AS DUPLICA~6ES VOCALICAS E CONSONANTAIS DO APANIEKRA.-CANELA DO PONTO DE VISTA DA FONOLOGIA NAO-LINEAR
ABSTRACT: This paper presents the behavior of vocalic and consonantal lengthening of Apiinjekrd-Canela (Je). The occurrence of underlying long vowels and geminate consoants is interpreted in view of the nonlinear phonology.
Os Apanjekni-Canela, cerca de 350 fndios, vivem na Area Indfgena Porquinhos, municipio de Barra do Corda, no Maranhao.
A lfngua apanjekni-canela (doravante AC), falada por todos os habitantes apanjeknls de Porquinhos, compoe com outras variantes (ramkokam6kra, krikatf, pukobje, parakateje e krah6) a lfngua Timbira, pertencente
a
fammaIe.
Este trabalho foi elaborado a partir dos dados coletados entre os apiinjekra, em pesquisa de campo realizada nos meses de julho/agosto de 1995.
Os segmentos vocalicos e consonantais estao representados na forma de matriz, utilizando os tra~os propostos por Clements (1993). Os tra~os subespecificados, ou seja, previsfveis por regras de redundlincia, estao entre parenteses.
p c k k" w h m n IJ vocaJ aproxi + + + soante + + + + + + vozea (-) (-) (-) (-) (-) (+) (+) (+) (+) (+) (+) aspir + + nasal + + + contin -+ -+ (+) (+) (+) + (-) (-) (-) labial + + + coron + + + + + anter + + + dorsal + + + +
491 1 e i! :> a u ii 0 i'i
~
~
voc + + + + + + + + + + + + + + + + + apro (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) soan + + + + + + + + + + + + + + + + + voze (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) (+) nas + + + + + + + lab + + + + + + cor + + + + + + ant dors + + + + + (+) (+) (+) (+) (+) (+) abl + ab2 + + + + + + + ab3 + + (+) (+) + (+) (+) (+) + + (+) (+)Observa~oes quanta
a
alofonia:i) Iwl e Ijl siio interpretados como consoantes porque a) estiio paralelos a Irl em conjuntos consonantais
(1)
[i:.'khrE](2)
[jar.'khwa](3)
j3'm.'!6en.'c;) (1. pessoa - casa)W
pessoa - boca)W
pessoa - bolsa) "minha casa" "minha boca" "minha bolsa"e b) apresentam como variantes
Iwl '\ posi~iio ev: [v] - [w], Ijl ~ posi~iio ev: [~] - [j]
posi~iio ve: [w] pOSl~ao ve: [j]
ii) niio sei dizer ainda quais siio as vogais que se distinguem subjacentemente. Todas as vogais podem aparecer nasalizadas. Mas, de acordo com urn levantamento preliminar, a nasalidade
e
contrastiva apenas para as vogais apresentadas na matriz. Tanto as vogais orais como as nasais exibem uma grande varia~iio superficial.v
ve
ev
,!!.va(.'ho ''palha'' am. P::l:,' r3 "£lor" ~ "campo" eve eev eeve f;m "cachorro"khri
"frio" vein "piqui"A expansiio maxima da sflaba subjacente em AC pode ser formalizada da seguinte maneira: C1 onset ---~ NIicleo C /' <aprriximante>\ V
ro~~~:~
2l
- eondi~6es:se I, entao 2Restri~s negativas:
*
[lab lab]Nos dados lingui'sticos coletados em pesquisa de campo, p6de-se observar que a sllaba em meio e em fronteira de palavra
e
sempre pesada. A coda pode ter seu constituinte determinado subjacentemente, como nos exemplos:(4) [in.' t:>] "olho dele" (5) [p;)(.'ho] "fumo" (6) [ku:.' cuj.di] "pato" (7) [h:>:.'kr:>w.'cu] "mamao" (8) [tcp.'ti] "peixe grande"
(9) [hii?.'kh:>p] "unha dele" (10) [am.' p:>: .r3] "flor"
(il) [tut.'khoj] "nome de mulher" (i2) [mEp.pal).'krE] "n6s tr8s" (13) [pak.'ti] "escorpiao grande"
A outra maneira de preenchimento da segunda mora
e
pelo prolongamento da vogal do nucleo silabico. Exemplos:(14) ['k(U:.fE] "caititu" (is) [in.ci:.'vEj] "velho" (16) [ka:.' per"] "bacaba"
(17) [ce:.'b(E] "morcego" (18) [ha:.'tu] "capim" (19) [pu(.ga:.'cu] "juriti"
Pode ocorrer ainda uma duplical(ao da consoante em onset da sllaba imediatamente seguinte:
(20) [hap.'pak] "orelha dele" (21) [kat.' tut] "costas dele" (22) [mel).grEk.'krEl] "mol(o"
(23) [kah. 'Mj] "mulher" (24) [kat.' tSe] "estrela" (25) [kuk. 'khoj] "macaco"
Pode-se encontrar, na Hngua apanjekra, inumeros exemplos de alongamento vocalico: em fronteira de palavra, como [p:>:]"veado", [kra:] "paca", que t8m na forma subjacente
Ip:>/,
Ikra/; outros exemplos, como 0dos morfemas de 1-e 3- pessoas,Ii-I
e la-I, que sempre se realizam [i:] e [a:]:(26) [i:.'t:>] "meu olho" (27) [i:.'cwa] "meu dente" (28) [i:.'khat] "minha coxa"
(29) [a:.' t:>]"teu olho" (30) [a:.'cwa] "teu dente" (31) [a:.'khat] "tua coxa"
Nos dados analisados ate agora, 0 alongamento da consoante parece estar condicionado
a
ocorr8ncia/aus8ncia de vogal alongada: se0nucleo silabico for VV nao M lugar para 0alongamento da consoante*
[ka:p.'pe("], mas se for V M lugar I ku.lhitl [kuk.'0rit] "anta". Neste ultimo exemplo, 0alongamento da consoante varia livremente com 0alongamento da vogal [ku:. 'khrit]. Essa varial(ao parece ocorrer entre dialetos.o
padrao (CC)VV niio foi considerado porque a) vogais longas niio fazem parte do inventario fonol6gico do AC e b) nao M varial(ao da segunda vogal do nucleo: essa posil(ao esta sempre preenchida pela c6pia da primeira vogal nuclear. Por essa razao, parece que M dois moldes silabicos: (CC)V(C) para a sfiaba subjacente e, devido493 a processos de ressilabaltao, (CC)VV e (CC)VC para a sflaba de superffcie (sflabas de superffcie em meio e em fronteira de palavra preconizam uma rima de dois elementos).
Acreditando que0problema que se levanta localiza-se no nfvel da definiltao de
sflaba do apanjekra, p6de-se pressupor a existencia de vanos nfveis de silabaltao, onde os mecanismos de organizaltao da seqUencia segmental em sflabas nao seriam necessariamente identicos em todos os nfveis de representaltao. 0 objetivo foi 0 de
levantar, de maneira preliminar, as regras que sao motivadas pelas discrepancias entre 0
material subjacente incompletamente silabado e as necessanas estruturas de superffcie plenamente silabadas.
Para silabar alguns dados do AC foi usada a proposta de Clements & Keyser (1983), em It6 (1986), em que assume-se que geminadas apresentam uma estrutura com ligaltao dupla:
/1""-/1""-Cy\y.
1ccv
I
II I
c e b(e /1""-/1""-CV\C~VCIIV
II
ha p ak /1""-/1""-CV\CVVCI I \ I I I
k U kh ojNo caso das consoantes alongadas no interior do morfema, seria uma violaltao ao Princfpio do Contorno Obrigatorio (OCP) que os dois segmentos l! e kh fossem, cada urn deles, ligados separadamente ao esqueleto. Por essa razao, consoantes com dupla ligaltao foram consideradas geminadas de superffcie. Nenhuma modificaltao precisa ser feita na expansao maxima do padrao silabico ,,[CCVC), ja que as consoantes de contorno Icl e /kh/, consideradas nao habilitadas para a posiltao de coda, tern apenas sua primeira parte na coda da sflaba anterior:
(32)
[prat.'ci] "melancia"cr
cr
//1 ""- /1
CCVCCVI I I
\j
!
pra c 1(33)
[kuk.'khen] "cotia"cr
cr
/f'-.
/f'-.
CVCCVCI 1\
l"
ku k eno
alongamento da vogal, que cria 0 padrao silabico de superffcie ,,[CVV],juntamente com 0alongamento da consoante podem ser formalizados na regra lexical:
cr
cr
Ivr···!v
l
I
I
(34)(0 ~ XI []
em que a posiltao esqueletal X pode ser preenchida tanto por V como por C. Essa regra pode ser melhor entendida no processo derivacional:
(35)
Deriva~ao LexicalCVCVCV
I I I I I I
hakhete
silaba~ao (aplica~ao da regra (34»:
/I ~"
/f
J1
CV·· CV
CV
I I
I I
I I
ha khe te (36) Deriva~ao P6s-Lexical silaba~ao/f\
/f\
/1
C V C.C;yv:.C
V
I I
....
j
I ....I I
h a khe t eA posi~iio esqueletal criada pela regra (34) vai ser preenchida ora pelo espraiamento da vogal do m1cleo, ora pelo espraiamento da consoante no onset da sfiaba seguinte. Em fronteira de palavra essa regra tambem pode ser aplicada, mas nesse caso uma regra p6s-lexical:
(37) Ihum.re - tel ~ [hum.ret.'te] (homem - perna) "perna do homem" (39) Deriva~ao Lexical
CVCCV
CV
/1/11 /I
humre te
silaba~iio (regra (34) nao aplicada):
(J a a
A
~
~
cvccv
cv
I "
I I
/I
hum re te (40) Deriva~iio P6s-Lexical justaposi~ao: (J (J (J/f'.-.
/1
/
I
CYCCY
CY
I I I I I
I I
[hum re][te] ressilaba~iio(aplica~iioda regra(34»: (J (J (J/ I \ / 1\ /1
CYCCYCCY
~I
IAi··.vI
/1
hum re te(38) Ir~p.ti - cwal ~ [(:lp.ti:.'cwa] (on~a - dente) "dente da on~a"