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ENVOLVENTE INSTITUCIONAL E QUALIDADE DOS RESULTADOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA

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ENVOLVENTE INSTITUCIONAL E QUALIDADE DOS RESULTADOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Cecília M. Rendeiro do Carmo

Equiparada a Professora Adjunta

Universidade de Aveiro – ISCAA / Universidade de Lisboa – CEAUL Rua Associação Humanitária Bombeiros de Aveiro

José António Cardoso Moreira

Professor Auxiliar

Faculdade de Economia da Universidade do Porto/CEF.UP

Maria Cristina Souto Miranda

Professora Adjunta

Universidade de Aveiro – ISCAA / Universidade de Lisboa - CEAUL Rua Associação Humanitária Bombeiros de Aveiro

Área temática: A) Informação financeira e normalização contabilística Palavras-chave: qualidade dos resultados; comparação internacional.

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ENVOLVENTE INSTITUCIONAL E QUALIDADE DOS RESULTADOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Resumo

Este trabalho sintetiza um conjunto de evidência acerca da forma como a envolvente institucional dos países influencia a qualidade dos resultados, identificando algumas oportunidades de investigação futura nesta área.

A qualidade dos resultados é abordada através do seu conteúdo informativo (value relevance), da incorporação assimétrica de ganhos e perdas (conservatism) e da manipulação dos resultados.

A evidência existente é, essencialmente, acerca de empresas com valores cotados em bolsa e sugere que os resultados são de melhor qualidade em países com mercados de capitais desenvolvidos e onde o regime legal proporciona uma elevada proteção aos investidores e um efetivo enforcement dos contratos.

ENTORNO INSTITUCIONAL Y LA CALIDAD DE LOS RESULTADOS: UNA

REVISIÓN DE LA LITERATURA

Resumen

En este trabajo se ofrece una panorámica de los trabajos empíricos sobre la influencia del entorno institucional de los países en la calidad de los resultados, señalando algunas oportunidades de investigación en este ámbito.

Se examinan los siguientes conceptos de calidad de los resultados: su contenido informativo para el mercado (value relevance); la incorporación assimétrica de buenas e malas notícias al resultado (conservantism) y la manipulación del resultado.

La evidencia existente es esencialmente acerca de las empresas cotizadas y sugiere que los resultados son mejores en países con mercados de capitales desarrollados y donde los sistemas legales ofrecen una elevada protección a los inversores y garantizan el cumplimiento efectivo de los contratos.

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1 Introdução

Este trabalho pretende sistematizar um conjunto, já vasto, de evidência acerca da forma como a envolvente institucional dos países influencia a qualidade dos resultados1.

A envolvente institucional é caracterizada através de classificações que atendem (1) à origem do regime legal do país: code law ou common law (La Porta et al., 1997a; La Porta et al., 1998); (2) ao sistema financeiro dominante no país: baseado nos mercados de capitais ou baseado no crédito bancário (Nobes, 1998); ou (3) de acordo com o sistema contabilístico dominante no país: de influência europeia-continental ou de influência anglo-americana (ou anglo-saxónica) (Ball, 1995; Nobes, 1998).

Os estudos neste domínio centram-se, essencialmente, em empresas com valores cotados em bolsa e abordam a qualidade dos resultados através: (1) do seu conteúdo informativo para o mercado de capitais; (2) da sua capacidade de incorporar, de forma assimétrica, ganhos e perdas; e (3) da manipulação dos resultados.

O presente trabalho é dividido em três capítulos, correspondentes às três abordagens mencionadas para a qualidade dos resultados. Em cada um desses capítulos enquadra-se a vertente da qualidade dos resultados aí abordada, em termos do seu significado e medição, e apresenta-se a evidência empírica dos principais estudos. Conclui-se com um resumo das principais ideias e sugestões para investigação futura.

2 O conteúdo informativo dos resultados para os mercados de capitais

A abordagem da qualidade dos resultados através do seu conteúdo informativo assenta na teoria da eficiência dos mercados, segundo a qual, num mercado eficiente toda a informação útil divulgada pela empresa é imediatamente incorporada nos

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São excluídos desta revisão de literatura os estudos que analisam, exclusivamente, os referenciais contabilísticos adotados pelos países, como determinantes das diferenças internacionais na qualidade dos resultados.

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2 preços. Neste contexto, o resultado contabilístico tem conteúdo informativo quando contém informação nova (desconhecida até então) para o mercado e, por isso, a sua divulgação altera a rendibilidade das ações da empresa.

A investigação empírica sobre o conteúdo informativo dos resultados tem a sua génese nos estudos de Beaver (1968) e de Ball e Brown (1968) e desenvolveu-se no âmbito da busca de evidência que auxiliasse o desenvolvimento da normalização contabilística (Holthausen e Watts, 2001).

O conteúdo informativo dos resultados, designado na literatura anglo-saxónica por value relevance dos resultados, é, geralmente, medido pela dimensão do coeficiente de determinação (R2)de uma regressão entre as rendibilidades de mercado (variável dependente) e o resultado contabilístico (variável independente); ou pela dimensão (significância) do coeficiente da variável independente, o coeficiente de resposta dos resultados.

O estudo de Alford et al. (1993) é um dos primeiros a proporcionar evidência acerca da relação entre as envolventes institucionais dos países e o conteúdo informativo dos resultados. Os autores analisam empresas de 17 países, comparando-as com empresas dos Estados Unidos da América (E.U.A) e concluem que, comparativamente com estas últimas, as empresas da Austrália, da França, da Holanda e do Reino Unido apresentam resultados com maior conteúdo informativo e as da Dinamarca, da Alemanha, da Itália, de Singapura e da Suécia apresentam resultados com menor conteúdo informativo.

O estudo não testa fatores institucionais específicos que possam explicar estas diferenças, mas a evidência que proporciona sugere que o conteúdo informativo dos resultados está positivamente relacionado com o nível de divulgação de informação para o mercado de capitais.

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3 Os resultados de Ali e Hwang (2000), com base numa amostra de 16 países, em parte corroboram o do estudo precedente. Porém, usando uma “malha” mais apertada para os fatores institucionais vão mais longe em termos de conclusões. Constatam que o conteúdo informativo dos resultados é menor nos países de influência continental, nos países com sistemas financeiros baseados no crédito bancário, em países onde não existe envolvimento de organismos privados no processo de normalização e em países onde as regras fiscais influenciam as regras contabilísticas. E o conteúdo informativo dos resultados é maior em países onde as despesas das empresas com serviços de auditoria externos são, também, maiores.

Guenther e Young (2000) analisam o conteúdo informativo dos resultados numa amostra constituída por França, Alemanha, Japão, Reino Unido e E.U.A. Concluem que os resultados são de melhor qualidade no Reino Unido, nos E.U.A. e no Japão, países com um regime legal do tipo common law, com maior nível de proteção dos investidores minoritários, com um sistema financeiro baseado nos mercados de capitais e onde as regras contabilísticas são independentes das regras fiscais.

DeFond et al (2007) analisam a relevância informativa dos anúncios de resultados em 26 países e concluem que a mesma é maior em países onde é menor o nível de manipulação dos resultados e onde é maior a proteção legal proporcionada aos investidores minoritários.

Cahan et al. (2009), com base numa amostra de 13 países, analisam a relação entre o conteúdo informativo e outras propriedades dos resultados, tais como, a persistência e a sua relação com os fluxos de caixa. Os autores constatam que aquela relação é maior em países: em que é maior o nível de proteção dos investidores; onde a informação é divulgada ao mercado de forma mais oportuna; e onde é maior a intensidade com que os analistas seguem as empresas no mercado.

Alguns estudos têm também demonstrado que as normas contabilísticas, por si só, não garantem resultados com elevado conteúdo informativo e que, pese embora o

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4 esforço de harmonização internacional, os fatores institucionais dos países continuam a influenciar o conteúdo informativo dos resultados.

Nesta linha, encontramos o estudo de Hung (2001) que analisa, numa amostra de 21 países, o efeito da aplicação da base do acréscimo em alternativa à base de caixa, no conteúdo informativo dos resultados. Embora a base de acréscimo tenha como objetivo proporcionar resultados com maior conteúdo informativo, o autor constata que em países com reduzida proteção legal dos investidores, a aplicação da base do acréscimo origina resultados com menor conteúdo informativo.

Land e Lang (2002) analisam o conteúdo informativo dos resultados na Austrália, Canadá, França, Alemanha, Japão, Reino Unido e E.U.A., no período 1987 a 1999. Os autores concluem que, embora as diferenças entre países se tenham esbatido ao longo do tempo, mercê de todo o esforço de harmonização contabilística, o conteúdo informativo dos resultados continua a ser maior nos países com regime legal do tipo common law (Austrália, Canadá, Reino Unido e E.U.A.). Esta evidência é consistente com a importância do mercado de capitais nestes países, acima referida, e com a maior independência dos resultados contabilísticos relativamente aos fiscais e com a menor presença de práticas conservadoras.

Da literatura analisada salientam-se dois fatores determinantes das diferenças internacionais no conteúdo informativo dos resultados: (1) a importância dos mercados de capitais no sistema financeiro do país e (2) o nível de proteção dos interesses dos investidores. O conteúdo informativo dos resultados é superior em países onde os mercados de capitais são mais desenvolvidos e onde os interesses dos investidores estão mais protegidos.

No ponto seguinte, considera-se a qualidade dos resultados na sua vertente de incorporação assimétrica de ganhos e perdas.

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3 A incorporação assimétrica de ganhos e perdas no resultado

A incorporação assimétrica de ganhos e perdas no resultado contabilístico, designada na literatura por conservantismo ou conservadorismo, a partir do inglês conservatism, é o reflexo de uma atitude prudente por parte do preparador da informação financeira na realização de julgamentos e estimativas em situações de incerteza. Em suma, consiste na aplicação do “princípio da prudência”, que visa contrariar o excessivo otimismo da gestão e evitar consequências negativas que possam advir da sobreavaliação de ativos e de ganhos, ou da subavaliação de passivos e de perdas, tais como, a distribuição excessiva de resultados não gerados.

O reconhecimento como gasto de despesas de investigação e desenvolvimento, em detrimento da sua capitalização; a mensuração dos inventários pelo menor entre o custo ou do mercado; e o reconhecimento de perdas por imparidade em ativos fixos tangíveis, são algumas das manifestações do “princípio da prudência”.

Em termos empíricos importa distinguir duas abordagens ao conservadorismo. A primeira centra-se no balanço e no facto de a aplicação do “princípio da prudência” originar uma tendência de subavaliação de ativos e/ou de sobreavaliação de passivos, com a consequente subavaliação do capital próprio. Seguindo esta perspetiva, na presença de conservadorismo o rácio entre o valor de mercado e o valor contabilístico da empresa será superior a 1 (Givoly e Hayn, 2000).

A segunda centra-se nas consequências do “princípio da prudência” nos resultados. Um resultado prudente é aquele que antecipa todas as perdas, mesmo quando envolvam algum grau de incerteza, e que adia a incorporação de ganhos até que os mesmos sejam certos. Portanto, na presença de conservadorismo os resultados incorporam de forma assimétrica os ganhos e as perdas2.

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Uma metodologia amplamente utilizada na literatura para medir o nível de conservadorismo dos resultados foi aplicada por Basu (1997) e consiste em analisar a sensibilidade do resultados às boas e

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6 A consideração do conservadorismo como uma propriedade desejável dos resultados tem como pressuposto que é menos prejudicial para os stakeholders da empresa a subavaliação do valor dos ativos e dos resultados, comparativamente com a sua sobreavaliação. Watts (2003a) refere a contratação, em especial com financiadores e com gestores, como um dos principais argumentos para a presença de conservadorismo em Contabilidade. Um resultado mais prudente evita pagamentos excessivos aos gestores, em detrimento dos acionistas, ou distribuições excessivas aos acionistas, em prejuízo dos credores. Na contratação, o conservadorismo é um importante mecanismo de redução de custos de agência, tornando os contratos mais eficientes.

A par da contratação, Watts (2003a) aponta ainda como argumentos a favor do conservadorismo: a redução dos custos com litígios para os auditores e gestores, que são mais gravosos em caso de sobreavaliação de ativos e resultados; e a minimização do imposto sobre o rendimento a pagar, na medida em que um resultado mais conservador pode traduzir-se num menor resultado fiscal. O conservadorismo possui também conteúdo informativo para o mercado, diminuindo o risco associado à incerteza na determinação das rendibilidades futuras. Por fim, os próprios organismos normalizadores e regulamentadores dos mercados reconhecem que o conservadorismo facilita as relações entre stakeholders e empresa, sendo, geralmente, bem acolhido por estes.

O estudo de Ball et al. (2000) é uma referência na literatura acerca do efeito da envolvente institucional dos países no nível de conservadorismo dos resultados. Numa amostra formada pela Austrália, Canadá, E.U.A., Reino Unido, França, Alemanha e

más notícias do mercado. A presença de conservadorismo nos resultados é confirmada por uma incorporação mais rápida e mais significativa das más notícias.

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7 Japão, os autores constatam que os resultados dos países common law, apresentam maior nível de conservadorismo comparativamente com os países code law.

Quando analisam apenas os países common law, Ball et al. (2000) observam que os resultados são mais conservadores nos países (1) onde é maior o nível de regulamentação do mercado; (2) onde é maior o risco de litígio com investidores devido à não divulgação de forma oportuna de informação relevante; e (3) onde é maior a presença de endividamento no financiamento das empresas.

Na Europa, Giner e Rees (2001), Lara e Enguídanos (2003), Lara e Mora (2004) e Lara et al. (2005) observam maior conservadorismo nos resultados de países com sistemas contabilísticos de influencia anglo-saxónica e regimes legais do tipo common law, identificando o Reino Unido como o país onde os resultados são mais conservadores.

Numa amostra de países asiáticos, Ball et al. (2003) constatam diferenças no nível de conservadorismo, pese embora as semelhanças no referencial contabilístico aí adotado. O nível de conservadorismo dos resultados dos países analisados (Hong Kong, Malásia, Singapura e Tailândia) é comparado com duas amostras de controlo: uma de países common law (formada por Austrália, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos da América) e outra de países code law (formada por Alemanha, França e Japão).

A evidência obtida demonstra que os resultados dos países asiáticos estão mais próximo dos resultados de países code law, pese embora as normas contabilísticas aí seguidas serem fortemente influenciadas pelas normas dos Estados Unidos da América e do Reino Unido. Quando comparados entre si, os países asiáticos apresentam diferenças consistentes com as suas particularidades institucionais. Hong Kong é o país onde os resultados são mais conservadores, o que é consistente com a sua maior orientação para o mercado de capitais, maior risco de litígio e com a presença de organismos normalizadores com maior protagonismo. A Tailândia

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8 apresenta baixos níveis de conservadorismo dos resultados, o que é consistente com a menor importância da vertente informativa do resultado, e com uma maior intervenção do Estado na aplicação das normas contabilísticas.

Os estudos mais recentes sobre as diferenças internacionais no nível de conservadorismo dos resultados têm procurado testar o efeito de fatores institucionais específicos.

Raonic et al. (2004) analisam o efeito dos mercados de capitais e dos reguladores no nível de conservadorismo dos resultados. A amostra estudada é composta por empresas de vários países europeus que têm valores cotados em mais do que uma bolsa. Os autores constatam que os resultados são mais conservadores (1) nas empresas domiciliadas em países onde é maior a importância dos mercados de capitais como fonte de financiamento; e (2) nas empresas domiciliadas nos países onde existe um efetivo enforcement da regulamentação do mercado. Os autores constatam ainda que (3) a presença em bolsas com maior nível de enforcement torna os resultados mais conservadores.

Bushman e Piotroski (2006), com base numa amostra de 38 países, identificam dois fatores institucionais que influenciam o nível de conservadorismo nos resultados: (1) a eficiência do sistema judicial e a (2) influência do Estado na economia.

Os autores observam que, em países com sistemas judiciais mais eficientes, o nível de conservadorismo está positivamente relacionado com o nível de endividamento bancário e está positivamente relacionado com o grau de dispersão da propriedade. Esta evidência demonstra que a importância do conservadorismo para a contração (com credores ou com gestores) depende do nível de enforcement dos contratos proporcionado pelo sistema judicial do país.

Quanto à influência do Estado na economia, os autores verificam que nos países common law, onde por regra o Estado é menos intervencionista, o seu envolvimento

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9 na economia contribui para um resultado menos conservador, isto é, um resultado que incorpora rapidamente as boas notícias e tende a adiar as más notícias. Esta evidência sugere que as empresas destes países procuram transmitir uma imagem positiva da sua gestão e, assim, evitar a intervenção do Estado, por exemplo, através nacionalizações.

Nos países code law o envolvimento do Estado na economia está positivamente relacionado com o nível de conservadorismo, o que sugere que as empresas destes países tentam ocultar do Estado elevados resultados, a fim de evitar aumentos de impostos ou a distribuição de resultados ao Estado quando este participa no capital.

Gassen et al. (2006) testam a política de dividendos e a contratação de financiamento como incentivos ao conditional conservatism e ao alisamento dos resultados, em 23 países. Primeiro, observam que os resultados são mais conservadores e menos alisados nos países com regime legal do tipo common law e que são mais alisados e menos conservadores nos países com regime legal do tipo code law. Depois, testam os incentivos referidos e constatam que o alisamento está associado à política de dividendos da empresa e que o conservadorismo está associado à contratação de financiamento. Por fim, concluem que, controlando a presença de incentivos ao nível da empresa, o regime legal mantém o seu poder explicativo para as diferenças no alisamento dos resultados, mas deixa de explicar as diferenças ao nível do conservadorismo.

Ball et al. (2008), numa amostra de 22 países, analisam de que forma o tipo de financiamento – baseado no mercado de ações versus mercado de dívida – influencia o nível de conservadorismo nos resultados. Constatam que os resultados são mais conservadores nos países onde predominam os mercados de dívida, comparativamente com os mercados de ações. Esta evidência demonstra a importância do resultado contabilístico no desenho dos contratos de dívida. Tanto os mercados de dívida, como os mercados de ações utilizam, na formação dos seus

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10 preços, toda a informação disponível, onde se inclui a informação de base contabilística. Porém, aos investidores no mercado de ações é indiferente se as boas ou más notícias são conhecidas através de informação contabilística ou através de outro tipo de informação. No caso dos mercados de dívida, sendo os direitos dos financiadores definidos em função de variáveis contabilísticas, é importante que as boas ou más notícias sejam incorporadas no resultado contabilístico, pois só assim os contratos produzem os efeitos pretendidos.

A evidência analisada corrobora os argumentos de Watts (2003a) relativamente ao papel do conservadorismo na contratação de financiamento e na redução de custos associados a lítígios com investidores. Mas o principal contributo dos estudos analisados prende-se com o facto de demonstrarem que tal papel está condicionado pelo contexto institucional em que se desenvolvem as relações com investidores e credores, nomeadamente, pelo nível de proteção legal dos seus direitos.

Na secção seguinte, analisa-se a relação entre os fatores institucionais dos países e a qualidade dos resultados aferida pelas práticas de manipulação dos resultados.

4 A manipulação dos resultados

Schipper (1989) e Healy e Wahlen (1999) apresentam duas definições de manipulação dos resultados consideradas de referência na respetiva literatura. Para Schipper (1989, p. 92) a manipulação do resultado consiste na intervenção intencional do preparador no processo de elaboração da informação financeira, contrária àquela que deveria ser uma intervenção de caráter neutro, com o propósito de obter uma vantagem. Segundo Healy e Wahlen (1999, p. 368) a manipulação dos resultados ocorre quando os gestores, na preparação de informação financeira ou na estruturação das transações, utilizam o seu julgamento para enganar alguns utilizadores quanto ao verdadeiro desempenho económico da empresa ou para

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11 influenciar o resultado de determinados contratos cuja execução depende da informação contabilística.

Das definições apresentadas decorre que a manipulação dos resultados é possível porque as normas contabilísticas são flexíveis, exigindo a sua aplicação a realização de juízos de valor por parte do preparador da informação financeira. Tal flexibilidade, que existe para que o gestor possa adotar os critérios que resultem em informação mais relevante, pode ser utilizada de forma oportunista no sentido de obter um determinado benefício, para ele próprio ou para a empresa, em prejuízo de outros interessados3. Nesse sentido, a manipulação dos resultados é considerada como uma atuação que diminui a qualidade dos resultados.

A literatura (por exemplo, Stlowy e Breton, 2004; Osma et al., 2005) tem identificado os seguintes tipos de incentivos à manipulação dos resultados: (1) a existência de contratos baseados em informação contabilística, de que são exemplo, os contratos de remuneração dos gestores, a contratação de financiamento e a definição de políticas de dividendos; (2) a presença no mercado de capitais e a consequente necessidade de influenciar o valor dos títulos da empresa no mercado; (3) a estreita relação entre o resultado contabilístico e o resultado fiscal, que possibilita a atuação sobre este através daquele; e (4) a existência de pressões políticas e sociais sobre o desempenho das empresas de determinado setor.

Os trabalhos de Leuz et al (2003), Haw et al. (2004), Boonlert-U-Thai et al. (2006) e Burgstahler et al. (2006) identificam e testam fatores institucionais que podem constranger a manipulação dos resultados, no contexto das motivações associadas

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Embora a manipulação dos resultados possa, em algumas circunstâncias, dar origem a práticas de fraude, não é nesse sentido que é aqui entendida, decorrendo das definições apresentadas que esta prática ocorre dentro da legalidade das normas contabilísticas.

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12 aos mercados de capitais. Estes estudos verificam que a manipulação dos resultados é menor (1) em países com mercados de capitais desenvolvidos, onde existe mais informação disponível e onde é maior o enforcement da regulamentação de mercado; (2) em países que proporcionam uma elevada proteção, legal e judicial, aos investidores; e (3) em países onde a propriedade das empresas se encontra mais dispersa.

Ball et al. (2000), Lara et al. (2005) e Gassen et al. (2006) demonstram que nos países com regime legal do tipo code law e com sistemas contabilísticos de influência continental, o facto de existir uma relação mais estreita entre o resultado contabilístico e determinados pagamentos, tais como dividendos ou o imposto sobre o rendimento, determina uma maior incidência de práticas tendentes a alisar ou a diminuir o resultado. Ball et al. (2000) e Gassen et al. (2006) demonstram que o alisamento dos resultados é maior nos países code law comparativamente com os países common law. Lara et al. (2005) constatam que as empresas na Alemanha e na França apresentam maior incidência de práticas tendentes a diminuir os resultados, comparativamente com o Reino Unido.

Daske et al. (2006) analisam o alisamento dos resultados nos E.U.A. e num conjunto de países europeus, concluindo que os países europeus, em particular os países code law, apresentam mais indícios de práticas de alisamento dos resultados, comparativamente com os E.U.A. De entre os países europeus analisados (Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Holanda, Portugal, Espanha, Suécia e Reino Unido), o Reino Unido é o país europeu com menor incidência deste tipo de práticas, situando-se próximo dos E.U.A.

Othman e Zeghal (2006) estudaram a França, como país representativo de um modelo contabilístico de influência continental, e o Canadá, como país representativo de um modelo contabilístico de influência anglo-saxónica. Os autores constataram que a incidência de práticas de aumento dos resultados está associada, em França, à maior

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13 preponderância do financiamento bancário e, no Canadá, à emissão de ações para o mercado. Os autores também recolheram evidência que aponta no sentido de que em França existem práticas de diminuição do resultado motivadas pela minimização do imposto a pagar.

Maijoor e Vanstraelen (2006) analisam o efeito da auditoria e dos mercados de capitais na manipulação dos resultados em França, Alemanha e Reino Unido. Os autores concluem que no Reino Unido e na França, países caracterizados por uma regulamentação da atividade de auditoria mais restritiva, a manipulação dos resultados é menor comparativamente com a Alemanha, onde aquela regulamentação é mais flexível. Os autores constatam ainda que o efeito da regulamentação da auditoria é superior ao efeito da qualidade do auditor (se é Big 4 ou não) e ao efeito da presença das empresas em vários mercados de capitais.

Francis e Wang (2008) analisam o efeito da qualidade da auditoria e da proteção dos investidores no nível de conservadorismo e da manipulação dos resultados, numa amostra de 42 países. Os resultados permitem concluir que a qualidade dos resultados é maior (maior conservadorismo e menor manipulação) em países com maior a proteção dos investidores, mas apenas para as empresas com um auditor Big 4, para os quais as consequências de um litígio com os investidores são mais gravosas. Para empresas cujos auditores não pertencem ao grupo dos Big 4 não se observam diferenças na qualidade dos resultados, em função dos diferentes níveis de proteção dos investidores proporcionados por cada país.

Van Tendeloo e Vanstraelen (2008) analisam, numa amostra de empresas sem valores cotados da Bélgica, Finlândia, França, Holanda, Espanha e Reino Unido, o efeito da qualidade da auditoria (medida pela presença de um auditor Big 4) no nível de manipulação dos resultados. Os autores concluem que, apenas em países com elevado alinhamento entre resultado contabilístico e fiscal, existe uma relação negativa entre a qualidade da auditoria e o nível de manipulação dos resultados. Desta forma,

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14 corroboram a expectativa de que o risco de litígio com as autoridades fiscais constitui um incentivo para que os auditores proporcionem informação de maior qualidade.

De uma forma geral, os estudos analisados demonstram que as diferenças internacionais na manipulação dos resultados são consequência de diferentes motivações criadas pelas envolventes institucionais e da presença de diferentes mecanismos que permitam constranger essas práticas.

Nos países com sistemas contabilísticos de influência continental a manipulação dos resultados surge associada à contratação de financiamento, ao pagamento de dividendos e à minimização do imposto a pagar, enquanto nos países com sistemas contabilísticos de influência anglo-saxónica os resultados são manipulados por razões relacionadas com a obtenção de capital nos mercados de ações.

Uma maior proteção dos interesses dos investidores, um maior nível de divulgação de informação no mercado e uma regulamentação mais restritiva da atividade de auditoria são exemplos de fatores institucionais que podem constranger as práticas de manipulação dos resultados, contribuindo para uma maior qualidade do mesmo.

No ponto seguinte resumem-se as principais ideias deste trabalho e apresentam-se sugestões de investigação futura.

5 Conclusões

Os estudos sobre o efeito da envolvente institucional dos países na qualidade dos resultados permitem concluir que os resultados são de melhor qualidade em países com mercados de capitais desenvolvidos e onde o regime legal proporciona uma elevada proteção aos investidores e um efetivo enforcement dos contratos.

No entanto, é importante referir que esta evidência provém de empresas com valores cotados em bolsa e que, nem sempre, são estas as empresas que melhor representam a realidade empresarial de um país. Por outro lado, algumas das

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15 medidas utilizadas para aferir a qualidade dos resultados, como a value relevance, apenas fazem sentido no contexto do mercado de capitais.

Deste modo, um importante contributo para um melhor conhecimento do efeito da envolvente institucional dos países na qualidade dos resultados, pode ser dado com o desenvolvimento de estudos que comparem, para vários países, a qualidade dos resultados de empresas não cotadas. Neste contexto, deverão as medidas de qualidade dos resultados a usar ser adaptadas para serem consistentes com os incentivos de relato financeiro destas empresas.

Nos estudos mais recentes aqui analisados, constata-se a introdução, nos modelos de análise, de variáveis de controlo relativas a características específicas das empresas. Na medida em que as empresas de um mesmo país possam ter diferentes incentivos à apresentação de resultados de qualidade ou à sua manipulação, é também uma oportunidade de investigação futura a análise combinada dos incentivos ao nível da empresa e dos fatores da envolvente institucional dos países, na qualidade dos resultados.

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Referências

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