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Assistência pública e privada em Minas Gerais ( )

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Academic year: 2021

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Assistência pública e privada em Minas Gerais (1888-1923)

Virna Ligia Fernandes Braga 1

Esta comunicação trata de alguns pontos desenvolvidos na tese de doutoramento intitulada “Pobreza e Assistência Pública e Privada em Minas Gerais (1888-1923)”. A análise se pauta na perspectiva da história social e, portanto, trabalhamos com abordagens advindas da história e da sociologia a fim de alcançar uma compreensão ampliada do conceito de pobreza e da própria caracterização do pobre. A pobreza é analisada a partir do contexto histórico que a formata e define e que, também, gera uma noção específica acerca do pobre e da própria assistência. A proposta é buscar as origens da pobreza e sua transformação em uma “questão social” que exigiu a atenção de sociedades e governos.

Foi no contexto de transição do feudalismo para o sistema capitalista que a sociedade medieval passou por mudanças radicais em suas formas de sociabilidade; redes de solidariedade construídas durante séculos se dissolveram diante do crescente desenvolvimento das relações capitalistas de produção. Apesar da pobreza e dos pobres sempre estarem presentes na história da humanidade, em determinado momento na Idade Média, os desvalidos e miseráveis tiveram sua condição e percepção, pela sociedade, transformadas.

No Brasil, o aumento de pobres e desvalidos começa a incomodar já nos anos finais do período imperial, quando as práticas assistenciais existentes até então se tornaram insuficientes para socorrer o crescente número de indivíduos necessitados de algum tipo de auxílio alheio. A abolição da escravidão agravou tal situação, trazendo à tona uma sociedade em transformação: brancos, não brancos e imigrantes, lutavam para sobreviver nos centros urbanos, boa parte em situação de risco social. A miséria não era só uma ameaça, mas uma realidade premente para aqueles que não conseguiam um emprego capaz de lhes garantir a sobrevivência. Nesse contexto, sociedade e Estado desenvolveram uma série de iniciativas para tentar dirimir ou controlar a pobreza, ampliando o escopo assistencial gradativamente.

As práticas assistenciais estiveram presentes em Minas Gerais desde muito cedo e, no decorrer do período imperial, já existia uma rede assistencial que se ramificava pelo território mineiro e que contava com algum subsídio do estado. Entretanto, este quadro sofreu

1 BRAGA, Virna Ligia Fernandes. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade

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alterações diante das mudanças ocorridas no país a partir da abolição e da inserção do trabalho assalariado. Através da pesquisa de doutoramento, temos observado que tanto a sociedade quanto o estado de Minas Gerais reconfiguraram suas formas de atuação quanto ao auxílio aos desvalidos diante destas mudanças, o que levou à progressiva institucionalização da assistência.

No caso de Minas Gerais, como em grande parte dos estados brasileiros, os socorros iniciais à pobreza se originaram das irmandades, através das inúmeras Santas Casas de Misericórdia existentes. Essas instituições de caridade, desde cedo, se responsabilizaram pelo auxílio aos pobres, aos indigentes em geral, aos órfãos, aos mendigos, às viúvas, inválidos e doentes de todo tipo. No decorrer da pesquisa foram identificadas inúmeras casas de caridade, como eram chamadas as Santas Casas, espalhadas pelas cidades mineiras. Estas desempenharam um importante papel na distribuição da assistência de forma geral.

Durante a elaboração da qualificação, houve a percepção de que as Misericórdias ocupam um lugar fundamental na história da assistência no Brasil e em Minas Gerais. Este fato torna impossível compreender a constituição do campo assistencial em Minas sem destinar uma atenção especial às Santas Casas. Importante destacar que os quadros de enfermos destas casas de caridade são instrumentos de análise indispensáveis para a percepção de “quem eram os pobres”, os “desvalidos” que necessitavam da caridade. Um grande número de asilos e orfanatos, com inúmeros relatórios de funcionamento, balanços financeiros, quadros de internos e de asilados, muitos deles com detalhes sobre cor, profissão e idade, compõem a documentação sobre a assistência pública e privada em Minas Gerais.

Podemos afirmar que a sociedade respondeu de forma ativa à questão social em Minas Gerais, pois desde cedo se organizou para auxiliar os pobres. A assistência em Minas Gerais, segundo análise dos relatórios dos presidentes de província, firmou-se a através de uma forte parceria entre Estado e sociedade. As associações de caridade de modo geral (hospitais, asilos, orfanatos, hospícios) contavam com a ajuda do governo mineiro para a distribuição dos socorros. A relação entre Estado e sociedade foi, em boa parte dos casos, formalizada através de contratos de prestação de serviços assistenciais. Os pedidos de auxílio e a assistência pública abarcavam uma gama de situações criadas pelo pauperismo e que deixavam muitos indivíduos vulneráveis.

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Duas circulares permitem mapear a distribuição da assistência no território mineiro para o período de 1907 a 1923: a circular n° 605, de julho de 1907, emitida pelo então secretário Carvalho de Britto; e outra circular sem número de 6 de março de 1923 e que possui como anexo um questionário lançado pelo governo de Minas Gerais. A primeira circular reflete a preocupação do governo mineiro em mapear as associações beneficentes existentes no estado, uma tentativa de organizar os serviços assistenciais e de se evitar o mau uso das subvenções. Já o questionário de 1923, lançado pelo Secretário do Interior Fernando Mello Vianna, ilustra não só o surgimento de um número considerável de casas de caridade, bem como permite analisar como se deu a setorialização dos socorros aos desvalidos. Essas fontes reúnem mais de 200 documentos que trazem informações sobre o tipo de instituições assistenciais de Minas Gerais, local, data de fundação, administração, finanças, manutenção, etc.

A circular de 1907, foi trabalhada de forma mais aprofundada na análise da questão social em Minas Gerais, destinada aos promotores de justiça das municipalidades tinha o objetivo de “conhecer a organização e a vida das inúmeras associações de caridade existentes no estado”. As casas de caridade estavam sob a responsabilidade e fiscalização do município, conforme o artigo 226 n. 1º da lei 75 de 1903, sendo representadas pelo Ministério Público. As instituições que recebiam subvenções do governo mineiro passariam por uma averiguação mais cuidadosa, reforçada na circular pelas palavras do secretário Carvalho Britto: “determino as fiscalizeis com a máxima regularidade, visitando mensalmente seus hospitais e casas pias”.2

O questionário criado pelo secretário do Interior em 1923, anexado à circular e destinado aos prefeitos dos municípios, apresenta referências não só a hospitais e casas pias (como na circular de 1907), mas pergunta de forma clara se “existem nesse município hospitaes de caridade, casas de saúde, asylos de órphãos, da infância abandonada, da velhice desamparada, de cegos, de surdos-mudos, de loucos e outros que taes?”. Tal detalhamento das associações de auxilio demonstra a especialização da assistência de acordo com os tipos de socorros prestados.3

2 Circular Secretaria do Interior do Estado de Minas Geraes. Belo Horizonte, 5 de Julho de 1907.

3 Circular Secretaria do Interior do Estado de Minas Geraes. Belo Horizonte, 6 de março de 1923. Questionário

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Quanto à manutenção destas instituições, as respostas às circulares revelam um número considerável de casas de caridade que eram mantidas em parte por apólices federais, loterias, doações e também por subvenções do estado de Minas Gerais. Constam nos relatórios, tanto nos produzidos pelas próprias associações, quanto nos dos promotores em suas visitas de fiscalização, balancetes com listas nominais de doadores.

O mapeamento das instituições de caridade foi possível devido à existência do questionário anexo à circular de 1923, emitida pela Secretaria de Saúde e Assistência Pública, que levantou o número de instituições de socorro aos pobres em todo o estado para aquele ano. De acordo com os questionários respondidos pelos municípios chegou-se ao número de 98 instituições de caridade distribuídas por Minas Gerais. As datas de fundação variam, principalmente, devido à constante construção de novos pavilhões direcionados à setorialização da assistência, conforme dito anteriormente.

Em Minas Gerais, as Misericórdias não só eram numericamente superiores a qualquer outra instituição, como também assumiram e coordenaram a distribuição inicial da assistência desde o período colonial até a República. As Santas Casas de Misericórdia estão presentes em cerca de 80% dos relatórios dos presidentes da província de Minas Gerais, desde 1860 (recuo escolhido para uma tentativa de compreender as mudanças no modelo assistencial no fim do período imperial e início do período republicano).

Juntamente às Santas Casas de Misericórdia, destinadas a exercerem sua função como espaços de cura, somavam-se asilos e orfanatos, a maioria funcionando em pavilhões anexos aos terrenos das próprias Santas Casas. O predomínio de um maior contingente de instituições de assistência em determinadas regiões nos leva a crer que nestas regiões a questão social, a pobreza e a necessidade dos socorros eram mais intensas.

Os pedidos de auxílio e a assistência pública abarcavam uma gama de situações criadas pelo pauperismo e que deixavam muitos indivíduos vulneráveis. A assistência privada ia desde cuidados médicos aos despossuídos até a doação de alimentos e hospedagem em casas de caridade. Diante da pauperização crescente, o papel da assistência pública ampliou-se e tomou uma fatia maior do espaço antes ocupado somente pelas associações particulares de caridade. A filantropia e a caridade cederam lugar a um processo paulatino de

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institucionalização dos socorros públicos, que pode ser conferido desde meados do século XIX aos anos iniciais do século XX.

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A fiscalização foi uma importante medida para evitar que as subvenções fossem desperdiçadas através de gastos indevidos, como também se transformou em uma forma de mapeamento do número de pobres socorridos pelos diversos estabelecimentos. Os promotores de justiça de cada comarca fiscalizavam como estava sendo utilizado o dinheiro recebido do governo. Fiscalizar os gastos das casas de caridade era uma ação comum por parte do estado, desde o período imperial. Com a República, ampliaram-se as ações de fiscalização e controle, bem como as exigências em torno das instituições de caridade subvencionadas pelo poder público.

Havia uma preocupação por parte da sociedade, relacionada ao aumento da pobreza, o que a levava a se posicionar através do surgimento das casas de caridade. Diante disso, o governo tratou de mapear, organizar e fiscalizar a assistência em Minas, seja para controlar a distribuição de verbas, seja para evitar que associações fraudulentas usurpassem dinheiro público e privado. À circular de 1907 e à de 1923, que demandavam uma série de informações sobre as associações de caridade do estado, seguiram-se fartos relatórios, que incluíam quadros de asilados, de órfãos e de enfermos. Estes relatórios fundamentam nossa tentativa de traçar o perfil do assistido no estado de Minas Gerais.

Alguns elementos importantes resultam dessa breve análise: a preponderância das Santas Casas de Misericórdia como instituições fundamentais para a formação do campo assistencial em Minas Gerais; a existência de uma parceria entre sociedade e Estado, que se consolida no decorrer da República; a forte presença do Estado, desde o Império, no campo da assistência, seja através de ajuda financeira, seja para organizar os socorros.

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RIZZINI, Irene. O século perdido. Raízes históricas das políticas públicas para a infância no Brasil. Rio de Janeiro: EDUSU/AMAIS, 1997.

SANGLARD, Gisele. Entre os salões e o laboratório: Guilherme Guinle, a saúde e a ciência no Rio de Janeiro, 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008.

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Referências

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