atividade sexual a atividade de alimentação, mas trará consigo resíduos desses desejos canibalísticos que se mesclarão à pulsão sexual sob a forma de agressividade. Estando, portanto, desde este ponto de vista, a origem da agressividade em uma necessidade muito mais antiga, no desejo canibalístico de incorporar o objeto, uma metafísica da genética do ser. E, estando a agressividade mesclada à pulsão sexual, tal como esta, sofre influências diversas, tanto internas quanto externas, que afetam sua disposição originária, por si mesmo complexa, e interfere em suas expressões.

Para Freud é um erro que se ignore a vida sexual da criança. Desde recém-nascidos os bebês trazem consigo germes de moções sexuais, que continuam a se desenvolver em cursos oscilantes. Assim, as crianças são capazes de todas as atividades sexuais psíquicas e também de muitas atividades somáticas. À comunicação emocional do bebê com a mãe ocorre desde o nascimento e a qualidade dessa interação é decisiva para o desenvolvimento. A mãe contempla a criança com os sentimentos derivados de sua própria vida sexual, a acaricia, beija e embala, e a trata como o substituto de um objeto sexual plenamente legítimo. E, provavelmente se horrorizaria se lhe fosse esclarecido que, com todas as suas expressões de ternura, ela está despertando a pulsão sexual de seu filho e preparando a intensidade desta pulsão para o futuro.

A mãe considera seu procedimento como um amor puro, assexuado, e evita cuidadosamente levar aos genitais da criança mais excitações do que as inevitáveis no cuidado com o corpo. Mas, sabe-se que a pulsão sexual não é despertada apenas pela excitação da zona genital; a proclamada ternura um dia exercerá seus efeitos sobre as zonas genitais. Daí a

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importância de compreender o trato da criança, pela pessoa que a assiste, como uma fonte incessante de excitações e satisfações sexuais vindas das zonas erógenas.

As experiências vividas pelos pais, em sua própria infância, exercem influência sobre sua competência na educação dos filhos. Alguns se apegam demais as próprias dores e reproduzem modelos de abandono e agressividade, que viveram quando crianças. Outros se permitem reelaborar as próprias carências sendo continentes em seu amor e acolhimento com os filhos, de forma a interromper o ciclo de repetição da violência, seja ela física ou psicológica. O conjunto de sentimentos experimentados (ciúme, ansiedade, sensação de impotência, tristeza, raiva, desejo de vingança etc.) embora inevitável e necessário ao desenvolvimento, muitas vezes pode se tornar tão intenso que leva a pessoa a buscar alívio em quaisquer que sejam as vias de descarga. E não raras vezes, na destruição do outro ou de si mesmo, quando os impulsos agressivos são incontroláveis.

Ensinar o filho a amar é tarefa dos pais, mas o excesso de ternura e mimo torna-se pernicioso, na medida em que acelera a maturidade sexual tornando o filho incapaz de renunciar, temporariamente, ao amor em épocas posteriores da vida, ou de se contentar com menor dose dele. As próprias crianças se comportam, desde cedo, como se sua afeição pelas pessoas que a assistem fosse da natureza do amor sexual. A angústia das crianças não é, originariamente, nada além da expressão da falta que sentem da pessoa amada; por isso elas se angustiam diante de qualquer estranho. Temem a escuridão porque não vêem a pessoa amada, mas se na obscuridade conseguem segurar-lhe a mão acalmam-se. Atribuir a todos os bichos-papões da infância e a todas as histórias horripilantes, contadas pelas babás, a culpa por provocarem nervosismo na criança é superestimar-lhes o efeito. Só as crianças propensas ao estado de angústia é que acolhem essas histórias, que em outras não causam nenhuma impressão.

A qualidade da relação que se estabelece entre pais e filhos é de suma importância, pois qualquer sentimento, mesmo a ternura, quando desmedido está sujeito a contribuir para a configuração de distúrbios de desenvolvimento. Dentre eles os agressivos, ou que levam à agressividade, como dificuldade de controlar os próprios impulsos, falta de empatia e incapacidade para resolução de conflitos. Contudo, muitas crianças conseguem compensar até mesmo as piores experiências da infância, ou lesões cerebrais, enquanto tantos outros não conseguem fazê-lo.

As crianças que tendem a um estado de angústia mais insuportável são aquelas com pulsão sexual exacerbada, prematuramente desenvolvida, ou que se tornou muito exigente em função dos mimos excessivos. Nesse aspecto a criança se porta como o adulto, na medida em que transforma sua libido em angústia, quando não pode satisfazê-la. E inversamente o adulto, neurotizado pela libido insatisfeita, comporta-se como uma criança em sua angústia. Sente medo tão logo fica sozinho, sem uma pessoa que com seu amor o faça sentir-se seguro, e começa a querer aplacar esse medo através de medidas mais pueris. O que permite pensar o medo, assim como a agressividade, como representante da libido, uma via de descarga utilizada para aplacar a angústia, uma vez que à pulsão sexual não interessa os meios para atingir sua satisfação.

A afirmação de que a pulsão é independente de seu objeto e não deve a sua origem aos encantos deste pode ser melhor compreendida considerando a realidade, em que um número considerável de homens e mulheres não tem como objeto sexual pessoas do sexo oposto, mas que contradizendo a teoria popular, de que o homem e a mulher são metades que aspiram a unir-se no amor, eles dirigem a pulsão sexual a pessoas do seu mesmo sexo, ao que Freud chamou de

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inversão. Desta forma ele alerta para o fato da ligação entre a pulsão sexual e o objeto sexual não serem tão íntimas. Sendo a pulsão, quer seja ela de nutrição ou sexual, um anseio por satisfação, impelida a satisfazer-se seja qual for à via de acesso.

Na busca da pulsão sexual por satisfação ela depara com uma infinidade de circunstâncias externas de vida que afeta a escolha do objeto, levando a uma imensa variação dos mesmos (desvios com respeito ao alvo sexual, a inversão, as substituições e fixações em alvos sexuais impróprios). Em umas mais que em outras a agressividade fica mais presentemente observável, tamanho é o rebaixamento de seu objeto. Como é o caso das aberrações das escolhas por objetos imaturos (crianças), ou animais. Condições estas em que a índole e o valor do objeto sexual passam para segundo plano, e nas quais a pulsão sexual se difere da pulsão de nutrição que, estando muito mais energicamente agarrada a seu objeto, só permitiria nos casos muito extremos. As discussões acima permitem pensar que a agressividade, embora se faça mais notável nos casos mais aberrantes, está presente em todas as variações da pulsão sexual, não havendo, portanto, conduta sexual que não contenha agressividade, mesmo quando sutilmente escondida, ou disfarçada. O que é totalmente compreensível, considerando que a agressividade está mesclada à pulsão sexual desde sua origem. A intensidade e visibilidade da agressividade dependem de quão tamanha é à força dos fatores constitucionais e acidentais que a influenciam. Contudo, há que se pensar se a própria agressividade não é um fator de influência, e em sendo, se ao influenciar a pulsão sexual também se autoinfluencia. Sendo assim causa e efeito em si mesma.

Mesmo no considerado alvo sexual normal, união dos genitais no coito, que leva à descarga da tensão sexual e à extinção temporária da pulsão sexual (uma satisfação análoga a saciação da fome) reconhece-se os rudimentos daquilo que, se desenvolvido, levaria às aberrações. Ainda que se valorize psiquicamente o objeto e tenha como alvo a união dos genitais, o interesse sexual se propaga antes por todo o corpo e tende a abranger todas as sensações provenientes do objeto sexual. A propagação do interesse sexual para outras partes do corpo, com todas as suas variações, em princípio nada nos oferece de novo, nada acrescenta ao conhecimento da pulsão sexual, que nisso não faz senão proclamar sua intenção de se apoderar do objeto sexual em todos os sentidos. As aberrações se dão nas transgressões anatômicas e na supervalorização sexual a certos lugares no corpo, como as mucosas bucal e anal, e quando estas aparecem repetidamente nas práticas sexuais e são consideradas e tratadas como genitais.

A propagação do interesse sexual para outras partes do corpo (os pés, os cabelos), ou objetos inanimados (um artigo de vestuário, uma peça íntima), muito pouco apropriados para fins sexuais, em que o objeto sexual normal é substituído por outro que guarda relação com ele, mas que é totalmente impróprio para servir ao alvo sexual normal, leva ao que Freud denominou fetichismo, comparando com o fetiche em que o selvagem vê seu deus incorporado. Isto acontece em consequência de condições externas e internas que dificultam ou adiam a consecução do alvo sexual normal, como impotência, riscos e preços do objeto. Há no fetichismo uma singularidade dos fenômenos que dá lugar no nível patológico. Diz-se patológico quando o anseio pelo fetiche se fixa e se coloca no lugar do alvo sexual normal, e ainda, quando o fetiche se desprende de determinada pessoa e se torna o único objeto sexual. São essas as condições gerais para que meras variações da pulsão sexual se transformem em aberrações patológicas.

Também o prazer de ver (escopofilia) e de tocar, fluxos de excitação para que se atinja o objeto sexual normal, pode transforma-se em perversão se o ato sexual não for levado adiante,

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quando suplantar o alvo sexual normal, em vez de ser preparatório para ele. No caso da perversão que aspira a olhar, o alvo sexual se apresenta numa configuração dupla, o olhar e ser olhado, nas formas ativa e passiva. Essas formas são pertencentes às características universais da vida sexual, porém, encontradas na base de algumas aberrações como no caso do sadismo-masoquismo. Esta aberração, por apresentar esse contraste, ocupa na teoria de Freud um lugar especial. O mesmo lugar ocupado neste trabalho, por ser uma aberração em que a agressividade, objeto deste estudo, fica mais fácil de ser observada.

No sadismo-masoquismo a inclinação a infligir dor ao objeto sexual (agredi-lo) e sua contrapartida, o prazer na dor (ser agredido) colocam em primeiro plano o prazer em qualquer forma de humilhação ou sujeição. São consideradas as mais frequentes e significativas de todas as perversões e muitas vezes encontradas juntas numa mesma pessoa. Quem sente prazer em provocar dor no outro na relação sexual é também capaz de gozar, como prazer, de qualquer dor que possa extrair das relações sexuais. O sádico é sempre e ao mesmo tempo um masoquista, ainda que o aspecto ativo ou passivo da perversão possa ter-se desenvolvido nele com maior intensidade e represente sua atividade sexual predominante.

Em uma linguagem habitual, o conceito de sadismo oscila, a relação para com o objeto sexual pode ir desde uma atitude ativa, até mesmo agressiva, ao prazer em assolar, submeter e mal tratar o objeto. Ao contrário, o conceito de masoquismo abrange as atitudes passivas perante a vida sexual e o objeto sexual, muitas vezes condicionando a satisfação ao padecimento da dor física ou anímica advinda do objeto sexual. O masoquismo é uma continuação do sadismo, que se volta contra a própria pessoa que assume o lugar de objeto sexual. Muitos são os fatores que colaboram com os casos extremos de perversão masoquista, dentre eles a consciência de culpa e o complexo de castração. O sadismo corresponde a um componente agressivo, autônomo e exagerado da pulsão sexual, deslocado para o lugar preponderante.

Freud da um papel de destaque para a agressividade masculina no que refere a inclinação a subjugar, advinda da necessidade biológica de vencer a resistência do objeto sexual, de outra maneira que não mediante o ato de cortejar. Para que a libido seja circunscrita dentro dos limites considerados normais precisa lutar contra forças anímicas, como a vergonha e o asco, que funcionam como resistências. Quando tais forças se opõem à libido e se alinham à dor, esta, por conter em si mesma a possibilidade de uma sensação de prazer, é superada.

Muitas das perversões só podem ser compreendidas mediante convergências de diversos motivos, sua análise requer uma decomposição, o que leva a crer na existência de fusões de componentes na conduta normal uniforme. A conduta parece perder sua expressão como normal quando os componentes se separam nas perversões. As expressões cotidianas permitem afirmar que, as transgressões, no mínimo as menos graves, são um componente que raramente falta na vida sexual das pessoas sadias e é por elas julgado como qualquer outra intimidade. Quando as circunstâncias são favoráveis, também as pessoas normais podem substituir durante um bom tempo o alvo sexual normal por uma perversão, ou arranjar-lhe um lugar ao lado dele.

Há, portanto, em toda pessoa sadia algum acréscimo ao alvo sexual normal que se possa chamar de perverso. Esta é uma universalidade que alerta para os cuidados com a utilização imprópria e sem critério da palavra perversão. Afinal, traçar uma fronteira nítida entre o que é mera variação dentro da amplitude do fisiológico e o que constitui sintomas patológicos, no campo da vida sexual, não é tarefa simples, tantas são suas peculiaridades, muitas vezes insolúveis.

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O caráter patológico da perversão é encontrado, na maioria das vezes, na relação do alvo sexual com a normalidade e não em seu conteúdo. Pulsões parciais são portadoras de novos alvos sexuais, que na sua maioria apresentam-se como pares de opostos, é o caso da pulsão de agressividade em suas formas ativa e passiva, cuja compreensão contribui para entender a natureza sofrida dos sintomas. A pulsão de agressividade domina quase invariavelmente uma parte da conduta social do doente, e é pelo intermédio de sua ligação com a libido que se da a transformação do amor em ódio, da ternura em hostilidade, características de um grande número de casos de patologias.

Freud foi categórico ao afirmar que a energia da pulsão sexual é a única fonte energética constante da neurose e a mais importante de todas, que a vida sexual das pessoas expressa-se de acordo com essa energia, sendo os sintomas a atividade sexual dos doentes. Ou seja, os sintomas são substitutos de processos, desejos e aspirações sexuais investidos de afeto, que mediante o recalcamento retém a formação de pensamento num estado de inconsciência; o afeto desprendido desse pensamento requer uma descarga e encontra-a mediante a formação de sintomas. Assim, pode-se dizer que os sintomas são representações conscientes investidas de afeto. E ainda, que eles surgem à custa da pulsão sexual, mas também como representação convertida de pulsões perversas e, neste caso, permite dizer que a “neurose é o negativo da perversão”.

Ao desvio das forças pulsionais das metas sexuais e sua orientação para novas metas se da o nome de sublimação, o que pode se tornar poderoso componente para as realizações culturais. Mas, sempre acontece de um fragmento de manifestação sexual se furtar à sublimação, ou de alguma atividade sexual se preservar ao longo de todo o período de latência até a irrupção acentuada da pulsão sexual na puberdade. As forças defensivas morais à custa da sexualidade falham, pois as atividades sexuais insistem em se manifestarem, sem que se possam fazer muita coisa contra elas. Este fenômeno desperta grande interesse, pois, espera-se obter através dele o esclarecimento da configuração originária da pulsão sexual e sua correlação com a agressividade. Acredita-se ser importante, para tanto, compreender a vida sexual da criança desde o seu nascimento.

O germe de moções sexuais que o recém-nascido traz consigo torna-se expressão de uma vida sexual mais acessível á observação por volta dos três ou quatro anos de idade. Neste tempo a vida sexual da criança chega a sua primeira florescência, e se inicia nela a atividade que se inscreve na pulsão de saber ou de investigar, neste período a vida sexual e intelectual estão significativamente relacionadas. A energia não cessa seu fluxo, apenas o desvia do uso sexual para outros fins, a pulsão de saber é aqui favorecida precoce e intensamente pelos problemas sexuais, ou quem sabe despertada por eles. Durante este período constituem-se as forças anímicas que, mais tarde, servirão de obstáculos no caminho da pulsão sexual e estreitarão seu curso à maneira de diques tais como o asco, o sentimento de vergonha, as exigências dos ideais estéticos e morais.

O alvo sexual da pulsão infantil consiste em provocar a satisfação mediante a estimulação apropriada da zona erógena que de algum modo foi escolhida. A satisfação deve ter sido vivenciada antes para que se tenha necessidade de repeti-la, a necessidade de repetição transparece de duas maneiras, por um sentimento peculiar de tensão que tem antes o caráter de desprazer, e por uma sensação de excitação ou estimulação centralmente condicionada e projetada para a zona erógena periférica. Ou seja, o alvo sexual viria substituir a sensação de estimulação projetada na zona erógena pelo estímulo externo, que a abolisse ao provocar a sensação de satisfação.

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Às organizações da vida sexual, em que as zonas genitais ainda não assumiram seu papel preponderante, chama-se pré-genitais. A primeira dessas organizações sexuais pré-genitais é a oral ou canibalesca. Nela a pulsão sexual ainda não se separou da pulsão de nutrição e não é possível diferenciar correntes opostas em seu interior. O objeto de uma atividade é também o da outra, e o alvo sexual consiste na incorporação do objeto. Este modelo mais tarde irá desempenhar um papel psíquico muito importante, sob a forma da identificação.

A primeira e mais vital das atividades da criança que é o mamar no seio materno a familiariza com o prazer de chuchar. Os lábios da criança como uma zona erógena recebem a estimulação pelo fluxo quente do leite, origem da sensação prazerosa. A princípio, a satisfação da zona erógena está associada com a necessidade de alimento, a atividade sexual apóia-se primeiramente numa das funções que servem à preservação da vida e só depois se torna independente delas. O sugar com deleite alia-se a uma absorção completa da atenção e leva ao adormecimento ou mesmo a uma reação motora numa espécie de orgasmo. Muitas vezes ocorre alguma fricção com alguma parte sensível do corpo, como os seios, e é por esse caminho que muitas crianças passam do chuchar para a masturbação.

Com o aparecimento dos dentes o alimento já não é exclusivamente ingerido por sucção, mas também mastigado, então a necessidade de repetir a satisfação sexual dissocia-se da necessidade de absorção de alimento. A criança deixa de servir de um objeto externo para sugar e passa a preferir uma parte de sua própria pele que, além de ser mais cômodo, torna-a independente do mundo externo, que ela ainda não consegue dominar. Como resquício dessa fase de organização pode-se ver o chuchar, no qual a atividade sexual desligada da atividade de alimentação renunciou ao objeto alheio em troca de um objeto situado no próprio corpo. O ato da criança de chuchar é determinado pela busca de um prazer já vivenciado e agora relembrado, o que permite supor que tenha sido reforçado. No caso mais simples a satisfação é encontrada mediante a sucção rítmica de alguma parte da pele ou da mucosa.

Quando adultas as crianças chuchadoras tornarão ávidas apreciadoras de beijo, tenderão a beijar perverso, a beber e a fumar. Pela dupla finalidade da zona labial o recalque se estende à pulsão de nutrição, sentirão nojo e vomitam a comida. As crianças tornarão auto-agressivas, o que leva a pensar o ato de chuchar como agressivo, ou a agressividade presente no ato de chuchar. No chuchar ou sugar com deleite podemos observar as três características essenciais de uma manifestação sexual infantil, que também são válidas para a maioria das outras atividades das pulsões infantis. Nasce apoiando-se numa das funções somáticas vitais; ainda não conhece nenhum objeto sexual, sendo autoerótico; e seu alvo sexual acha-se sob o domínio de uma zona erógena.

A propriedade zona erógena pode ligar-se de maneira mais marcante a certas partes do corpo, qualquer ponto da pele ou da mucosa pode assumir as funções de uma zona erógena, desde que tenha certa aptidão para isso. Assim, a qualidade do estímulo, mais do que a natureza das partes do corpo, é que tem a ver com a produção da sensação prazerosa. As diferenças mais significativas dizem respeito às providências necessárias à satisfação, que, no caso da zona labial, consistiam no sugar, e que terão de ser substituídas por outras ações musculares conforme a posição e a natureza das outras zonas.

A segunda fase pré-genital é a da organização sádico-anal. Nela, a divisão em opostos que perpassa a vida sexual já se constituiu, mas eles ainda não podem ser chamados de masculino e feminino e sim ativo e passivo. Nessa fase já é possível demonstrar a polaridade sexual e o objeto

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alheio, faltando ainda à organização e a subordinação à função reprodutora. A zona erógena é a anal, que por sua vez está apta, por sua posição, a mediar um apoio da sexualidade em outras funções corporais. A atividade é produzida pela pulsão de dominação através da musculatura do corpo.

Os estudos desta fase mostraram que, a princípio, a criança retém a massa fecal intencionalmente, para tirar proveito da estimulação, como que masturbatória, da zona anal, ou ainda para empregar na relação com as pessoas que cuidam dela. A recusa obstinada a esvaziar o intestino quando a pessoa que cuida dela assim deseja, não é por interesse em sujar a cama; ele está apenas providenciando para que não lhe escape o dividendo de prazer que vem junto com a defecação que ocorre quando ele próprio desejar. A estimulação masturbatória efetiva da zona anal com a ajuda do dedo, provocada por uma comichão centralmente determinada ou perifericamente mantida, não é nada rara nas crianças mais velhas.

Entre as zonas erógenas do corpo infantil destaca-se a glande, que faz parte dos órgãos sexuais propriamente ditos tanto de sexo masculino quanto feminino e está ligada à micção e destinada a grandes coisas. Está nas atividades sexuais dessa zona erógena o começo da futura vida sexual, dita normal. A posição anatômica, as secreções em que estão banhadas, a lavagem e a fricção advindas dos cuidados com o corpo e por certas excitações acidentais são razões para a criança notar, ainda na fase de amamentação, a sensação prazerosa que essa parte do corpo produz e despertar a necessidade de repeti-la. Considerada a soma dos dispositivos excitantes existentes, tanto nas próprias secreções quando advindas das providências para manter a limpeza. Pode concluir-se que é através da automasturbação do lactante, do qual praticamente nenhum indivíduo escapa, que se estabelece à futura primazia dessa zona erógena na atividade sexual.

A ação que elimina o estímulo e provoca a satisfação consiste num contato por fricção manual ou numa pressão preparada nos moldes de um reflexo e exercida com a mão ou unindo as coxas. Este último método é sem dúvidas o mais freqüente nas meninas. Nos meninos, a preferência pela mão já indica a importante contribuição que a pulsão de dominação está destinada a fazer para a atividade sexual masculina. É preciso distinguir três fases da masturbação infantil, a primeira é própria do período de latência, a segunda pertence à breve florescência da atividade sexual por volta do quarto ano de vida, e somente a terceira corresponde ao onanismo da puberdade, amiúde o único a ser levado em conta.

A onanismo do lactante parece desaparecer após um curto prazo, mas seu prosseguimento ininterrupto até a puberdade pode constituir o primeiro grande desvio do desenvolvimento. Em algum momento da infância posterior ao período de amamentação, comumente antes do quarto ano, a pulsão sexual dessa zona genital costuma voltar a despertar-se e novamente durar algum tempo, até ser detida por uma nova supressão, ou prosseguir ininterruptamente. Mas todos os detalhes dessa segunda fase de atividade sexual infantil deixam atrás de si as mais profundas marcas inconscientes que irão determinar o desenvolvimento do caráter da pessoa caso ela permaneça sadia, e a sintomatologia de sua neurose caso venha a adoecer depois da puberdade. Através da investigação psicanalítica é possível tornar consciente o esquecido e, desse modo, eliminar uma compulsão que provém do material psíquico inconsciente.

É sabido que ainda não se esgotou a análise psicológica da pulsão agressiva, mas, em acreditando que ela provenha da pulsão de dominação que anseia em atender sua necessidade ontogenética de incorporar o objeto; e surja na vida sexual numa época em que os genitais ainda não assumiram seu papel preponderante, então não há dúvida de que ela domina a fase da vida

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sexual descrita como organização pré-genital. Que como se sabe é a fase da vida sexual infantil chamada de autoerótica, em que as atividades sexuais provêm de um funcionamento originariamente parcial da pulsão sexual e em que as zonas erógenas independentemente umas das outras procuram um prazer determinado como única meta sexual. Um modo precoce de funcionamento psicossexual anterior à organização feita sob o primado dos órgãos genitais. Nesta fase a pulsão sexual constitui-se em recaídas em estados anteriores da vida animal, sofre variações que afetam seu desenvolvimento e escolha de objeto, vive uma verdadeira anarquia e instabilidade que facilita o domínio da pulsão agressiva. O desfecho desta fase depende da qualidade das condutas internas e externas (sociais, em especial da interação pais-filho) para a configuração definitiva da vida sexual.

As crianças que se distinguem por uma agressividade peculiar para com os animais e os companheiros despertam, em geral justificadamente, a suspeita de uma atividade sexual intensa e precoce advinda das zonas erógenas, e mesmo no amadurecimento precoce e simultâneo de todas as pulsões sexuais a atividade sexual erógena parece ser primária. A ausência da barreira da compaixão na criança traz consigo o risco de que o vínculo estabelecido na infância entre as pulsões cruéis e as erógenas torne-se depois indissolúvel na vida. O que poderá resultar em casos extremos e aberrantes, uma vez que somado a falta de compaixão está certo prazer na dor.

Ao se referir às Confissões de Jean Jacques Rousseau1, Freud relata que foi a partir delas que a estimulação dolorosa da pele das nádegas passou a ser reconhecida por todos os educadores como uma das raízes erógenas da pulsão passiva de agressividade (masoquismo). Disso os educadores concluíram, com acerto, que o castigo corporal, que quase sempre incide nessa parte do corpo, deve ser evitado em todas as crianças e a libido, através das exigências posteriores da educação cultural, possa ser forçada para vias colaterais.

Os adultos praticam relações sexuais na presença de crianças ainda muito novas por considerarem que crianças pequenas não são capazes de entender o sexual, e acabam fazendo com que elas venham conceber o ato sexual como uma espécie de sevícia ou subjugação, ou seja, de encará-lo num sentido sádico. A psicanálise também nos permite verificar que uma impressão dessa natureza na primeira infância contribui em muito para a predisposição a um deslocamento sádico posterior do alvo sexual. Ademais, as crianças se ocupam muito com o problema de saber em que consiste a relação sexual, ou, como dizem elas, em que consiste ser casado, e costumam buscar a solução do mistério em alguma atividade conjunta proporcionada pelas funções de micção ou defecação.

As crianças percebem as alterações provocadas na mãe pela gravidez e sabem interpretá-las corretamente. Contudo, a investigação sexual desses primeiros anos da infância é sempre feita na solidão, isto significa ao mesmo tempo um primeiro passo para a orientação autônoma no mundo e um intenso alheamento frente às pessoas de seu meio, que antes gozavam de sua total confiança. Muitos dos esforços das crianças são infrutíferos, não conseguem desvendar muitos elementos dentre os quais o papel do sêmen e a existência do orifício sexual feminino que permanecem desconhecidos. Acabam por renunciar às suas pesquisas ficando com um prejuízo permanente para a pulsão de saber, e muitas vezes para o desenvolvimento de uma vida sexual que possa ser chamada de normal.

As características da vida sexual infantil de maior destaque são o fato de ela ser essencialmente autoerótica e de suas pulsões parciais serem inteiramente desvinculadas e

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independentes entre si, em seus esforços pela obtenção de prazer. O desfecho esperado do desenvolvimento constitui a chamada vida sexual normal do adulto, na qual a obtenção de prazer fica a serviço da função reprodutora. As pulsões parciais organizam-se resultando numa espécie de regime sexual, sob o primado de uma única zona erógena, para a consecução do alvo sexual num objeto sexual alheio. Essas fases da organização sexual são normalmente atravessadas sem dificuldade, revelando-se apenas por alguns indícios, a não ser que ocorra alguma patologia. Geralmente gerida ou reforçada pelas más vivências de interação entre pais e filhos anteriormente descritas.

Já na infância se efetua uma escolha objetal, com as características da fase de desenvolvimento da puberdade, o conjunto das aspirações sexuais orienta-se para uma única pessoa, na qual elas pretendem alcançar seus objetivos. Na infância é essa a maior aproximação da forma definitiva assumida pela vida sexual depois da puberdade. A diferença desta última reside apenas em que a concentração das pulsões parciais e sua subordinação ao primado da genitália não são conseguidas na infância, ou só o são de maneira muito incompleta. Assim, o estabelecimento desse primado a serviço da reprodução é a última fase por que passa a organização sexual.

Pode-se considerar que é uma ocorrência típica a escolha de objeto se efetuar em dois tempos, em duas ondas. A primeira delas começa entre os dois e os cinco anos e retrocede ou é detida pelo período de latência; caracteriza-se pela natureza infantil de seus alvos sexuais. A segunda sobrevém com a puberdade e determina a configuração definitiva da vida sexual. Os resultados da escolha objetal infantil prolongam-se pelas épocas posteriores conservando-se como tal, ou se renovando na época da puberdade. Mas sempre carregará as antigas aspirações parciais infantis ocultas por trás da ternura, da veneração e respeito. A escolha de objeto da época da puberdade tem de renunciar aos objetos infantis e recomeçar como uma corrente sensual. A confluência dessas duas correntes trará como consequência à possibilidade de se alcançar um dos ideais da vida sexual, que é a conjugação de todos os desejos num único objeto.

O resultado obtido por Freud1 em seu esforço de rastrear as origens da pulsão sexual foi à descoberta que, “a excitação sexual nasce (a) como a reprodução de uma satisfação vivenciada em relação a outros processos orgânicos, (b) pela estimulação periférica apropriada das zonas erógenas, e (c) como expressão de algumas pulsões que ainda não nos são inteiramente compreensíveis em sua origem, como a pulsão de ver e a pulsão para a agressividade”. Na letra (c) faz-se destacar a afirmação de que a excitação sexual nasce como expressão da pulsão para a agressividade, para que se possa pensar a pulsão sexual como uma manifestação da pulsão para a agressividade. O que significa dizer que a agressividade está na raiz da libido, e mesclada a ela influencia e se deixa influenciar, quanto à escolha do alvo, do objeto e das condutas sexuais.

Diz Freud que a investigação psicanalítica, que retrocede de uma época posterior para a infância, e a observação contemporânea da criança conjugam-se para apontar, ainda, outras fontes que fluem regularmente para a excitação sexual. Por exemplo, a compulsão a estabelecer vínculo entre as viagens ferroviárias e a sexualidade, que provém do caráter prazeroso das sensações de movimento. Acontece que o recalcamento, que converte muitas das preferências infantis em seu oposto, faz com que essas mesmas pessoas, quando adolescentes ou adultas, reajam com náuseas aos balanços e sacolejos, fiquem terrivelmente esgotadas pelas viagens de trem, ou sofram a sofrer ataques de angústia nas viagens, protegendo-se da repetição dessa experiência dolorosa

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através de um pavor das ferrovias. O recalcamento exerce tamanha força sobre o caráter prazeroso das sensações da criança, quando de seus vínculos com a sexualidade, que converte as predileções em seus opostos, provoca angústia e sofrimento que encontra saída nas fobias. Mecanismo de defesa que pode estar a serviço de uma agressividade recalcada e deslocada.

À atividade muscular quando intensa é para a criança uma necessidade, de cuja satisfação ela extrai um prazer extraordinário. Se esse prazer tem algo a ver com a sexualidade é passível de considerações críticas, mas o fato é que uma série de pessoas informa ter vivenciado os primeiros sinais de excitação em sua genitália no curso de brigas ou lutas com seus companheiros de brincadeiras. Situação na qual, além do esforço muscular generalizado, há ainda um estreito contato com a pele do oponente. “Na promoção da excitação sexual através da atividade muscular caberia reconhecer uma das raízes da pulsão sádica1”, nesta frase Freud volta a se referir à pulsão sádica (agressiva) como fonte originária da excitação sexual.

Presume-se que também as sensações de dor intensa provoquem o mesmo efeito erógeno, sobretudo quando a dor é abrandada ou mantida a distância por alguma condição concomitante. Está nessa vinculação uma das principais raízes da pulsão sado-masoquista, de cujas múltiplas complexidades vamos aos poucos ganhando algum discernimento. Aqui parece ficar mais claro o duplo sentido da pulsão agressiva, por um lado atua como fonte originária de excitação, por outro como excitação que se satisfaz como receptáculo da dor. O prazer em agredir e em ser agredida em sua agressão.

Todos os processos afetivos mais intensos, inclusive as excitações assustadoras, agressivas, propagam-se para a sexualidade, esta afirmação contribui para a compreensão do efeito patogênico de tais abalos anímicos. O efeito sexualmente excitante de muitos afetos que em si são desprazerosos, tais como a angústia, o medo ou o horror, conserva-se num grande número de seres humanos por toda a vida. Razão pela qual tantas pessoas correm atrás da oportunidade de vivenciar tais sensações, desde que haja apenas certas circunstâncias secundárias (a pertença a um mundo imaginário, à leitura ou ao teatro) para atenuar a gravidade da sensação desprazerosa. A concentração em uma tarefa intelectual, bem como o esforço intelectual em geral, produz em muitas pessoas, tanto jovens quanto adultas, uma excitação sexual concomitante. Sendo esta a única explicação para a tão duvidosa prática de atribuir ao excesso de trabalho intelectual a causa das perturbações nervosas.

Correr os olhos por essas provas e indícios fornecidos sobre as fontes da excitação sexual infantil, permite vislumbrar ou reconhecer o traço universal de que, as mais abundantes providências (as excitações das superfícies sensíveis, a pele e os órgãos sensoriais, de maneira mais ou menos direta e imediata á influência dos estímulos sobre certas áreas designadas como zonas erógenas) são tomadas para que o processo da excitação sexual seja posto em andamento. O elemento decisivo nas fontes de excitação sexual é, sem dúvida, a qualidade do estímulo, embora o fator da intensidade (no caso da dor) não seja de todo indiferente.

A formação diferenciada das zonas erógenas além de basear-se numa multiplicidade de constituições sexuais inatas, também experimenta a mesma coisa com as fontes indiretas de excitação sexual. Essas fontes fazem-se presentes em todos os indivíduos, mas não tem em todas as pessoas a mesma intensidade. Pelas mesmas vias que as perturbações sexuais se propagam para as outras funções do corpo, certamente se dará à atração das forças pulsionais da sexualidade para outros alvos não sexuais, como boa parte da sintomatologia das neuroses, o que representa

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apenas a contrapartida das influências sob as quais se dá a produção da excitação sexual. Todas as vias de ligação, vindas de outras funções, que levam à sexualidade devem também ser percorríveis na direção inversa. Se percorrido no sentido inverso, o estado de excitação sexual pode influenciar a disponibilidade de atenção dirigível a algo, pela excitação sexual que a concentração de atenção é capaz de provocar.

Com a chegada da puberdade à zona genital toma lugar como novo alvo sexual e se configura como definitiva. Na vida sexual infantil as pulsões e zonas erógenas eram distintas e independentes umas das outras, e o prazer era buscado como alvo sexual exclusivo. Agora, todas as pulsões parciais se conjugam enquanto as zonas erógenas subordinam-se ao primado da zona genital. O novo alvo sexual atribui aos dois sexos funções muito diferentes, o desenvolvimento sexual de ambos passa agora a divergir muito. A normalidade da vida sexual é assegurada pela exata convergência da ternura (que contém em si o resto da eflorescência infantil da sexualidade) e da sensualidade, duas correntes dirigidas ao objeto sexual e à meta sexual. O novo alvo sexual do homem consiste na descarga dos produtos sexuais, o prazer está vinculado a essa descarga. A pulsão sexual coloca-se a serviço da função reprodutora, torna-se altruísta, e para obter êxito conta com as disposições originárias e com todas as particularidades das pulsões em seu processo de transformação.

Como em todas e quaisquer ocasiões em que se devem realizar no organismo novas composições e combinações que levam a mecanismos complexos, também aqui há uma oportunidade para perturbações patológicas, caso essas reordenações não se realizem a contento. Uma desordem nessas composições poderá trazer implicações no desfecho da libido, causando desconforto e alterando o humor, gerando agressividade. Como popularmente sabido, o humor está relacionado à qualidade da vida sexual.

O que mais se destaca nos processos de puberdade, como o que constitui sua essência, é o crescimento manifesto da genitália externa, que durante o período de latência da infância ficou inibido. O desenvolvimento dos genitais internos avançou o bastante para poder descarregar, ou receber produtos sexuais e promover a formação de um novo ser vivo. Assim ficou pronto um aparelho altamente complexo à espera do momento em que será utilizado. Esse deve ser acionado por estímulos que podem afetá-lo por três caminhos: vindo do mundo externo, mediante a excitação das zonas erógenas já conhecidas; do interior do organismo, por vias que ainda temos de explorar; e da vida anímica, que por sua vez é um repositório de impressões externas e um receptor de excitações internas. Pelos três caminhos provoca um estado que se designa como excitação sexual e que se exprime por sinais anímicos e somáticos. O indício anímico consiste num sentimento peculiar de tensão, de caráter extremamente premente; entre os corporais uma série de alterações nos genitais se situa como preparativos para o ato sexual, com o inequívoco sentido de serem disposições preliminares (a ereção do membro masculino e a umidificação da vagina).

De um lado uma sensação de prazer, que logo se intensifica pelo prazer proveniente das alterações preparatórias da genitália; de outro lado, um aumento da tensão sexual que logo se converte no mais evidente desprazer quando não lhe é permitido o acesso a um prazer ulterior. O acúmulo ou falta de substâncias sexuais pode gerar e manter tensão sexual, e esta gerar outras, não sexuais. Assim, pode-se dizer que a excitação sexual tem um caráter de tensão e sabe-se que, toda tensão suscita um problema cuja solução é tão difícil quanto importante para a compreensão dos processos sexuais. Um sentimento de tensão traz em si o caráter de desprazer e uma pressão para alterar a situação psíquica, impulsionada de uma maneira que é totalmente estranha à

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natureza do prazer sentido. Mas, se a tensão da excitação sexual for computada como um sentimento de desprazer esbarraremos no fato de que ela é inequivocamente experimentada como prazerosa. Sempre que é produzida por processos sexuais, a tensão faz-se acompanhar pelo prazer, até mesmo nas alterações preparatórias dos genitais evidencia-se uma espécie de satisfação. O prazer vivenciado desperta a necessidade de um prazer ainda maior, e prazer e tensão sexual só podem estar relacionados de maneira indireta, pois, no prazer máximo, que se vincula à descarga dos produtos sexuais, não se produz tensão alguma, ao contrário, toda a tensão é abolida.

Nesse processo, as zonas erógenas são todas usadas para proporcionar, mediante sua estimulação apropriada certo aumento do prazer; este leva a um acréscimo de tensão que, por sua vez, tem de produzir a energia motora necessária para levar a cabo o ato sexual. A penúltima etapa desse ato, mais uma vez, é a estimulação apropriada de uma zona erógena (a própria zona genital, na glande peniana) pelo objeto mais adequado para isso (a mucosa da vagina); do prazer gerado por essa excitação obtém-se, dessa vez por via reflexa, a energia motora requerida para a expulsão das substâncias sexuais. Esse último prazer é o de intensidade mais elevada e difere dos anteriores por seu mecanismo. É inteiramente provocado pela descarga em sua totalidade, é um prazer de satisfação, e com ele se extingue temporariamente a tensão da libido.

A ligação do pré-prazer com a vida sexual infantil corrobora, pelo papel patogênico que pode competir a ele, com o perigo para a consecução do alvo sexual normal. O perigo surge quando em algum ponto dos processos sexuais preparatórios o pré-prazer se revela demasiadamente grande e pequena demais sua contribuição para a tensão. Falta então a força pulsional para que o processo sexual seja levado adiante, todo o caminho se encurta, e a ação preparatória correspondente toma o lugar do alvo sexual normal. Daí surge o mecanismo de muitas perversões, que consiste numa demora nos atos preparatórios do processo sexual, que pode ser evitado quando já na vida infantil evidencie igualmente a preferência das zonas genitais. A análise das perversões e das psiconeuroses levou à compreensão de que essa excitação sexual é fornecida não só pelas chamadas partes sexuais, mas por todos os órgãos do corpo. Chega-se assim à representação da libido, cujo substituto psíquico se da o nome de libido do ego, e cuja produção, aumento ou diminuição, distribuição e deslocamento devem fornecer-nos possibilidades de explicar os fenômenos psicossexuais observados. A libido é conceituada como uma força quantitativamente variável que poderia medir os processos e transformações ocorrentes no âmbito da excitação sexual; diferencia-se, no tocante a sua origem particular, da energia que se supõe subjacente aos processos anímicos em geral, e assim lhe é conferido, também, um caráter qualitativo. Separar a energia libidinosa de outras formas de energia psíquica faz entender que os processos sexuais do organismo diferenciam-se dos processos de nutrição por uma química especial

A libido do ego, também chamada de libido narcísica (tomar por objeto a própria pessoa), em contraste com a libido do objeto (tomar um objeto exterior, fora), é retirada dos objetos e mantida em suspenso, em estados particulares de tensão, até ser trazida de volta para o interior do ego se convertendo em libido do ego. Do ponto de observação da psicanálise pode-se contemplar, como que por sobre uma fronteira cuja ultrapassagem não nos é permitida, a movimentação da libido narcísica formando uma ideia de sua relação com a libido objetal. A libido narcísica ou do ego parece ser o grande reservatório de onde partem as catexias de objeto e no qual elas voltam a ser recolhidas. A catexia libidinosa narcísica se apresenta como o estado originário realizado na

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primeira infância, que é apenas encoberto pelas emissões posteriores de libido, mas no fundo se conserva por trás delas.

Quando a ternura dos pais pelo filho é bem-sucedida evita que a pulsão seja prematuramente despertada nele, antes que se dêem as condições somáticas da puberdade, e que se desperte com tal força que a excitação anímica irrompa de maneira inconfundível no sistema genital. A ternura pode cumprir sua tarefa de orientar esse filho, na maturidade, em sua escolha do objeto sexual. Sem dúvida, o caminho mais curto para o filho seria escolher como objetos sexuais às mesmas pessoas a quem ama desde a infância, com uma libido amortecida. Com o adiamento da maturação sexual ganha-se tempo para erigir, junto a outros entraves à sexualidade, a barreira do incesto. Assim se integram os preceitos morais que excluem expressamente da escolha objetal, na qualidade de parentes consangüíneos, as pessoas amadas na infância. O respeito a essa barreira é, acima de tudo, uma exigência cultural da sociedade. Esta tem de se defender da devastação, pela família, dos interesses que a ela são necessários, para o estabelecimento de unidades sociais superiores. E por isso, todos os indivíduos, mas em especial os adolescentes, lançam mão de todos os recursos para afrouxar os laços com a família, os únicos que eram decisivos na infância.

Na conformação normal de todo indivíduo, masculino ou feminino, há vestígios do aparelho do sexo oposto, que persistiram sem nenhuma função como órgãos rudimentares, ou que se modificaram para tomar em seu encargo outras tarefas. A concepção resultante desses fatos anatômicos, conhecidos de longa data, é de uma predisposição originalmente bissexual, que no curso do desenvolvimento vai se transformando em monossexualidade com resíduos ínfimos do sexo atrofiado. As manifestações autoeróticas e masturbatórias da sexualidade são idênticas nos dois sexos.

De acordo com Freud a sexualidade das meninas tem um caráter inteiramente masculino, sendo a libido de natureza masculina. Isso se deve ao fato dos conceitos masculino e feminino serem empregado no sentido de ativo e passivo. Segundo Freud, sem a noção de bissexualidade dificilmente se pode chegar a uma compreensão das manifestações sexuais no homem ou na mulher, disse ele: “chego mesmo a duvidar de que a menina, sob a influência da sedução, possa ser levada à outra coisa que não a masturbação clitoridiana; a ocorrência disso é totalmente excepcional1”. Esta colocação serve para ilustrar a parte da definição de agressividade que diz, “não existe comportamento, quer negativo, quer positivo, simbólico, ou efetivamente concretizado, que não possa funcionar como agressão”. Pois é certo que, embora não exista nenhuma intenção do autor em agredir, não se pode negar certa agressividade expressa na condição de desigualdade e na incapacidade para levar a cabo o ato sexual, contida em suas palavras. Se a normalidade sexual é assegurada pela subordinação das zonas erógenas ao primado da zona genital, enquanto o patológico se da pela substituição da zona genital por outra zona erógena, que toma e ocupa o seu lugar, dizer que a menina não pode ir além da masturbação equivale a dizer que está fadada às patologias.

Quando enfim o ato sexual é permitido, o próprio clitóris é excitado e compete a ele o papel de retransmitir essa excitação para as partes femininas vizinhas. Quando a mulher transfere a excitabilidade erógena do clitóris para a vagina ela muda a zona dominante para sua atividade sexual posterior, ao passo que o homem conserva a dele desde a infância. Nessa mudança da zona erógena dominante, assim como na onda de recalcamento da puberdade que elimina, por assim

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dizer, a masculinidade infantil residem os principais determinantes da propensão das mulheres para a neurose, e estão eles intimamente relacionados com a natureza da feminilidade.

Um número de pessoas fica retido em cada uma das etapas do curso de desenvolvimento em que todos são obrigados a passar. Deste modo há pessoas que nunca superam a autoridade dos pais e não retiram deles sua ternura, ou só o fazem de maneira muito incompleta. Mesmo quem teve a felicidade de evitar a fixação incestuosa de sua libido não escapa inteiramente a sua influência. Nos casos em que uma pessoa anteriormente sadia adoece após uma experiência amorosa infeliz pode-se descobrir com segurança que, o mecanismo de seu adoecimento consiste numa reversão de sua libido para as pessoas preferidas na infância. Em sua maioria são moças que, para a alegria dos pais, persistem em seu amor infantil muito além da puberdade, e é muito instrutivo constatar que é a essas moças que em seu posterior casamento falta a capacidade de dar ao marido o que é devido a ele. Tornam-se esposas frias e permanecem sexualmente anestesiadas. Com isso se aprende que o amor sexual e o amor que parece não ser sexual, pelos pais, alimentam-se das mesmas fontes, ou seja, o segundo corresponde apenas a uma fixação infantil da libido.

A escolha do objeto em geral talvez se dê mediante um apoio mais livre dos modelos. O homem, sobretudo, busca a imagem mnêmica da mãe, tal como essa imagem o dominou desde os primórdios da infância; e está em perfeita harmonia com isso que a mãe, ainda viva, oponha-se a essa reedição dela mesma e a trate com hostilidade. Em vista dessa importância do relacionamento infantil com os pais para a escolha posterior do objeto sexual, é fácil compreender que qualquer perturbação desse relacionamento terá as mais graves conseqüências para a vida sexual na maturidade; também ao ciúme dos amantes nunca falta uma raiz infantil, ou pelo menos um reforço infantil. As desavenças entre os pais (agressividades), ou seu casamento infeliz condicionam a mais grave predisposição para o desenvolvimento sexual perturbado ou o adoecimento neurótico dos filhos.

Uma das tarefas implícitas na escolha do objeto consiste em não se desencontrar do sexo oposto. A afeição infantil pelos pais não é o único, mas é o mais importante dos vestígios que, reavivados na puberdade, apontam o caminho para a escolha do objeto. Outros rudimentos com essa mesma origem permitem ao homem, sempre apoiado em sua infância, desenvolver mais de uma orientação sexual e criar condições muito diversificadas para sua escolha objetal. O que irá refletir em todas as suas ações e relações. E, deve servir como alerta nas relações que os adultos, em especial os pais, estabelecem com as crianças.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Freud, S. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Obras Psicológicas Completas de Sigmund. Ed. Standart, 1905, vol. VII.

Laplanche e Pontalis. Dicionário de Psicanálise. Martins Fontes, 1992.

OBSERVAÇÃO

O trabalho está todo pautado no texto Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de Freud, é uma leitura deste texto com o viés da agressividade e, portanto, ele é a referência em toda a fala, pontualmente citado ou não nos parágrafos.

Referências

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