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FONTES PARA SE PENSAR O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO EM MINAS GERAIS NO SÉCULO XVIII RESUMO

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FONTES PARA SE PENSAR O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO EM MINAS GERAIS NO SÉCULO XVIII Diana de Cássia Silva Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO

O objetivo dessa comunicação é apresentar algumas pistas para se pensar a escolarização em Minas Gerais no Século XVIII, uma experiência que nasceu a partir do meu projeto de mestrado, o qual possui como tema O processo de escolarização no termo de Mariana de 1772 1835. Minas Gerais nos fins do século XVIII possuía uma estrutura marcada por características urbanas e burocráticas devido a atividade mineradora que nela se fez presente. Nessa terra se encontrava um número considerado de negros, mestiços, profissionais liberais, padres e solteiros que desenvolviam diferentes atividades. No pequeno termo de Mariana é possível perceber essas características. A cidade passou a ser Sede do Bispado mineiro em meados do século XVIII ganhando, a pedido da população, o Seminário Nossa Senhora da Boa Morte que atendia estudantes tanto internos como externos. Assim, o termo de Mariana foi palco de um intenso fluxo de pessoas, culturas e saberes, em seu espaço diferentes atividades urbanas, como o comércio, serviços públicos eram concentrados, além de desenvolver atividades ligadas a pecuária e agricultura. Nessa comunicação tenho como meta analisar a legislação e os caminhos que a mesma me permitir percorrer para pesquisar as escolas no século XVIII em Minas Gerais. Para tanto terei como recorte vinte e oito anos pertencentes ao século XVIII (1772 a 1799) que marcaram a fase pombalina e também parte do período em que Dona Maria foi a rainha de Portugal. O ponto inicial para esse estudo será a ordem régia criada por Pombal no ano de 1772 que estabeleceu o subsídio literário, imposto criado para custear as escolas régias identificadas por professores contratados pela coroa portuguesa, que substituíram as escolas dirigidas pelos Jesuítas quando os mesmos foram expulsos por Pombal. A intenção é focalizar apenas o século XVIII, portanto a análise terá como marco final o ano de 1779. E. Palmer Thompson, no livro Senhores e Caçadores, ao pesquisar a lei, acredita que a mesma deve ser focalizada no momento de sua construção, pois é nele que percebemos a imposição de uma cultura sobre outra, a possível legalização de um costume, a negação ou afirmação de valores. Luciano Mendes Faria Filho ao falar sobre a legislação como fonte para a História da educação afirma que esse estudo pode focalizar o fazer pedagógico que a partir de uma política educacional pode nos levar as práticas das salas de aula. O subsídio literário criou uma série de fatos que interferiram diretamente na relação do estado com escola e com a sociedade. Através desse momento Portugal passou a reconhecer o professor ou mestre como um funcionário do Estado e passou a interferir no cotidiano da escola do século XVIII, “uma unidade de ensino com um professor”. Fazendo o caminho trilhado por Faria Filho é possível perceber que a ordem régia tentava normatizar práticas dos professores, definia os conteúdos e lugares nos quais as escolas seriam criadas. Porém, em alguns casos, a lei não conseguia moldar nem o professor nem o aluno. É o que nos demonstra os trabalhos de Rogério Fernandes, Tereza Fachada Levy Cardoso, Áurea Adão, dentre outros autores que têm se debruçado sobre a história da educação no século XVIII no Brasil e em Portugal, apontando alguns caminhos possíveis para se pensar a história da educação nesse contexto em que a escola não era tão presente na sociedade. Utilizarei como fonte o livro de manifesto do subsídio literário, folhas de pagamento dos professores régios, provisões e ordens régias, a fim de identificar o que significou e representou as escolas régias no termo de Mariana no século XVIII. Espero com isso incitar um interesse maior dos pesquisadores de educação sobre um século que tem muito a dizer a respeito da História da escola em Minas Gerais.

TRABALHO COMPLETO

A História da Educação tem sido pensada a partir de diferentes objetos, fontes e metodologias, que nos permite perceber como se deu o processo de escolarização em nossa sociedade. Percebemos que estes novos objetos e metodologias de pesquisa têm levado os pesquisadores a descobrirem novas formas de interpretação sobre o campo da escola e, conseqüentemente, inserirem novas concepções históricas a respeito do processo de escolarização.

Estudar o processo de escolarização de acordo com Guy Vincent, Bernard Lahire e Daniel Thin1 é perceber no movimento de construção e afirmação da escola, os valores e as formas que são inseridas na, e pela sociedade, a partir do momento em que a escrita começa a se firmar como um saber institucionalizado, com profissionais capazes e licenciados para ensinar. Esse processo também faz nascer uma nova cultura a partir do momento em que

1 VINCENT, Guy, LAHIRE, Bernard & THIN, Daniel. Sobre a história e teoria da forma escolar. Educação em Revista, 33,

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outras instituições como a Igreja e a Família foram perdendo o papel de serem as principais educadoras da sociedade. Estas instituições, apesar de perderem este lugar, não deixaram de auxiliar o Estado no estabelecimento do novo campo de educação por ele estruturado.

A maior efervescência deste processo se encontra nas últimas décadas do século XVIII quando mudanças de caráter político, econômico e social fervilharam na Europa. A escola foi aos poucos se transformando na instituição legal, central e necessária para educar as crianças. De acordo com Justino Magalhães2, o século XVIII foi o contexto no qual as idéias disseminadas sobre a catequização de práticas e saberes por um lado e a racionalização da escrita com o avanço da ciência por outro, foram as bases essenciais para o processo de escolarização. As práticas culturais da leitura e da escrita inseriram novos valores e saberes na sociedade moderna que foram estruturados de acordo com o ideal de educação legitimado pelo Estado.

Em Portugal, as reformas Pombalinas tiveram como objetivo subjugar a Igreja ao Estado. As medidas tomadas por Pombal sobre as reformas na educação, a partir do ano de 1759, não tiveram por meta acabar com o poder da Igreja existente em Portugal e seus Domínios, mas colocar este poder a serviço da Coroa, pegando do mesmo algumas estruturas que ajudariam a Coroa a se firmar frente aos seus súditos.

Estas reformas trouxeram diferentes sujeitos, saberes e métodos de ensino a serem adotados nas escolas após a expulsão dos Jesuítas do controle da educação. Pombal utilizou a Literatura dos Estrangeirados para realizar as reformas educacionais. Os autores estrangeirados defendiam um estudo mais voltado para as coisas da ciência e da prática, defendiam novos métodos de aprendizagem a ser utilizados e criticavam o método de ensino adotado pelos Jesuítas. Foi através desta literatura que a legislação definiu os sujeitos que deveriam ser educados; os saberes a serem transmitidos; os conteúdos e autores a serem adotados pelos professores em suas aulas.

As políticas utilizadas por Pombal no século XVIII são partes do processo de escolarização na medida em que elas interferiram na estruturação de espaços, sujeitos e saberes como o ler, o escrever, o contar e o catecismo. Estas ações são estratégias que partiram do Estado e chegam até as práticas existentes nas aulas régias3.

Para chegar até as escolas do século XVIII, num contexto em que as mesmas não eram reconhecidas por tempos, espaço e saberes como nos dias atuais, autores como Rogério Fernandes, Áurea Adão, José Ferreira Carrato, Rômulo de Carvalho, Tereza M. R. F. L. Cardoso, dentre outros, utiliza em seus trabalhos uma série de fontes analisadas por novas metodologias de pesquisa que nos ajudam a trabalhar a escolarização a partir do século XVIII. A maioria dos autores listados acima recorta em suas pesquisas o período que abarca o século XVIII ao XIX. Nos trabalhos dos mesmos existem a preocupação de informar ao leitor os vestígios encontrados neste período sobre professores, conteúdos, alunos, materiais e espaços que representaram no passado a escola régia e, em alguns casos, a particular. Suas obras não ficam presas a instituições como os colégios, seminários ou conventos existentes também neste período, mas se enveredam nas teias das cadeiras criadas por Pombal que representou, do século XVIII ao XIX, as escolas custeadas pela Coroa e que se fizeram presente na sociedade de então.

Rogério Fernandes e Áurea Adão fazem um balanço sobre o que foi o ensino das primeiras letras em Portugal. A pesquisa do primeiro autor4 consiste num levantamento

2 MAGALHÃES, Justino. Um contributo para a história do processo de escolarização da sociedade portuguesa na transição

do antigo regime. Educação, sociedade e culturas, Nº. 5, 1996, p.9.

3Sobre esse tema ver FARIA FILHO, Luciano Mendes. A legislação como fonte para a história da educação: uma tentativa

de interpretação. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes (org.). Educação, modernidade e civilização: fontes e perspectivas de análise para a história da educação oitocentos. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 1998.

4 FERNANDES, Rogério. Os caminhos do ABC: sociedade portuguesa e o ensino de primeiras letras: do Pombalismo a 1820.

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minucioso de fontes de diferentes naturezas existentes em Portugal sobre a educação com o objetivo pesquisar "os caminhos do ABC" desde 1759 a 1820. Suas fontes são representadas por leis, resoluções, alvarás pertencentes ao período de 1759–1820; cartas de moradores enviados a Câmara pedindo escolas; pedido de materiais feito pelos professores; provisões cedidas pela Coroa aos professores; Estatutos de colégios e requerimento de oficiais pedindo às Câmaras a criação de cadeiras de primeiras letras em suas freguesias.

O trabalho de Rogério Fernandes serviu como referência para a pesquisa de Áurea Adão cujo tema é "Estado Absoluto e Ensino Das Primeiras Letras em Portugal: as aulas régias (1772-1794)"5. Como é possível perceber a autora restringiu seu foco para 22 anos de História do ensino em Portugal. A limitação deste tempo é justificada pela autora por ser o ano de 1772 o momento da criação das aulas régias e o ano de 1794 o momento em que as instituições criadas para administrar o ensino menor: a Real Mesa Censória (1772-1787) e a Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros (1787-1794), foram abolidas. Estas duas instituições funcionaram em períodos distintos no século XVIII tendo a responsabilidade de controlar as escolas Menores. Elas recebiam todos os documentos sobre as escolas régias.

Áurea Adão alerta para a dificuldade de encontrar fontes que relatem o que foi a instrução no século XVIII. As organizações de documentos enviados para a Real Mesa Censória estão perdidos nos arquivos de Portugal. Para chegar até as escolas a autora teve que realizar levantamentos em diferentes arquivos, cruzar informações, levantar a legislação e estudar o sistema de funcionamento de alguns órgãos da época com a finalidade de entender a forma de utilizar as informações encontradas nas fontes.

ANEXO MESA 1

Seu trabalho, como o de Rogério Fernandes, traz uma série de fontes que nos levam a conhecer o cotidiano de algumas escolas, parte da vida de alguns professores, os fazeres das salas de aula, os materiais utilizados, conteúdos e os métodos legalizados para o ensino das primeiras letras.

No decorrer de seu trabalho alguns temas não são aprofundados por faltar informações mais seguras sobre as freguesias que compunham Portugal. Em diversas partes de seu livro Áurea afirma ser necessário um estudo regional sobre este tema.

T. M. R. F. Levy Cardoso6 defendeu no ano de 1998 sua tese de doutorado cujo tema se refere as aulas régias no Rio de Janeiro. O recorte que vai do ano de 1759 ao ano de 1834 é justificado pela autora por ter sido a educação, desde 1759, organizada por políticas que partiam do Estado com a função de centralizar o processo escolar, este fato se deu tanto no período colonial como nos primeiros anos do Império. Foi somente no ano de 1834, fim de sua análise, que o Ato Adicional7 transferiu a educação para a responsabilidade de cada uma das províncias iniciando o processo de descentralização do ensino.

Cardoso faz uma introdução evidenciando as transformações trazidas pela luzes nas Reformas Pombalinas, como a centralização de serviços pela Coroa, e as repercussões destas reformas no Brasil. A autora vai analisando as estratégias desenvolvidas pela Coroa portuguesa refletidas na estrutura de ensino no Brasil e posteriormente pelo Império e as práticas desenvolvidas pela população que freqüentava este ensino. Desvendando no ultimo

5 ADÃO, Áurea. O Estado Absolutista E Ensino Das Primeiras Letras Em Portugal: as escolas régias (17772-1794), Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

6 CARDOSO, Tereza Maria Fachada Levy. As luzes da educação: Fundamentos, raízes históricas e práticas das aulas régias

no Rio de Janeiro 1759-1834, tese de doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Ciências Sociais da UFRJ, 1998.

7 Sobre o Ato Adicional de 1834 ver: SUCCUPIRA, Newton. O Ato Adicional de 1834 e a descentralização da educação. In:

FÁVARO, Osmar. (org). A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas SP: Editora Autores Associados, 1986. p. 55-67.

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capítulo uma série de aspectos que fizeram parte do mundo da escola no período da Colônia ao início do Império.

Os sujeitos que freqüentavam as escolas faziam seus próprios horários com o objetivo de freqüentar as outras aulas existentes. Esta prática era utilizada porque a escola régia era

um professor que lecionava em lugares diferentes determinada cadeira: ou o latim, ou a

filosofia ou o grego, etc. O pagamento do ordenado destes professores sempre atrasava, os métodos propostos de ensino encontravam várias resistência e problemas com relação a estrutura da escola, enfim, o cotidiano da escola régia a escola pública (nome posterior a Independência) era marcado por diversas práticas sociais no contexto do Rio de Janeiro.

Em Minas, Gerais José Ferreira Carrato8 faz um estudo sobre as aulas régias e domésticas cedendo importantes temas a serem aprofundados pelos pesquisadores da educação. Othaíza Romanelli9 ao analisar a educação no período pombalino chega a mesma conclusão que Carrato10 ao ter como hipóteses que o sistema de aulas régias criado por Pombal havia acabado com a estrutura de ensino nas Capitanias onde a Companhia se fez presente, mas, em Minas Gerais, local onde as ordens religiosas foram proibidas, as aulas régias viriam a ser o primeiro sistema de ensino regularizado.

E. P. Thompson relata que a lei deve ser focalizada no momento de sua construção, pois é nele que percebemos a imposição de uma cultura sobre outra, a legalização de determinados costumes, a negação ou afirmação de valores11. Nas reformas pombalinas diferentes leis, regulamentos e alvarás foram estabelecidos para a construção de uma escola idealizada por Pombal em seu Reino e Domínios. Ao estabelecer o campo normativo sobre a estrutura das escolas régias Portugal também teria se utilizado de uma cultura que já existia na sociedade.

A aula avulsa, realizada por mestres particulares, teve sua forma apropriada pelo Estado de Portugal com a criação das aulas régias. Nas aulas particulares os pais contratavam os professores e estes poderiam ensinar tanto em suas casas como nas casas de seus alunos. A interferência do Estado na esfera do privado foi visível na ordem régia de 1772 quando temos a regularização da profissão dos professores públicos contratados pela Coroa bem como dos mestres particulares contratados pela família.

Os pais poderiam continuar a utilizar os serviços dos mestres particulares, porém estes deveriam possuir a carta de aprovação cedida pela Real Mesa Censória, Instituição responsável pelos Estudos Menores a partir da lei de 6 de novembro de 1772. Os professores particulares, caso não fossem legalizados, deveriam ser punidos, é o que podemos observar no Artigo VIII da lei de 6 de novembro de 1772

"Que as pessoas que quiserem dar lições pelas casas particulares, o não possa fazer antes de se habilitarem para estes magistério com Exames, e Aprovação da Mesa, debaixo da pena de, cem cruzeiros pagos pela cadeira pela primeira vez e pela segunda da mesma condenação em dobro e cinco anos de degredo para o Reino de Angola."12

8 CARRATO, José Ferreira. Igreja, iluminismo e escolas mineiras coloniais. São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 1968.

9 ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. Minas Gerais e os primórdios da educação. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes &

PEIXOTO, Anamaria Casasanta (orgs.). Lições de Minas: 70 anos da secretaria da Educação. Belo Horizonte: Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais, 2000, p.13.

10 ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. Minas Gerais e os primórdios da educação. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes &

PEIXOTO, Anamaria Casasanta (orgs.). Lições de Minas: 70 anos da secretaria da Educação. Belo Horizonte: Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais, 2000, p.13.

11 THOMPSON, E.P. Senhores e caçadores.Rio de Janeiro: Editora Paz e terra S/A, 1987. Tradução de Denise Battmam.

P.350.

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Para sabermos os reflexos das Reformas Pombalinas no termo de Mariana levantamos fontes como as Provisões régias passadas aos professores do termo de Mariana, a Legislação referente ao período, obras licenciadas pela Coroa para o ensino das primeiras letras, métodos de ensino, livro de manifesto dos valores coletados sobre o Subsídio Literário13 e uma espécie de folha de pagamento dos professores contratados pela Coroa.

Para identificarmos o tempo, nome e lugares que os professores atuaram no século XVIII foi necessário fazermos um exercício de ir e vir no tempo pelas fontes, procurando os vestígios que poderiam nos informar algum dado a mais do que as mensagens óbvias percebidas nos documentos. Uma das fontes que permitiu a aplicação desta metodologia foram as folhas de pagamento dos professores.

Estes documentos fazem parte da Coleção da Casa dos Contos de Ouro Preto, um museu que também possui vários documentos sobre as despesas da Capitania de Minas Gerais. Estas fontes foram consultadas através de micro-filmes existentes no Arquivo Público Mineiro de Belo Horizonte. Nas folhas de pagamento possuem informações sobre os lugares nos quais as escolas existiam, o débito da Coroa para com os professores bem como a desistência de algum cargo, ou mesmo a morte de algum professor.

De acordo com uma da folhas de pagamento de 1798, o mestre Antônio Ferreira Souza teve sua Provisão cedida no ano de 1791 para atuar durante 6 anos na freguesia de Furquim, termo de Mariana, ensinando alunos a ler, escrever e contar. Atuou até o ano de 1797 devendo receber por ano o valor de 150$000, sendo pago pela Junta da Fazenda Mineira, órgão administrador das rendas da Capitania. No ano de 1798, o mestre Antônio recebeu por seu procurador o valor de 37$500 referente ao primeiro quartel de seu ordenado do ano de 179414, ou seja, a Junta da Fazenda de Minas Gerais atrasou o pagamento deste mestre em 45 meses.

O atraso no pagamento foi uma prática existente tanto em Portugal como no Brasil, diferentes fatores contribuíram para a permanência da mesma: falta de funcionários qualificados para executar as funções da Junta da Fazenda, desvios de valores coletados sobre o Subsídio Literário, sonegação de impostos por parte da população15. José Ferreira Carrato faz uma interessante observação sobre estas características presentes no reinado de Dom José I:

“Não sei se por ingenuidade, rotina ou inexperiência, o governo régio continuou a pensar que não havia necessidade de dinheiro para dar escolas ao povo, que os professores régios não precisavam de ordenados para trabalhar que seriam apóstolos como os antigos jesuítas, (...)” 16.

Geralmente o ordenado dos mestres de primeiras letras no Brasil era de 150$000 sendo pagos aos quartéis, ou seja, quatro vezes por ano. Este valor representava 32% do ordenado recebido pelo professor secundário, podemos dizer que desde os primórdios da educação os profissionais que ensinavam as primeiras letras não eram valorizados em termos financeiros.

O Subsídio Literário foi criado por Pombal em 1772 para acelerar a implantação do novo sistema educativo. Os rendimentos do Subsídio eram baseados na arrecadação sobre a produção de determinados produtos de acordo com a maior produção no Reino e no

13 O Subsídio Literário foi criado no ano de 1772 com a finalidade de custear as escolas menores. A cobrança seria realizada

por oficiais da coroa. Incidia o imposto sobre a aguardente e a carne no Brasil. já em Portugal e Ilhas o imposto era taxado sobre a produção de vinho, vinagre e aguardente. Para maiores informações ver texto de minha autoria publicado nos anais do Encontro no Rio Grande Do Norte 2002 "O processo de escolarização no termo de Mariana (1772-1835)"

14 Coleção da Casa dos Contos, microfilme 088 Gaveta E 4 Vol. 523. Arquivo Público Mineiro. 15 CARRATO, Op. cit p.134.

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mar. Em Portugal e nas Ilhas o imposto incidia sobre a produção de carne, vinagre e aguardente, já no Ultramar, era cobrado sobre a produção de carne e aguardente.

Levantamos para esta pesquisa o valor do Subsídio Literário coletado no termo de Mariana de 1783 a 1799 a fim de sabermos quantos réis foram arrecadados pelo termo. A partir desta etapa nos foi possível fazer diferentes perguntas ao material coletado como: quais freguesias contribuíam? Qual freguesia que possuiu o maior valor arrecadado? Quantos professores existiam nas mesmas? Qual relação a ser feita entre o número de escolas e a contribuição do imposto?

Nestes 16 anos analisados o recolhimento do imposto Subsídio Literário sobre a produção de aguardente no temo de Mariana somou o valor de 10:102$262. A média do recolhimento por ano somou o valor de 631$391, com este valor o termo de Mariana poderia custear quatro mestres de primeiras letras, porém este valor não interferiu no número de mestres do termo. Percebemos através das fontes que o número de mestres de primeiras letras no termo de Mariana foi superior e este número. Veja o gráfico abaixo:

Mestres no termo de Mariana

0 1 2 3 4 5 Fur quim Catas Altas Ma riana Guara pira nga Inficion ado Po mba Barra Lo nga Freguesias N º de m es tre s

Arquivo Histórico Municipal da Câmara de Mariana

A provisão cedida para que estes Professores ou Mestres pudessem ensinar a matéria, relatava que estes funcionários gozariam de alguns privilégios e isenções, além disto, informava a freguesia a qual o mestre iria atuar, o valor de seu ordenado e o tempo em que a licença deveria ser respeitada pelos colonos. Cruzando alguns documentos chegamos a constatar que muitos professores existentes no século XIX já estavam atuando desde as últimas décadas do século XVIII. As provisões possuíam o formato do texto descrito abaixo:

"Dona Maria por graça de Deus, Rainha de Portugal e dos Algarves daqui e Além mar, em África em casa de Zune, vos faço saber aos que minha provisão virem, que eu fui servido fazer merecer a Francisco Luiz de [Souza], presbítero secular do lugar [substituindo] a Escola de ler, escrever e contar da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de

Guarapiranga, termo da cidade de Mariana, vencendo o ordenado de cento

e cinqüenta mil réis adiantados em dia a dia, que [mostrar], embarcou nessa corte para o lugar do seu emprego, que tomou posse desse, a em sua

escola a custa pelo cofre que ( ) administração [dessa] Junta de Minha Real Fazenda da Capitania de Minas Gerais, o qual servirá enquanto assim foi servida, não ordenar o contrário. Pelo que mando a todas a pessoa a quem o conhecimento dessa pertencer, que deixem usar livremente os ( )

substituto do exercício do seu magistério, e gozar de cada uma das

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despacho da Real Mesa Censória de 15 de setembro de 1786. (...) Vila Rica 1787"17.

No Alvará de 28 de junho de 1759, primeira fase da reforma Pombalina, o ensino das primeiras letras não foi referenciado. Neste documento foram definidos livros, autores e métodos a serem adotados nas escolas secundárias. Antônio Banha de Andrade transcreveu uma espécie de cartilha em forma de catecismo18 feita no ano de 1759 e encontrada no Arquivo de Pernambuco pelo autor que poderia ter sido utilizada nas escolas de primeiras letras desta cidade. Nela encontramos a definição de alguns saberes e práticas catequizadas, a postura do mestre e sua função. A pesar de representar um dos modelos de ensino adotado pela Coroa no período, não temos referência se esta foi o modelo de cartilha adotado em todas as escolas de primeiras letras.

O Alvará editado em 30 de novembro de 1770, onze anos após a lei de 1759, proibiu os conteúdos "processos litigiosos" utilizados pelos professores no ensino das primeiras letras e legalizou textos de "diferentes naturezas" a serem utilizados nas aulas de Ler, Escrever e Contar. Neste Alvará o Catecismo de Montpellier foi considerado pela Coroa um dos textos mais importantes a ser utilizado nas ditas escolas.

"E por quanto me constou, que nas Escolas de Ler, e escrever se praticava até agora a lição de processos litigiosos, e sentenças, que somente servem de consumir o tempo, e de costumar a Mocidade ao orgulho, e enleios do Foro: Hei por bem abolir para sempre hum abuso tão prejudicial: E mando, que em lugar dos ditos processos, e sentenças, se ensine aos meninos por impressos, ou manuscritos de diferente natureza, especialmente pelo Catecismo pequeno do Bispo de Montpellier Carlos Joaquim Colbert, mandado traduzir pelo Arcebispo de Évora para instrução dos seus diocesanos, para que por ele vem também aprendendo os Princípios da Religião, em que os Mestres os devem instruir com especial cuidado, preferência a outro qualquer estudo”.19

Ao focalizar a escolarização no termo de Mariana no século XVIII pretendemos demonstrar como foi construída pela Coroa a estratégia civilizadora e mantenedora do Estado absolutista português. Neste contexto o Estado foi aos poucos se fazendo presente no âmbito da sociedade impondo normas para modificar as práticas cotidianas da população através da definição do método de ensino, currículo, professores, práticas e disciplina20.

Para chegarmos até as escolas do século XVIII temos uma série de fontes indicadas por diversos autores que escreveram sobre este tema. Porém este trabalho nos obriga a visitar diversos arquivos e pesquisar diversos tipos de documento. O desafio é levantar os dados a partir de diferentes fontes e estabelecer suas relações. A pesquisa qualificada em um arquivo ou mesmo em vários se faz necessária na medida em que as escolas do século XVIII não eram institucionalizadas. Outra estratégia é procurar documentos em caixas perdidas nos sótãos de arquivos e ler todos os documentos que encontramos em nossas pesquisas. Muitas vezes estas leituras nos ensinam o caminho para chegarmos num mundo de valores, crenças e saberes que até hoje fazem parte da escola institucionalizada.

17 Códice 216, Arquivo Histórico da Câmara de Mariana.

18 ANDRADE, Carlos Antonio Banha de. A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários no Brasil. São Paulo: Saraiva, Ed.

USP, 1978.Ver anexo "Breve instruçan para ensinar a doutrina Cristã, ler e escrever aos meninos e ao mesmo tempo, os princípios da lingoa portuguesa e sua orthografia."

19 Alvará, 30 de dezembro de 1770.

20 Disciplina é utilizada neste texto de acordo com a definição de Focault “A modalidade implica numa coerção interrupta,

constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre o resultado e exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço e os movimentos”. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 16ªed. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Editora Vozes, 1997, p.118.

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Ana Maria Casassanta, numa palestra realizada em Belo Horizonte em Janeiro de 2001, falou sobre as pesquisas de educação realizadas a partir da década de 80 e apontou as lacunas existentes sobre a História da Educação no período colonial em Minas Gerais21. A pesquisa sobre o século XVIII tem revelado muitas faces do processo de escolarização e colocando em debate uma série de conceitos que temos sobre reformas educacionais na história da educação brasileira. Como afirma Áurea Adão, é necessário realizar estudos localizados sobre este período para podermos mapear o processo de escolarização. Um tema interessante que tem muito a contribui para o presente de nossa sociedade e sua história.

21PEIXOTO, ANA Maria Casasanta. A educação mineira na história: notas para um inventário. Texto apresentado no

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BIBLIOGRAFIA

ADÃO, Áurea. O Estado Absolutista E Ensino Das Primeiras Letras Em Portugal: as escolas régias (17772-1794), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Alterações nas unidades produtivas mineiras: Mariana - 1750-1850. (Dissertação de mestrado em História) Niterói: UFF, 1994.

ANDRADE, Antônio Alberto Banha de. A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários no

Brasil. São Paulo: Saraiva, Ed. USP, 1978.

CARDOSO, Tereza Maria Fachada Levy. As luzes da educação: Fundamentos, raízes

históricas e práticas das aulas régias no Rio de Janeiro 1759-1834, tese de doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Ciências Sociais da UFRJ,1998.

CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 1968.

CARVALHO, Laerte Ramos de. Reformas Pombalinas e a Instrução Pública. São Paulo: editora Saraiva, 1978.

CARVALHO, Rómulo de. História do Ensino em Portugal: Desde a fundação da nacionalidade até o fim do Regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Manuela Galhado. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1990.

FARIA FILHO, Luciano Mendes. A legislação como fonte para a história da educação: uma tentativa de interpretação. In: FARIA FILHO, Luciano Mendes (org). Educação,

Modernidade e Civilização: fontes e perspectivas de análise para a história da educação

oitocentos. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 1998.

_________. Escolarização, culturas e práticas escolares no Brasil: elementos teórico-metodológicos de um programa de pesquisa. Impresso, 2000.

FÁVARO, Osmar (org). A Educação Nas Constituintes Brasileiras 1823-1988. Campinas. SP: Editora Autores Associados, 1986.

FOUCAULT. Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 16ª ed. Petrópolis: Editora Vozes1997.

PEIXOTO, ANA Maria Casasanta. A educação mineira na história: notas para um inventário. Texto apresentado no seminário de História da educação em Minas Gerais. Belo Horizonte. Março de 2001.

Fontes

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ALVARÁ, Reformas nos conteúdos das escolas primárias (1770). ALVARÁ, Reformas no Ensino, Lisboa 1759.

(10)

ALVARÁ, Reforma no ensino, Lisboa 1772.

Breve instruçan para ensinar a doutrina Cristã, ler e escrever aos meninos e ao mesmo tempo, os princípios da lingoa portuguesa e sua orthografia. IN: ANDRADE, Antônio Alberto Banha de. A Reforma Pombalina dos Estudos Secundários no Brasil. São Paulo: Saraiva, Ed. USP, 1978, p 119-121.

Referências

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