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MODELO DE SUBDESENVOLVIMENTO INDUSTRIALIZADO MADURO

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MODELO DE SUBDESENVOLVIMENTO

INDUSTRIALIZADO MADURO

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Folha de S. Paulo , 09.05.1982

A crise econômica brasileira é um fenômeno cíclico e está sem dúvida relacionada com a crise econômica mundial, mas é também uma crise estrutural de transição. Os elementos já existentes na economia brasileira nos permitem prever que quando sairmos desta crise estará se definindo um novo modelo de desenvolvimento que já poderemos chamar de “modelo de subdesenvolvimento industrializado maduro”.

Entre 1930 e1960 temos o modelo substituição de importação, a revolução industrial brasileira. Nesse período as exportações e importações estagnaram-se enquanto que a economia volta-se para o mercado interno e industrializava-se aceleradamente ao mesmo tempo que o coeficiente de importações (importações sobre o PIB) declinava

dramaticamente. Estava em torno de 20% em 1930 e baixou para cerca de 7% em 1960. Nos anos cinqüenta instalam-se em massa no Brasil as empresas multinacionais

industriais e as empresas estatais. Era a transição para o modelo de subdesenvolvimento industrializado que irá prevalecer entre 1950(60) até o presente. O Brasil já é uma grande nação industrial, as exportações industriais começam a crescer, o coeficiente de

importações estabiliza-se em torno de 7%. O processo de acumulação, por sua vez, ganha relativa autonomia em seu processo cíclico em relação ao exterior, na medida que os centros de decisão sobre a acumulação de capital interiorizem-se.

Enquanto o modelo de substituição de importações financiava a acumulação

principalmente através da transferência de renda do setor exportador (café em particular) para o industrial, o modelo de subdesenvolvimento industrializado, especialmente a partir de 1964, vai apoiar-se na transferência de rend a dos trabalhadores para os capitalistas e para as camadas médias tecnoburocráticas, através do arrocho salarial, enquanto a

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produtividade crescia aceleradamente. Basear-se-á também na energia barata do petróleo e das hidrelétricas, e finalmente no endivid amento externo sem limites como estratégia deliberada de crescimento.

Os resultados são um rápido crescimento, mas também a crise: primeiro a crise do balanço de pagamentos. Em segundo lugar a crise interna, provocada pelo movimento cíclico e pelas políticas restritivas do Governo que começam timidamente em 1974 e chegam ao auge em 1981 ano da maior recessão de nossa história industrial. Estas medidas restritivas principalmente monetárias, desaceleram a economia. Por outro lado os trabalhadores a partir das eleições de 1974 e depois dos movimentos sindicais de 1978 e 1979 dão um basta à política de arrocho salarial.

A desaceleração econômica (e, portanto a diminuição global da taxa de aumento da produtividade), ao mesmo tempo que se estabilizam os salários, levaria à queda da taxa de lucro. Essa queda ocorre, mas não tão fortemente na medida em que o governo vai ao poucos montando um complexo sistema de subsídios compensatórios. Mas é claro que esses subsídios desequilibram o orçamento federal global (inclusive orçamento

monetário), cujo déficit chega a cerda de 7% do Produto Interno Bruto. Para financiar esse déficit recorreu-se à emissão de moeda, que ajuda a acelerar a inflação, e o endividamento interno via lançamento de letras governamentais, que eleva as taxas de juros, estimula a especulação financeira, e agrava a recessão.

A crise econômica brasileira de 1975, causada pelo esgotamento do ciclo de acumulação anterior (1967-1973) e pela elevação dos preços do petróleo, agrava-se através de uma política econômica monetarista esquizofrênica, que implica em uma progressiva

paralisação do Estado. O principal instrumento de política econômica é o controle monetário, mais especificamente o controle de crédito. É a política de contenção de demanda agregada (investimentos mais consumo) mais fácil porque atinge

indiscriminadamente a todos. Em contrapartida a política fiscal (despesas do Estado e sistema tributário) permanece basicamente intocada. Pelo contrário, aumentam-se as despesas do Estado (subsídios). Daí o caráter esquizofrênico da política econômica, que de um lado desestimula e de outro incentiva a economia. O resultado é o déficit

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orçamentário e a “inflação compensatória”, através da qual se pretende manter a taxa de lucro das empresas.

As tentativas por parte do Governo de implantar uma política econômica alternativa são frustradas por incompetência e falta de convicção dos economistas responsáveis pela política econômica, que amarrados a uma visão neoclássica (liberal ou monetarista) da economia, recusam-se a utilizar-se de recursos administrativos como um controle seletivo efetivo das importações, um câmbio especial para as operações financeiras e o controle administrativo severo dos setores oligopolistas. O Governo paralisa-se cada vez mais, perde espaço de manobra, como, aliás, é típico nas crises.

Nada indica que sairemos desta crise em 1982. Mas seria enganoso a partir daí montar uma nova teoria da estagnação e imaginar que a crise será permanente.

A ameaça de um processo de argentinização da economia brasileira existe, mas é remota. Quando alguns economistas monetaristas (liberais economicamente e autoritários

politicamente) falam em reduzir o grau de proteção da indústria nacional e sucatear os setores ineficientes, a ameaça de desindustrialização e, portanto de argentinização torna-se pretorna-sente. Mas o Brasil já possui uma indústria suficientemente poderosa não apenas politicamente (apesar da mediocridade de alguns de seus lideres e da dependência do Estado de quase todos), mas principalmente no plano econômico e tecnológico, para que tragédias do tipo que aconteceram à economia da Argentina ou à do Chile não se repitam aqui.

Pelo contrário, a tendência é a de que nos encaminhemos para a segunda fase do modelo de subdesenvolvimento industrializado, que proponho chamar de modelo de modelo de subdesenvolvimento industrializado maduro.

Continuaremos subdesenvolvidos, porque as desigualdades gritantes, o subemprego, a marginalização econômica e social permanecerão presentes. Mas trata-se de um modelo de industrialização madura, porque no Sul do país, o parque industrial brasileiro, ainda que sem plena autonomia tecnológica, atingiu um volume e um grau de integração (complementaridade), de diversificação e de sofisticação tecnológica que o coloca entre as grandes nações industriais no mundo.

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Se há alguma dúvida a respeito disto, basta lembrar que mais de 50% de nossas exportações já são de produtos manufaturados, e quase dois terços de produtos industrializados. Definitivamente já não somos um país primário -exportador.

Para esse grande parque industrial, entretanto, a condição de sobrevivência transformou-se na exportação. Por isso alguns transformou-setores industriais brasileiros deverão cada vez mais ter capacidade de competir em condições de vantagem com os demais países Nossa grande desvantagem é a incapacidade relativa que ainda temos de gerar tecnologia de ponta. Mas temos algumas vantagens importantes: (1) temos capacidade de absorver tecnologia com grande rapidez graças às empresas e aos engenheiros que dispomos; (2) temos ainda mão-de-obra barata, (3) temos recursos naturais,exceto petróleo, abundantes.

Para alguns setores industriais tecnologicamente simples e trabalhos-intensivos nossas vantagens são óbvias. É o caso da indústria têxtil, de confecções e de calçados, por exemplo. Mas são esses setores que geralmente são mais protegidos tarifariamente nos demais países. Além disso, basear a política de exportação do Brasil nessa indústria apresenta as mesmas limitações de uma política exportadora baseada na agricultura: (1) esses setores valorizam pouco a mão-de-obra nacional, mantendo-nos atrelados à nova divisão internacional do trabalho, e (2) a concorrência dos demais países

subdesenvolvidos em estagio inferior de desenvolvimento (inclusive toda a América Latina) dificulta o êxito das nossas exportações.

Por isso, nos quadros do capitalismo industrial maduro (ainda que subdesenvolvido porque desigual), as nossas exportações deverão concentrar-se nas indústrias

tecnologicamente sofisticadas mas trabalho-intensivo. É o caso da indústria de bens de capital da indústria eletrônica, da indústria aeronáutica, da indústria de construções de barragens e da indústria automobilística. Como esses setores industriais demonstraram, é falsa a correlação direta entre indústrias tecnologicamente sofisticadas (que valorizam nossa mão-de-obra) e tecnologia capital-intensiva. É nesses setores que nossos custos industriais (e, portanto nossa eficiência) deverão ser fortemente competitivos.

É claro que para atingirmos esse estagio a estratégia não será a tolice neoclássica (que infelizmente domina a mente de nossos economistas oficiais) de agir via mercado,

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reduzindo a proteção da indústria nacional e levando ao sucateamento os setores menos eficientes. Essa estratégia pode ser necessária hoje para o Japão, que acumula saldos comerciais contínuos, mas é um contra-senso em um país que precisa urgentemente estabilizar seu endividamento externo. Conforme observam Maria Conceição Tavares e Carlos Lessa em livro lançado recentemente (A Economia Política da Crise, Rio de Janeiro, Vozes, 1982, p.124), “conferir prioridade às exportações industriais significa dar prioridade ao planejamento industrial de longo prazo”. Foi o que o Japão fez, ao invés de limitar-se a alguns incentivos fiscais e a muitos casuísmos.

Por outro lado, para realizar essa política industrial e de exportação de médio prazo é essencial estabelecer um sistema de financiamento a longo prazo para a acumulação. É o que Ignácio Rangel vem dizendo há muito tempo.

Essa política financeira terá que passar, de um lado, por um razoável reequilíbrio das finanças do Estado, de forma que ele deixe de competir com as indústrias pelos recursos dos capitalistas rentistas; de outro pela criação de novos mecanismos de poupança forçada administradas via bancos de desenvolvimento do Estado; e de outro lado ainda, por novos mecanismos de captação de recursos pelo setor privado, provavelmente na linha dos debêntures que estão recentemente tendo uma grande expansão.

O importante a assinalar é que a via da competição em pé de relativa igualdade com as demais grandes potencias industriais, além de ser o único caminho que resta hoje para Brasil, é um caminho viável, cujas precondições já estão presentes na economia

brasileira. No modelo de substituição de importações aproveitamos a reserva de mercado representada pela própria possibilidade de substituir importações. Nossa prioridade não era então reduzir os custos industriais mas ocupar o mercado, instalar a indústria. Na primeira fase do modelo de subdesenvolvimento industrializado a situação já começava a modificar-se na medida em que cresciam nossas exportações industriais, mas ainda foi possível aumentar o mercado para os bens industriais, principal-mente duráveis de consumo, via a criação do crédito direto ao consumidor e a concentração de renda das camadas médias para cima.

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Hoje essas oportunidades de transferência de renda para a indústria estão esgotadas e nosso endividamento externo, que já alcança cerca de 70 bilhões de dólares, é altíssimo. Nossa industrialização deverá continuar, mas via exportação de manufaturados

tecnologicamente de ponta. O crescimento do mercado interno ocorrerá à medida em que cresça a renda. Estaremos então no modelo de subdesenvolvimento industrializado maduro, talvez a última etapa de nossa história enquanto economia

Referências

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