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A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA JURÍDICA EM UM MOMENTO DE MUDANÇA NO FINAL DO SÉCULO XIX: ESAÚ E JACÓ E UMA LEITURA SEGUNDO WALTER BENJAMIN

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Academic year: 2021

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1 A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA JURÍDICA EM UM MOMENTO DE MUDANÇA NO FINAL DO SÉCULO XIX: ESAÚ E JACÓ E UMA LEITURA SEGUNDO WALTER

BENJAMIN

Ligia Maria Bremer*

E verás como as lágrimas secam inteiramente, e a realidade substitui a ficção. Falo por imagens; sabes que tudo aqui é verdade pura e sem choro (Esaú e Jacó, cap. XLVI).

Resumo: O presente trabalho parte do ponto de que a história do direito não possui um caminho único e perfeito, sem interpelações ou objeções, parecendo ser algo natural, sem complexidades e sem interferências em nível de legislativo ou intromissão popular. Para as discussões teóricas foram utilizada as reflexões do sociólogo Walter Benjamin, principalmente os temas do narrar, da experiência e da temporalidade histórica. O objetivo do estudo é discutir, dentro do campo cultural, histórico e hermenêutico jurídico, a passagem do regime monárquico para a o republicano. Para fazê-lo foi utilizada a obra Esaú e Jacó, do escritor Machado de Assis, como forma de representações desse período intenso vivido no Brasil, visto que o autor utiliza de alegorias e experiências para abordar a temática, problematizando-a, demostrando que não só a política sofreu mudanças, mas, a população, também, naquele momento se encontrava entrelaçadas entre o espaço da experiência histórica com o horizonte de expectativas.

Palavras-chave: História do Direito, mudança, República, Monarquia

Abstract: Taking a look over law history you can see that it is not natural and doesn't have a straight way but passed through discussions and interventions by society and legislative. For theoretical discussions were used the reflections of the sociologist Walter Benjamin, especially the themes of storytelling, experience and historical temporality. The objective of this essay is to discuss the passage from monarchy to republic in law terms using Machado de Assis and his book Esaú e Jacó as a representation of that period in Brazil. The writer used allegories and experiences questioning that time and showing us that not only the political system of government change but people was droped people was dropped in a time between experience and the horizon of expectations.

Key words: History of law, change, Monarchy, Republic Introdução

A história do direito que nos é apresenta nos manuais jurídicos é aquela que possui um caminho único e perfeito, sem interpelações ou objeções, parecendo ser algo natural, sem complexidades e sem interferências em nível de legislativo ou intromissão popular. A partir da Escola dos “Anales”, passando pelo materialismo histórico de Karl Marx, como também pelas discussões de Estado, Verdade e Poder, propostas pelo pensador Michael Foucault, e ainda Walter Benjamin, diversas são as correntes teóricas que defendem que a história não é algo linear e simplificado, como nos ensina os estudos do professor Fonseca, em sua obra Introdução Teórica à

* Formada em Direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, graduanda em Letras Português e Literaturas

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2 História do Direito, publicada em 2009.

Este trabalho tem como objetivo discutir, dentro do campo cultural, histórico e hermenêutico jurídico, a passagem do regime monárquico para a o republicano, destacando que esta mudança também não foi algo simples e colocado como algo certo a ter acontecido, houve outros acontecimentos junto a estes que são esquecidos no contar da história, como a interferência das experiências e vivências de uma sociedade, e não só a política. Para a discussão será utilizada a obra Esaú e Jacó, do escritor Machado de Assis, como forma de representações desse período intenso vivido no Brasil, especialmente no final do século XIX, bem como, oportunamente, a sua biografia, uma vez que, o autor, participou ativamente dos nos bastidores da produção da lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871, apelidada posteriormente, Lei do Ventre Livre, período em que chefiava a seção da Diretoria da Agricultura do Ministério da Agricultura (aproximadamente entre os anos de 1870 até o final da década de 1880), e que os principais assuntos em discussão da repartição eram a política de terras e a escravidão, assuntos que desencadearam os primeiros passos para a Proclamação da República, em 1889.

As reflexões do ensaísta, sociólogo e crítico literário Walter Benjamin serão utilizadas como arcabouço teórico para as altercações propostas, a escolha dessa referência se deu, pois, o narrar, a experiência e a temporalidade histórica são alguns dos temas discutidos por ele. Fonseca (2009) aponta que existem diversos “Benjamins”, o crítico da cultura, o crítico literário, o crítico da paisagem urbana, com o olhar do “flaneur”, ainda aquele que escreve com seriedade sobre assuntos banais e corriqueiros, e também aquele que reflete sobre as formas de narração. Sua obra perpassa por uma análise crítica da cultura, da história e da política. Dentre todos estes “Benjamins” apresentados será este último o marco teórico para a discussão.

1 Alguns Apontamentos Teorícos: O Narrar, A Experiência e a Temporalidade Histórica, em Walter Benjamin

De uma forma geral e até mesmo simplificada, a discussão sobre narração apresentada por Benjamin encontra-se a experiência, por um lado, e a memória, por outro, que ao se correlacionarem em um mesmo plano determinarão as condições individuais e coletivas para a transmissibilidade da narração. Porém, a relação desses dois conceitos não é unilateral, ou seja, a cada momento no decorrer das transformações da humanidade, seja na esfera pública ou privada, na percepção do tempo ou na produção material, ela se adéqua a nova realidade. Assim, a “narração tem um papel fundamental na própria constituição do sujeito” (FONSECA, 2009, p. 150), pois retomar a palavra de um passado faz com que ela não desapareça no silêncio e no esquecimento.

Como observamos o conceito de experiência é determinante para a teoria Benjaminiana, pois tem como preocupação a narração histórica. Diante disso podemos acrescentar a questão da

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3 temporalidade, também posta pela teoria. A noção de temporalidade “rompe com a ideia corrente sobre o tempo” (FONSCECA, 2009, p.152-153), e, sobretudo critica:

[…] os historiadores que fazem da sua matéria-prima os fatos (como os historicistas o fazem de um modo geral), e traçam a trama histórica estabelecendo nexos causais necessários entre estes fatos. Para Benjamin este tipo de história, que culmina numa historiografia do tipo universal, se afasta do passado que ela pretende examinar. E isto porque é uma história que na verdade atribui um sentido

a posteriori aos eventos e principalmente porque estabelece um encadeamento e

uma determinada lógica ao evento que lhe é externo. Os fatos se conectam de uma maneira fácil no jogo de causas e consequências. (FONSECA, 2009, p.154)

Dessa forma, observa-se que para o Benjamin o tempo não é quantificado e percebido no espaço, o que o se valoriza é a percepção qualitativa desse tempo. Ou seja, apenas os fatos relevantes e de sucessos é que terão suas experiências marcadas na história. O sociólogo diferencia “experiências” de “vivências”, esta seria as histórias narradas, porém, narrada de uma forma desapegada e desenraizada, diferindo daquela, que são histórias e ensinamentos transmitidos por gerações – passando sapiência dos mais velhos para os mais novos. No entanto, com surgir da modernidade e do individualismo da sociedade, em que cada um pensa por si, se desapega do público e focaliza apenas no individuo, as “vivências” acabam por ser substituída pelas “experiências” pelo fato das pessoas perderem a capacidade de “contar” histórias, o convívio com a vida pública dá lugar à apropriação pessoal de tudo que pertence à vida privada.

É nessa perspectiva de “experiências” que cabe salientar um dos porquês da escolha da obra Esaú e Jacó para relacionar com a história, e em especial a história do direito, pois Machado foi contemporâneo à passagem da Monarquia para a República, e buscou apresentar ao seu leitor por meio de suas “experiências” essa transformação da sociedade, visto que sua obra se tornou um cânone da literatura, não podendo ser vista apenas como uma exposição de suas “vivências”, além de ter procurado mostrar (por meio de alegorias) a posição da sociedade, não só destacando os fatos relevantes como fez e faz os “positivistas/ historicistas”, que optam pelos eventos políticos, militares e diplomáticos, como podemos observar na exposição de Benjamin em uma de suas Teses sobre a Filosofia da História:

Articular historicamente algo passado não significa reconhecê-lo “como ele efetivamente foi”. [...] Para o materialista histórico, trata-se de fixar uma imagem do passado como ela inesperadamente se articula para o sujeito histórico em perigo. O perigo ameaça tanto os componentes da tradição quanto os seus receptores. Para ambos ele é um só: sujeitar-se a ser um instrumento da classe dominante. (1985, p. 156)

A proposta é fundar uma nova temporalidade com um duplo aspecto, Benjamin separa entre: o teórico, que “visa suplantar uma concepção de conhecimento histórico que na verdade se afasta cada vez mais na realidade passada que pretende estudar” (FONSECA, 2009, p.156) e o político,

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4 que “significa romper com a própria perspectiva dos dominadores e coma história dos vencedores” (FONSECA, 2009, p.156).

Em meio a todo o exposto entende-se que ao invés de se obter uma só imagem do passado – da história oficial –, aquela que encontramos nas introduções das doutrinas jurídicas, por exemplo, o historiador comprometido com a história dos vencidos faz do passado uma experiência única, e como apontam Sidney Chalhoub, John Gledson e Roberto Schwarz, Machado de Assis traz muito da história do Brasil em suas obras, e porque não dizer história do direito, pois onde envolve política, cidadania e poder existe as relações do direito. Esse realismo literário, de Machado de Assis, justifica a importância da literatura também ajuda na compreensão dos fatos históricos jurídicos.

A capacidade de contar histórias, para Benjamin declinou com as transformações trazidas pela sociedade capitalista, chegando quase a sua extinção. Como apontado anteriormente com a denominação de “experiências”, o contar história foi substituído pelos romances e pela informação jornalística. Sendo os jornais utilizados para transmitir informações diárias, e os romances para trocar experiências individuais. O romance surgiu como uma forma literária acabada diferindo do narrador que contribuía com suas experiências para a história, sendo esta, portanto, inacabada.

Diante disso, novamente se observa que o romance de Machado de Assis, objeto de estudo desse trabalho, é algo acabado, no entanto, utilizando a explicação da socióloga Penido, em seu ensaio que aborda a visão de Walter Benjamin sobre História como Construção e Alegoria: “o romance [...] traz consigo a possibilidade de resgate do passado, não como ele de fato foi, mas como ele foi experimentado por quem viveu” (p.65). No entanto, a rememoração se torna infinita, pois não é trazida original e integralmente, mas como ela foi lembrada. Nesse sentido, o passado resgatado lança-se para o presente, porque aquilo que ficara perdido como intensão fracassada pode receber respostas do presente.

A demonstração, por Machado, através de sua arte dos aspectos culturais, sociais, legais e políticos contemporâneos à sociedade em que viveu, são as “experiências” do autor presentes nas linhas do romance Esaú e Jacó, bem como a história de um país. Sem perder o foco principal, que é a contribuição dessa transformação para o Direito, é a discussão apresentada a seguir, abordará as alegorias utilizadas para representar direta ou indiretamente o período proposto.

2 A Experência Histórica Jurídica em Esaú E Jacó

A obra Esaú e Jacó, do escritor Machado de Assis, foi à escolhida entre sua numerosa produção literária, por ser considerada uma forma de representar o período de mudança vivido no Brasil, sobretudo no final do século XIX. A opção por essa obra corresponde ao modo como o autor demostra, em meio a sua narrativa, o dualismo entre a Monarquia x República, bem como, poder de expressar-se como uma importante ferramenta de estudo na história do direito.

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5 Em Machado, a História se revela artisticamente. Esaú e Jacó é um romance de enredo simples, uma vez que sua peculiaridade e beleza estão na arte de narrar do escritor. O romance foi o penúltimo na reconhecida carreira de Machado, publicado em 1904. Um elemento importante é sua temporalização de produção, pois, o romance inicia em 1870, fim da guerra do Paraguai, o que contribuiu mais tarde para queda do Império e imperado de Dom Pedro II, porém, o tempo narrado se concentra nos anos de 1889 a 1901. O universo da obra se organiza em episódios referentes ao período de crise do regime antigo e da instauração do novo. Trata-se de um enredo cuja intriga se dá no espaço da cidade do Rio de Janeiro, tendo entre os personagens centrais o núcleo da família Santos, e através de suas relações uma abordagem dos usos, costumes e tendências da elite fluminense no século XIX.

Ao ler um romance o leitor precisa estar atento – ainda mais quando se trata do discurso machadiano – às obliquidades e às artimanhas de transposição de um universo real para o fictício, ou seja, do universo da realidade para o da representação. Para um melhor entendimento iremos nos valer da explicação da professora Maria Teresa Freitas, autora do livro Literatura e História:

[...] ao criar uma história, com personagens e situações dramáticas, o autor tentará passar uma visão pessoal do universo – que não é de forma alguma cópia da realidade, mas sim interpretação dos acontecimentos relacionados à história –, através da qual chegará a uma realidade distinta daquela que a originou. (1986, p.7)

Distinta, pois os autores podem se valer de alegorias para expressar a mensagem que querem transmitir, como acontece na obra em discussão, segundo, o crítico literário inglês e estudioso de Machado de Assis, Gledson (2003), defende que a melhor forma de abordagem para elucidar um período histórico em si é interpretar suas alegorias.

Como já salientado o autor vivenciou ativamente este processo de mudança de regime, uma vez que trabalhou no Departamento em que se discutida a questão da escravidão, e ajudou na produção e na aplicação da lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871, que regula o estado servil, bem como, apresenta os decretos para sua execução. Dessa forma, pode-se caracterizar como a “experiência” de Machado diretamente influenciou em suas obras, e conceber texto e contexto são elementos necessários ao trabalho interpretativo.

Outra característica da obra em questão, em que as “experiências” dos eventos ocorridos no Brasil do final do século XIX são observadas pelo leitor, é que tais fatos se apresentam como próximos, ou seja, os episódios são vivenciados no dia-a-dia pelos seus personagens. Assim, escravidão não só aparece sutilmente na obra em discussão, como também é tema de outros livros e contos, como exemplo, o livro Helena, escrito em 1876, porém ambientado por seus personagens em 1850, período ainda não havia ocorrido à abolição, mas reproduz as relações de desigualdades de uma sociedade patriarcal que na época contemporânea a escritura estava sendo amplamente

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6 debatida pela sociedade e pela política. Do mesmo modo, tem-se o conto Mariana, publicado pela primeira vez em 1971, a escravidão é abordada tendo as relações entre senhores e escravos como cenário principal da trama que possui como uma das interpretações possíveis: “[...] a necessidade de o poder público submeter o poder privado dos senhores ao domínio da lei” (CHALHOUB, 2003, p.137).

Em Esaú e Jacó a escravidão é posta de forma sutil, até mesmo sem muita ênfase, parecendo assunto secundário a transformação política que estava por vir. Mas ainda nos capítulos iniciais (Cap. IX) é destacada a preocupação que a burguesia estava passando em face da Lei do Ventre Livre, chamada por Machado de Lei Rio Branco, a primeira lei abolicionista. Também há uma referência no capítulo XXXVII, Desacordo no acordo, que aponta a abolição como algo justo, independente do regime que se instauraria no Brasil, diz:

Não esqueça dizer que, em 1888, uma questão grave e gravíssima os fez concordar também, ainda que por diversa razão. A data explica o fato: foi a emancipação dos escravos. Estavam então longe um do outro, mas a opinião uniu-os.

A diferença única entre eles dizia respeito à significação da reforma, que para Pedro era um ato de justiça, e para Paulo era o início da revolução. Ele mesmo o disse, concluindo um discurso em São Paulo, no dia 20 de maio: “Abolição é a aurora da liberdade; esperemos o sol; emancipando o preto, resta emancipar o branco” (MACHADO, 2008, p.120).

Observamos que abolição contentou a republicanos e a monarquistas, na obra, pois os irmãos Pedro e Paulo, representam alegoricamente a Monarquia e a República, respectivamente.

Dos diversos pontos que a obra pode ser abordada, pode-se também destacar o modo como à população carioca sente a mudança em direção ao novo, mas ao mesmo tempo sem participar das direções deste novo. A população estava incrédula com o que estava acontecendo, e insatisfeita com o Império, que, até mesmo, o simples nome de Império causava intrigas e desavenças. O autor fazendo uso de diferentes palavras relacionadas ao novo utiliza do momento em que o personagem do Sr. Custódio pediu para pintar a tabuleta que estava velha, mas ao pedir para pintar a tabuleta logo lembraram que o nome de Império não era muito eficaz devido à situação que se encontrava o Império, que estava difamado e em crise com a “população” pedindo por reformas e mudanças, portanto, o nome de Império poderia fazê-lo perder fregueses e servir para disputas onde o seu estabelecimento levaria a pior. Pensou também em mudar de título para “Confeitaria da República”, que era o que o “povo” queria mais não se sabe o que iria acontecer no futuro, por isso, não arriscou, e sugeriu outros títulos como mostra a obra. A importância desta passagem se estende no drama vivido por diferentes personagens, revelando como a vida da população naquele momento se encontrava entrelaçadas entre o espaço da experiência histórica com o horizonte de expectativas.

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7 temporalidade proposta por Benjamin (1985). Para isso se tomará como exemplo um episódio histórico citado pelo ensaísta em uma de suas teses. O fato ocorreu na revolução de 1830 na França, onde no primeiro dia de batalha com o anoitecer, em diferentes pontos de Paris os revolucionários atiraram nos relógios das torres de forma livre e não predefinida. Este fato para Benjamin possui inúmeros significados, sendo um deles a quebra de uma continuidade aparentemente tranquila, rompendo com uma história “historicista /positivista”, a posição do crítico literário era de esquerda, e apontava que os vencidos ao acordar com os dominadores não teriam seu papel na história, ou seja, pertenceriam a um progresso ilusório.

Comparar o episódio da Tabuleta e este descrito pelo sociólogo se faz útil uma vez que ambos possuem alegorias significativas, tratam de uma temporalidade e possuem o povo como principal personagem. No evento passado na França o tempo é que é discutido para a mudança por um povo, já na obra machadiana o trocar de nomes da tabuleta demostra a incerteza no tempo histórico de uma nação. Ambas, assinalam que o povo apenas é coadjuvante da história da nação, e por meio de relatos “experimentados”, podem passar a serem atores nesse processo.

O turbulento período de transição da política brasileira ocorrido no século XIX foi marcado por várias transformações advindas na Europa, onde estava acontecendo às transições de regimes monárquicos para o surgimento de novos territórios definidos e entendidos em seus múltiplos sistemas e relações como: Nação. Isso inspirou escritores como Machado de Assis que, se tornou um representante da literatura brasileira, ao transmitir através de sua arte aspectos culturais, sociais, legais, políticos contemporâneos à sociedade em que viveu. Esse realismo literário, de Machado de Assis, justifica a importância da literatura para a compreensão dos fatos históricos jurídicos.

Com esses pequenos exemplos, podemos verificar que a história que nos são passadas, nos bancos escolares e nos livros de história sobre a formação da Primeira República do Brasil (1889-1930), não demonstram o todo da história. No referente da História do Direito, o mesmo ocorre, pois, uma República também conhecida como “República dos Bacharéis” – esta denominação se dá, porque todos os presidentes civis daquela época eram bacharéis – teve muito além do que a simples promulgação da nova Constituição de 1891 houve uma consequência sentida pela população, de insegurança, por não saber se o novo era mesmo o melhor.

Na obra os irmãos ao final se tornam deputados por partidos diferentes, mas estão presentes ativamente nesta nova roupagem política que o Brasil estava vivendo. A nova Constituição de 1891 como aponta o professor e estudioso em História de Direito, Wolkmer, possuía um arcabouço ideológico que “expressava valores assentados na filosofia política republicano-positivista, pautados por procedimentos inerentes a uma democracia burguesa formal, geradas nos princípios do clássico liberalismo individualista” (2010, p.140). Como é notório que essa Constituição foi fortemente inspirada na constituição dos Estados Unidos da América, descentralizando os poderes,

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8 consagrando a existência de apenas três poderes independentes entre si: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O antigo Poder Moderador, símbolo da monarquia, foi abolido. Os membros dos poderes Legislativo e Executivo seriam eleitos pelo voto popular direto, caracterizando-os como representantes dos cidadãos na vida política nacional. Outra característica foi a autonomia dada aos municípios e às antigas províncias, que passaram a ser denominadas "estados", cujos dirigentes passaram a ser denominados "presidentes de estado". Foi inspirada no modelo federalista estadunidense, permitindo que se organizassem de acordo com seus peculiares interesses, desde que não contradissessem a Constituição.

Nesse sentido, também Machado, chama a atenção, no entanto, como se ainda fosse algo a ser visto, quando narra o futuro que os irmão gostariam de seguir:

A imaginação os levou então ao futuro, a um futuro brilhante, com ele é em tal idade. Botafogo teria um papel histórico, uma enseada imperial para Pedro, uma Veneza republicana para Paulo, sem doge, nem conselho dos dez, ou então um doge com outro título, um simples presidente, que se casaria em nome do povo com este pequenino Adriático. Talvez o doge fosse ele mesmo. Esta possibilidade, apesar dos anos verdes, enfunou a alma do moço. Paulo viu-se à testa de uma república, em que o antigo e o moderno, o futuro e o passado se mesclassem, uma Roma nova, uma Convenção Nacional, a República Francesa e os Estados Unidos da América. (2008, p.118)

Tal descrição posta acima não possui necessidade de desvelar as alegorias, em um passar de olhos observa-se que o presente do autor, 1904, data em que escreve o romance, já estava sobre domínio dessa legislação. Assim, constata-se novamente que a “experiência” do autor, o buscar transmitir a história passada, não só como fatos corridos, está presente nitidamente na obra.

Considerações Finais

Estudar a história em um sentido amplo, ou a história do direito em um sentido mais especifico, por meio da literatura é algo que veem por contribuir nas discussões, pois a literatura pode contribuir com as ciências jurídicas na forma de uma possível interpretação e visualização de uma época, para além da literalidade, como buscamos fazer no trabalho apresentado.

Não é novidade que as decisões históricas neste país o campo jurídico se construiu e expressou-se como uma instância fundamental para a sociedade. Os legisladores republicanos construíram uma nova constituição que previu uma sociedade de homens livres, o que não correspondeu em uma sociedade de homens iguais. A aplicação da lei, não eliminou as relações clientelistas em uma república, que se apresentou como o novo e qual é lembrada como República Velha. As normas jurídicas organizam, modificam e influenciam as relações socioculturais, visto na obra Esaú e Jacó quando os personagens transpiram as transformações propostas por elas.

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9 para transmitir suas “experiências”, uma vez que uma obra se encontra imortalizada a palavra de um passado não desaparecerá no silêncio e no esquecimento, e rememoração, como salienta Benjamin, é quem fará que por meio da narração a história dos vencidos não morra.

Referências

ASSIS, Machado. Esaú e Jacó. Porto Alegre: L&P, 2008.

BENJAMIN, Walter. Walter Benjamin: Sociologia. São Paulo: Ática, 1985.

CHALHOURB, Sidney. Machado de Assis: Historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução a História do Direito. Curitiba: Juruá, 2009.

FREITAS, Maria Teresa de. Literatura e História. São Paulo: Atual Editora, 1986. GLEDSON, John. Machado de Assis: Ficção e História. São Paulo: Paz e Terra, 2003. PENIDO, Stella. Walter Benjamin: a História como Construção e Alegoria. Disponível em: <http://www.oquenosfazpensar.com/adm/uploads/artigo/walter_benjamin:_a_historia_como_constr ucao_e_alegoria/n1stella_Walter_Benjamin.pdf>. Acessado em: 26 de julho de 2011.

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