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12º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política 19 a 23 de outubro de Área Temática: 07 Instituições Políticas

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12º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política 19 a 23 de outubro de 2020

Área Temática: 07 – Instituições Políticas

A permissividade da legislação e a criação de partidos políticos no Brasil (1979-2018) Cristiana Maglia1

1 Introdução

Como a legislação afetou a criação de partidos políticos no Brasil desde a redemocratização? Uma das principais respostas à discussão a criação de novos partidos se dá pela ótica institucional: a legislação é permissiva. Em termos comparados, criar um partido no Brasil é fácil. Para tanto, é preciso basicamente 500 mil assinaturas em nove estados da federação, 101 fundadores, um programa e um estatuto para que o processo comece a correr no Tribunal Superior Eleitoral. A partir do registro, os partidos têm acesso ao fundo partidário e a um tempo mínimo de televisão. No presente artigo, busco verificar a permissividade da legislação a partir de dois enfoques. O primeiro é centrado na legislação eleitoral e o segundo enfoca a legislação específica para a criação de novos partidos. A análise mais detalhada das instituições confirma a perspectiva de que as leis eleitoral e partidária estruturaram incentivos e constrangimentos sobre a criação de novos partidos ao longo da redemocratização, porém não o fazem de maneira uniforme ao longo do tempo. As regras se mostram como condição necessária para explicar o surgimento dos partidos, porém não são suficientes. Como procuro demonstrar, mudanças na legislação geraram janelas de oportunidade para criação de novas legendas com impactos relevantes para o desenho do sistema partidário brasileiro.

2 Instituições eleitorais e o número de partidos

Amorim Neto e Cox (1997) afirmam que existem duas abordagens gerais que explicam o número de partidos em um determinado sistema. Uma delas enfoca a importância das clivagens sociais existentes. A segunda é a tratada nesta seção: o papel das leis eleitorais na estrutura de

1 Pesquisadora do Instituto Norueguês de Assuntos Internacionais (NUPI). Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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incentivos para a formação de coalizões. Assim, a literatura institucionalista sobre número de partidos acaba enfocando na questão da fragmentação enquanto fenômeno sistêmico: até que ponto as instituições oferecem incentivos e constrangimentos que afetam a quantidade de partidos atuantes e quanto isso impacta na fragmentação do sistema.

A perspectiva seminal de Duverger (1987) oferece um ponto de partida para a análise dessas variáveis institucionais. Além das características socioeconômicas e dos fatores ideológicos, Duverger destaca a importância das regras eleitorais em um sistema partidário: em três hipóteses, sugere causalidade entre fórmulas eleitorais e o número de partidos2. Rae (1967)

e Riker (1986) questionam a causalidade que as Leis de Duverger apresentam entre o sistema eleitoral e o número de partidos, para além da correlação existente, quanto ao caráter determinístico ou probabilístico desses enunciados. Em um exercício lógico e metodológico para dar conta dessas críticas, Sartori (1986, p. 64) apresenta duas proposições de tendências para lidar com as exceções às tais Leis: 1. Fórmulas de maioria simples facilitam (são condições facilitadoras de) um formato de dois partidos e, inversamente, obstruem (são condições obstrutivas do) o multipartidarismo, 2. Fórmulas de representação proporcional favorecem o multipartidarismo e, inversamente, dificilmente produzem o bipartidarismo.

A abordagem institucionalista para a análise dos sistemas partidários também é adotada por Lijphart (1990), que constata uma alta correlação entre sistemas majoritários e bipartidarismo, e entre sistemas proporcionais e multipartidarismo. Seu trabalho evidencia que sistemas de representação proporcional colocam barreiras menores à obtenção de cadeiras no Legislativo do que sistemas de representação majoritária. Lijphart (1990) destaca ainda que a magnitude eleitoral é um componente explicativo relevante na variação do número de partidos em sistemas proporcionais: quanto maior a magnitude eleitoral, maior a proporcionalidade do voto e mais favoráveis são as condições para pequenos partidos para eleger candidatos.

Outra forma de entender essa tendência é atentar para o que Duverger (1987) chama de efeitos mecânico e psicológico dos sistemas eleitorais Pelo efeito mecânico, sistemas eleitorais afetam a capacidade de a pluralidade de preferências, manifestadas em voto, se manifestar proporcionalmente em pluralidade de representação e no número de partidos do

2 As “Leis de Duverger”, estão divididas em três enunciados: 1. a representação proporcional tende a um sistema de partidos múltiplos, rígidos, independentes e estáveis; 2. o escrutínio majoritário de dois turnos tende a um sistema de partidos múltiplos, flexíveis, dependentes e relativamente estáveis; 3. o escrutínio majoritário de turno único tende a um sistema dualista, com alternância de grandes partidos independentes (DUVERGER, 1987, p. 241).

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sistema. O efeito psicológico deriva da antecipação que os eleitores fazem desse fenômeno, o voto útil. Segundo Lijphart (1990), ambos os efeitos são mediados pela proporcionalidade do sistema, que, por sua vez, é função da magnitude eleitoral. Em distritos uninominais, os eleitores precisam pensar em uma estratégia de voto, considerando os candidatos com maiores chances e por vezes abdicando de eleger seu candidato e partido de preferência. Nos distritos plurinominais, quanto maior for a magnitude eleitoral, maiores as chances de os eleitores conseguirem votar na sua primeira escolha de preferência, fazendo com que pequenos partidos possam ter chances de eleger candidatos quando há mais vagas em disputa e há mais proporcionalidade entre votos e cadeiras. Desse modo, em sistemas eleitorais nos quais a magnitude do distrito é alta, tanto o efeito mecânico quanto o efeito psicológico têm impacto menor.

Esse nexo entre sistemas eleitorais possui robusta sustentação empírica. Para além dos achados de Lijphart, Amorim Neto e Cox (1997) destacam isso em uma análise compreensiva de 54 sistemas eleitorais, afirmando que além das clivagens sociais existentes, a permissividade do sistema eleitoral desponta como fator essencial para a fragmentação dos sistemas. Pode-se afirmar que criou-se um consenso entre os analistas de que o sistema eleitoral que dita as regras sobre a disputa legislativa tem um impacto significativo no sistema partidário e no número de partidos (NICOLAU, 2012)3.

Para além dessa relação probabilística entre representação proporcional e o número de partidos, algumas características dentro desse sistema são cruciais. Um sistema partidário não é apenas a soma de seus partidos, tendo ainda propriedades de interação, oportunidades e conscrições (MELO, 2010; SARTORI, 1982), tais como regras com respeito à conversão dos votos em cargos. Nesse sentido, analiso duas particularidades do sistema eleitoral brasileiro que podem afetar a fragmentação partidária: as regras de distribuição de cadeiras e de formação de coalizões. Por certo, esses tópicos não esgotam a lista de possíveis efeitos institucionais do

3 Como aponta Sartori (1982), porém, não basta contar nominalmente as legendas para compreender a complexidade de um sistema partidário. Para o autor, a importância de cada partido estaria na distribuição do poder no parlamento, que pode ser medida por meio das cadeiras ocupadas no legislativo e no poder de coalizão ou veto (considerando ainda suas distâncias ideológicas). Assim, é possível analisar o peso relativo ponderado de cada partido. O cálculo do Número Efetivo de Partidos (NEP), proposto por Laakso e Tageepera (1979), é o convencionalmente utilizado para observar a fragmentação do sistema já que é de fácil compreensão. O cálculo é feito por meio da divisão de 1 pela somatória do quadrado das proporções de cadeiras ou votações dos partidos em uma eleição, conforme a fórmula: NEP = 1 / ∑p2. Outra proposta é a do Índice de Fracionalização, também amplamente utilizado para calcular a fragmentação. A proposta de Rae (1967) avalia o sistema por meio da subtração de 1 do somatório das proporções de cadeiras (ou votos) obtidos pelos partidos: F = 1 - ∑p2. A fórmula resulta em valores de 0 a 1.

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sistema eleitoral sobre os partidos, mas ajudam a compreender aspectos que constrangem ou incentivam a criação de partidos no Brasil.

2.1 Regras de distribuição de cadeiras

No parlamento brasileiro, utilizamos o sistema de maioria simples para o Senado, e para a Câmara, a representação proporcional. Isso significa que para a eleição de senadores, são eleitos aqueles candidatos que recebem mais votos: o(s) candidato(s) mais votado(s) recebem 100% da representação de uma Unidade da Federação. Ao mesmo tempo em que os eleitores podem ter maior controle da atividade do representante do seu distrito, a distorção entre a votação e a representação é alta, já que não é necessário atingir mais de 50% dos votos.

No caso dos deputados federais (e também dos estaduais e dos vereadores), se optou pela representação proporcional. Esse tipo de sistema tem dois objetivos: assegurar que uma maior diversidade de pontos de vista presentes na sociedade esteja refletida no parlamento e que, em decorrência dessa, haja uma maior correspondência entre os votos dos partidos e sua representação em cada distrito. Esse tipo de representação passou a ser defendida como uma opção nas democracias com minorias atuantes, já que oferecem mais chances de partido menores alcançarem representação com votações dispersas pelo território. É importante salientar, contudo, que mesmo que se busque uma equidade matemática correspondente entre votos e cadeiras para os partidos, existem fórmulas diferentes de distribuição de cadeiras. Essas regras4 não são neutras e produzem resultados diferentes porque possuem diferentes concepções

sobre o que é proporcionalidade e como a maximizar (GALLAGHER, 1991).

No Brasil, em primeiro lugar, utiliza-se o cálculo do quociente eleitoral (cota Hare5)

para a distribuição de cadeiras6. Essa é a cota fixa que cada partido precisa alcançar para eleger

um representante. Em seguida, é utilizada a fórmula D’Hondt, de divisão das sobras a partir das maiores médias entre os partidos que atingiram o QE7. Essa fórmula acaba favorecendo os

4 São três as mais utilizadas: a de maiores médias (D’Hondt), a de maiores médias modificada (Saint-Lague), e a de maiores sobras (NICOLAU; SCHMITT, 1995).

5 Para mais informações, consultar Nicolau (2012).

6 De acordo com o Código Eleitoral, “determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior” (1965b Art. 106).

7 Divide-se o número de votos de um partido pelo quociente eleitoral, resultando no quociente partidário (Art. 107), que corresponde ao número (inteiro) de cadeiras de cada sigla. Ou seja, se um partido não alcança o QE, não consegue nenhuma cadeira. Para lidar com as sobras, o total de votos de cada partido é divido pelo número de cadeiras obtidas por meio do QE somado de 1, cabendo ao partido que apresentar a maior média uma das vagas não preenchidas (Art. 109).

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partidos maiores, pois o cálculo das sobras, além de excluir os partidos que não alcançaram o QE, garante uma representatividade maior aos partidos que mais obtiveram votos, o que não responde à alta fragmentação da representação parlamentar no país (NICOLAU; SCHMITT, 1995). Como aponta Gallagher (1991), a fórmula D’Hondt é vista como a variante menos proporcional da RP, mesmo que isso se enfoque em um julgamento específico sobre como a desproporcionalidade deve ser medida. Até 1998, os votos brancos deixaram de fazer parte da contagem de votos válidos, o que aumentava ainda mais o quociente eleitoral, desfavorecendo pequenos partidos. O quociente eleitoral aparece, portanto, como uma cláusula de barreira implícita da fórmula eleitoral, desestimulando a fragmentação partidária, ao dificultar a representação de partidos menores, e a formação de novos partidos.

2.2 Coligações para as eleições proporcionais e lista aberta

O outro aspecto do sistema proporcional adotado no Brasil faz com que a fórmula eleitoral compense os pequenos partidos: a possibilidade de eleger candidatos por meio de coligações para as eleições proporcionais. Por meio dessa oportunidade, os pequenos partidos utilizam as alianças eleitorais como forma de contornar essa barreira eleitoral implícita na legislação, já que o quociente eleitoral passa a ser calculado para a coligação e não para o partido solo. Assim, as siglas mantêm sua autonomia organizacional, apresentando uma lista própria de candidatos, mas veem seus votos agregados aos demais partidos da coalizão eleitoral. Essa peculiaridade das eleições proporcionais faz com que as coligações para a Câmara dos Deputados sejam vistas pela literatura como uma das causas da alta fragmentação partidária no Brasil (BORGES, 2019; CALVO; GUARNIERI; LIMONGI, 2015; DALMORO; FLEISCHER, 2005; DANTAS; PRAÇA, 2010; LIMONGI; VASSELAI, 2018; MACHADO, 2005; NICOLAU, 1996). Isso porque essa brecha na barreira permite que os pequenos partidos possam eleger candidatos mesmo com votação inferior ao QE.

Vale salientar, entretanto, que essa relação não é direta: a transferência depende da concentração ou distribuição de votos nos partidos que compõem a coligação. Como apontam Calvo, Guarnieri e Limongi (2015), os pequenos partidos usualmente têm maior concentração de votos em determinados candidatos. Esse fenômeno é possibilitado por uma outra característica do sistema de representação proporcional utilizado no Brasil: a lista aberta. Ela define a ordem de distribuição das cadeiras em uma coligação, ou partido, conforme o quociente partidário e a fórmula para lidar com as sobras. Diferentemente da lista fechada – na qual o partido dispõe a lista ordenada antes do pleito e o eleitor vota na legenda – a lista aberta

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possibilita o voto em um candidato específico, resultando em uma lista ranqueada de candidatos definida apenas depois da apuração, conforme o total de votos que cada um recebeu8. As

cadeiras são, então, ocupadas pelos candidatos com mais votos na coligação, independentemente do partido – outro método seria cada partido receber cadeiras correspondentes à quantidade de votos que angariou para a coligação.

Mesmo que todos os partidos se beneficiem com a inclusão de “puxadores”, esses são mais comuns nas siglas pequenas, porque a estratégia mais eficiente é a de concentrar o voto e garantir que ao menos um candidato esteja no topo da lista da coligação. Candidatos como Enéas Carneiro (PRONA) em 2002 e Tiririca (PR) em 2010 são exemplos de deputados com votações na escala de um milhão e meio que conseguiram não apenas se eleger, como levar outros candidatos para a Câmara (beneficiando inclusive grandes partidos coligados).

Além de concentrar as campanhas em alguns candidatos, a principal estratégia para os pequenos partidos é se coligar. Entre 1994 e 2010, 74% dos candidatos foram eleitos em listas que incluíram mais de um partido. Esse é um caminho utilizado por esses partidos menores pois, mesmo com grandes votações para candidatos específicos, podem não conseguir alcançar o cálculo de corte se não se coligarem. Um exemplo disso foi a votação de Luciana Genro (PSOL) em 2010: foi a quinta candidata em número de votos em um distrito de magnitude igual a 31, mas devido ao fato de o partido não ter alcançado o QE, não pode ser eleita. Outro exemplo são outros partidos menores de esquerda, como PSTU, PCO e PCB que não participam de muitas coligações e poucas vezes elegeram representantes.

Mas por que os grandes partidos aceitariam ter cadeiras transferidas para pequenos partidos que não elegeriam nenhum candidato sem alianças? Limongi e Vasselai (2018) argumentam que as coligações eleitorais envolvem uma complexa barganha em que todos os partidos buscam vantagens. Para os pequenos partidos, a vantagem é justamente ter cadeiras na Câmara, além de eventualmente participar de uma chapa majoritária (vice ou senador) ou no governo. Para os grandes, o aumento do tempo de televisão e rádio para concorrer às eleições majoritárias para o governo estadual se mostra como um recurso importante pela alta correlação com a vitória eleitoral (além do mais, essa tática assegura que esse recurso não vá para o adversário). Assim, os partidos pequenos participam mais das eleições proporcionais do que das majoritárias, fazendo parte, usualmente, de coligações onde não saem como “cabeça de 8 A lista aberta também fez parte das discussões pessimistas sobre o desenho institucional utilizado no Brasil. Especialmente Ames (1994) destaca que o fato de a eleição ser centrada no personalismo do candidato faz com que as estruturas partidárias sejam fracas, não institucionalizadas. Candidatos têm uma “base partidária”, mais ligado ao território do que ao programa partidário ou alguma pauta social.

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chapa”. Os grandes partidos aceitam a transferência de cadeiras para os pequenos na Câmara, em troca do apoio nas eleições para governador. Partidos menores acabam tendo como objetivo permanecer na eleição parlamentar, onde têm chances de eleger candidatos, com menos pretensões para eleições majoritárias em nível estadual ou mesmo federal.

O desenho institucional possibilita que pequenos partidos consigam eleger candidatos. Com essa facilidade em entrar na Câmara, aumentam os incentivos para que novos competidores tentem ingressar no mercado partidário. Desde 1981, 164 partidos pediram o registro no Tribunal Superior Eleitoral. No entanto, as vantagens para pequenos partidos sobreviverem eleitoralmente não garantem a fragmentação eleitoral nem a proliferação da criação de partidos por si só. As mudanças na regulamentação específica do sistema partidário (considerando a entrada e o acesso ao pleito) e as possibilidades de acesso a recursos são aspectos igualmente importantes.

3 As regras para a criação de partidos desde a redemocratização

Nesta seção, me atenho ao que foi modificado ao longo dos últimos trinta anos nas instituições políticas brasileiras referente ao crescimento no número de partidos, ou seja, foco nas regras que afetam os partidos políticos, considerando criação, acesso às eleições e financiamento. Em conjunto, essas leis apontam uma resposta frequente entre acadêmicos e analistas políticos quando se discute a fragmentação partidária: a lei é permissiva (KRAUSE; PAIVA, 2002; NICOLAU, 1996; ZUCCO JR; POWER, 2019). Ainda assim, essa legislação foi modificada por várias vezes ao longo da redemocratização. Nesse sentido, é preciso discutir as leis específicas do direito partidário no Brasil. Essas regulações estruturam oportunidades e constrangimentos para os partidos: não são neutras, criam barreiras constitucionais, legais e administrativas (NORRIS, 2005). Analiso a legislação considerando as regras formais para a criação de partidos ao longo da redemocratização, considerando as possibilidades de registro, o acesso ao pleito e a distribuição dos incentivos como fundo partidário e tempo de televisão e rádio.

3.1 A reinstituição do multipartidarismo

A legislação partidária brasileira atual remonta à transição do sistema bipartidário para o multipartidário em meio à ditadura militar. A restituição do multipartidarismo, a partir da Lei Falcão, Lei n. 6.767/1979 (BRASIL, 1979), consumou o processo de transição lenta, gradual e

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segura, iniciado em 1974. Entre 1979 e 1980, cinco partidos obtiveram seus registros junto ao Tribunal Superior Eleitoral: na base de sustentação ao regime militar, PDS, e, na oposição, PMDB, PTB, PDT e PT.

É nesse ponto que é interessante destacar a legislação como um ponto sempre necessário para explicar a criação de partidos, mesmo que não suficiente para analisar a complexidade deste processo. A regulamentação proveniente do AI-2 e do AI-4 havia possibilitado o congelamento de um sistema de dois partidos. A partir do momento no qual a legislação impôs que não seria mais possível criar partidos, a situação econômica, social ou cultural, e nem a articulação das elites políticas poderiam afetar o sistema partidário. Enquanto as regras formais não fossem modificadas, não haveria espaço para a criação de nenhuma outra agremiação política.

Como esse caso extremo mostra, regras são imprescindíveis para compreender a fragmentação do sistema e as possibilidades de fundar partidos. São elas que estruturam a competição partidária, bem como o acesso às eleições e aos recursos públicos. Essas regras formais não são instrumentos neutros, são passíveis de modificações pelo processo legislativo, e também via Executivo e Judiciário. Exemplo disso foi a promulgação da Lei Falcão, maneira encontrada pelo governo militar para dividir os oposicionistas do regime e controlar a transição política, já que o MDB vinha se fortalecendo cada vez mais nas eleições e era necessário garantir a eleição do presidente seguinte – civil – por meio do Colégio Eleitoral (KINZO, 2001; SOARES, 1988).

A partir desse marco, o TSE passou a exigir poucos documentos: manifesto, programa, estatuto, atas de designação das comissões regionais provisórias, e credenciamento de 6 representantes do partido, com suplentes (Art. 8º). O partido teria, então, o prazo de um ano para organizar convenções e diretórios nas três esferas em pelo menos um terço dos estados da federação, para aprovação dos documentos pelos membros. Comprovadas essas etapas, a sigla garantiria seu registro definitivo a partir da eleição de 10% de representantes do Congresso; ou por apoio expresso (por votos) de 5% do eleitorado, em pelo menos 9 estados, com o mínimo de 3% em cada um deles (Art. 14, itens I e II).

Outras normas incentivadoras (BENNECH, 2016) para a criação de novos partidos da Lei n. 6.767/79 seriam: 1. o entendimento de que o mandato pertencia ao partido (Art. 72), salvo se o representante participasse da fundação de outra sigla (o que sem a perda de representação, poderia abrir espaço para dissidências); e 2. o amplo acesso ao fundo partidário (Art. 97). O cálculo para dividir o Fundo Partidário distribuía 10% do total igualmente entre

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todos os partidos, enquanto 90%, proporcionalmente ao número de deputados de cada partido. Essa fórmula de repartição garantia recursos financeiros aos novos partidos já a partir da criação, mesmo que sem representação no Congresso Nacional.

Porém, a Lei Falcão ainda colocava entraves para o sucesso eleitoral das novas siglas. A obrigatoriedade da palavra ‘partido’ na nomenclatura de todas as agremiações (Art. 5º, § 1º), impactando diretamente a marca eleitoral do MDB; e a proibição legal da formação de coligações eleitorais para eleições proporcionais nos três níveis (Art. 19), com o intuito de fragmentar a oposição, eram exemplos dessas restrições. Somado a isso, o decreto presidencial que regeu as eleições de 1982, denominado Pacote de Novembro, estabeleceu o voto vinculado, privilegiando partidos com estruturas capilarizadas de organização. Isso resultou em uma competição eleitoral em um padrão bipartidário, balizada pela disputa entre os partidos herdeiros do sistema bipartidário do período militar, PDS e PMDB (FERREIRA; BATISTA; STABILE, 2008; LAMOUNIER, 1988; SCHMITT, 2000). O multipartidarismo foi, assim, retomado na transição, mas com certas restrições, resultando muito mais no reestabelecimento de partidos pré-1964 (PTB e PDT), e nos sucessores do regime militar (PDS, PMDB e PP9); do

que em novidades, entre as quais o PT acabou por representar (KECK, 2010; MENEGUELLO, 1989).

Em 1985, a Emenda Constitucional n. 25 (BRASIL, 1985) possibilitou a reorganização dos partidos que haviam tido seus registros indeferidos, cancelados ou cassados (Art. 6º), permitindo o retorno de agremiações comunistas e socialistas, como o PCB, o PCdoB e o PSB. Nesse mesmo contexto, outros pequenos partidos começaram a se organizar, aumentando o número de partidos registrados pelo TSE a partir da segunda metade da década de 1980 (FERREIRA; BATISTA; STABILE, 2008; NICOLAU, 1996). Além dos cinco partidos com registro definitivo, o TSE habilitou outras 24 siglas para apresentar candidatos na eleição de 1986, que elegeu os deputados da Assembleia Nacional Constituinte.

A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) também versou sobre normas e regras importantes no Capítulo V. De acordo com a Carta Magna, os partidos devem possuir caráter nacional, não podem receber recursos estrangeiros, devem realizar prestações de contas à justiça eleitoral e devem adquirir personalidade jurídica (Art. 17). Vale salientar que os partidos regidos pela Lei Orgânica 4.740 (BRASIL, 1965a) tinham natureza de pessoa jurídica de direito público, ou seja, eram “braços do Estado”, tais quais as autarquias (GOMES, 2016). A partir

9 O Partido Popular foi criado por arenistas de tendência liberal e emedebistas moderados, em 1979. Entre suas principais lideranças estavam Tancredo Neves e Magalhães Pinto. No entanto, o PP teve uma trajetória curta: em 1982, foi incorporado ao PMDB, sem nunca ter disputado qualquer eleição.

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da Constituição de 1988, essa natureza jurídica garantiu maior autonomia organizativa, fazendo com que o registro partidário obrigatoriamente passasse primeiramente por um cartório, conforme a Lei Civil, para posterior avaliação do TSE.

A partir da Constituição, uma alteração importante foi ratificada: as coligações passaram a ser permitidas, mesmo que com vinculação entre os entes federativos10. Outras

inovações significativas foram a restituição da autonomia dos partidos para definir sua estrutura interna (com a possibilidade da criação, fusão e incorporação de partidos); a reafirmação do Fundo Partidário; e o estabelecimento do acesso ao rádio e à televisão para propaganda eleitoral gratuita (BENNECH, 2016). O Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) passou a ser distribuído de forma benéfica para os partidos menores e novos. Um terço do tempo de propaganda seria dividido igualmente entre os partidos, enquanto os demais dois terços, conforme o desempenho dos partidos nas eleições legislativas, tanto a nível estadual (nas Assembleias Legislativas) como federal (tanto Câmara quanto Senado) (LIMONGI; VASSELAI, 2018).

Essa maior estruturação dos partidos, com acesso à recursos financeiros garantidos constitucionalmente, se mostrou como uma oportunidade importante para a fundação de novos partidos, inclusive daqueles formados por parlamentares dissidentes, já que esses não perderiam mandato. Esse foi o caso do PFL e do PSDB, que foram fundados refletindo o momento específico de transição para a democracia. O PFL foi criado como dissidência do PDS pela sua adesão à Aliança Democrática, de apoio à eleição indireta de Tancredo Neves (já no PMDB) frente à candidatura de Paulo Maluf, em 1985 (TAROUCO, 1999). O PSDB, por sua vez, foi formado em 1988 a partir de uma cisão de parlamentares do PMDB, por divergências ideológicas e objetivos eleitorais pragmáticos (ROMA, 2002; VIEIRA, 2012).

Pode-se afirmar, dessa forma, que os principais partidos brasileiros (PDS, PMDB, PTB, PDT, PT, PCdoB, PSB, PFL e PSDB) foram criados nesse primeiro momento da redemocratização. Esses podem ser considerados como os partidos formadores do sistema brasileiro e, sem dúvida, alguns dos mais efetivos. São siglas que permanecem na competição política, angariam votos e cadeiras no Parlamento e têm estruturas capilarizadas. Além disso, de certa forma, fazem parte do desdobramento do sistema partidário anterior. Mais do que representam uma ruptura total em relação ao mesmo, foram agremiações partidárias

10 Desde a promulgação da Lei n. 7.493 de 1986 as coligações já eram permitidas, tanto para eleições majoritárias quanto proporcionais, apenas quando iguais (1986 Art. 6o).

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possibilitadas pela nova experiência democrática, que abriu o espaço antes represado pelo fechamento do mercado político no sistema de dois partidos.

3.2 A redemocratização e a efetivação do sistema multipartidário

Apesar desse começo tímido e constrangido pela intervenção casuística do regime militar ainda no poder, o progressivo adensamento da redemocratização a partir da segunda metade da década de 1980 promoveria uma expansão maior do sistema partidário. Foram solicitados mais de 50 registros junto ao TSE para a criação de partidos (entre 1987 e 1990), sendo aprovados, em caráter provisório, 48 novos partidos. Na eleição para a presidência, em 1989, 22 agremiações apresentaram candidatos. Essa variedade era resultado das regras progressivamente permissivas, comportando siglas em processo de formação que podiam participar das eleições. Isso se repetiu ainda em 1990, na eleição geral, quando 33 partidos lançaram candidaturas.

Como forma de regular a oferta partidária e responder ao contexto sociopolítico turbulento do início da década de 1990, foi promulgada a Lei n. 8.713/93 (BRASIL, 1993). Tratou-se de uma lei provisória, com o intuito de regulamentar apenas as eleições de 1994. Nesse sentido, a regra legislou sobre restrições ao registro de candidatos, ao determinar que os partidos que participariam da eleição seriam aqueles que tivessem registros (definitivos ou provisórios) de no mínimo um ano, ou que contasse com, ao menos, um deputado federal (Art. 5º). Outro ponto importante foi a ratificação das coligações para eleições majoritárias e proporcionas, desde que não fossem diferentes dentro da mesma circunscrição (Art. 6º), o que, como exposto na seção anterior, incentiva a participação de pequenos partidos. O número de candidatos registrados poderia ser de uma vez o total de cadeiras em disputa, e uma vez e meia para coligações (Art. 10). No caso de candidatos à presidência, os partidos – ou coligações – deveriam ter 5% dos votos para a Câmara na eleição de 1990, em nove estados, ou pelo menos 3% de representação na mesma Casa (Art. 5º, § 1º). Isso impactou diretamente restringindo o número de partidos que lançou candidatos em 1994: 23 para a Câmara e 8 para a presidência. A Lei n. 8.713/93 também foi resultado da conjuntura do processo de impeachment do presidente Collor, frente às acusações de corrupção e recebimento de recursos financeiros ilícitos de campanha. A referida Lei passou a regulamentar como os partidos deveriam administrar suas finanças de campanha, e a forma como poderiam utilizar as doações (KRAUSE; REBELLO; SILVA, 2015). Até então, havia proibição de contribuições financeiras de empresas para partidos e campanhas, o que não foi impedimento para que grandes

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empresários fizessem doações (NICOLAU, 2017). Assim, foi colocado um teto aos donativos: pessoas físicas poderiam doar até 10% dos seus rendimentos brutos do ano anterior; e pessoas jurídicas, 2% da receita operacional bruta, que não poderiam ultrapassar o limite especificado em unidades fiscais de referência (Art. 38). Nesse sentido, também foi discutida a questão de como os partidos deveriam pagar as transgressões à regulamentação: multas, perda de mandato e até detenções (Art. 49).

Ainda, a Lei de 1993 alterou regras sobre a propaganda veiculada em rádio e televisão: seria feita apenas de maneira gratuita, possibilitando a compra de espaços apenas em veículos escritos, com limitações (Art. 63). Mais importante, modificou-se a distribuição de tempo. O horário gratuito passou a ser dividido da seguinte maneira: nas eleições para deputados, 20 minutos entre todos os partidos e 40 minutos proporcionais ao número de representantes na Câmara (Art. 74), retirando o Senado e as Assembleias do cálculo. No caso de eleições presidenciais, todos os candidatos dividiriam 10 minutos de maneira equânime, e os outros 20 minutos também seriam divididos proporcionalmente ao número de deputados. Ademais, foram criadas normas sobre propaganda eleitoral11 (Art. 65).

3.3 A Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1995

Para tornar definitivas algumas das novas regulamentações propostas em 1993, bem como orientar pontos trazidos pela Constituição, a Lei Orgânica dos Partidos Políticos – LOPP (Lei n. 9.096/95) (BRASIL, 1995) foi instituída. A LOPP ressaltou uma vez mais a autonomia interna, organizativa e estatutária (Art. 3º), dentro de limitações constitucionalmente estabelecidas para a manutenção da democracia. As burocracias para a criação de novas siglas também foram reiteradas: os partidos passaram a ter natureza de pessoa jurídica de direito privado (Art. 1º) sendo necessário um número no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), reforçando a natureza do partido como associação da sociedade civil, fora do Estado (GOMES, 2016).

Mas mais importante, o TSE passou a requerer o apoiamento comprovado de 0,5% dos eleitores brasileiros – de acordo com a eleição geral anterior para a Câmara, não computados brancos e nulos – em pelo menos 9 estados brasileiros, com ao menos 0,1% em cada um para a criação de novos partidos (§ 1º do Art. 7º). Essa é a base da legislação atual: a comprovação

11 A Lei 8.713/93 também versou sobre a cédula oficial (Art. 17 e 18), fiscalização das eleições (Arts. 19 a 30), pesquisas eleitorais de opinião pública (Arts. 31 e 32), e crimes eleitorais (Arts. 57 e 58).

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de apoio deve ocorrer por meio das assinaturas dos eleitores, com menção ao título eleitoral, em listas organizadas para cada zona, sendo a veracidade das respectivas assinaturas e o número dos títulos atestados pelo Escrivão Eleitoral (§ 1º do Art. 9º).

Além dos convencionais estatutos e programas partidários, o TSE tornou necessária ainda a subscrição de uma ata com, no mínimo, 101 fundadores, apresentando uma lista com o nome completo, naturalidade, número do título eleitoral com a zona, seção, município e estado, profissão e endereço da residência. Esses documentos devem ser publicados no Diário Oficial da União, que junto com a ata da reunião da fundação do partido, devem ser entregues ao Cartório de Registro Civil da capital federal, para o registro de pessoa jurídica. Deferido o processo junto ao TSE, os partidos recebem o registro definitivo e podem participar de eleições, ter acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito de propaganda no rádio e na televisão. A partir de 1995, o caráter provisório do registro deixou de existir: os partidos passaram a ter de superar um número maior de trâmites legais para acessar ao pleito.

Outro ponto que aumentou a carga burocrática para os partidos, não apenas os novos, foi a questão de prestação de contas. Em primeiro lugar, se tornou obrigatório o envio do balanço contábil à Justiça Eleitoral anualmente; bem como o registro de balanços mensais por seis meses em ano de eleição (Art. 32). Ao tratar sobre o financiamento dos partidos, a LOPP manteve a proibição de receber recursos de entidades estrangeiras, incluindo governos; e estendeu o impedimento do financiamento de órgãos públicos, autarquias, empresas públicas, e de sindicatos (Art. 31). A Lei continuou possibilitando as doações de empresas privadas, mas sem deixar claro os patamares: assim, grupos empresariais ou pessoas físicas com mais recursos poderiam dar um valor desproporcional, podendo-se afirmar que não havia limites para gastos em campanhas (KRAUSE; REBELLO; SILVA, 2015).

Ainda quanto ao financiamento, algumas regras do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos foram reformuladas: em primeiro lugar, houve um aumento importante da verba. Às outras fontes de recursos já instituídas (multas, penalidades, doações), foi acrescido um montante de dotações orçamentárias da união, que consideravam o número de eleitores. Isso deu maior autonomia para os partidos, permitindo que fossem realizadas mais atividades, consolidassem suas bases e penetrassem no território (MAINWARING; POWER; BIZZARRO, 2018). Esse incremento corresponde ao maior percentual do fundo (BRAGA; BOURDOUKAN, 2009). Contudo, uma mudança foi mais significativa: apenas 1% do total passou a ser dividido entre todos os partidos registrados, enquanto os 99% seriam distribuídos proporcionalmente às siglas que tivessem direito a bancada parlamentar (Art. 41). Isso significou que essa parcela maior do fundo passou a ser dividia entre os partidos que obtivessem

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5% de votos válidos para a Câmara, distribuídos em pelo menos nove estados, com um percentual de no mínimo 2% em cada um deles (Art. 13), em uma cláusula de barreira. A regra transitória aprovou que os partidos que tivessem três deputados em três estados poderiam ter funcionamento parlamentar e os recursos resultantes. Nesta nova divisão, por mais que tenha havido um aumento significativo dos recursos financeiros para todos os partidos, inclusive para os novos e os sem representação, ao final, a parcela referente a esses últimos foi diminuída.

A centralização de incentivos para os grandes partidos também se refletiu no caso da propaganda gratuita. Aqui, a regra da distribuição como reflexo da representação na Câmara também serviu para concentrar: para os grandes, haveria o espaço no rádio e na televisão de 20 minutos semestrais – em programas de 1 minuto ou 30 segundos. No caso de partidos sem deputados, o espaço seria de um programa semestral de 2 minutos totais (Art. 57). Esse ambiente mais severo para os novos partidos, com a diminuição dos subsídios diretos do Estado comparativamente aos partidos grandes causou muitas reações. Essa é uma forma de cartelizar o sistema (KATZ; MAIR, 1995), de certa forma, garantindo uma fatia ainda maior de recurso públicos para partidos já estabelecidos.

Considerando esses três pontos – burocracia para o registro, detalhamento na prestação de contas e acesso ao fundo –, pode-se afirmar que a LOPP foi uma legislação que buscou constranger não apenas a participação nos pleitos (tal qual a Lei n. 8.713/93) mas também a criação de partidos. Vale salientar que até 1995, 77 partidos haviam sido criados no país. A maioria teve uma existência efêmera: 50 deles conseguiram apenas o registro provisório, e foram extintos no início da década de 1990. Com o registro definitivo indeferido, sem representação parlamentar, esses partidos foram pequenos e tiveram pouco impacto (FLEISCHER, 2004; KRAUSE; PAIVA, 2002). Como aponta Nicolau (1996), até 1995, o TSE foi bastante liberal no que concerne às regras para o acesso ao pleito e aos recursos políticos, e, ao mesmo tempo, muito criterioso quanto à concessão dos registros permanentes. Em consequência da promulgação da LOPP, com mais custos para a criação de partidos, houve um declínio do ativismo das elites partidárias, menos partidos sendo criados, e a estabilização da oferta de partidos (FERREIRA; BATISTA; STABILE, 2008): em 1998, 30 partidos lançaram candidaturas para a Câmara; em 2002, também.

Ainda durante o primeiro mandato de FHC, foi promulgada outra lei importante para a competição eleitoral e a institucionalização dos partidos: a Lei Eleitoral n. 9.504/97 (BRASIL, 1997). Essa Lei Geral das Eleições manteve princípios da Lei n. 8.713/93, e versou especificamente sobre a eleição seguinte, adicionando mais regras sobre o registro de candidatos, como a invalidação de candidaturas avulsas (Art. 5º), a residência, por um ano, no

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mesmo domicílio eleitoral em que deseja concorrer, sendo também de um ano o tempo mínimo de filiação (Art. 9º), e a distribuição de no mínimo 30% de candidaturas de cada sexo.

A Lei também consolidou o papel da Justiça eleitoral na supervisão da prestação de contas dos partidos. A partir da sua promulgação, foram definidas aplicação de penas, como multas e suspensão do recebimento do fundo12 (BENNECH, 2016). Ainda sobre a questão de

financiamento, enfatizou a proibição do recebimento de recursos de concessionários ou permissionários de serviços públicos ou de organizações não governamentais que recebessem esse tipo de verba (Art. 24). Quatro possibilidades de financiamento foram explicitadas: fundo partidário, recursos próprios, doações de pessoas físicas (10% do rendimento bruto do ano anterior) e doações de pessoas jurídicas (2% do faturamento bruto do ano anterior). A prestação de contas de candidatos a eleições majoritárias deveria ser realizada pelos comitês financeiros, enquanto a de candidatos a eleições proporcionais, pelos próprios (Art. 28).

A Lei das Eleições também definiu aspectos específicos sobre o HGPE. Durante os 90 dias de campanha um terço do tempo seria distribuído igualmente, com o tempo mínimo de 30 segundos, e os dois terços restantes, proporcionalmente ao número de deputados (inclusive coligações) (Art. 47). Uma mudança importante foi a de que o cálculo do tamanho dos partidos na Câmara passou a ser feito com base na data da posse. Mesmo que de maneira ambígua13,

essa alteração reforçou as possibilidades de barganha dos pequenos partidos frente a deputados individualmente, porque a legislação passa a não mais utilizar a migração partidária do cálculo do HGPE. Até então, um deputado que entrasse no partido adicionava tempo de propaganda na eleição seguinte. Com isso, os partidos competitivos nas majoritárias passam a atrair partidos pequenos, e não mais deputados, aumentando o tamanho das coligações (LIMONGI; VASSELAI, 2018).

Por fim, na questão das coligações, a Lei promulgada modificou alguns aspectos em relação à Lei de 1993, conforme os textos:

Art. 6º É facultado aos partidos políticos celebrar coligações para eleição majoritária, eleição proporcional ou ambas, desde que elas não sejam diferentes dentro da mesma circunscrição (BRASIL, 1993).

Art. 6º É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário (BRASIL, 1997).

12 A Lei n. 9.693/98 alterou pontos da LOPP sobre irregularidades na prestação de contas, que também afetou a Lei n. 9.504/97. Conforme o Art. 28 § 6º: “O partido político, em nível nacional, não sofrerá a suspensão das cotas do Fundo Partidário, nem qualquer outra punição como consequência de atos praticados por órgãos regionais ou municipais”.

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Em comparação, a Lei de 1997 reiterou a necessidade de consistência nas coligações. Assim, consolidou a correspondência entre as coligações para eleições proporcionais e majoritárias em um mesmo distrito: os estados. As decisões para participar de eleições executivas e legislativas estão conectadas, porque as proporcionais são um subproduto das majoritárias. Isso significa que os partidos que não estão em uma aliança majoritária não podem estar em alianças proporcionais: não é possível coligar exclusivamente para competir nas proporcionais. Nesse sentido, uma estratégia mais adequada para partidos pequenos é a de abdicar de candidaturas majoritárias para governo do estado, mais custosas, para contar com outros partidos coligados que podem transferir votos em uma eleição para a Câmara (LIMONGI; VASSELAI, 2018). Ainda, a partir do Art. 10, a Lei também aumentou o número de candidatos passíveis de serem lançados por partido: total de 1,5 vez do número de vagas disponíveis, e no caso de coligações, 2 vezes o número de cadeiras.

3.4 A atuação do TSE como legislador

O TSE passou a legislar sobre alguns pontos significativos para a competição partidária, alterando inclusive ordenamentos jurídicos aprovados pela LOPP. Resoluções importantes foram aplicadas respondendo a consultas feitas por parlamentares e partidos, na esteira do aumento da judicialização da política (MARCHETTI; CORTEZ, 2009). Em 1998, o TSE decidiu pela diplomação do candidato eleito, mesmo se o partido não conseguisse os requisitos da LOPP em relação à barreira. Em 2002, o TSE retomou a discussão sobre as coligações, interpretando o Art. 6º da Lei 9.504/97, e decidiu pela obrigatoriedade da verticalização. Isso significou que os partidos precisavam seguir as alianças partidárias formadas na esfera nacional. A Resolução n. 21.002/02 acabou impactando diretamente na dinâmica eleitoral e no número de candidatos em 2002: 31 partidos lançaram candidatos à Câmara, mas apenas 6 à presidência (quatro candidaturas em coligações) (BRASIL, 2002).

Com isso, pode-se perceber que os partidos preferiram não fechar coligações no nível nacional para ter mais flexibilidade nas candidaturas proporcionais para os governos de estado e para o Congresso. Apesar de ser uma legislação que constrange a formação de coligações – o que poderia influenciar no cálculo para a criação de partidos –, a possibilidade de formar alianças proporcionais no plano estadual permanece com essa Resolução, não influindo nessa estratégia que é a mais utilizada pelos partidos. O que acontece é a continuidade da concentração de partidos na eleição majoritária estadual e a fragmentação para as proporcionais

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na Câmara, ambas consequências do fenômeno das coligações e da transferência de votos na lista.

A atuação do Judiciário em matérias de legislação sobre organização e disciplina partidárias foi também evidente na Resolução n. 22.610/2007 (BRASIL, 2007a). A partir dessa regra, ficou decidido que o mandato de deputado pertence ao partido, a não ser quando a desfiliação for por justa causa. De acordo com a Resolução:

Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º - Considera-se justa causa: I) incorporação ou fusão do partido; II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; IV) grave discriminação pessoal. (BRASIL, 2007a)

Essa Resolução foi firmada como uma tentativa de desestimular a migração partidária. Desde 1985, essa passou a ser uma peculiaridade persistente da política brasileira, sem paralelo em outras democracias. Com custos praticamente nulos na mudança de partido e uma ampla gama de escolha, cerca de 30% dos deputados federais eleitos trocaram de partido pelo menos uma vez, entre 1982 e 2005 (DESPOSATO, 2006; MELO, 2000). Porém, vale notar que essa decisão não era apenas resultado de interesses pessoais de parlamentares. Conforme aponta Freitas (2012), os próprios partidos incentivam e disputam a entrada de migrantes, como forma de aumentar seu poder na arena parlamentar e eleitoral conforme a disputa entre forças partidárias nacionais e estaduais, não sendo apenas uma decisão individual de cada deputado. De qualquer forma, mesmo com a resolução, as janelas partidárias ainda oferecem a possibilidade de parlamentares trocarem livremente de partido.

Porém, pode-se afirmar que essa legislação causou impactos na criação de partidos. Considerando o cálculo do HGPE a partir da bancada no dia da posse, ratificado pela Lei n. 11.300/2006 (BRASIL, 2006), somada à Resolução, que passou a constranger os deputados que queriam barganhar sua posição, uma nova estratégia para a reacomodação de elites partidárias foi a criação de partidos. Isso porque conforme exposto até aqui, a legislação por mais que tenha aumentado os constrangimentos, ainda é bastante permissiva. Esse aspecto foi ainda aprofundado com a decisão do STF em 2012, que concedeu tempo de propaganda eleitoral para o PSD, ao argumentar que o deputado que fundasse um novo partido carregaria seu tempo de televisão (LIMONGI; VASSELAI, 2018). Vale salientar que o TSE também legislou para aumentar a carga burocrática para a criação dos partidos por meio da Resolução n. 23.282/2010 (BRASIL, 2010), que determinou a obrigatoriedade de informar aos Tribunais Regionais Eleitorais uma comissão provisória responsável pelas assinaturas (Art. 11). De qualquer forma,

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o reflexo foi o constrangimento da migração partidária, gerando um incentivo direto para a criação de novas agremiações: oito partidos criados entre 2011 e 2018.

3.5 Financiamento em pauta

Concluída a maior parte das normas sobre a organização dos partidos enquanto entes políticos, as legislações com foco nas siglas passaram a enfatizar os aspectos sobre financiamento e acesso à mídia a partir da segunda metade dos anos 2000. Assim, a questão dos recursos, tanto públicos quanto privados, utilizados nas campanhas e na atividade partidária passou a estar em destaque. Considerando que há um aumento da complexidade partidária, com as siglas cada vez mais próximas da estrutura estatal se espera que financiamentos públicos mais concentrados para os grandes partidos sejam um desincentivo para que novos atores entrem no sistema14.

Assim, as regras sobre financiamento no Brasil podem formar incentivos ou constrangimentos à criação de partidos ao balizar as elites políticas no cálculo de perdas e ganhos.

No que tange ao financiamento por meio de recursos públicos, a Lei n. 11.459/2007 (BRASIL, 2007b) reformulou o cálculo de divisão do Fundo Partidário com o intuito de descentralizar e tornar o acesso mais proporcional. Com a sua promulgação, a porcentagem do total dividida igualitariamente entre todos os partidos foi aumentada de 1% para 5%. Essa foi uma resposta às reações dos pequenos partidos à LOPP, de 1995, que questionavam a constitucionalidade da sua regra de repartição (KRAUSE; REBELLO; SILVA, 2015). Além disso, a nova lei alterou a anterior ao permitir que o cálculo para a repartição do fundo passasse a ser sobre a proporção de votos para a Câmara retirando a barreira dos 5% em um terço dos estados (Art. 41-A). Esse dispositivo foi uma adequação conforme a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) julgada pelo STF em 2006, que entendeu que essa cláusula imposta na LOPP feria o direito de manifestação de minorias políticas. A nova determinação aumentou diretamente os recursos públicos para os novos partidos e para aqueles que não elegeram representação na Câmara, reforçando o seu peso institucional.

Em 2013, com a promulgação da Lei n. 12.875 (BRASIL, 2013), houve outra mudança na LOPP, artigo 41, inciso II, que passou a desconsiderar as mudanças de filiação partidária, em qualquer hipótese sobre a distribuição do fundo. A nova Lei fazia exceção em relação às fusões e incorporações (Art. 29, § 6º), sendo que nesse caso, os votos anteriores seriam somados 14 Tavits (2006) e Biezen e Rashkova (2014) argumentam que o recurso público pode não ter causalidade direta com a criação de novos partidos, porque a maioria dos sistemas europeus condicionam o acesso ao recurso público à obtenção de cadeiras no Parlamento.

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para o cálculo da distribuição tanto dos recursos do fundo quanto do acesso gratuito ao rádio e à televisão (Art. 29). Nesse ponto, a Lei n. 12.875/2013 ainda alterou a Lei Geral das Eleições, de 1997, ao modificar a distribuição proporcional do HPGE. Os horários de propaganda passaram a ser partilhados entre todos os partidos e coligações, de maneira que: dois terços seriam repartidos proporcionalmente ao número de deputados; e do um terço restante, um terço seria distribuído igualitariamente e dois terços, proporcionalmente ao número de representantes eleitos no pleito anterior (Art. 47, § 2º). Seguindo essa legislação, os partidos sem representação entraram na repartição dos 11% que seriam subdivididos igualmente. No caso do HGPE, também estão desconsideradas as mudanças de filiação partidária. Porém, como já exposto anteriormente (no caso do PSD), o STF teve decisões que contrariam esse aspecto da lei, no entendimento de que a proibição de levar o fundo e o tempo de propaganda esbarra no princípio de livre criação de partidos, retirando valor ao mandato do parlamentar que migra (ADI n. 5.105, de 2015) (SEVERO; CHAVES, 2019).

A distribuição do HGPE ficou mais clara com a Lei n. 13.165/2015 (BRASIL, 2015a). A partir dela, 10% do tempo de televisão e rádio passou a ser distribuído igualmente, e 90% proporcionalmente ao tamanho das bancadas de deputados. Além disso, houve uma mudança fundamental: “no caso de coligação para eleições majoritárias, o resultado da soma do número de representantes dos seis maiores partidos que a integrem e, nos casos de coligações para eleições proporcionais, o resultado da soma do número de representantes de todos os partidos que a integrem” (Art. 47, § 2º, I). Como exposto na seção anterior, o tempo de propaganda eleitoral é uma moeda de troca importante para os pequenos e novos partidos, concedendo tempo para o candidato a governador de estado, ao mesmo tempo em que participa da coligação proporcional para conseguir alcançar o quociente eleitoral.

Também houve mudanças importantes quanto ao financiamento privado e interferência de poder econômico. Aceita desde a LOPP, a contribuição de empresas ficou mais em voga a partir do escândalo do mensalão, em 2005. Mesmo que a lei não especificasse um teto absoluto, a maioria dos candidatos não declaravam o total de doações recebidas ao TSE (NICOLAU, 2017). O uso indeterminado de caixa dois tanto para as próprias organizações partidárias, mas principalmente nas campanhas eleitorais, progressivamente mais caras, resultou em sucessivas denúncias de corrupção. Em 2015, o STF decidiu em favor da ADI n. 4650 para reverter a legislação que permitia a contribuição de empresas privadas aos partidos, que bancavam em média de 75% do gasto oficial nas campanhas15. Essa decisão foi considerada

15 De acordo com Speck (2015), os recursos privados passaram de um montante de R$ 800 milhões, em 2002, para R$ 5,9 bilhões em 2012, fazendo com que o custo médio por eleitor subisse de R$ 13 para R$ 32. Em 2010, dos

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na promulgação da Lei n. 13.165, quando do veto de artigos inseridos pela Presidência da República. Vale destacar que, no mesmo ano, o fundo partidário foi triplicado16, conforme o

gráfico 1.

Com o intuito de conter os custos globais de campanhas, a reforma de 2015 ainda determinou que os limites de gastos fossem definidos pelo TSE, em função da eleição anterior17,

e não mais pelos partidos (Art. 18). Os candidatos passaram a ser obrigados a criar um CNPJ (Art. 22-A) e o gasto de campanha passou a ser individualizado, obrigando que as campanhas prestassem contas na internet, com o objetivo de aumentar a transparência (Art. 28, § 4º). A eleição de 2016 foi a primeira na qual as únicas doações permitidas foram as de pessoas físicas. Entretanto, vale salientar que não houve a determinação de um teto absoluto: o limite foi fixado em R$ 80 mil (Art. 23, §7º), para qualquer pessoa, mas as doações podem ser feitas ainda em função do rendimento declarado no imposto de renda, limitado a 10%. Dessa forma, se um CPF tem um rendimento maior, pode doar mais que o máximo estipulado. Nesse sentido, pode-se afirmar que não houve um limite absoluto para doações de pessoas físicas mas foi determinado um teto de gastos de campanha.

3.6 As minirreformas eleitorais de 2015 e 2017

Um ponto importante a ser salientado é que desde a aprovação da LOPP, em setembro de 1995, já foram realizadas mais de 30 alterações na Lei (GOMES, 2016). Um desses dispositivos foi uma reforma institucional político-eleitoral no Brasil18, a Lei n. 13.165/2015, que ainda

modificou dispositivos significantes para a criação de novas legendas. Em primeiro lugar, alterando a Lei Geral das Eleições, o período de campanha eleitoral foi reduzido de 90 para 45 dias (Art. 8º), e 35 dias para exibição de propaganda eleitoral no rádio e televisão19. Também

R$ 3,1 bilhões de doações para as campanhas, 75% veio de empresas, 14% de pessoas físicas e 11% de recursos próprios.

16 Folha de São Paulo. “Dilma sanciona aumento do fundo partidário para R$ 868 milhões”. 20 de abril de 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/04/1619126-dilma-sanciona-aumento-do-fundo-partidario-para-r-868-milhoes.shtml>.

17 A Lei, antevendo a eleição de 2016, dispôs os limites de gastos segundo o tipo de município, tendo como base os gastos nas eleições anteriores. Nas cidades com mais de 200 mil eleitores, ou seja, com possibilidade de segundo turno, os candidatos poderiam gastar até 50% do maior valor declarado. Nas circunscrições eleitorais entre 10 e 200 mil eleitores, até 70% do maior gasto declarado. E nos municípios de até 10 mil eleitores, o limite de gastos seria de R$ 100 mil reais para prefeito e R$ 10 mil para vereador. A Lei n. 13.488/2017 fixou também gastos de campanha para a eleição de 2018: até R$ 70 milhões para presidente; entre R$ 2,8 e R$ 21 milhões para governador (dependendo do número de candidatos); entre R$ 2,5 e R$ 5,6 milhões para senador; até R$ 2,5 milhões para deputado federal e R$ 1 milhão para deputado estadual.

18 Alterou as Leis n. 9.096/1995, 9.504/1997 e o Código Eleitoral de 1965.

19 Foram feitas várias alterações quanto à propaganda partidária, com proibição de exibição de propaganda eleitoral em bens públicos e limitação em propriedades privadas (Art. 37).

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foi diminuído o prazo mínimo de filiação, de um ano para seis meses (Art. 9º), o que garantiu que um partido possa ser criado em até seis meses antes da eleição para poder participar.

Ainda mais relevante para o cálculo das elites partidárias para a fundação de um partido foram dois dispositivos. O primeiro passou a exigir que as assinaturas de apoio para a criação do partido fossem de eleitores não filiados a partido político (alteração do Art. 7, §1º, da LOPP). O segundo, parte do mesmo parágrafo, determinou que o prazo para a comprovação dos cerca de 500 mil apoiamentos se dê no período de dois anos. Isso constrange a criação de novos partidos ao dificultar a coleta de assinaturas, especialmente em casos de dissidências, e também ao encurtar o tempo de formação. Desde 2015, nenhum partido conseguiu registro junto ao TSE.

Além disso, foi integrada a decisão da Resolução n. 22.610/2007 do TSE à LOPP a partir dessa Lei. Contudo, foi excluída a hipótese de justa causa para migração partidária quando da criação, fusão ou incorporação de partidos. Isso dificulta a criação de partidos por parlamentares. Vale notar, contudo, que ainda em 2015, a REDE ajuizou uma ADI (n. 5.398), que garantiu ao partido o direito de justa causa por um prazo de 30 dias. Essa prática também foi usada pelo PMB, última sigla criada no país. Na Lei n. 13.165, foi incluída a possibilidade de migração quando efetuada durante o período de 30 dias antes do prazo de filiação exigido para concorrer à eleição (cerca de sete meses), o que garantiu uma janela de troca partidária em anos eleitorais. Por fim, ainda no tema de fidelidade partidária e migração, o STF determinou que essa regra não se aplica para cargos majoritários (ADI n. 5.081 (BRASIL, 2015b)).

Por fim, uma última alteração da Lei n. 13.165 que pode impactar na formação de partidos foi a regra de conversão de votos em cadeiras: de acordo com o Art. 108, só serão eleitos os candidatos que tenham obtido no mínimo 10% do quociente eleitoral, de acordo com o respectivo quociente partidário, na ordem da votação nominal. Quando houver vagas não preenchidas, segue a regra das maiores médias (Art. 109). Essa cláusula de barreira de candidato afeta o cálculo das elites sobre concentrar ou não a votação do partido em poucos ou muitos candidatos. Isso pode, então, favorecer partidos que já utilizem a estratégia de concentrar votos, como é o caso dos pequenos, que o fazem para ter ao menos um representante no topo da lista da coligação.

Em 2017, foram promulgadas a Emenda Constitucional n. 97 (BRASIL, 2017a) e a Lei n. 13.488 (BRASIL, 2017b), no que foi chamada minirreforma eleitoral. A EC n. 97/2017 trouxe uma das maiores modificações para as eleições proporcionais: o fim das coligações para cargos de vereador, deputados federais e estaduais, a partir de 2020. Com o objetivo de deixar as orientações políticas dos partidos mais claras antes e depois das eleições, essa nova regulação

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pode impactar em cheio os pequenos partidos, que utilizam as coligações para alcançar o quociente eleitoral. Além disso, a Emenda propõe uma nova cláusula de barreira: modifica o acesso dos partidos ao fundo partidário e ao HGPE a depender dos votos alcançados20. Na

legislatura seguinte às eleições de 2018, os partidos só terão acesso quando obtiverem ao menos 1,5% dos votos válidos (ou nove deputados) em nove estados. A cada eleição nacional, o percentual aumenta 0,5%, até 2030, quando os partidos devem alcançar 3% dos votos válidos para acessar os subsídios estatais.

A Lei n. 13.488/2017 trouxe uma mudança importante com a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. O FEFC é constituído por dotações orçamentárias da União e foi de R$ 1,7 bilhão em 2018 (um terço do total gasto na eleição de 2014). De acordo com a Lei, deve ser distribuído aos partidos pelo TSE segundo os critérios: 2% entre todos os partidos registrados; 35% entre os partidos que tenham ao menos um deputado (na proporção de votos por eles obtidos na última eleição); 48% na proporção do número de deputados; e 15% na proporção do número de senadores (Art. 16-D).

Com isso, os partidos têm acesso a um novo tipo de subsídio público, além do fundo partidário crescente (quase R$ 900 milhões em 2018) e do tempo de propaganda (cerca de R$ 500 milhões em renúncias fiscais). Essa Lei aumenta consideravelmente o a parcela de verbas públicas para os partidos políticos e foi tramitada com agilidade por parte do Senado e da Câmara com o objetivo de fazer com que já legislasse sobre a eleição de 2018, primeira nacional na qual as doações de pessoas jurídicas estavam proibidas. Como aponta Kinzo (2003), optar pelo financiamento público para as campanhas por um lado propicia condições mais iguais na disputa eleitoral, diminuindo a influência do poder econômico; mas por outro, o montante teria que ser muito grande para dar conta de um país com a extensão do Brasil, o que seria questionado popularmente como prioridade para o investimento público e social.

20 Essa nova regra também traz um novo caso de justa causa para troca de Partido: o eleito por partido que não alcançou a barreira pode tocar de filiação, mantendo o mandato, mas não leva consigo os recursos do fundo e do HGPE.

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Gráfico 1 - Financiamento público partidário (em milhões de reais)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de Ribeiro (2013), Krause, Rebello e Silva (2015) e dados brutos do Tribunal Superior Eleitoral, disponíveis em <http://www.tse.jus.br/partidos/fundo-partidario>.

Os partidos que mais receberam verba do FEFC em 2018 foram PMDB, com R$ 231 milhões, seguido pelo PT, com R$ 212 milhões e PSDB, com R$ 186 milhões. Partidos novos também receberam quantias importantes, como os R$ 10 milhões recebidos pela REDE, R$ 9,9 milhões pelo PEN/Patriotas, R$ 26 milhões pelo PROS, R$ 40 milhões pelo Solidariedade e os R$ 112 milhões pelo PSD. Esse é um ponto importante para essa pesquisa, bem como a questão de que mesmo partidos sem representação na Câmara ou no Senado (como PSTU, PPL, PCB, PCO, PMB e NOVO) tiveram o direito de receber R$ 980 mil cada um. Assim, pode-se dizer que, ao longo da última década, a legislação buscou reduzir os incentivos, e mesmo adicionar constrangimentos, para a criação de partidos. De qualquer forma, considerando que o financiamento público cresceu ao longo do tempo de maneira vertiginosa, isso permanece como uma variável importante no cálculo das elites. Ainda, há o tempo de televisão, em que cada partido recebe oito segundos, e pode negociar e participar de coligações.

4 Criação de partidos e fragmentação partidária

Analisando a trajetória do Número Efetivo de Partidos brasileiros, é possível compreender a complexidade do seu sistema partidário: nem sempre a fragmentação do sistema foi acompanhada pelo aumento ou diminuição do número de partidos. A comparação presente no gráfico 2 não evidencia a relação entre o aumento da quantidade de partidos e o reflexo na

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800 M il li o ns

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fragmentação. O que é possível ver em 1982 é que cinco partidos competiram na eleição e obtiveram representação, mas o NEP ficou em 2,4, evidenciando a continuidade do sistema bipartidário. Em 1986, nada menos que 29 partidos lançaram candidatos, sendo que apenas 7 deles tinham registro definitivo. Nesta eleição, 12 partidos elegeram deputados. O NEP, no entanto, permaneceu mais baixo que 3. Entre 1987 e 1990, 13 partidos receberam o registro definitivo (7 deles em 1990), o que resultou, em 33 partidos participando da eleição. Com 19 partidos com bancadas na Câmara, nesse momento houve o primeiro salto do NEP, para 8,7. O pluralismo exacerbado (FLEISCHER, 2004) só teve seu reflexo na fragmentação partidária nesse pico, no qual muitos partidos participavam das eleições e boa parte deles conseguia representação.

Gráfico 2 - Número absoluto de Partidos concorrendo nas eleições, Número absoluto de Partidos eleitos e Número Efetivo de Partidos Eleitoral e Parlamentar (1982-2018)

Fonte: Elaboração própria com base nos dados de Nicolau ( [s. d.]), Gallagher ( [s. d.]) e dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Na eleição de 1994, o que observamos é um processo diferente: o número de partidos na competição cai, com a extinção de várias legendas. Vale notar que foram criados 5 partidos entre 1991 e 1994. Na eleição, 18 partidos conseguem eleger deputados. Com um partido a menos na câmara, o NEP caiu de 8,7 para 8,2. Isso mostra que a variação do número de partidos não significa necessariamente variação na fragmentação. Na eleição de 1998, o número de partidos com registro definitivo aumentou novamente (como vimos anteriormente, foram

0 5 10 15 20 25 30 35 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 2010 2014 2018

Partidos que receberam registros definitivos Partidos concorrendo nas eleições

Partidos eleitos NEP Eleitoral

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criados 12 partidos entre a eleição anterior e essa), porque a maioria desses já tinha o registro provisório e acelerou o processo para conseguir o permanente. O NEP, no entanto, caiu. Foram eleitos 18 partidos e a fragmentação chegou a 7,1. Apesar de mais partidos estarem participando das eleições, a LOPP foi essencial para a concentração de recursos nas legendas maiores. Assim, essa diminuição do NEP também pode ter relação com mais partidos mais fortes conseguindo maiores bancadas (TAFNER, 1996), além do efeito aglutinador das fusões (GOMES, 2016). Em 1998, os seis partidos que tiveram mais representação na Câmara (PSDB, PFL, PMDB, PT, PP e PDT) concentraram 80,2% dos votos. No entanto, nas eleições seguintes, o topo da representação, ou os seis “grandes”, foram perdendo porcentagens progressivamente.

Em 2002, esses partidos chegaram a 72,5% dos votos. Nesta eleição, o número de 30 partidos se manteve, com 19 partidos sendo eleitos. Isso se reflete no NEP. A fragmentação cresceu a um patamar de 8,5, mesmo que nenhum partido novo tenha surgido. Contudo, a partir de 2002, não é apenas a mudança de forças dentro da Câmara que muda: cada vez mais partidos passam a conseguir representação. Em 2006, o Brasil chega a ter 21 siglas no Congresso. Com a decisão de inconstitucionalidade da cláusula de barreiras em 2006, e a decisão sobre a justa causa para perda de mandato, a tendência de fragmentação que começou em 1998 não se reverteu mais. Os partidos criados até então passaram a participar cada vez mais da divisão das cadeiras da Câmara.

Em 2010, 27 partidos participaram da eleição, o que resultou no índice de mais de 10 partidos efetivos. Isso se relaciona com o volume crescente de recursos institucionais financeiros e sua maior distribuição entre todos os partidos. Soma-se a isso a regulação da punição de perda de mandato para a infidelidade partidária que excluía parlamentares ingressantes em novas legendas. O resultado desse emaranhado foi um aumento dos incentivos à criação de partidos com quadros recrutados de dentro do sistema partidário. Entre 2011 e 2014, seis partidos foram criados, sendo três deles com bancadas eleitas por outras siglas. Com essa representação e o aval dos tribunais, esses partidos tiveram direito aos recursos partidários proporcionais, o que acabou tendo impacto direto na bancada eleita em 2014: 32 partidos participaram da eleição, 28 deles elegeram candidatos e o NEP chegou a históricos 13,3.

A criação de partidos parlamentares, especialmente a partir de 2014, tem um impacto mais direto na fragmentação, não apenas por serem dissidências, o que já havia antes (mas nasciam e se mantinham como eleitoralmente nanicas), mas por, de fato, levarem representantes para novas legendas, e junto a eles, incentivos institucionais de partidos parlamentares. De maneira mais marcada, o número crescente de legendas se reproduzia em uma maior

Referências

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