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Significados do Processo de Sucessão em uma Empresa Familiar. Autoria: Daniela Meireles Andrade, Juvêncio Braga de Lima, Luiz Marcelo Antonialli

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Significados do Processo de Sucessão em uma Empresa Familiar

Autoria: Daniela Meireles Andrade, Juvêncio Braga de Lima, Luiz Marcelo Antonialli Resumo

Neste trabalho são apresentados os resultados de um estudo de caso sobre uma empresa familiar do setor do transporte rodoviário de cargas, objetivando identificar os significados presentes nos discursos dos membros da família sobre o processo de sucessão. Para tanto, foram entrevistados o fundador, filhos dirigentes e os filhos não participantes da empresa, bem como os agregados. A partir da construção de uma rede de significados do processo de sucessão, emergiram duas categorias analíticas: uma de perspectiva emergente, condicionada pela valorização da confiança mútua e dos laços afetivos fortes e consolidados e outra de perspectiva deliberada, envolvendo aspectos de caráter racional, associados ao interesse pelo patrimônio e ao controle pelo poder decisório. A sucessão em empresas familiares,antes de constituir-se em uma simples fase do ciclo de vida das empresas, carrega consigo a condição de um fato cultural, envolvendo a identificação de elementos que, embora presentes, não são aparentes, implicando processos de pesquisa que permitam fazê-los emergir dos discursos dos agentes sociais, membros de diferentes gerações.

1. Introdução

As empresas familiares são as maiores propulsoras do bem-estar social e econômico de toda a economia capitalista. No Brasil, mais de 99% dos negócios são originados de empresas familiares, as quais empregam mais de 60% de toda força de trabalho (LEITE, 2002). Elas estão relacionadas com o fortalecimento e a modernização da economia brasileira, por serem grandes geradoras de empregos. No entanto, a sua fragilidade em relação ao processo sucessório é motivo de grande preocupação (LANK, 2001).

Existem destaques de que grandes grupos nacionais que se constituem sob a forma de empresa familiar buscam informações em torno do processo de profissionalização, uma vez que as evidências de sucesso para organizações que adotam este tipo de ação são elevadas, principalmente em períodos de transição do controle decisório e administrativo, (BLECHER, 2003).

Lodi (1987) questiona a longevidade das empresas familiares ao afirmar que as organizações de terceira ou quarta geração são raras no contexto brasileiro. Contudo, percebe-se a prepercebe-sença de grandes grupos nacionais que conpercebe-seguiram superar todas estas cripercebe-ses e ainda se mantêm sólidos dentro da economia brasileira, como é o caso do Pão de Açúcar, do Grupo Gerdau, da Odebrecht e da Suzano (BLECHER, 2003). Por outro lado, há vários casos, a exemplo de armazéns, ou seja, pequenos empreendimentos familiares, que também conseguiram superar as crises econômicas brasileiras e ainda continuam presentes no meio da imensidão que é a economia brasileira, como é o caso das bancas do mercado público de Porto Alegre (ROSSATO NETO e CAVEDON, 2003).

Em meio a este cenário, surge a necessidade de compreender como ocorre o processo sucessório vivenciado por empresas familiares, pois, de acordo com a literatura pesquisada, este é um período complexo no desenrolar da sua história de vida.

Contudo, existem poucas pesquisas que abordam o processo de sucessão nas empresas familiares brasileiras, pelo fato de elas serem bem jovens se comparadas, por exemplo, com as da Ásia (BLECHER, 2003). Em um levantamento de artigos brasileiros que abordam tal problema, foram constatados os seguintes trabalhos: Antonialli (1995), Leone, Silva e Fernandes (1996), Capelão e Melo (2001), Leone (2002), Guerreiros e Oliveira (2002), Leone (1991), Hastreiter (1998), Carrão (1997), Souza Silva, Fischer e Davel (1999) e Castro,

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Morais e Crubellate (2001). Estes autores abordam o processo sucessório em seus aspectos objetivos, sem enfatizarem aspectos simbólicos presentes nas relações entre o fundador, a empresa e a família. No entanto, trabalham questões referentes ao poder, à cultura organizacional, ao ciclo de vida, às vantagens e desvantagens percebidas neste tipo de organização, aos riscos e oportunidades vivenciadas pelas empresas familiares. O trabalho de Rossato Neto e Cavedon (2003) e Campos e Mazzilli (1998) faz menção a aspectos simbólicos relacionados ao processo de sucessão.

A carência deste tipo de enfoque é uma das justificativas para a realização do presente trabalho, o qual teve por objetivo identificar os significados presentes nos discursos dos membros da família sobre o processo de sucessão. Para tal, buscou-se conhecer o mundo simbólico de membros de uma família proprietários de uma empresa cuja matriz está localizada na região sul de Minas Gerais e atua no ramo de transporte de cargas há aproximadamente 44 anos.

O artigo está estruturado da seguinte forma: primeiramente fez-se referência à problemática da sucessão nas empresas familiares sob a perspectiva da teoria das representações sociais; em seguida apresentam-se os procedimentos metodológicos. Três outras partes complementam o trabalho: a apresentação da rede de significados do processo de sucessão e uma leitura das categorias sintetizadas a partir da construção da rede: a realidade da sucessão planejada e a perspectiva de uma sucessão planejada, complementando com as considerações finais.

2. A problemática da sucessão em empresas familiares

A sucessão significa a transferência de liderança. No caso de empresas familiares deve-se buscar apreender suas especificidades, marcada pela interação empresa e família. A característica da família e o processo de inserção de seus membros na empresa levam à construção de sentidos sobre o processo de transferência de liderança entre o fundador e um ou mais sucessores.

2.1. A natureza da empresa familiar

A empresa familiar nasce de uma organização controlada e dirigida por um proprietário. O seu processo de formação inicia-se por meio de idéias, com o empenho e o investimento de indivíduos empreendedores, apoiados ou não em seus parentes. Ou seja, por meio de casais que juntam suas economias e dirigem lojas juntos, ou irmãos e irmãs que aprendem o negócio dos pais desde criança. Assim é o encaminhamento das empresas familiares, as quais diversificam em tamanho e em idade (GERSICK et al., 1997).

A empresa familiar, para Grzybovski (2002), corresponde a um estereótipo da instituição de capital fechado, de modelo burocrático, com pouca transparência administrativa e financeira e um sistema de tomada de decisões centrado na figura da pessoa que representa o poder, para onde convergem as regras que seguem os integrantes da família na empresa.

Longenecker, Moore e Petty (1997), ao mencionarem a expressão empresa familiar, deixam subentendido que há um envolvimento de dois ou mais membros de uma família na vida e no funcionamento da organização. No entanto, este envolvimento varia de tempo integral a parcial.

Para caracterizar uma empresa familiar, a permanência da família deve ser verificada por pelo menos duas gerações, segundo Donelley (1964,p.94):

A companhia é considerada familiar, quando está perfeitamente identificada com uma família há pelo menos duas gerações e quando essa ligação resulta numa influência recíproca na política geral da firma e nos interesses e objetivos da família.

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Lodi (1998) afirma na mesma perspectiva que Donelley (1964), que a empresa familiar é aquela em que a sucessão da diretoria está ligada ao fator hereditário e aos valores institucionais da firma, os quais se identificam com um sobrenome comum ou com a figura do fundador. O conceito de empresa familiar nasce com a segunda geração de dirigentes, pois, enquanto está nas mãos do fundador, é apenas um negócio pessoal. O autor argumenta que a empresa de fundador sem herdeiros não é uma empresa familiar, nem aquela em que a família investe dinheiro apenas adquirir rendimentos financeiros.

A permanência da família nos negócios implica na expressão de algumas particularidades, ou seja, a constatação, de alguns aspectos, como laços de família, esposas ou filhos no conselho administrativo, valores institucionais da firma identificados com aqueles da família, ações praticadas por um membro da família afetando a empresa, parentes com sentimento de adquirir ações da empresa, principalmente em caso de falência e a posição do parente na empresa influi em sua colocação familiar.

Com efeito, há que se considerar a natureza da instituição familiar, na medida em que as empresas familiares extraem uma força especial da história da identidade e da linguagem comum às famílias. Tais forças podem assumir tanto conotação positiva quanto negativa (GERSICK et al., 1997).

Fletcher (2002) destaca as características da natureza específica de empresas familiares, elementos de uma complexidade: “Além do trabalho árduo, frustração e obrigação de estar sempre presente, administradores-propietários não apenas tem que lidar com aspectos cotidianos relacionados com produtos, mercados, empregados, crescimento, mercados, treinamentos assim como todos os gestores devem lidar. Mas também devem administrar e negociar cuidadosamente um conjunto complexo de relacionamentos sociais e emocionais envolvendo membros familiares e não familiares, os quais têm diferentes expectativas e motivações para envolvimento nos negócios familiares” (FLETCHER,2002, p.4)

Toda empresa sofre modificações em sua estrutura ao longo do tempo. No entanto, nas empresas familiares, estas alterações são mais complexas devido aos problemas que ocorrem durante a transição de liderança, o que geralmente acontece quando uma nova geração assume o poder decisório e o controle administrativo da empresa.

2.2. O processo de sucessão em empresas familiares

O processo de sucessão em empresas familiares está imbricado à natureza desse tipo de organização, suas especificidades. Bernhoeft (1999) argumenta que o primeiro processo de sucessão é o mais complexo, por ser a partir dele que a empresa deixa de ser uma sociedade baseada no trabalho que estava até então vinculada a uma única figura, que é a do fundador. Os filhos do fundador, os quais tornaram sócios, não têm compromissos iguais ao do pai, pela simples razão que não tiveram a liberdade de se escolherem, bem como pelo fato do negócio não representar uma escolha livre, mas sim uma fatalidade.

O processo sucessório é assunto relevante e, ao mesmo tempo, delicado (BERNHOEFT, 1989). Por isso, não pode ser tratado apenas sob os aspectos puramente lógicos da administração, uma vez que envolve igualmente aspectos afetivos e emocionais, relacionados à estrutura familiar e, ao mesmo tempo, à estrutura empresarial. Estão envolvidos diversos interesses, relacionados com a manutenção do dinheiro na família, o pagamento de menos impostos para a transmissão da propriedade, a manutenção do controle indireto do patrimônio, a proteção dos descendentes diretos, a conservação do poder na dinastia, a garantia financeira dos fundadores e o desfrute do bem-estar que o patrimônio possa garantir como reserva de valor ao longo da vida (LEITE, 2002).

Os estágios do processo de sucessão em uma empresa familiar foram considerados por Longenecker, Moore e Petty (1997), os quais afirmam que o processo sucessório é um processo contínuo e, para tanto, a família deverá começar desde cedo a preparar os sucessores.

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Estágio I (pré-empresarial), o sucessor torna-se consciente de alguns aspectos da empresa e/ou do setor de atuação; neste momento, a orientação do sucessor pelo membro da família não é planejada. No estágio II (introdutório), o sucessor é exposto a jargões utilizados no negócio e tem conhecimento sobre implicações ambientais. No estágio III (funcional-introdutório), o sucessor trabalha como empregado em tempo parcial; o trabalho se torna cada vez mais difícil (inclui a formação profissional e, às vezes, o trabalho em outras empresas). No estágio IV (funcional), o sucessor trabalha em tempo integral; inclui todas as posições não gerenciais. No estágio V (funcional avançado), o sucessor assume posição gerencial, a qual inclui todas as posições empresariais anteriores à presidência. No estágio VI (início da sucessão), o sucessor assume a presidência (inclui o período em que o sucessor se torna chefe “de direito” da empresa). Finalmente, no estágio VII (sucessão madura), o sucessor torna-se o chefe da organização.

Planejados ou não planejados, processos sucessórios associados à longevidade de empresas familiares remetem ao processo de “intraempreendedorimo”, termo emprestado de Hoy e Verser (1994) por Fletcher (2004) para destacar a relação entre família e empreendedorismo no contexto de emergência intergeracional. Analisando um caso de uma pequena empresa familiar, a autora sintetiza o processo de emergência entre primeira e segunda geração: “isso significa que em negócios familiares, atividades empreendedoras, desenvolvimento de negócios e emergência de novas idéias ou modos de trabalhar ocorrem em íntimo relacionamento com aspectos familiares, nos quais aquilo que ocorreu no passado será representado no futuro. Falando sobre aspectos organizacionais e administrativos, proprietários de negócios familiares, são instados a construir o passado no presente e visualizar o futuro no presente. Aqui também, são pesadas as tensões entre a necessidade de energizar empreendedoristicamente e administrativamente os negócios, ao mesmo tempo em que se garante a sobrevivência em longo prazo e a continuidade em termos de propriedade” (FLETCHER, 2006:5).

2.3. O sentido do processo de sucessão

Os significados e os sentidos do processo sucessório são formados pela visão coletiva e individual dos membros de uma empresa familiar. Tais agentes sejam o fundador, filhos que atuam de alguma forma, filhos não inseridos e demais parentes de alguma forma envolvidos com o futuro da empresa, bem como funcionários de diversos setores expressam suas representações sociais de modo natural, na sua vivência no cotidiano da empresa. Com efeito, a sucessão em uma empresa familiar se inclui no âmbito do campo de discursos que os seres humanos, membros de uma empresa familiar, buscam expressar aspectos de sua vida organizacional. Fletcher (2002) sintetiza formulações diversas que evidenciam a importância da consideração da família como um recurso discursivo em empresas familiares, destacando o sentido do que seria denominado familiar, caminhos pelos quais os agentes expressam formas de ligar-se aos demais membros da família e da empresa. Caberia, pois, apreender sentidos dos discursos sobre a família, sobre a empresa, sobre negócios, sentidos esses de certo modo gerenciados em um sistema. A autora valoriza, igualmente, a inter-relação entre discurso e processos de construção social. Nessa relação com os demais, agentes de uma dada organização enfatizam a linguagem e recursos discursivos (tal como conceitos de família) conferindo sentido em seus contextos organizacionais. Essa consideração da família como recurso discursivo é objeto de estudos em pequenas empresas familiares que, para autora, enfatizam o discurso da racionalidade, discurso baseado em recursos e um discurso crítico.

Na formulação de suas representações sociais sobre o processo sucessório, os agentes expressam a relação entre indivíduo e sociedade, considerando que o ambiente em que se inserem é dinâmico e flexível (MINAYO, 1995; FARR, 1995). Assim, a busca da apreensão e formulação das representações sociais dos agentes organizacionais de uma empresa familiar

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permite enfocar o lado subjetivo, interdisciplinar e multifacetado das relações sociais, possibilitando um aprofundamento sobre o mundo simbólico deste tipo de empresa.

Ao se expressarem sobre o processo de sucessão, os agentes o representam, de forma idealizada, tanto o fundador como os membros da família que compõem a diretoria da empresa ou demais membros. Verifica-se, pois, que conferem o sentido simbólico à família e à empresa. Tais elementos são de apreensão direta, criando-se um processo de compreensão, a fim de se tornarem familiares para todos, possibilitando criar as representações sociais, as quais são formadas quando o novo é incorporado ao universo comum (SÁ, 1995).

Por meio das representações sociais, os agentes organizacionais desenvolvem um domínio do saber original. Os membros das gerações buscam compreender o que as pessoas fazem na vida real e em situações significantes, ou seja, na família e na empresa. O processo de sucessão envolve tanto questões individuais como coletivas, ou seja, tanto representações vindas apenas do fundador como questões originadas do conjunto de pessoas que compõem a empresa.

As representações sociais sobre o processo sucessório emergem do conhecimento prático orientado para a compreensão do mundo, para a construção de um caráter expressivo dos sujeitos sociais, sobre objetos valorizados socialmente, ou seja, dos membros que compõem as gerações sobre todos os elementos que envolvem o processo de sucessão (SPINK, 1995). São, portanto, consideradas como um conjunto de conceitos e imagens cujo conteúdo envolve o indivíduo e o seu meio social no espaço e tempo determinados. Consistem numa visão da comunicação e do pensamento do dia-a-dia, tentando analisá-los e interpretá-los.

O estudo do processo sucessório sob a ótica das representações sociais envolve analisar as relações interpessoais do cotidiano empresarial que prendem a atenção, o interesse e a curiosidade dos membros das gerações, demandando compreensão e o pronunciamento (SÁ, 1995) sobre a relação empresa e família. A sucessão não é, pois, um processo explicado objetivamente. A consideração dos discursos permite penetrar as relações sociais no âmbito da empresa familiar, ao longo de suas fases e diante das expectativas sobre o futuro, trazendo reconstituição do passado e desafios que se apresentam para a família e para a empresa. 3. Metodologia

O presente estudo constitui-se um estudo de caso, envolvendo pesquisa qualitativa, procurando-se apreender, em profundidade, as representações sociais sobre o processo de sucessão de uma empresa familiar.

3.1. A empresa estudada

A empresa familiar estudada atua no ramo de transporte de cargas e está localizada no sul de Minas Gerais. Em 2001, estava listada entre as 50 maiores do setor de transporte rodoviário de cargas do Brasil. A família é composta por 7 irmãos sendo 2 homens e 5 mulheres. A terceira geração é formada por quatorze netos do fundador. A empresa possui hoje 47 anos de existência, tendo sido iniciada com a compra de um caminhão em sociedade entre dois cunhados. O atual proprietário fundador adquiriu a parte do sócio após um ano. Somente em 1966 a empresa foi registrada. E houve ampliação da área de atuação, de uma cidade de médio porte para a capital, incluindo em seguida mais uma capital e várias cidades. Posteriormente, a empresa passou por uma fase de diminuição do volume de negócios, a entrada da filha mais velha coincide com esse período difícil da vida da empresa. A empresa foi dirigida pelo fundador, com apoio da filha mais velha por um período de 23 anos. A partir de então, houve plena expansão. O ingresso de dois filhos homens ocorre em um terceiro momento, considerando que há uma diferença de 10 anos entre um deles e a irmã.

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Posteriormente a crescer, mudando de sede. A entrada da filha mais velha coincide com o difícil período vivenciado por pela empresa e passando a contar com o ingresso dos dois irmãos mais novos. A observação da história da empresa permite avaliar que uma outra grande mudança ocorreu com a assinatura de contrato com uma grande empresa de autopeças. Nessa fase, ocorre nova mudança de sede, aquisição de novos caminhões e expansão de atividades para maior número de empresas no setor de autopeças. Na atualidade, o ramo de atuação da empresa além do transporte de cargas, envolve o fretamento e turismo. No setor de transporte de cargas a empresa atua no segmento de autopeças, de borracha, de ferro e de aço, pneus, cargas fracionadas, tintas, além de outros segmentos.

Constata-se que, na medida em que se expandiram as atividades da empresa, houve gradativa implantação de práticas profissionalizadas de administração. Ou seja, divisão de tarefas cada um dos diretores passando a ser responsável pelo seu setor, evitando a sobreposição de tarefas e caracterizando a divisão do poder empresarial que antes era totalmente concentrado. Além disso, foram implantadas práticas relacionadas com a implementação da ISO 9000.

A composição societária da empresa é constituída pela filha mais velha (24%), seguida por 20%, que refere a parte de cada um dos dois filhos homens, as demais quatro filhas detendo 8% cada uma e por último o fundador com 4%. A distribuição de poder entre os membros da família que trabalham na empresa é menos homogênea entre a filha mais velha e os dois filhos homens, constituindo um trio, identificado como a direção da empresa.

3.2. Fundamentos metodológicos e técnicas da pesquisa

Neste estudo optou-se por uma metodologia de natureza fenomenológica por possibilitar compreender o significado que os acontecimentos e as interações têm para pessoas, em situações particulares (BOGDAN e BIKKLEN, 1994). Buscou-se enfatizar aquilo que faz sentido para o sujeito em relação ao fenômeno analisado, tal como percebido e manifestado pela linguagem; assim, valoriza-se aquilo que é significativo ou relevante no contexto em que a percepção e a manifestação ocorrem. Trata-se, finalmente, de transcender a descrição, ou seja, formar ou construir redesi de significados (BICUDO, 2000).

A fenomenologia e a teoria das representações sociais compartilham dos mesmos pressupostos ontológicos sobre a realidade, incluindo, por exemplo, a interdependência entre pensar e falar (MOSCOVICI, 2000), viabilizando o desenvolvimento deste estudo em profundidade, realizado sob a forma de estudo de caso.

A pesquisa sobre o significado do processo de sucessão na empresa constituiu uma pesquisa qualitativa, em que o design foi construído sob fundamentos ontológicos e epistemológicos orientados pela perspectiva fenomenológica: a consideração da realidade investigada como múltipla, envolvendo polaridades válidas na perspectivas dos atores, construções por eles veiculadas e apreendidas pelo pesquisador, processo pelo qual o conhecimento é produzido, tendo em vista sempre a busca da reconstrução de fatos e observações em seu conjunto e, essencialmente dos discursos (SILVERMAN,1993; GUBA e LINCOLN, 1994). As técnicas de pesquisa utilizadas foram a entrevista pessoal em profundidade, a observação não participante e a análise documental. Para tal, foram realizadas entrevistas com o fundador, os sete membros da segunda geração, sendo que três deles atuam diretamente na empresa, além de um membro da terceira geração, que também trabalha na empresa. Também foram entrevistados dois agregados (genros), os quais exercem funções administrativas. A pesquisa foi realizada no período de maio a dezembro de 2003. Foi empregado um roteiro estruturado, o qual constitui uma relação de tópicos previamente estabelecidos de acordo com a problemática central do estudo. (ALENCAR, 1999 e HAGUETTE, 1987).

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Nesse estudo, recorreu-se à observação não participante, tal como exposta por Brymann (1989) ao definir graus de participação do pesquisador, segundo quatro tipos de pesquisa organizacional qualitativa, considerando-se que se privilegiou a entrevista. Assim, nesse estudo a observação ocorreu nas várias visitas à empresa, nos intervalos de entrevistas, de modo que o pesquisador permanecia na periferia da interação social, nesse processo. Mas foram feitos registros de modo não sistemático em caderno de campo. Para complementar a coleta de dados foi analisada documentos oficiais da empresa, tais como relatórios e sínteses de palestras, a fim de captar informações adicionais sobre o processo de sucessão.

Procedeu-se à análise dos dados utilizando-se a triangulação de técnicas, conforme proposto por Alencar (1999). Nesse sentido, buscou-se fazer um “mix” de técnicas (análise do discurso, análise das representações sociais e a formação de redes de significados), identificando as representações e o sentido do processo de sucessão para os entrevistados.

Em uma primeira etapa foi feita a análise do discurso criando redes de significados e sínteses coletivas dos temas trabalhados. Contudo, o presente estudo buscou mesclar as abordagens teóricas das representações sociais proposta por Spink (1995) com as redes de significados proposta por Bicudo (2000). A rede de significados descreve o significado geral dos conteúdos empíricos e constrói um sistema comum de combinações dos significados universais (Bicudo, 2000), buscando conseguir tantas representações quanto possível do significado atribuído ao fenômeno.

4. Rede de significados do processo de sucessão na empresa familiar estudada

A sucessão constitui-se um momento relevante na vida de uma empresa familiar, pois se trata de garantir sua continuidade. Antes de constituir-se em um evento único, o processo de sucessão que ocorre quando um velho líder se aposenta e “passa o bastão” a um novo líder, compreende um período movido por um desenvolvimento constante e nem sempre gradativo. No caso estudado, a organização está passando pelo primeiro processo de sucessão, no qual a presença do fundador, a sua história e a sua personalidade influenciam o desenrolar desse período.

A presença do velho líder não impede, entretanto, que se avance sobre a compreensão de aspectos da sucessão, tais como o conhecimento da forma de atuação dos novos líderes na diretoria da empresa, questionando-os sobre seus planos para o futuro empresarial, incluindo a apreensão de seu dinamismo e visão sobre o futuro da empresa.

Por outro lado, as evidências permitem esclarecer como acontece a relação entre os membros da família que trabalham na empresa e os que não o fazem em relação aos laços de confiança. Verifica-se a preocupação dos filhos sócios funcionários de estarem informando às filhas sócias não funcionárias sobre as decisões empresariais. Isso é expresso mediado pela concepção de uma certa busca de relação harmoniosa e de confiança, fato que pode incrementar o processo de reconhecimento do papel da nova liderança.

No caso estudado, os filhos sócios funcionários, afirmam trabalhar em equipe por meio de cooperação, embora cada um apresente habilidades específicas e complementares. Está presente o discurso sobre o fato de que o fundador instituiu uma posição hierárquica (ordem de nascimento) entre os filhos sócios-funcionários. É uma regra respeitada por todos; todavia, não se sabe se a mesma prevalecerá na ausência do pai, embora, no momento da pesquisa, exista plena aceitação. Tal aceitação pode ser apreendida, ao mesmo tempo em que se abre um processo de conjecturas face ao futuro.

Uma rede de significados sobre o processo de sucessão na empresa estudada está apresentada na Figura 1, a qual esta organizada em dois eixos relativos às dimensões das práticas correntes: a sucessão planejada por meio de regras empresariais e familiares e a sucessão emergente presente no discurso dos entrevistados, todos repletos de sentidos, possibilitando emergir novas tramas de idéias.

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Sucessão Planejada Sucessão Planejada Regras para inserção na empresa Regras para inserção na empresa Não pensar a empresa sem o pai Bloqueio de pensamento Definida pelo pai Esperança de não perder pai

Sucessão Sucessão Regras empresariais Regras empresariais Regras familiares Regras familiares Apresentar a empresa aos filhos Mostrar vantagens da empresa Conhecimento. negócio Estudos universitários Começar de baixo Experiência anterior

Não será contratado por ser da família Dúvidas sobre Capacidade novos membros Entrada mais difícil Comprovação

perpetuação Filhos do trio = educação

Vocação Pessoais Pessoais Interesse Competência Capacidade Sucessão pela filha + velha Sucessão pelo trio complementação Respeito e sinergia Bom relacionamento Perpetuam valores do pai Dão conta do recado Necessidade de mudar em alguns aspectos O pai instituiu filha+velha Hoje é a ideal Necessidade De pulso firme Adaptar as exigência do mercado Representa a empresa Sucessão Planejada Sucessão Planejada Regras para inserção na empresa Regras para inserção na empresa Não pensar a empresa sem o pai Bloqueio de pensamento Definida pelo pai Esperança de não perder pai

Sucessão Sucessão Regras empresariais Regras empresariais Regras familiares Regras familiares Apresentar a empresa aos filhos Mostrar vantagens da empresa Conhecimento. negócio Estudos universitários Começar de baixo Experiência anterior

Não será contratado por ser da família Dúvidas sobre Capacidade novos membros Entrada mais difícil Comprovação

perpetuação Filhos do trio = educação

Vocação Pessoais Pessoais Interesse Competência Capacidade Sucessão pela filha + velha Sucessão pelo trio complementação Respeito e sinergia Bom relacionamento Perpetuam valores do pai Dão conta do recado Necessidade de mudar em alguns aspectos O pai instituiu filha+velha Hoje é a ideal Necessidade De pulso firme Adaptar as exigência do mercado Representa a empresa

Fonte: Dados da pesquisa

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A escolha do novo sucessor implica, segundo as associações dos entrevistados em compreender duas perspectivas, envolvendo tanto aspectos racionais e objetivos, quanto um caráter emocional e afetivo. A primeira perspectiva envolve um certo bloqueio de pensamento sobre o fato da sucessão, verificando-se, entretanto, a expressão de um discurso face à realidade. A trama de idéias, na perspectiva dos entrevistados em relação à presença/ausência do fundador emerge em um duplo sentido: por um lado, está posta uma questão de propriedade, na medida em que os membros da família que atuam na diretoria seriam os maiores acionistas; de outro lado, emergem aspectos de caráter emocional, evitando-se refletir sobre uma possível ausência do pai do âmbito das atividades empresariais. A presença do fundador na empresa, mesmo que não tendo uma função executiva específica, é considerada importante. Ela simbolizaria uma proteção dos direitos de todos, de modo particular das filhas também sócias, no sentido da expressão sobre sua autoridade formal, conjugando autoridade sobre a empresa e sobre a família.

A segunda perspectiva envolve o reconhecimento de que a presença do pai por tempo ilimitado seria importante, mas existe a necessidade da escolha do sucessor. O sentido atribuído à escolha do sucessor aparece em tom racional, pois precisam preparar-se para lidar com os desafios da empresa. Registram-se associações presentes no discurso de que a sucessora seria a filha mais velha, opção definida por meio de uma hierarquia instituída pelo pai. Mas, também se verifica que emerge uma outra trama de idéias, onde o sucessor não seria uma figura única (filha mais velha), centrando-se, ao contrário, em uma figura triangular, formada por ela própria e pelos dois irmãos, trio que atualmente compõe e controla a diretoria da empresa.

A filha mais velha emerge como sucessora, havendo reconhecimento de um discurso formalizado pelo pai. Formulações associadas trazem a elaboração sobre sua capacidade de representar a empresa, ao mesmo tempo em que se mencione a necessidade de “pulso firme” e adequação às exigências do mercado. Por outro lado, ela seria a pessoa que herdou as características do pai e, assim, na ausência dele, continuaria a responder pelos direitos globais da mesma forma que ele. No mesmo sentido, emerge que a filha mais velha seria capaz de preservar antigas regras, como a distribuição homogênea de resultados entre os irmãos.

A trama de idéias presentes no discurso em torno da figura do trio ocorre numa expectativa de complementação mútua entre a irmã e os dois irmãos, no sentido do respeito e da sinergia existente entre eles.

Ao pensarem na realidade da empresa, os atuais potenciais sucessores, os filhos atualmente funcionários e demais membros da família entrevistados, expressam o reconhecimento de que o trio teve acesso fácil à organização empresarial, dada à necessidade sentida pelo pai em contar com pessoas de sua confiança para gerenciá-la mas, isso diria respeito somente ao acesso.Pois,há clareza de que se considera o papel desses membros da segunda geração, na construção e solidificação da atual estrutura empresarial A trama de idéias presente na fala dos membros da segunda geração, em relação às regras, ocorre em diversas perspectivas. Assim sendo, as exigências seriam feitas pelo bem da instituição e funcionam como estímulo aos novos membros da família que ingressam na empresa, evitando-se criar expectativas sobre garantias de inserção, apenas pelo fato da condição familiar. Nesse sentido, mencionam-se expressões sobre a necessidade de construção de espaço próprio.

Argumenta-se que, na construção desse espaço próprio, devem ser levadas em consideração a formação acadêmica do possível sucessor e a experiência prévia em filiais ou em outras empresas, para que o mesmo execute um bom trabalho na organização. Entretanto, ao lado dessa perspectiva, verifica-se a consideração de aspectos familiares, que emergem a partir de significados do âmbito do lar, os quais vislumbram que qualquer tipo de escolha nasce da própria pessoa; os pais são condutores dos filhos, ou seja, apresentam a oportunidade

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aos filhos, netos ou bisnetos do fundador, para irem convivendo, desde cedo, no cotidiano empresarial, embora a decisão final de fazer carreira no empreendimento seja tomada pela própria pessoa.

Aquilo que deve ser considerado como regras empresariais seriam os requisitos relacionados com o diploma universitário, o qual confirma a habilidade de um futuro membro da família ingressar na empresa para exercer determinada função e possibilita conhecimento específico sobre uma área de atuação. Tal condição, associada à busca por experiências anteriores por meio do trabalho em empresas correlatas ou filiais, possibilitaria adquirir conhecimento prático. Diferentemente do trio, há concepção de que a entrada dos futuros membros da família como funcionários será mais difícil, embora comprovem a perpetuação da organização. Existem associações de que os filhos do trio seriam as pessoas mais adequadas para entrarem para a organização, pois foram educados dentro dos mesmos padrões que o avô instituiu. E na perspectiva das regras pessoais emergem associações relacionadas com a vocação, o interesse, a competência e a capacidade. Mas também se valoriza, associado a essas características, a necessidade da vontade e o interesse do membro futuro entrante em participar da empresa.

A sucessão na empresa familiar pesquisada apresenta-se como um processo complexo, não se restringindo ao simples fato da substituição de líderes ou transmissão de poder. Com a rede de significados formada a partir do tema central “processo sucessório”, foi possível desvendar a presença de idéias e práticas divergentes. Ressalta-se, no caso estudado, ao mesmo tempo idéias e práticas em torno de uma noção de sucessão planejada ou não, mediadas pela natureza da organização em sua vertente empresarial e familiar.

5. Processo de profissionalização e perspectivas de planejamento da sucessão

A trama que se forma com a rede de significados sintetiza a realidade vivenciada pelos atuais membros da direção da empresa pesquisada, onde a presença de concepções antagônicas e idealizadas permeia a prática e o discurso de todos os entrevistados sobre o processo de sucessão. Essa complexidade, tecida nos antagonismos entre família e empresa, aspectos racionais e objetivos, assim como aspectos afetivos e emocionais reflete uma construção de discursos que ora privilegiam a instancia da família, ora privilegiam a instancia da empresa, marcados por privilégios à sucessão planejada ou não planejada

5.1. A realidade da sucessão não planejada

O não planejamento da sucessão reflete uma condição próxima da indefinição de um planejamento familiar. A empresa foi criada pelo fundador como uma condição de sua inserção no mundo dos negócios, independentemente das características e especificidades de sua família. E assim ocorreu, ao longo da história da empresa, o ingresso da filha mais velha e, posteriormente dos dois filhos que, juntamente com ela participam ativamente da gestão. Portanto, a realidade da sucessão não planejada representa a situação atual em que se encontra a empresa. O fundador ainda presente e participante nas decisões organizacionais, de modo indefinido do ponto de vista hierárquico, sendo um elemento elaborado no discurso dos entrevistados ao mencionarem o processo sucessório. Ou seja, o fundador está sempre presente nas decisões, sobretudo naquelas de caráter estratégico, mas para ele a empresa é dirigida pelos filhos. O não planejamento da sucessão emerge da valorização da confiança mútua, dos laços afetivos fortes e consolidados, os quais parecem influenciar comportamentos e decisões. Três aspectos ressaltam em um conjunto de asserções: apesar dos três irmãos dirigirem a empresa, há uma concepção generalizada de que a sucessão teria sido definida pelo fundador, reservando o papel de sucessor para a filha mais velha; mas também se verifica, de modo não conflitante, a idéia de uma sucessão partilhada pelos dois filhos

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atuantes na empresas em associação com a filha mais velha (gestão compartilhada pelo trio, que de fato já se verifica) e, finalmente, uma noção de bloqueio de pensamentos em relação a este aspecto.

Essa situação apresenta-se, ao mesmo tempo, como uma indefinição não conflituosa presente no discurso, como expressando uma dificuldade de separação dos aspectos racionais e afetivos próprios às empresas familiares. A polaridade assim identificada remete, igualmente, ao valor da antiguidade, considerando-se o hiato de tempo entre a entrada da filha mais velha e a dos dois irmãos. Mas também se torna clara a aceitação das regras do jogo de poder, em face da situação de excelência da administração realizada pelo trio, considerando-se o posicionamento da empresa no considerando-setor de transportes.Com efeito, os discursos revelam como que a organização simboliza um local onde é possível unir as gerações da família. Os filhos que atualmente trabalham na transportadora iniciaram suas atividades muito jovens, reconhecendo-se uma trajetória crescente e evolutiva no âmbito da estrutura organizacional, sempre destacando a idéia de que o principal nesse processo prende-se ao fato de estarem mais próximos do pai, minimizando-se a idéia de uma busca deliberada para a conquista do respeito, da confiança e da liderança na organização.

Nesse sentido ressalta-se a expressão sobre a condição de controladores das decisões por parte do trio, mesclada à expressão de alegria pelo fato da capacidade prática de a família dar continuidade ao sonho do pai. Revela-se, entretanto, a existência de um certo desconforto pelo fato deles representarem os interesses de um grupo maior de irmãos. Se a responsabilidade com o sucesso continuado dessa empresa familiar não representa preocupação na atualidade, cabe a dúvida sobre as reações em possíveis situações de crise. Tal desconforto emerge dos discursos associado à idéia de comando, responsabilidades, em confronto com a indefinição sobre o processo sucessório, face ao reconhecimento do papel ativo do fundador, ainda presente, como referência na tomada de decisões. O planejamento da sucessão não é verificado, em alguns momentos, pela negação de uma reflexão sobre o mesmo, como também, pelas alternativas abertas em relação à direção futura da empresa, seja pelos dois filhos ou pela filha mais velha, ou ainda pelo trio.

5.2. Perspectivas de uma sucessão planejada

A idéia de planejamento da sucessão futura é algo nasce como uma condição da empresa que deve ser planejada. A importância da empresa no contexto do setor de transporte, seu volume de negócios e pré-requisitos em relação ao processo de gestão, levam à preocupação de um tempo menor de experimentação e aprendizagem. Mesmo porque, apesar de familiar, a partir da terceira geração são várias famílias nucleares que terão a propriedade e, mantidas as perspectivas de inserção de filhos dos atuais dirigentes, alguns de seus membros também dirigirão a empresa. Se o processo de não planejamento da sucessão, associado à presença ainda marcante do fundador conduz a discursos marcados pela idéia de harmonia idealização de uma sucessão, constata-se igualmente o interesse pelo patrimônio e o controle pelo poder decisório e administrativo. Tais interesses envolvem várias relações e indica de modo particular a expressão de uma perspectiva de planejamento da sucessão permeada por regras de natureza empresarial e familiar.

Enquanto registra-se a permanência de uma convivência entre o pai-fundador e filhos sucessores, os discursos revelam uma busca de profissionalização da empresa. Embora fosse reconhecida a vitalidade da transportadora no momento da pesquisa, emerge a idéia de profissionalização da mesma, a qual já iniciou há mais ou menos seis anos, mediante a divisão de papéis e de poderes, para não ocorrer sobreposição de tarefas. Os filhos dirigentes destacam a decisão e a adoção de novas técnicas de gestão, evitando os métodos tradicionais presentes ao longo da gestão centralizada pelo pai-fundador.

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O processo de profissionalização emerge dos discursos como uma vertente de uma idéia de planejamento da sucessão. Se o pai-fundador idealizava a participação de todos os filhos nas atividades da empresa, fato que não ocorreu, caberia ao trio a definição de um meio de aproximação em relação aos demais membros da família. Um dos elementos desse processo foi a criação de uma reunião anual de demonstrativo de resultados, havendo a concepção que deveria ocorrer em intervalos de tempo menores. A perpetuidade e a continuação da organização implica em estabelecer procedimentos formais capazes de garantir a permanência no mercado, contudo não existe um planejamento sucessório deliberado capaz de demonstrar as atitudes a serem tomadas em relação a esta fase. Há, entretanto, uma prática planejada deste processo para a terceira geração, embora se constituindo em representações sociais que emanam das concepções sobre o ingresso de novos membros na empresa. Essa categoria emerge dos discursos, mesclada ao reconhecimento de uma ausência de planos do fundador em relação à sua inserção no cotidiano administrativo.

Com efeito, os membros da diretoria já pensam e refletem sobre a sucessão embora não exista um discurso formalizado capaz de sustentar as práticas de atuação referentes às regras e os procedimentos envolvidos neste processo. Abre-se espaço para reflexões sobre possíveis concepções do fundador em relação ao comprometimento dos próprios membros da segunda geração em relação ao futuro da empresa. Trata-se de uma incógnita associada à idéia de um possível planejamento sucessório em relação à terceira geração. Enquanto o fundador segue atuando na empresa ao lado de filhos dirigentes, emergem do discurso formulações sobre sua recusa em tratar do assunto sucessão de forma clara, estando em jogo, aparentemente, o confronto entre o reconhecimento da autoridade paterna e familiar com a autoridade formal em relação à empresa.

A aproximação de gerações é uma expressão da realidade do processo sucessório indefinido e de polaridade velada, entre uma idéia do pai sobre o papel da filha mais velha ou da realidade presente na gestão cotidiana feita pelo trio. Considerando-se essa indefinição e a prática de reuniões para exposição da situação da empresa, coloca-se a problemática da sucessão futura, relativo ao papel da terceira geração na organização. Assim, ao mesmo tempo em que se reconhece a escolha de uma possível sucessão, segue-se uma indefinição pela presença formal do fundador no empreendimento. Verifica-se, pois, que há concepções diferentes sobre como deveria sê-la, seja pela filha mais velha, seja pelo trio. Trata-se de uma concepção justificada pela perspectiva da profissionalização. Contudo, percebeu-se uma valorização para a elaboração de regras para a entrada dos novos membros, na medida em que no discurso dos entrevistados assegura-se que só deverão entrar na empresa pessoas capacitadas.

A preocupação da atual diretoria em elaborar regras por meio de um contrato escrito é consistente com a noção de aproximação de gerações e emerge como justificativa da busca de harmonia no âmbito da família, e como formalização do planejamento sucessório da empresa. No processo de planejamento das regras para a terceira geração, o sentido coletivo enfatiza a experiência prévia que poderá acontecer em outras organizações do setor, ou em filiais da própria transportadora, a conclusão dos estudos universitários e a passagem por cargos operacionais antes da ocupação de cargos administrativos.

Verifica-se assim a emergência de uma concepção de um processo sucessório futuro, indicando elementos de planejamento, em contradição com a situação atualmente vivenciada pelo conjunto dos membros da família, particularmente aqueles que atualmente dirigem, de fato, a empresa. Apesar da expressão de concepção de regras para o ingresso de membros da terceira geração, constata-se uma indefinição nos discursos sobre a primeira sucessão que, a rigor não ocorreu diante da presença do fundador nas decisões na atualidade. Tal situação é por eles aceita e representada de modo afetivo, mas negada pela afirmação de uma sucessão

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futura planejada, marcada pela decisão racional e profissionalizada, ainda encoberta e verificada no plano ideal pela criação das regras para ingresso de novos membros da família em atividades no âmbito da empresa.

6. Considerações Finais

O caso da organização familiar estudada nesta pesquisa envolve uma situação peculiar em relação à sucessão. Considerando os modelos de tipificação das fases do ciclo de vida de empresas familiares, a situação da presença do pai-fundador e o papel assumido na direção por três filhos, a mesma seria qualificada como uma situação de trabalho em conjunto, fase imediatamente anterior à passagem do bastão.

Nesse trabalho, com recurso às representações sociais do conjunto dos membros da família, foi possível construir uma rede de significados sobre o processo sucessório, a qual se apresenta, na maioria das vezes, como uma contraposição de idéias. A trama de conceitos presentes no discurso dos entrevistados é formada por elementos ao mesmo tempo complementares e contraditórios. Entre eles são destacados os sentidos sobre o planejamento sucessório e sobre as regras elaboradas para a entrada de novos membros na empresa. Neste caso, o discurso foi permeado pela contradição entre família e empresa, expressando interesses pessoais e organizacionais, também envolvido por aspectos racionais e afetivos.

O potencial da análise de discurso para estudos de empresas familiares, pode ser apreendido na identificação das duas categorias que emergem da análise da rede de significados sobre o processo sucessório. Elas foram identificadas e formuladas enquanto núcleos que polarizam grupos de idéias: a primeira refere-se, realidade da sucessão não planejada e carrega consigo a história, a marca do grupo pesquisado por meio de interpretações elaboradas sobre a fala-falada, onde a fala é a expressão da realidade por eles vivenciada. Em torno dela gravitam idéias e concepções sobre o processo sucessório mescladas à situação efetivamente vivenciada pelo grupo, incluindo antagonismos e contradições não explicitadas; a segunda categoria, que é a perspectiva de planejamento da sucessão, polariza concepções sobre a forma de inserção da terceira geração na empresa, ao mesmo tempo como um aspecto emergente do discurso refletindo práticas mediadas pela natureza da empresa familiar, especificamente, pela família.

Dois aspectos permitem afirmar sobre a potencialidade dos aspectos estudados nesse trabalho para o conhecimento das empresas familiares: de um lado, torna-se claro que a empresa estudada permite valorizar a análise sob a ótica do processo de intraempreendorismo, na medida em que os três filhos atualmente co-dirigindo a organização conduziram processos de expansão e mudanças. Assim, ao observar a empresa na realidade atual, não se pode localizar seu dinamismo em associação simples com a figura de um fundador-empreendedor. Os discursos permitem identificar associações que emergem em relação à realidade da gestão no passado e na atualidade, seja na atuação do pai-fundador, seja na atuação de filhos-dirigentes, do presente recuperando o passado e visualizando o futuro.

Um segundo aspecto, o processo de sucessão, deixa de ser abordado como um fato, uma fase, um dado objetivo. O papel dos filhos na direção da empresa remete à consideração da sucessão de modo diferente, permitido pela consideração da família como recurso discursivo. No caso específico enfocado, a busca do significado da sucessão em empresas familiares permite abrir perspectivas para outros estudos sob esta ótica. A consideração dos discursos permite aprofundar-se na complexidade da empresa familiar, suas especificidades traduzidas nos desafios da gestão sobre aspectos emocionais e sociais conjugados àqueles específicos dos negócios, envolvendo membros da família e não membros, participantes ou não da organização.

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Torna-se claro que as concepções teóricas presentes nos modelos de fases organizacionais, particularmente as fases dos ciclos de vida das empresas familiares podem se beneficiar de estudos sobre as representações sociais da sucessão. Antes de constituir-se em uma simples fase do ciclo de vida das empresas, esta carrega consigo a condição de um fato cultural, envolvendo a identificação de elementos que, embora presentes, não são aparentes, implicando processos de pesquisa que permitam faze-los emergir dos discursos dos agentes sociais, membros de diferentes gerações.

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redes entendidas como interligações de categorias, mostrando o próprio tecido dos sentidos percebidos e dos significados atribuídos. Não indicam ordem lógica, nem hierárquica de valores. Podem ser interpretadas a partir de qualquer ponto, porém, este nunca é isolado, mas parte constituinte da rede (Kluth, citado por Bicudo, 2000).

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