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Missões, Militância Indigenista e Protagonismo Indígena

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Academic year: 2021

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Missões,

Militância Indigenista

e Protagonismo Indígena

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NHANDUTIEDITORA

Protasio Paulo Langer

Graciela Chamorro

Missões,

Militância Indigenista

e Protagonismo Indígena

Produção Financiamento

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Artigos originais: © dos/das autores/as Conjunto deste livro: © Nhanduti Editora 2012

Organização: Protasio Paulo Langer, Graciela Chamorro Revisão e diagramação: Nhanduti Editora

Capa e arte: Nhanduti Editora sobre a gravura “Idololatria et feritas Deo et regi domitae” de Nicolás del Techo (1611-1685) e publi-cada em Trnava (Tyrnauiæ) em 1759 por Ladislao Orosz

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Langer, Protasio Paulo; Chamorro, Graciela. Missões, Militância Indigenista e Protagonismo Indígena. XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas, Volume II / Protasio Paulo Langer; Graciela Chamorro. – São Bernardo do Campo: Nhanduti Editora, 2012, 368p.

Bibliografias.

ISBN 978-85-60990-15-3

1. Missão 2. Cultura e religião guarani 3. Movimentos e lutas indígenas I. Langer, Protasio Paulo; Chamorro, Graciela. II. Título.

CDD-266.8; 305.898382; 303.98

Índices para catálogo sistemático:

1. Missão na América do Sul : Missão cristã na América do Sul 266.8 2. Cultura e religião guarani : Grupos étnicos – guarani 305.898382

3. Movimentos indígenas : Processos sociais indígenas

na América do Sul 303.98

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

Nhanduti Editora

Rua Planalto 44 – Bairro Rudge Ramos

09640-060 São Bernardo do Campo – SP, Brasil

11-4368.2035 nhanduti@yahoo.es / www.nhanduti.com

Financiamento

Universidade Federal da Grande Dourados

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Rua João Rosa Góes No 1761, Vila Progresso / Caixa Postal 332 / CEP: 79.825-070 Dourados – MS, Brasil

Reitor: Damião Duque de Farias Pró-Reitor: Cláudio Alves Vasconcelos

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Boas-vindas da Editora

Este é mais um livro lançado pela Nhanduti, uma editora que tem a alegria de ter nascido no Brasil, na América Latina, no Planeta Terra

para ser uma enredadeira: junto com você queremos criar redes em vez de centros pontes em vez de muros diálogos em vez de ataques partilha em vez de indoutrinação intercâmbio em vez de inimizade

relações de parceria em vez de dominação. Entre – o livro é seu:

use,

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– mas não copie, por favor:

as vendas nos ajudam a produzir mais crie coragem,

procure jeitos e junte gente para partilhar e amadurecer idéias próprias

comente, comunique e

discuta conosco qualquer coisa que lhe chamou atenção.

Nhanduti Editora

O nome da editora é emprestado da palavra guarani ñandu, ara-nha, evocando a idéia da teia de araara-nha, da “rede” - ñanduti.

O termo ñanduti indica a renda paraguaia (cf. o lindo exemplo no logotipo) que nos serviu de inspiração para descrever as relações que nossa editora procura promover.

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Comitê Editorial

Deise Lucy Montardo – Universidade do Amazonas

Eudes Fernando Leite - Universidade Federal da Grande Dourados Guillermo Wilde – Universidad San Martín, Buenos Aires (Argentina)

Joana Aranha Moncau – Universidade de São Paulo e Pontifícia Universidade Ca-tólica de São Paulo

Jorge Eremites – Universidade Federal da Grande Dourados Lauri Wirth – Universidade Metodista de São Paulo

Lori Altmann – Universidade Federal de Pelotas Lúcio Tadeu Motta – Universidade Estadual de Maringá Neimar Machado – Universidade Católica Dom Bosco

Renata Lourenço – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul Ruth Monserrat – Universidade Federal do Rio de Janeiro

Thiago Cavalcante – Universidade Estadual Paulista

Wolf Dietrich – Westfälische Wilhelms-Universität, Münster (Alemanha)

Livro produzido pela Nhanduti Editora

e financiado pela Universidade Federal da Grande Dourados Agradecemos também ao Museo Guido Boggiani (San Lorenzo - Paraguai)

por autorizar a reprodução de fotografias de objetos pertencentes à comunidade indígena Tymaka-Chiriguano

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Sumário

Introdução geral (Protasio Paulo Langer, Graciela Chamorro) . . . 11 Descrição da imagem da capa (Carlos A. Page) . . . 21

I.

Reflexões sobre Missões Religiosas /

Protagonismo Indígena

Inovação pastoral da Igreja Católica: O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) (Paulo Suess) . . . 25

“Deus na aldeia”. A relação entre protagonismo indígena, ação missionária de Igrejas cristãs e outros agentes em comunidades indígenas

(Roberto E. Zwetsch) . . . 39 La mala fe potorera. Apóstatas, donecillos y dinámicas étnicas en Chiquitos

(Isabelle Combès) . . . 57 Las Jornadas Meridionales y la formación de los aldeamientos indígenas

de las provincias de San Paulo, Paraná y Mato Grosso entre 1840 y 1889: profetismo y movilidad guaraní

(Pablo Antunha Barbosa) . . . 73 As Ações das Missões Salesianas no Rio Negro, Amazonas/Brasil (1916-1923):

“Conversão” e “Civilização” do Índio

(Mauro Gomes da Costa) . . . 95 Liderança Kaiowá: Entre a religião tradicional e a Igreja pentecostal

(Ana Maria Melo e Souza) . . . 121 Dimensões imateriais da Tava Mirĩ São Miguel no discurso Mbyá-Guarani

contemporâneo

(José Otávio Catafesto de Souza e Mônica Arnt,

Carlos Eduardo de Moraes, Daniele Pires, Rita Lewkowicz) . . . 135 Missionários de papel: imagens dos índios Caiuá em jornais protestantes

(Carlos Barros Gonçalves) . . . 153 Significados do processo de conversão dos Kaiowá e Guarani ao pentecostalismo e sua inserção no cenário de inovação cultural

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Entre a religiosidade Guarani e as Igrejas cristãs. Entrevista com Édina Silva de Souza (Kunhá Apyká Rendy’í)

(Gustavo Gomes dos Santos) . . . 205

II. Protagonismo Indígena: Educação / Terra /

Reterritorialização

Missão Evangélica Summer Institute of Linguistics e a experiência da formação de professores / monitores bilíngues Kaingang

(Cássio Knapp) . . . 219

“O trabalho com os índios”. A atuação da IECLB junto aos Kaingang no Rio Grande do Sul e outros povos indígenas

(Sandro Luckmann) . . . 231 Territorialidade e educação escolar indígena: Desafios da experiência Guarani em Santa Catarina

(Clovis Antonio Brighenti e Graciela Chamorro) . . . 243 Conflitos, violências e territorialidade. A resistência Guarani em Paranhos/MS (Célia Maria Foster Silvestre e Lauriene Seraguza Olegário e Souza) . . . 261 O sistema-mundo moderno-colonial e os discursos para a não demarcação de terras-territórios Guarani e Kaiowa

(Juliana Grasiéli Bueno Mota) . . . 271 Mapas da Fronteira

(Aloir Pacini) . . . 291 Violinistas Kaiowá/Guarani: dados etnográficos e históricos sobre os violinos de procedência missioneira no atual Mato Grosso do Sul

(Protasio Paulo Langer) . . . 317

Ta’angá Tava Mirĩ: São Miguel (RS, Brasil) enquanto Espectro da Morada dos Deuses

aos Mbyá-Guarani

(José Otávio Catafesto de Souza e José Cirilo Pires Morinico) . . . 339

Dados biográficos dos autores e das autoras . . . 359

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Introdução

O foco deste segundo volume de trabalhos apresentados nas XIII Jorna-das Internacionais sobre as Missões Jesuíticas realizaJorna-das em Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil, de 30 de agosto a 03 de setembro de 2010 incide sobre questões indígenas e indigenistas num recorte cronológico mais ou menos contemporâneo. De um lado, o livro reúne artigos relativos a missões religio-sas, religiosidade, conversão e evangelização e, de outro, textos sobre educa-ção, terra, território e territorialidades.

As Jornadas acontecem bianualmente durante os últimos 26 anos. Origina-ram-se a partir do Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros de Santa Rosa/ RS, evento também bianual, realizado de 1975 a 1995. A promoção dos Sim-pósios foi fomentada por agentes e instituições eclesiásticas – como a Facul-dade Dom Bosco dos Padres Salesianos, os Padres Jesuítas e a Diocese de Santo Ângelo – historicamente atuantes no campo missionário entre os povos indígenas. Um dos motivos da longevidade desses eventos foi certamente sua proposta de conjugar temas do passado histórico com a agenda do presente etnológico, político e religioso dos povos indígenas e das práticas indigenistas.

Um aspecto histórico observável tanto nos Simpósios como nas Jornadas é a recorrência de palestras marcadas por um discurso de teor teológico im-pulsionado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e pela Segunda Conferên-cia Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellín (1968). À luz desses eventos, alguns setores eclesiásticos repensaram criticamente as “missões co-loniais” e, a partir do paradigma da Teologia da Libertação, elaboraram novas diretrizes para as missões entre os povos indígenas. Em suma, na perspectiva

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dessa corrente teológica, os indígenas seriam um dos grupos pobres e oprimi-dos que, desde essa posição, interpelavam a Igreja a posicionar-se em defesa dos povos indígenas e de seus projetos de vida.

Embora o mote desses eventos tenha sido o fenômeno missionário jesuíti-co-guarani dos séculos XVII e XVIII no Paraguai colonial, tanto nos Simpósios como nas Jornadas era constante e vigoroso o debate de temas missiológicos/ antropológicos e de dilemas políticos indígenas/indigenistas contemporâneos. Nas décadas de 1970-80, diante das terríveis ameaças que pairavam sobre os povos indígenas e seus territórios tradicionais (representadas pela ação de ma-deireiros, garimpeiros e latifundiários, pela construção de usinas hidrelétricas e rodovias, e pela implementação de uma política indigenista assimilacionis-ta pelo Esassimilacionis-tado), assimilacionis-tais eventos tornaram-se um efetivo espaço para abordagens tidas por “subversivas” pelos órgãos da segurança nacional (Schwade 1975).

Num período em que a produção acadêmica sobre os povos indígenas contemporâneos era incipiente, em que antropólogos indigenistas ou estavam no exílio ou eram vigiados pelos órgãos da segurança nacional, no Simpósio sobre fricção interétnica na América do Sul, ocorrido em 1971 em Barba-dos, estiveram presentes quatro antropólogos brasileiros: Darcy Ribeiro, Pedro Agostinho da Silva, Carlos de Araújo Moreira Neto e Silvio Coelho dos Santos. Apenas Darcy Ribeiro, exilado no Chile, assinou a “Declaração de Barbados I – Pela libertação do indígena”. “Os demais não o fizeram por questão de segurança devido ao regime militar que imperava no Brasil” (Prezia 2003, 328). Nesse contexto surgiram organismos eclesiásticos que propugnavam pastorais de defesa dos povos indígenas, tais como o CIMI (Conselho Indige-nista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), e o COMIN (Conselho de Missão entre Indígenas), um órgão da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil). Eles articularam militância político-pastoral e estudos acadêmicos nas diversas áreas das ciências huma-nas (História, Linguística, Antropologia, Teologia etc.). O motivo condutor da reflexão era que as Igrejas, que haviam sido cúmplices das iniquidades colo-niais no passado, precisavam reparar as injustiças históricas mediante práticas político-pastorais pautadas na defesa dos povos indígenas e na cumplicidade com suas bandeiras de luta.

A título de exemplo lembramos que no primeiro Simpósio, de 1975, um dos conferencistas foi o então jesuíta Egydio Schwade, que na década de 1960 havia sido missionário entre os Manoki e na década de 1970 foi um dos fundadores do CIMI, entidade da qual se tornou Secretário Executivo. Em sua conferência, após breves considerações sobre fatores e influências históricas que concorreram para a “organização social, política e econômica das missões” jesuíticas do século XVII-XVIII, Schwade passa a discorrer sobre o indigenismo do SPI e da FUNAI. Critica severamente a Política da Tutela, classificando-a como uma “[...] doença crônica das políticas oficiais

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americanas, que tem contribuído muito para a espoliação do índio brasileiro” (Schwade 1975, 46-47). Na sequência, o autor aponta como perspectiva “para os índios e para a humanidade” a união progressiva dos povos indígenas em assembleias, apoiadas pelo CIMI, para discutirem e buscarem saídas para os seus problemas. Nessa mesma conferência, após ilustrar com vários exemplos o protagonismo político dos indígenas frente às instituições nacionais, Schwa-de expôs cinco premissas norteadoras da ação indigenista do CIMI. Além Schwa-de explicitar sua atuação nos âmbitos políticos/jurídicos, esse programa expõe seu ideário teológico:

1. Apoiar decidida e eficazmente em todos os níveis o direito que têm os povos indígenas de recuperar o direito de domínio de sua terra [...]. 2. Reconhecer, respeitar e apoiar abertamente o direito que têm os povos

indígenas de viver segundo a sua cultura [...].

3. Procurar por todos os meios devolver aos povos indígenas o direito a serem sujeitos, autores, e destinatários do seu crescimento [...].

4. [...] optar seriamente, como pessoa e como Igreja, por uma encarnação realista e comprometida com a vida dos povos indígenas, convivendo com eles, investigando, descobrindo, valorizando, adotando sua cultu-ra e assumindo sua causa.

5. Exprimir e encarnar os apelos dos “oprimidos e marginalizados, supe-rando nossos individualismos e interesses das congregações, necessi-tando conjuntamente a união e a coordenação de todos os esforços para uma ação libertadora”.

Vale observar que em 1975, quando essas diretrizes foram propostas, o CIMI já havia dialogado intensamente com outras Igrejas e com antropólogos atuantes nas universidades brasileiras (Silvio Coelho dos Santos, Carlos A. Moreira Neto, Pedro Agostinho da Silva) e exilados (Darcy Ribeiro). Como destaca Prezia (2003, 54-56), diversos eventos que discutiram a situação dos povos indígenas na América Latina haviam repercutido no âmbito missio-nário/indigenista do Brasil: a reunião de Iquitos (Peru 1971), o Encontro de Barbados I (1971), patrocinado pelo Programa de Combate ao Racismo do Conselho Mundial de Igrejas, e o Encontro de Assunção (1972) que reuniu missionários católicos e protestantes. Esses eventos, além de denunciarem contundentemente as agressões privadas e governamentais, contribuíram para o surgimento de um novo paradigma missiológico.

Na última edição dos Simpósios (1995), o teólogo Roberto Zwetsch his-toriou a gradativa tomada de posição da IECLB frente à questão indígena. Segundo ele, esse tema passou a inquietar cada vez mais a consciência de pastores, pastoras e comunidades, a partir do momento em que, no processo de expansão das fronteiras agrícolas, membros das comunidades luteranas e as pessoas responsáveis por elas se defrontavam com grupos indígenas expul-sos das suas terras. Além de historiar o despertar da consciência pró-indígena

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e de relatar sua própria experiência missionária na década de 1970, Zwetsch também destaca a repercussão do Encontro de Barbados I, do Encontro de Assunção (1972) e dos documentos e informes emitidos pelo CIMI (1995, 68-70). No âmbito da IECLB, esse panorama – expansão agrícola, congressos antropológicos, encontros ecumênicos sobre missões entre indígenas, entre outros eventos – resultou na criação do COMIN em 1982.

Em reconhecimento à presença marcante de intelectuais com um perfil si-multaneamente militante (da causa indigenista) e acadêmico nas diversas edi-ções das Jornadas, o presente livro prioriza estudos voltados para questões indígenas do tempo presente.

Na Primeira Parte, “Reflexões sobre Missões Religiosas / Protagonismo Indí-gena”, abrimos o livro com dois artigos que mostram a pertinência e a comple-xidade do tema “missão”. No primeiro capítulo, Paulo Suess faz um balanço do CIMI, que em 2012 completa 40 anos de atividades pastorais. Os temas tratados são o contexto político nacional e a “violência institucionalizada” contra os povos indígenas, as diretrizes teológicas que subjazem à implanta-ção do CIMI, as perseguições a indígenas e indigenistas ligados a esse órgão, a legitimidade do indigenismo avaliada a partir da capacidade de promover o reconhecimento, e o protagonismo dos povos indígenas.

Roberto Zwetsch parte do arcabouço conceitual da obra “Deus na Aldeia”, organizada por Paula Monteiro, para analisar em que momento e em que me-dida a ação missionária e indigenista obstaculiza ou promove o protagonismo indígena. Este é definido pelo autor como “o esforço persistente das comu-nidades indígenas, de suas lideranças e intelectuais pela garantia de direitos inalienáveis, por autonomia cultural, de pensamento e crença, e pelo direito a uma identidade diferenciada”. Zwetsch percebe que os recursos epistemo-lógicos que possibilitam uma análise densa e complexa das articulações entre povos indígenas e missionários do período colonial são apropriados para a análise das relações que se estabelecem, hodiernamente, entre missões cristãs e sociedades indígenas.

Na sequência apresentamos os textos que destacam o protagonismo indíge-na. Mesmo nos processos históricos exógenos que foram ou são implantados em seu meio, os povos indígenas não são sujeitos passivos. Eles se apropriam desses projetos, parodiam-nos, fazem críticas, ressignificam a intenção original dos agentes não indígenas da missão e são ativos na recepção da missão e na negociação com esses agentes. Os capítulos a seguir dão conta disso.

Dos seus estudos sobre os grupos de fala zamuco, Isabelle Combès analisa no seu artigo como esses grupos, tradicionalmente tidos como “preservados” das missões jesuíticas da Chiquitania na Bolívia, foram atingidos por processos assi-milacionistas das referidas missões. Nessa perspectiva, a autora propõe superar a visão simplista e caricaturesca acerca dos atuais ayoreos do oriente boliviano.

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Pablo Antunha Barbosa discute como os agentes a serviço do Barão de Antonina identificaram, entre os guarani-falantes do Sul do Mato Grosso, de São Paulo e do Paraná, redes político-sociais familiares, a partir das quais ne-gociavam o estabelecimento de aldeias em conformidade ao decreto nº 426 de 1845 acerca das Missões de Catequese dos Índios, do Brasil Imperial.

Em seu estudo sobre a experiência missionária salesiana no Noroeste Ama-zônico nas primeiras décadas do século XX, Mauro Gomes da Costa analisa a afinidade de objetivos entre a Igreja e o Estado, assim como os impactos da ação missionária salesiana sobre os povos indígenas missionados.

Ana Maria Melo e Souza apresenta a influência do discurso pentecostal sobre o “modo de ser” Kaiowá. A partir de uma comunidade específica, a autora verifica como os valores propagados pela Igreja Deus é Amor impõem às famílias indígenas a adoção de novos comportamentos e crenças, e como a liderança do pastor se confronta com a do xamã.

Por sua vez, Carlos Barros Gonçalves discorre sobre o surgimento da Mis-são Caiuá, um projeto protestante de cristianização e civilização do povo Kaio-wá do então Sul do Mato Grosso a partir de 1929. O autor mostra a difusão dada às estratégias utilizadas no processo nos jornais das Igrejas consorciadas nessa missão.

O artigo de Levi Marques Pereira mostra que para os Kaiowá e Guarani o processo de conversão ao pentecostalismo tem um efeito reintegrador da personalidade social, por dissolver formas de sociabilidade tradicionais e inau-gurar novas redes de relações sociais no âmbito físico da congregação. Para o autor, pela conversão os Kaiowá e Guarani assumem a posição de agentes transformadores de seu próprio sistema social.

Em Dimensões imateriais da Tava MirĩSão Miguel no discurso Mbyá-Guarani contemporâneo, José Otávio Catafesto de Souza, Mônica Arnt, Carlos Eduardo de Moraes, Daniele Pires e Rita Lewkowicz mostram o embate travado pelos Mbyá com os representantes “civilizados” dos países em que vivem. Nele, os Mbyá rompem com o pensamento que quer enclausurá-los no mundo do mito e da cosmologia e entram no âmbito da política e do direito.

Através de uma entrevista, Gustavo Gomes dos Santos recupera o trabalho apresentado de forma oral nas XIII Jornadas por Édina Silva de Souza (Kunhá Apyká Rendy’í), indígena Guarani. O mesmo tratou da relação entre a religio-sidade guarani e as Igrejas cristãs dentro da Reserva Indígena de Dourados e da pertença indígena a ambas as matrizes religiosas.

Na Segunda Parte, “Protagonismo Indígena: Educação / Terra / Reterritoria-lização”, um primeiro bloco de textos é relativo à educação, hoje uma espécie de missão não religiosa, mas no passado sobretudo religiosa. E no âmbito da educação emerge o tema da terra, da fronteira, do território e da luta contem-porânea por reterritorialização.

Cássio Knapp analisa a experiência de formação de monitores bilíngues

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Kaingang na Terra Indígena de Guarita implementada pelo grupo de pesquisa-dores-missionários da Missão Evangélica Summer Institute of Linguistics (SIL), via o Curso Normal Bilíngue, realizado na Escola Indígena Clara Camarão em 1970. O autor estuda o bilinguismo de transição e/ou substituição, adotado como ferramenta de alfabetização do SIL.

Sandro Luckmann, por sua vez, apresenta a atuação missionária da IE-CLB na Terra Indígena de Guarita/RS nas décadas de 1960 e 1970, através da educação escolar, âmbito de atuação que permanece nas décadas seguintes, quando a missão entre indígenas passa a ser organizada pelo Conselho de Mis-são entre Indígenas (COMIN), criado em 1982. O autor faz uma breve apre-sentação dos propósitos e princípios teológicos da atuação atual do COMIN.

Clovis Antonio Brighenti e Graciela Chamorro confrontam em seu artigo as propostas de educação indígena e de educação escolar indígena apresen-tadas pelos Guarani de Santa Catarina em 2001, no documento final do “Se-minário sobre a educação escolar Guarani no sul e sudeste brasileiro”, com as experiências e os desafios atuais das escolas em comunidades indígenas, conforme contam no documento da Comissão Guarani Nhemonguetá, enca-minhado à I Conferência de Educação Escolar Indígena (CONEEI) em 2009. O autor problematiza ainda a relação entre oferta de escola e demanda de terras indígenas.

Embora distante geográfica e etnicamente do artigo anterior, Célia Maria Foster Silvestre e Lauriene Seraguza Olegário e Souza oferecem um exemplo da problemática aludida pelo autor anterior, a questão da luta pela terra e a educação escolar indígena. O artigo situa o desaparecimento e a morte de dois professores indígenas, Rolindo e Genivaldo Vera, no contexto do con-flito e da violência vivenciados pelo povo Guarani da Área Indígena Pirajuí do município de Paranhos/MS, na luta pela recuperação de seus territórios tradicionais, pelo seu direito à língua, cultura, saúde, educação e soberania alimentar. As autoras documentam que as narrativas dos Guarani mostram a dor e a luta de um povo que busca retomar as terras onde viveu até algumas década atrás.

Partindo do pressuposto de que a luta pela terra das sociedades indígenas é uma luta pela alteridade, na qual a demarcação dos territórios tradicionais indígenas é um aspecto importante, mas não o único para a concretização dos direitos garantidos constitucionalmente, Juliana Grasiéli Bueno Mota ana-lisa as principais notícias divulgadas pelo Jornal O Progresso em 2008 e 2009 sobre as retomadas das terras indígenas, levadas a cabo por grupos Guarani e Kaiowá. A autora mostra como essas ações são criminalizadas pelo diário. A partir do caso “Terra Indígena Panambizinho”, ela destaca os ataques da so-ciedade moderna capitalista marcada pelo agronegócio ao modo de relação indígena com a terra.

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e Bolívia, mostrando o caráter dinâmico dos limites entre os dois países e as influências deixadas pelas linhas divisórias na autocompreensão da popula-ção chiquitana, que outrora fizera parte da Missão de Chiquitos (1691-1767). Nesse contexto, o povo imagina a Terra Indígena Chiquitana como Portal do Encantado.

Protasio Paulo Langer apresenta indicadores etnográficos e históricos do uso de instrumentos musicais de corda, executados com arco nos grupos guarani-falantes do sul de Mato Grosso do Sul. Seus dados mostram que nas aldeias da região de Dourados e Amambai havia num passado recente indíge-nas violinistas que executavam em eventos étnicos e interétnicos instrumentos fabricados por eles próprios.

Em parceria com o líder Mbyá José Cirilo Pires Morinico, José Otávio Ca-tafesto de Souza exemplifica a disposição Mbyá ao diálogo com órgãos que objetivam integrar o reconhecimento dos direitos originários em suas ações. Ao retomarem São Miguel física e simbolicamente, os grupos Mbyá fazem do símbolo da presença jesuítica no sul do Brasil o local do ressurgimento Guarani (Mbyá) e reivindicam vínculo prioritário e precedente sobre os rema-nescentes declarados Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Seu pedido é que São Miguel seja registrado como Lugar de Referência Cultural Mbya-Guarani, para que o Estado Brasileiro reconheça oficialmente essa ligação entre o material e o imaterial reivindicada pelos Mbya-Guarani nesse lugar e em toda a região.

Os artigos deste livro, como já mencionado acima, não só afirmam e con-firmam o protagonismo indígena em meio aos projetos coloniais e missioná-rios que, em geral, não eram seus. Também mostram que os povos indígenas continuam sendo alvos de uma missão civilizadora, religiosa ou não. Nela, os agentes não indígenas são cada vez mais conscientes de que a história da missão colonial e colonialista é impressionante e triste. Impressionante pela coragem dos homens que se lançaram à conquista material e espiritual; tris-te porque no enfrentamento ibero-americano foram destruídas populações e culturas inteiras “por causa de Deus”. Os agentes não indígenas da missão, pelo menos os implicados nos artigos deste livro, são hoje conscientes de que o procedimento usado com os indígenas era antievangélico, impedindo-se que os indígenas se “descobrissem”, se “fizessem conhecer” àqueles que que-riam evangelizá-los. Entendemos que este é o grande desafio para as missões contemporâneas, religiosas ou não: reconhecer a alteridade e agir de modo consequente.

Para problemáticas como essa, o escritor búlgaro Zvetan Todorov (1983) apresenta uma tipologia da relação com o outro. Para ele, a relação no plano axiológico é mediada pelo julgamento de valor de um sujeito (eu) sobre o indígena, quem não chega a se tornar “tu” por ser reduzido a objeto. Neste caso, as populações índias são objetos de juízos tais como “más”, “boas”,

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“iguais”, “inferiores”. O sujeito (eu) pode gostar ou não deles. É como o turista que aprecia o artesanato indígena, mas nada quer com o artesão indígena.

A relação no plano praxiológico é mediada no esquema todoroviano pela aproximação ou distanciamento que alguém (eu) toma perante o indígena. Neste modo de aproximação, o indígena pode ser tomado como modelo. Identificando-me com ele, eu sou ele, reduzo-me. Esta aproximação não dei-xa de ser uma espécie de distanciamento, pois, assimilando o indígena a mim, ao meu ideal ou à minha imagem, rejeito-o, reduzo-o a mim submetendo-o. Outra atitude da mesma ordem é não sair do lugar, é ser indiferente aos indí-genas. Eles não me dizem respeito, não são relativos a mim.

Um terceiro tipo de relação se dá para Todorov no plano epistêmico. Nele, o sujeito (eu) procura conhecer o indígena como sujeito que se dá a conhecer (tu), sem juízo de valor, sem querer reduzi-lo a mim ou a meus ideais, mas respeitando-o e reconhecendo-o na sua própria perspectiva (Panikkar 1971; 1993).

A aproximação dos povos indígenas da América esteve sobretudo marcada por relações nos planos axiológicos e praxiológicos, pelo juízo de valor, pela indiferença ou pela filosofia assimilacionista. Isto impediu que os povos ín-dios fossem conhecidos enquanto “Outro”, como sujeitos de fala, de cultura e de vida religiosa. Na mudança de paradigma em curso em instituições ecle-siásticas e universitárias, bem como na sociedade civil como um todo, é cada vez mais valorizada a aproximação dos povos indígenas contemporâneos – e do seu devir histórico – no intento de conhecê-los, encontrá-los e descobri-los na sua própria historicidade e suas formas de se darem a conhecer. Por isso, o terceiro modelo de relação com o outro é um desafio atual, tanto para quem se aproxima dos povos índios “por causa” de Deus, das políticas do Estado, das Ciências Sociais, da História e das próprias populações indígenas. Nesse esforço há que se evitar que da igualdade se deduza identidade/iden-tificação (2º plano), que o eu incorpore o outro, achando-o em tudo igual a mim mesmo (idem). Há que se perceber e viver a diferença (entre nós) sem que a degeneremos em hierarquia do tipo “superior – inferior” (1º plano); há que fazer valer e, em alguns casos, viver a igualdade na diferença (3º plano). Isso significa em nosso afazer intelectual tentar conhecer os povos indígenas como sujeitos históricos de processos que na maioria das vezes não foram iniciados por eles nem levaram em conta seu protagonismo.

Entendemos que os artigos reunidos neste livro são ensaios dessa forma de aproximação que corresponde ao terceiro modelo. Esperamos que o prazer que nos acompanhou na sua preparação, a atenta avaliação dos artigos de parte dos membros do Comitê Editorial deste volume e o generoso engaja-mento de Monika Ottermann e Leszek Lech da Nhanduti Editora na constru-ção e editoraconstru-ção desta obra se propalem numa enriquecedora leitura. Nossos agradecimentos a todas as pessoas que contribuíram para que este segundo

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livro das XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas saia à luz; lembramos em especial Olga Bachega, Ariane Rigotti e Cláudio Vasconcelos, pela prontidão e eficiência com que encaminharam nosso pedido de financia-mento perante a nossa universidade, a UFGD.

Quanto à grafia das línguas guarani, tentamos na medida do possível uni-ficar a modalidade adotada por cada autor ou autora. Vão em maiúsculas os nomes próprios e os etnônimos, as outras categorias gramaticais seguem em minúsculas. Os acentos e o “nh” foram via de regra usados pelos autores para facilitar a pronúncia a falantes da língua portuguesa. Quando as autorias se ativeram às normas das línguas guarani (ñandéva), kaiowa e mbya, os acentos foram marcados para as palavras paroxítonas e proparoxítonas, ficando sem marcação as oxítonas.

Protasio Paulo Langer e Graciela Chamorro

Obras consultadas

ACOSTA, José de. De Procuranda Indorum Salute: educación y evangelización, I y II. Madri: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1987 (Corpus Hispanorum de Pace, 24) PANIKKAR, Raimon. Hinduísmo e cristianismo. In: VV. AA. Ecumenismo das religiões.

Petró-polis: Vozes, 1971, 211-237

PANIKKAR, Raimon. La mística del diálogo. Entrevista de Raúl Fornet-Betancourt con Rai-mon Panikkar. In: Anuario de Teologías contextuales (Jahrbuch für Kontextuelle

Theolo-gien), 1. Frankfurt: Verlag für Interkulturelle Kommunikation, 1993, 19-37

PREZIA, Benedito (org.). Caminhando na luta e na esperança. São Paulo: Loyola, 2003 SCHWADE, Egydio. Organização social, política e econômica das missões. In: I Simpósio

Nacional de Estudos Missioneiros (Anais). Santa Rosa: Faculdade de Filosofia Ciências e

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TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. A questão do outro. São Paulo: Martins Fon-tes, 1983

ZWETSCH, Roberto. Os luteranos e o desafio das comunidades indígenas. In: XI Simpósio

Nacional de Estudos Missioneiros (Anais). Ijuí: Editora da Unijuí, 1997

Dourados, 15 de janeiro de 2012

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Descripción de la imagen de la tapa

Es un grabado anónimo ubica-do en la anteportada del libro

De-cades virorum illustrium Paraquar-iae Societatis Iesu… publicado

en Tyrnavia en 1759. Representa una ascensión de San Ignacio con ángeles que sostienen cartelas con las regiones de la provincia del Paraguay: Río de la Plata, Uru-guay y Tape, Paraná, ParaUru-guay Itatí, Tucumán, Chile y Guayra. La ilus-tración es presidida por una gran cartela, donde se inscribe

Idolola-tria et Feritas Deo et regi domitae,

y dos querubines que en sus trompetas llevan banderines con otras inscrip-ciones. Al pie de la misma dos ángeles y tres indios acompañan el planisferio apoyado sobre un dragón encadenado. Sobre el globo terráqueo se ubican el escudo de España y arriba, abriéndose entre las nubes, el anagrama de Jesús.

El libro está escrito íntegramente en latín y consta de una primera parte de 375 páginas, compuesta por Nicolás Del Techo, y una segunda de 173 páginas, por Ladislao Orosz. Antes de los textos de Del Techo se encuentran la autorización de edición, un prólogo (Premonitio. Ad benevolum Lectores) de sólo dos páginas y luego una cronología histórica de la provincia del Para-guay de 38 páginas que se inicia con el descubrimiento de América y termina en 1645, por lo que seguro la escribió el P. Del Techo. El autor de la primera parte del libro escribe cinco capítulos, ordenados cronológicamente en latín y llamados “décadas”, cada uno compuesto por 10 biografías. Mientras el P. Orosz le incorpora otras cuatro “décadas” con otras diez biografías cada una, excepto una con nueve. Es decir que en total suman 89 biografías. En el mismo libro se aclara al principio que un profesor de Tyrnau enmendó

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al-gunos puntos del texto de Del Techo y ordenó los papeles de Orosz para que fueran impresos. Según Furlong, ese profesor, llamado Nicolás Schmith, fue un amigo de Orosz y era por entonces rector de la Universidad de Tyrnavia. Él se encargó de la edición de los manuscritos llevados especialmente por el P. Orosz a Europa cuando fue procurador de la provincia del Paraguay (1746-1749). El P. Orosz quedó que próximamente completaría la obra con más envíos para que la universidad los imprimiera. Una acotación final, más que interesante, pues el ejemplar de la biblioteca de los bolandistas es uno de los dos únicos que existe en el mundo. El otro fue hallado por Szabó en la biblioteca de la Universidad de Budapest, donde se encuentra parte de los originales de Orosz. El hecho curioso, y lo explica el bibliógrafo jesuita Stoeger, es que los superiores de Roma, una vez impreso el libro y viendo que las circunstancias no eran favorables a los jesuitas – suponemos ante tanta extravagancia en número de biografiados, y apenas saliendo de la guerra guaranítica – ordenaron que se destruyera la obra. Lamentablemente este sin-gular y valioso libro nunca se volvió a editar, siendo no pocas las gestiones que hicimos al respecto.

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I

Reflexões sobre

Missões Religiosas /

Protagonismo Indígena

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Homenageamos com este livro o historiador Antônio Jacó Brand. Como militante in-digenista, pesquisador e docente, ele deixou um legado singular para a Antropologia e a

História dos povos Kaiowá e Guarani. Sua atuação política e acadêmica na causa indí-gena nos convida a prosseguir, com integridade, na luta em prol dos direitos indíindí-genas.

Antonio Jacó Brand (1950-2012) Foi fundador do Conselho Indigenista

Missionário – CIMI - no Mato Grosso do Sul. Na década de oitenta, atuou em Brasília, como secretário geral da instituição, ocasião em que mobilizou líderes indígenas, indigenistas e profissionais da antropologia para garantir os direitos indígenas na

Constituição de 1988. Graduou-se em História na UNI-SINOS, tornou-se Mestre e Doutor em História na PUCRS. Atuou por 16 anos como docente/pesquisador na UCDB, em Campo Grande - MS. Coordenou o Grupo de Pesquisa (Programa Kaiowá/Guarani) e o Projeto Rede de Saberes. Foi bolsista produtividade do CNPq.

O professor Antônio Brand lutou durante toda sua vida e se tronou imprescindível, segundo os versos de Bertold Brecht. Isso resume minhas impressões dos quatro anos de convivência com ele. Ele conseguia conciliar, como poucos, o brilhantismo teórico, o reconhecimento acadêmico e o ativismo incansável na defesa dos Kaiowá e Guarani. Uma perda irreparável.

[Marco Antonio de Almeida]

Conheci o Antônio em 1985 e devo a ele minha militância indigenista. Ele me apresentou aos Ofaié, povo que desde então acompanho pelos caminhos da vida e da morte. Antônio celebrou um pacto de vida com os povos indígenas, especialmente com o povo Guarani. Construindo pontes de saberes, deu visibilidade à luta dos povos marginados e esquecidos pela história e pela política humana. [Carlos Alberto dos Santos Dutra]

Antonio Brand foi um estudioso militante que dedicou sua vida à causa indígena e sempre desafiou a todos(as) que o circundaram demonstrando a inseparabilidade entre ética social e pesquisa. [Antonio Dari Ramos]

Sus fundamentales estudios sobre los Kaiowä los puso al servicio de la justicia. [Bartomeu

Melià, s.j.]

Nosso querido Antonio Brand parte para a viagem mais misteriosa da existência humana, mas nos deixa uma vida clarividente e plena de feitos maravilhosos. Por ora fica a dor, inevitável de ser sentida; porém, jamais podemos perder a esperança de seguir adiante na luta onde Brand teve destacada participação, a luta dos povos indígenas. [Secretariado Nacional – Cimi] A vida do Antonio é um exemplo admirável. A saúde lhe faltou agora num momento tão importante para os povos Guarani e Kaiowá do MS, que lutam em especial pela recuperação de suas terras. Que sua memória permaneça viva entre nós e ele encontre a paz verdadeira, nos braços do Deus vivo. [Lori Altmann e Roberto Zwetsch]

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Inovação pastoral da Igreja Católica:

O Conselho Indigenista

Missionário (Cimi)

Paulo Suess

1. Gênese, contexto e objetivos

O Cimi, uma entidade articuladora de missionárias e missionários que fa-zem uma autocrítica da pastoral indigenista, nasce durante a ditadura militar, numa década de violência causada pelo modelo de desenvolvimento. O pla-no da “Operação Amazonas”, de 1966, é substituído pelo famoso “Plapla-no de Integração Nacional”, de 1970. No mesmo ano vem ao Brasil uma comissão da Cruz Vermelha para investigar casos documentados com fotos de índios torturados. A “pacificação” dos Cinta-Larga ocupa desde 1969 as manchetes dos jornais. A construção das rodovias BR-230 (Transamazônica), 174 (Ma-naus – Boa Vista), 163 (Cuiabá – Santarém), 364 (Cuiabá – Porto Velho) e 210 (Perimetral Norte) projeta suas sombras sobre dezenas de povos indígenas na Amazônia. As notícias sobre massacres indígenas e sobre o grande número de índios mortos por doenças tornam-se cada vez mais frequentes. O órgão da política indigenista do Estado, a Fundação Nacional do Índio (Funai), dirigida por coronéis e generais, tem a incumbência de garantir que os índios não re-presentem um obstáculo à política desenvolvimentista.

Na época da fundação do Cimi, em 1972, a sociedade brasileira e as Igre-jas locais não acreditavam na possibilidade de que os povos indígenas pode-riam ter um futuro próprio como povos e nações. Esperavam que o desenvol-vimento e o progresso pudessem solucionar a questão indígena. Na década

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“Deus na aldeia”

A relação entre protagonismo indígena,

ação missionária de Igrejas cristãs

e outros agentes em comunidades indígena

s

Roberto E. Zwetsch

1. Missão, civilização, mediação cultural: a possibilidade do protago-nismo indígena

“Dessa forma, ao analisarmos na longa duração a relação entre índios e missionários, temos de abandonar a pergunta relativa ao se e quanto os índios se converteram ao cristianismo, e investigar os significados que a noção de conversão foi assumindo

ao longo de quatro séculos de missão, no interior do discurso das diferentes ordens, nos diversos momentos da história das relações entre Igreja, Estado e grupos indígenas, e, finalmente, na medida em que nos permitem as fontes, no próprio discurso indígena.”

(Cristina Pompa, in: Deus na aldeia, 135) Tomando como inspiração o debate produzido pela obra organizada por Paula Montero, Deus na aldeia1, neste artigo pretendo discutir em que

medi-da missionários e outros agentes medi-da sociemedi-dade brasileira conseguem suplan-tar, reduzir, abafar ou apoiar o protagonismo indígena em relação a seus mo-dos de vida, concepções de mundo e objetivos para o futuro. A ideia inicial

1 MONTERO, Paula (org.). Deus na aldeia. Missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Glo-bo, 2006.

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La mala fe potorera.

Apóstatas, donecillos

y dinámicas étnicas en Chiquitos

1

Isabelle Combès

Chanés, gorgotoquis, chibocicoçis, quivaracoçis, comithees, copores, maripanos, paroquis o çimionos: “muchos indios con diferentes nombres y lenguas”2 son los que encontraron los conquistadores quinientistas en los

al-rededores de la primera ciudad de Santa Cruz, en la actual Chiquitania bo-liviana. Dos siglos después, cuando florecen las misiones jesuíticas, la mis-ma diversidad étnica sigue caracterizando la región: se cuentan seis grupos lingüísticos (con un sin fin de lenguas y dialectos particulares) y más de 75 grupos diferentes que fueron evangelizados por los hijos de San Ignacio3. Todo

esto, en una región donde sólo existen hoy dos grupos indígenas: los chiqui-tanos, y los ayoreos.

No es ninguna novedad atribuir esta homogeneización étnica y cultural a las misiones jesuitas, que concentraron a las diversas “parcialidades” en las reducciones e impusieron el chiquito como lengua franca. Los chiquita-nos contemporáneos son el resultado de un “amalgamiento cultural de los diferentes grupos por la reunión obligada de los indígenas en las reduccio-nes jesuíticas” (Krekeler 1995, 27); “la etnia conocida como ‘chiquitana’ es producto del sistema de reducciones jesuíticas que reunió a diversos grupos étnicos” (Radding 2002, 520) – y podrían multiplicarse las citas al respecto. Para emplear una palabra de moda, la “etnogénesis” del pueblo chiquitano no puede ser leída ni entendida sin referencia a los 76 años de la presencia jesuita en la región. En este sentido, la fecha de 1691 (cuando se funda la

pri-1 Texto originalmente publicado na Revista Campos 9(2): 23-4pri-1, 2008 (ISSN: pri-15pri-19-5538). Agradece-mos a autorização da Campos para reeditá-lo.

2 Relación verdadera… 2008 [1571], 212. 3 Tomichá 2002, 654 y cap. III.

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Las Jornadas Meridionales

y la formación de los aldeamientos indígenas

de las provincias de San Pablo, Paraná

y Mato Grosso entre 1840 y 1889:

profetismo y movilidad guaraní

Pablo Antunha Barbosa

En la literatura sobre la región de frontera entre el sur de Mato Grosso y el oriente paraguayo, el escenario y la cronología de ocupación y expropiación de los territorios guaraníes fueron retratados de la siguiente manera. En primer lugar, la Guerra de la Triple Alianza (1864-1870) aparece como un aconteci-miento clave en la redefinición de toda la dinámica territorial y poblacional de la región. Con el final de la guerra en 1870 se firmó un nuevo Tratado de Límites (1872) y se instituyeron las fronteras actuales entre Brasil y Paraguay. El fin de la guerra marcaría, entonces, la consolidación de la explotación privada, abriendo vastos espacios para el capital. En el sur de Mato Grosso, el Ciclo de la Hierba – nombre dado por la historiografía a la segunda etapa – se inició en 1882, después de que el gobierno brasileño arrendara extensos hierbales naturales a la Cia. Matte Larangeiras1. Del lado paraguayo, el mismo proceso

se observaría a partir de 1883 con la creación de La Industrial Paraguaya S.A2.

El Ciclo de la Hierba, que utilizó ampliamente la mano de obra indígena, tuvo una duración de aproximadamente cinco décadas, cediendo su lugar a un ter

1 BRAND, Antônio. Os Kaiowá/Guarani no Mato Grosso do Sul e o processo de confinamento – a “entrada de nossos contrários”. In: Conflitos de Direitos sobre as Terras Guarani Kaiowá no Estado

do Mato Grosso do Sul. São Paulo: Palas Athena, 2000, 98-100.

2 REED, Richard. Los guardianes de la selva. Comunidades Guaraní y recolección comercial. Asun-ción: CEADUC, 2003; PASTORE, Carlos. La lucha por la tierra en el Paraguay. Montevideo: Edi-torial Antequera, 1972; SOUCHAUD, Sylvain. Geografía de la inmigración brasileña en Paraguay. Asunción, 2007.

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As ações das Missões Salesianas no

Rio Negro, Amazonas/Brasil (1916-1923):

“Conversão” e “Civilização” do Índio

Mauro Gomes da Costa

1. Introdução

Este trabalho investiga as práticas educativas e os efeitos da ação missioná-ria da Ordem Salesiana junto aos Povos Indígenas do Rio Negro (Amazonas, Brasil) no atual município de São Gabriel da Cachoeira, região do Noroeste Amazônico, no primeiro quartel do século XX. Antes de adentrar nos ob-jetivos específicos deste artigo, remetemos, a modo de aceno, ao contexto regional amazônico com a intenção de oferecer elementos que auxiliem na compreensão da conjuntura local e das implicações desta nas relações entre Igreja, Estado e Povos Indígenas.

O contexto econômico no qual se deu a chegada dos Salesianos de Dom Bosco na Amazônia foi marcado pela decadência do ciclo extrativo da bor-racha, que se prolongou nos anos 1920. A expansão da extração gomífera erradicou os índios de suas terras, obrigando-os a ingressar compulsoriamente na vida comercial da economia extrativa (Wenstein 1993). O exclusivismo da borracha, afirma Queiroz (2006, 316), fez com que o látex fosse “responsável não apenas pela importância que a Região Amazônica assumiu na economia brasileira desse período, como também pela sua projeção no mercado inter-nacional”. Euclides da Cunha (1999, 3), classificou a estrutura da economia da borracha como “a mais criminosa organização do trabalho” onde o “serin-gueiro [...] é o homem que trabalha para escravizar-se”.

A expansão das fronteiras econômicas (extrativas, pastoris, agrícolas) para áreas indígenas acarretou conflitos entre colonos e índios, circunstância que

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Liderança Kaiowá:

entre a religião tradicional

e a Igreja pentecostal

Ana Maria Melo e Souza

Ao conviver com os indígenas Kaiowá da Aldeia Panambizinho (próxima à cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul, Brasil) quando realizava pes-quisa de campo para minha dissertação de mestrado, entre 2007 e 2009, ouvi vários relatos sobre a chegada da Igreja pentecostal Deus é Amor à aldeia e sobre as influências que seu discurso religioso passara a exercer sobre o modo de vida desta comunidade.

A presença da Igreja era criticada pela comunidade, que a considerava um dos agravantes para o impedimento da realização do mais importante ri-tual da tradição kaiowá1, o Kunumi Pepy2, durante o qual os pais e os líderes

religiosos transmitem conhecimentos diversos aos meninos que se encon-tram na faixa etária entre 9 e 14 anos, preparando-os para a fase adulta. A proposta de minha pesquisa era compreender como este grupo memorizava e atribuía sentidos a esta cerimônia que, apesar de relevante e sempre pre-sente em seus discursos, não ocorria no Panambizinho há mais de 15 anos,

1 O grupo étnico Kaiowá é um dos grupos Guarani atuais que pertencem ao tronco linguístico Tupi-Guarani, que há pelo menos 2500 anos teria se desdobrado do tronco Tupi mais antigo e cuja história abarca no mínimo 5000 anos. A história dos Tupi tem por cenário a floresta tropical, enquanto a dos Guarani, as matas subtropicais da bacia dos Rios Paraguai, Paraná e Uruguai. No tempo da conquista europeia foram contatados em torno de 14 grandes grupos de populações Guarani, que se configuravam como unidades sociais e territoriais independentes. Desse total, dez grupos desapareceram. Os quatro que subsistiram são os Chiriguano, os Paï-Tavyterä ou Kaiowá, os Chiripá ou Nhandeva e os Mbyá. Embora estes grupos apresentem características linguísticas e culturais semelhantes, revelam identidades diferenciadas, marcadas no âmbito dos costumes e da cultura material, como também no modo de falar a língua Guarani (Chamorro 1999, 5). 2 No Kunumi Pepy, os meninos têm o lábio inferior perfurado e ornamentado pelo tembeta, enfeite

labial característico do homem adulto kaiowá, produzido a partir de uma resina retirada da árvore

tembeta’y. O uso deste adorno é a marca identitária desta etnia, garantindo sua legitimidade, pois

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Dimensões imateriais da Tava Miri São Miguel

no discurso Mbyá-Guarani contemporâneo

José Otávio Catafesto de Souza e Mônica Arnt, Carlos Eduardo de Moraes,

Daniele Pires, Rita Lewkowicz

1. Introdução

Tava Mirĩ é o termo através do qual os grupos Mbyá-Guarani reconhecem a igreja de São Miguel Arcanjo no município de São Miguel das Missões, situ-ado no noroeste do Rio Grande do Sul. O presente texto trata dos complexos significados da Tava Mirĩ São Miguel para os Mbyá-Guarani, enfatizando sua imagem como uma manifestação degradada da antiga morada das divindades. Esta comunicação apresenta parte dos resultados do “Estudo dos significados mitológicos, cosmológicos e identitários atribuídos pelos Mbyá-Guarani ao sítio de São Miguel Arcanjo (Tava Mirĩ São Miguel)”, o qual integra políticas culturais de proteção ao patrimônio imaterial aplicadas pelo Instituto do Pa-trimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)1 e que decorre de demandas

desta população pelo reconhecimento formal pelo Estado Brasileiro do Sítio de São Miguel Arcanjo enquanto Lugar de Referência Cultural Mbyá-Guarani. A investigação, focada na relação dos Mbyá-Guarani com o Sítio Histórico--Arqueológico São Miguel Arcanjo, fundou-se na análise de narrativas de

li-1 Agradecemos ao Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (IECAM) pelo convite para a realiza-ção da pesquisa e ao IPHAN por oportunizar a produrealiza-ção do conjunto de dados e interpretações nos quais se baseia este texto.

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Missionários de papel: imagens dos índios

Caiuá em jornais protestantes

Carlos Barros Gonçalves

Os primeiros contatos entre protestantes e povos indígenas no Brasil ocor-reram, ainda no período colonial, na Baía de Guanabara (1555–1560) duran-te a ocupação francesa e em Pernambuco (1630-1654) duranduran-te o domínio holandês. A missão dos huguenotes franceses contou com o apoio de João Calvino, que enviou ao Brasil os pastores Pedro Richier e Guilherme Chartieur, além de Jean de Léry. Este último escreveu o livro “Viagem à terra do Brasil”, onde relatou, entre outras coisas, o modo de vida religioso dos selvagens da costa do Brasil, sem, no entanto, reconhecer nos costumes, danças, cânticos e ritos tupinambá descritos por ele nenhuma forma de manifestação religiosa. As concepções cristãs de Léry o levaram a escrever que os nativos não adora-vam qualquer divindade terrestre ou celeste. No entanto, afirmou que pairava alguma luz entre as trevas da ignorância dos índios, uma vez que os mesmos acreditavam na existência de espíritos maus e na imortalidade da alma.

Os holandeses empreenderam duas tentativas de fundação de uma colônia no Brasil. No primeiro momento, em 1624, foram expulsos ao tentarem con-quistar a Bahia. Após seis anos, em 1630, os holandeses anexaram o território de Pernambuco onde estabeleceram uma organizada estrutura administrativa e eclesiástica. Investiram na evangelização dos indígenas, chegando a con-feccionar um catecismo trilingue (holandês – português – tupi). Tais atividades

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Significados do processo de conversão dos

Kaiowá e Guarani ao pentecostalismo

e sua inserção no cenário de inovação cultural

Levi Marques Pereira

Introdução

O presente capítulo explora algumas implicações do processo de conver-são dos Kaiowá e Guarani de MS às Igrejas cristãs neopentecostais. O pen-tecostalismo é aqui considerado enquanto fenômeno catalisador de transfor-mações históricas e sociais pelas quais passam essas comunidades indígenas. A partir da segunda década do século XX ocorreu a imposição da obrigato-riedade das comunidades passarem a viver em pequenos espaços, demarca-dos como Reservas e depois denominadas de Terras Indígenas. Esses espaços foram transformados em áreas destinadas ao recolhimento e acomodação de inúmeras comunidades.

Na década de 1980 iniciou-se o processo de conversão dos Kaiowá e Gua-rani ao pentecostalismo1, em ritmo vertiginoso. Os significados atribuídos ao

processo de conversão pelos Kaiowá e Guarani ao pentecostalismo são aqui analisados em termos:

1 O termo pentecostalismo é usado aqui para indicar o movimento religioso que chegou ao Brasil em 1910 e que se caracteriza pela sua ênfase nas manifestações chamadas pentecostais, como expressão dos dons espirituais de profecia, cura, capacidade de falar em línguas estranhas etc. Se levarmos em conta a teoria das três ondas da sua inserção no Brasil, pode se dizer que o pente-costalismo nas aldeias indígenas é sobretudo da segunda onda (anos 1950 e 1960) e da terceira onda (anos 1970 em diante). Nessas décadas foram fundadas, entre outras, a Igreja Deus é Amor (1962) e Igrejas neopentecostais (desde fins de 1970), de massiva presença nas aldeias indígenas. Para maior informação sobre pentecostalismo e neopentecostalismo, consultar Alencar (2008) e Campos (2008). Dadas as peculiaridades do pentecostalismo indígena e dos objetivos deste arti-go, não é levada em conta aqui a distinção entre pentecostalismo e neopentecostalismo, quanto a ênfases teológicas, organização eclesiástica e ingerência da religião na vida pessoal e social.

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Entre a religiosidade Guarani

e as Igrejas cristãs

Entrevista com Édina Silva de Souza

(Kunhá Apyká Rendy’í)

Gustavo Gomes dos Santos

Édina Silva de Souza (Kunhá Apyká Rendy’í) assume a identidade indígena Guarani. Nasceu no dia 22 de novembro de 1950. É filha de Marçal de Souza (Tupã’í) e de Aristídia Silva de Souza. Seu pai – assassinado em 25/11/1983 – foi um grande líder que se destacou, em meados da década de 1970, na luta contra a violência que os povos Guarani Kaiowá sofriam diante da perda de seus territórios tradicionais. Édina vive em Dourados, onde nasceu e estudou na Escola da Missão Caiuá General Rondon, na Escola Presbiteriana Erasmo Braga, na Escola Estadual Presidente Vargas e no Colégio Franciscano Imacu-lada Conceição. Ela e sua irmã foram as primeiras indígenas de Mato Grosso do Sul a concluírem o curso do magistério. Hoje Édina é formada em Histó-ria pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e aluna do programa de mestrado em Educação na Universidade Católica Dom Bosco em Campo Grande - MS. Nas XIII Jornadas Internacionais sobre Missões Jesuíticas, em 2010, dentro do Simpósio “Missionários e Igrejas entre os Povos Ameríndios”, Édina apresentou o trabalho “Relação entre a religiosidade Guarani e as Igre-jas cristãs”. Recuperamos parte da sua apresentação oral através desta entre-vista, realizada em sua casa na aldeia Jaguapiru (município de Dourados) nos dias 12 e 21 de novembro de 2011.

Em nossa conversa, Édina fala de sua educação dentro da Missão Caiuá e da sua experiência religiosa com o cristianismo e com a espiritualidade Guarani. Entende-se, no decorrer de sua fala, que a ausência de florestas e rios na Reserva Indígena de Dourados dificulta à comunidade a viver ao seu

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Parte II

Protagonismo indígena:

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José Barbosa de Almeida, ZEZINHO

Zezinho foi um discreto, mas ardoroso, lutador Kaiowa pelos direitos indígenas, em especial de sua comunidade Laranjeira Nhanderu, Muni-cípio de Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul, da qual era líder. Em certa ocasião ele disse: “Nós indígenas não lutamos por qualquer terra. Lu-tamos por nossas terras sagradas, tradicionais. Por isso volLu-tamos às ter-ras donde fomos expulsos, onde estão enterrados nossos antepassados, onde podemos desenvolver nossa cultura, economia e espiritualidade”. E esse tripé da sua luta ele procurava, juntamente com seu pai Olímpio de Almeida e sua mãe Emiliana Barbosa, fincar no seu acampamento, num verdadeiro ensaio de criatividade cultural e espiritual. A realização constante de rituais deu lhe coragem para resistir agressões, despejos e ameaças.

Sua forma serena de exercer a liderança o tornou uma espécie de porta voz dos acampamentos indígenas no Conselho da Aty Guasu, Assembleia Geral Guarani. Participou em inúmeras manifestações pú-blicas contra a violência e impunidade, em várias regiões do país. Ele ressaltava sempre a dureza da luta e a certeza da vitória. Transmitia ale-gria por onde passava, de seu coração brotava confiança.

Vítima de atropelamento na BR 163, Km 316,8, por onde ele transi-tava de bicicleta, no dia 25 de junho, às 9:30 horas, foi socorrido com vida, vindo a falecer no dia 01 de julho às 14 horas no hospital da Vida de Dourados, aos 47 anos. Ele foi enterrado na terra reivindicada pela sua comunidade.

[Texto baseado em A nação Guarani perde um grande guerreiro, de Egon Heck].

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Missão Evangélica

Summer Institute of Linguistics

e a experiência da formação de professores/

monitores bilíngues Kaingang

Cássio Knapp

Ainda que a garantia do ensino bilíngue nas escolas indígenas tenha sido assegurada apenas em 1988, com a Constituição Federal, e respaldada pela Lei de Diretrizes e Base (LDB) 9.394 de 1996, que em seu Artigo 78 determina que o Sistema de Ensino da União desenvolva a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, houve diferentes experimentos de ensino bilíngue nas comunidades indígenas ao longo de seu contato com as sociedades envolventes. Este texto pretende versar sobre uma dessas ex-periências: a ação da Missão Evangélica Summer Institute of Linguistics (SIL) na formação de monitores bilíngues Kaingang por meio de Curso Normal Bilíngue, realizado no Centro de Treinamento Profissional Clara Camarão (CTPCC) no Município de Tenente Portela, RS, em 19701.

Contudo, antes se faz necessário abordar algumas questões sobre a escola Kaingang e a educação bilíngue, a fim de nos posicionarmos sobre a forma-ção de professores Kaingang.

No caso das escolas nas comunidades Kaingang do Rio Grande do Sul, ainda que a introdução tenha acontecido somente após a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no ano de 1910, é preciso que se compreenda que, num primeiro momento, essas escolas foram efetivamente pouco frequenta

1 É preciso levar em conta que os alunos do curso nunca foram chamados pelo Summer de profes-sores, mas sim de monitores. Enquanto falamos da definição do SIL, os denominaremos de moni-tores. Ao contrário, os designaremos de professores.

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“O trabalho com os índios”

A atuação da IECLB junto aos Kaingang

no Rio Grande do Sul e outros povos indígenas

Sandro Luckmann

Contextualizando a abordagem

A atuação missionária indigenista da Igreja Evangélica de Confissão Lu-terana no Brasil (IECLB) inicia na década de 1960 na Terra Indígena Guarita, como extensão das atividades da Comunidade Evangélica de Tenente Portela, instigada pelo empreendedorismo do P. Norberto Schwantes. Esta atuação da IECLB, e posteriormente do Conselho de Missão entre Índios (COMIN)1, é

a mais antiga e constante no âmbito evangélico-luterano, e completa cinco décadas no biênio 2010/2011.

A educação escolar foi a ênfase motivadora para a atuação da IECLB/CO-MIN junto aos povos indígenas nestes cinquenta anos. Ela foi estabelecida como porta de entrada da ação missionária indigenista, com a solicitação de autorização para a instalação de uma escola para os Kaingang nas proximida-des de Tenente Portela/RS em 1960 e com o início das atividaproximida-des em 1961. A partir de então, a ênfase na educação escolar pautou-se pela implantação de unidades escolares, formação de monitores bilíngues e docentes indígenas, reconhecimento legal das comunidades escolares, elaboração e publicação de material didático-pedagógico específico às comunidades indígenas, apoio à reivindicação e implantação de políticas públicas educacionais, bem como apoio à graduação e pós-graduação de acadêmicos indígenas.

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Territorialidade e educação escolar indígena:

Desafios da experiência Guarani

em Santa Catarina

Clovis Antonio Brighenti e Graciela Chamorro

1. Introdução

A Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe mudanças significati-vas para os povos indígenas no âmbito do direito. Nas palavras de Grupioni (2006, 56), com a “constituição de 1988 assegurou-se aos índios no Brasil o direito de permanecerem índios”. Em relação ao tema aqui proposto, destaca--se o direito às línguas e terras tradicionais. Os povos indígenas podem ser doravante alfabetizados em suas próprias línguas e podem reivindicar suas terras apoiados na Carta Magna. Com isso – e eliminado o princípio da tu-tela, integração e assimilação presente nas leis anteriores – a constituição e a escola contribuem para a afirmação da identidade indígena. Contudo, ao assegurar o direito à terra tradicional e reconhecer as organizações sociais, os costumes, línguas, crenças e tradições indígenas, esse novo ordenamento jurí-dico ainda precisa romper com as velhas práticas. A escola e a prática escolar fazem parte dessa problemática.

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Conflitos, violências e territorialidade

A resistência Guarani em Paranhos/MS

Célia Maria Foster Silvestre e Lauriene Seraguza Olegário e Souza

O narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo. (Benjamin, 1994)

O ano de 2009 em Mato Grosso do Sul (MS) permanecerá na memória sobretudo pelos contínuos conflitos territoriais vivenciados por aqui. Não só este ano, mas toda a história das sociedades indígenas neste Estado é marca-da por espoliações de terras, violências e desigualmarca-dades. É possível verificar a existência desses conflitos desde a chegada das frentes colonizadoras e a instalação das reservas indígenas na região de MS durante o século XX.

Entre os coletivos falantes da língua Guarani deste Estado, especificamente entre os Guarani e Kaiowa1, é conhecida a resistência frente à proposta de

territorialização do Estado. Há uma vasta produção acadêmica que aborda esta temática, por exemplo, de Aline Castilho Crespe Lutti que ressalta:

Este processo de transferência forçada para as reservas é denominado de territoria-lização: os indígenas são coagidos a deixarem seus territórios e arbitrariamente são forçados a ocuparem outro espaço que não atende as necessidades físicas e sociais

1 Na literatura antropológica também designados como Guarani Ñandeva e Guarani Kaiowa, res-pectivamente. Neste texto acatamos a autodenominação dos coletivos abordados.

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O sistema-mundo moderno-colonial

e os discursos para a não demarcação

de terras-territórios Guarani e Kaiowa

Juliana Grasiéli Bueno Mota

Apontamentos iniciais: a constituição do sistema-mundo moderno--colonial

O sistema-mundo é uma elaboração teórica de Immanuel Wallerstein e Aníbal Quijano1, mas, neste artigo, discutiremos esse conceito a partir das

construções teóricas de Carlos Walter Porto-Gonçalves (2006) que compreen-de o sistema-mundo como parte integrante da mocompreen-derna-colonialidacompreen-de. Ainda faremos uma abordagem a partir de uma perspectiva contra-hegemônica, na perspectiva de que a mesma busca trazer para o debate as contradições da constituição do sistema-mundo moderno-colonial. Esta relação deve ser en-tendida partindo da premissa de que este é o mundo em que vivemos, movido e envolvido pelos ideários eurocêntricos a partir da descoberta de “novos mundos”.

Portanto, partimos do pressuposto de que o sistema-mundo moderno-co-lonial é um momento inaugural das histórias-trajetórias das gentes do mundo

1 Também de autores como Walter D. Mignolo, Edgardo Lander, Santiago-Gómez, Fernando Coro-nil, entre outros (Porto-Gonçalves 2006).

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Mapas da Fronteira

Aloir Pacini

Este trabalho foi intitulado Mapas da Fronteira1 como uma forma de

cha-mar a atenção para aspectos interessantes de uma visão das fronteiras da Mis-são de Mojos e de Chiquitos com o Brasil de forma sintética, por vezes cari-catural. Trata-se de uma apresentação e análise de mapas recolhidos durante minha pesquisa enquanto doutorando que estuda o território e a identidade étnica chiquitana na fronteira Brasil – Bolívia. Este aspecto vai influenciar no modo de ver e agir dos Chiquitanos brasileiros em relação à fronteira, pois são diferentes seus modos de estarem na Chiquitania quando esta pertence ao Brasil ou à Bolívia.

Por isso, os fragmentos de mapas que trago são instrumentos de análise privilegiados da colonização e da formação dos Estados nacionais, ou seja, servem para ler e interpretar dados selecionados que representam os interes-ses de quem os quis ou elaborou. Esta análise demonstra o caráter dinâmico dos limites simbolicamente produzidos e mantidos entre dois países, que deixaram suas marcas na identidade indígena advinda da antiga Missão de Mojos (1689-1767)2 e de Chiquitos (1691-1767). Porém, o acesso que temos

a estes dados através da etnografia e mesmo os mapas visíveis precisam ser

1 A metáfora do “mapa da mina” e a busca do “El Dorado”, “La Loma Santa” (Riester 1976) ou da “terra sem males” ou do “Paytiti” (Krekeler 1984, 58-69) está por trás da expressão “mapa da fron-teira”, pois alguns mapas podem conter dados equivocados, ou mesmo o próprio mapa pode ser falso, ou seja, feito para enganar o explorador e levá-lo a lugares muito distantes da mina. 2 Em 1671, os jesuítas conseguem da Real Audiencia de Charcas o direito de fundar misiones em

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Referências

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