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UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO DE ESTUDANTES CEGOS DE UM MUNICÍPIO DO INTERIOR DO PARANÁ NA OLIMPÍADA BRASILEIRA DE MATEMÁTICA DAS ESCOLAS PÚBLICAS OBMEP

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UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO DE ESTUDANTES CEGOS

DE UM MUNICÍPIO DO INTERIOR DO PARANÁ NA OLIMPÍADA

BRASILEIRA DE MATEMÁTICA DAS ESCOLAS PÚBLICAS –

OBMEP

Lúcia Virginia Mamcasz-Viginheski – lmamcaszviginheski@gmail.com

Docente da Faculdade Guairacá e da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais - APADEVI

Rua Expedicionário João Maria Batista, 1251, Residencial Virmond Guarapuava – Paraná

Adriane Eleutério Souza – profadrimat@hotmail.com

Docente da Faculdade Guarapuava e Coordenação Pedagógica de Matemática do Núcleo Regional de Educação

Rua Guaíra, 1938, Centro Guarapuava - Paraná

Sani de Carvalho Rutz da Silva – sanirutz@gmail.com PPGECT- UTFPR

Av. Monteiro Lobato, s/n, km 04 Ponta Grossa - Paraná

Elsa Midori Shimazaki – emshimazaki@uem.br

Departamento de Teoria e Prática e Programa de Pós-Graduação em Educação - UEM Av. Colombo, 5790, Jardim Universitário

Maringá – Paraná

Resumo: Este artigo tem como objetivo investigar o desempenho de dois estudantes cegos na

Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas – OBMEP- por meio da análise das condições de ensino e aprendizagem da Matemática em sala de aula propiciados a esses estudantes. Foi utilizada a pesquisa de campo como procedimento técnico para a coleta de dados, fazendo-se uso da abordagem quali-quantitativa para os procedimentos, descrições e análise dos resultados. A pesquisa foi aplicada em dois colégios estaduais do município de Guarapuava- Paraná - Brasil, tendo como sujeitos dois estudantes cegos matriculados no 7º e no 8º anos do Ensino Fundamental e seus professores de Matemática. Os dados foram coletados por meio dos gabaritos das provas da primeira fase da OBMEP- edição 2016- e de entrevistas semiestruturadas com os dois estudantes cegos e seus professores. A partir dos dados encontrados, interpretados mediante a análise de conteúdo, constatou-se que a prática metodológica e os recursos pedagógicos utilizados em sala de aula, não são suficientes para a apropriação do conhecimento matemático exigido pela OBMEP, tanto pelos estudantes cegos como pelos demais estudantes.

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1 INTRODUÇÃO

A Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas – OBMEP1 – é uma avaliação nacional na área de Matemática - elaborada pelo IMPA – Instituto de Matemática Pura e Aplicada desde 2005, realizada anualmentenos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio das escolas públicas brasileiras, cujos objetivos principais são o incentivo ao estudo da Matemática e a revelação de talentos nessa área. Essa avaliação é um dos eventos desenvolvidos pela Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social – SECIS- criada em 2003 pelo governo federal com a finalidade de promover a inclusão social por meio de ações educativas (SCHIRLO & SILVA, 2014).

A OBMEP é realizada em duas fases. Na primeira é aplicada uma prova objetiva com vinte questões elaboradas a partir da tendência metodológica da Educação Matemática, a Resolução de Problemas, em que são selecionados 5% dos estudantes das escolas inscritas, que apresentaram melhores resultados para a segunda fase da respectiva edição. Nesta, a avaliação é discursiva, sendo avaliado, além das respostas, o processo de resolução. Aos estudantes medalhistas, os quais se destacaram na segunda fase, são oferecidas bolsas de estudo do CNPq para programas de iniciação científica. O Programa de Iniciação Científica Júnior – PIC Jr oferta encontros periódicos entre os estudantes premiados e um orientador vinculado a um departamento de Matemática de instituição pública de ensino superior, para realização e discussão de exercícios, verificando o desempenho e o desenvolvimento do aluno.

A esse respeito Soares (2012) destaca que a avaliação da OBMEP investe em um percentual pequeno dos estudantes, apenas 5%; enquanto outros tantos estudantes, os quais não lograram êxito na avaliação por motivos diversos, necessitam de maior atenção em seu processo de aprendizagem. Para a autora, esta deveria ser uma das preocupações da escola, a qual necessita repensar o currículo de forma a atender todos os estudantes, especialmente aqueles que mais precisam.

Concorda-se com Soares (2012) quando ela considera que esse fato não deve configurar como uma crítica ao programa, mas um apontamento sobre os diferentes objetivos propostos pela OBMEP e pela escola. Nas palavras da autora, “a escola avalia para retroalimentar o processo educativo de todos os alunos, a OBMEP seleciona alguns para ampliar o seu potencial individual” (SOARES, 2012, p. 7). Constata-se com isso a necessidade de os professores de Matemática tomar conhecimento sobre questões da OBMEP e os resultados obtidos por seus estudantes, para refletirem sobre a sua prática pedagógica e os seus encaminhamentos em sala de aula.

Entre os 95% dos estudantes não selecionados encontram-se os estudantes cegos, os quais apresentam alterações graves ou totais nas estruturas oculares, comprometendo a faculdade de perceber cores, formas, tamanho, posição, distância e movimentos (SÁ, CAMPOS e SILVA, 2007).

As informações fornecidas pela Coordenação Estadual da OBMEP dão conta de que no estado do Paraná não existem registros de que estudantes cegos tenham recebido medalhas ou menção honrosa. Ressalta-se que não foi possível o acesso aos dados em nível nacional. Provavelmente isso está relacionado ao fato de que, por serem estudantes cegos, muitas vezes ficam à margem do processo educacional, recebendo uma educação de péssima qualidade. Dessa forma a escola não tem cumprido com a sua função de ensinar a todos, desrespeitando o direito de todas as pessoas, sejam elas deficientes ou não, de uma educação de qualidade.

Destaca-se que por muito tempo a educação das pessoas com deficiência foi de responsabilidade dos programas de Educação Especial, que se constituía como um sistema de ensino paralelo ao ensino regular. Entretanto, a partir da década de 1990, época em que as

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discussões sobre a inclusão desses estudantes no ensino regular se intensificaram, e pela implantação da Lei 9.394/1996, ela passa a ser reconhecida como uma modalidade de ensino. Dessa forma, a Educação Especial intensificou seu trabalho com o ensino regular, desenvolvendo ações em favor da inclusão das pessoas com deficiência no ensino regular com vistas a garantir o seu acesso, sua permanência e a progressão nos estudos.

No estado do Paraná, um dos atendimentos prestados pela Educação Especial na área da deficiência visual é o apoio à escolaridade, mediante o qual os professores do ensino regular são assessorados com adaptações de materiais em relevo, ampliações, transcrições da escrita braille para a escrita à tinta e vice-versa, entre outros.

Por meio desse atendimento tomou-se conhecimento de que, no município de Guarapuava, Paraná, dois estudantes cegos matriculados no Ensino Fundamental de dois colégios públicos responderam à avaliação da primeira etapa da OBMEP na edição de 2016. Ambos os estudantes acertaram apenas uma das questões da prova, cujo resultado sinalizou existirem adversidades no processo de ensino e de aprendizagem da disciplina de Matemática.

Entre as hipóteses, considera-se que essas dificuldades podem ser causadas pela falta de adaptações curriculares, pelo uso de metodologias inadequadas para o ensino de Matemática para estudantes cegos e por dificuldades de aprendizagem apresentadas por eles.

Diante disso, levantou-se como problema que norteia o presente estudo: a que se deve o fato dos estudantes cegos apresentarem baixo rendimento na avaliação da OBMEP?

Frente a esse problema, o principal objetivo deste artigo é investigar, tomando como ponto de partida os resultados obtidos pelos estudantes cegos de Guarapuava, PR na avaliação da OBMEP de 2016, as possíveis causas para esse baixo rendimento e as condições de ensino e aprendizagem da Matemática em sala de aula, repassados aos referidos estudantes e, a partir dos resultados e suas análises, apontar possíveis caminhos para o ensino de Matemática inclusivo, com vistas à aprendizagem e à aplicação do conhecimento elaborado em diferentes situações.

Os dados coletados foram analisados a partir dos pressupostos teóricos da corrente sócio histórica, fazendo-se uso da teoria de Vigotski (1998; 1997; 1991) para as questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem.

Na acepção desse teórico, a relação dialética entre o homem e sua ação com os instrumentos, assim como a convivência social, contribuem para a apropriação dos conceitos. Nessa direção, Talizina (2009) entende que os conceitos são formados pelo sistema determinado pelas ações, associadas às operações e, juntas, constituem o mecanismo psicológico dos conceitos.

Pelo fato de os conceitos se estabelecerem como um ato real e complexo do pensamento, eles não podem ser ensinados por meio do treinamento, da repetição, descontextualizados das situações cotidianas vivenciadas pelos estudantes. Para Vigotski (1998), a aprendizagem leva ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores, o qual se dá em diferentes níveis. O nível de desenvolvimento real é determinado por aquilo que o estudante consegue realizar sem a ajuda de terceiros e o nível de desenvolvimento proximal é definido pelos conceitos que estão em fase de maturação, ou seja, o que o estudante conseguirá fazer com independência por meio do processo de mediação entre professor, outros colegas e instrumentos. O espaçamento entre os níveis de desenvolvimento real e proximal foi denominado por Vigotski (1998) como zona de desenvolvimento proximal.

Galperin (2009a), ao considerar aprendizagem toda atividade que resulta na formação de novos conhecimentos e habilidades aos que a pessoa já possuía, desenvolveu uma teoria a que explica o mecanismo de interiorização das ações externas, ou seja, a formação da ação no plano mental a partir da teoria da formação dos conceitos propostas por Vigotski. Para este último, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores se dá mediante o encontro de

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uma forma adequada de ação e a forma material que representa essa ação, transformando-a em ação interna. Em outras palavras, a internalização do conhecimento.

O planejamento da ação pelo professor, a imagem do produto final, a escolha dos procedimentos e o sistema das condições exigidas para a ação constituem a etapa da Base Orientadora da Ação - BOA. As relações estabelecidas pelo estudante por meio da manipulação de objetos ou suas representações e fenômenos, apoiados na BOA estabelecida pelo professor para o processo de ensino e aprendizagem, determinam a etapa material ou materializada.

A linguagem, tendo como uma de suas funções a comunicação social e a generalização do pensamento (VIGOTSKI, 1991), é considerada por Galperin (2009c) como um dos meios que promovem a interação entre o professor e o estudante na construção de significados. Dessa forma, Galperin (2009c) estabeleceu a formação no plano da linguagem externa como a etapa seguinte no processo de internalização das ações externas. Sobre essa questão, Núñez (2009, p. 11) considera que:

Na aprendizagem, a linguagem é uma condição importante para o desenvolvimento mental, porque o conteúdo da experiência histórica do homem, a experiência histórico-social, não está consolidado somente nas coisas materiais, mas está também distribuído e refletido na forma verbal da linguagem.

A última etapa estabelecida por Galperin (2009c) diz respeito à transformação da linguagem externa em interna, proporcionando aos estudantes novos meios para o pensamento, os quais lhes permitem inferir sobre suas ações. Mediante essas etapas, o conhecimento é internalizado, sendo possível inverter o sentido, externalizando o pensamento.

A concepção de aprendizagem e desenvolvimento na perspectiva de ensino proposta por Galperin (2009c) pressupõe uma metodologia que supere o ensino tradicional, em que os conteúdos são abordados mecanicamente e de forma repetitiva, descontextualizados da realidade, e o estudante não participa ativamente no processo de aprendizagem.

O planejamento de ensino proposto nas etapas de Galperin oportuniza ao estudante sua participação ativa na elaboração e apropriação dos conhecimentos escolares, mediado pelo professor, seus colegas e os instrumentos utilizados para este fim.

Em seguida, são apresentados os encaminhamentos metodológicos utilizados para a coleta e a análise dos dados.

2 ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

Para que o objetivo proposto para este estudo fosse alcançado, fez-se uso da pesquisa quali-quantitativa nas descrições, procedimentos e análise dos resultados, utilizando-se da pesquisa de campo como procedimento técnico (GIL, 2002).

A pesquisa foi levada com efeito no município de Guarapuava, interior do estado do Paraná. Participaram da pesquisa os dois únicos estudantes cegos matriculados em turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, em escola pública nesse município. Os nomes utilizados para os participantes são fictícios. O primeiro estudante, denominado por João, é do sexo masculino, tem 17 anos de idade e frequenta o oitavo ano, na turma A. O segundo participante, do sexo feminino, com 13 anos de idade, denominada por Luana está matriculada no sétimo ano, na turma B. Ambos apresentam cegueira congênita, são cegos desde o nascimento. Também participaram deste estudo o professor Marcos, professor de Matemática do João, e a professora Helena, professora de Matemática da Luana.

A partir dos gabaritos da prova da OBMEP foi realizado um levantamento de dados sobre o desempenho de todos os estudantes das turmas A e B, com o objetivo de compreender se o

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baixo desempenho na avaliação dizia respeito apenas aos estudantes cegos ou também se estendia aos demais estudantes. Para tanto, solicitou-se à equipe pedagógica dos colégios os gabaritos para a coleta das informações relativas a quantas e quais questões os estudantes acertaram na avaliação. Os dados foram tabulados e representados por meio de gráficos, apresentados na sessão dos resultados e análises, para melhor visualização.

Outra providência tomada foi solicitar aos colégios frequentados pelos estudantes a avaliação da primeira fase da OBMEP/2016 adaptada em braille, assim como as orientações encaminhadas para os profissionais que atuaram na avaliação como ledores, isto é, que realizaram leituras para os estudantes no momento da avaliação. As avaliações foram utilizadas para a análise das questões referentes às adaptações curriculares para o ensino dos estudantes cegos.

A entrevista semiestruturada foi utilizada como instrumento para coleta de dados dos professores de Matemática e dos estudantes cegos, cujos dados foram interpretados por mediante análise de conteúdo (FRANCO, 2012).

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados obtidos na primeira fase da OBMEP/2016 pelos estudantes das turmas A e B foram tabulados e organizados por meio das representações gráficas apresentadas nos Figuras 1 e 2:

Figura 1 – Análise do número de acertos do 7º ano B Fonte: Acervo das pesquisadoras.

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Figura 2 - Análise do número de acertos do 8º ano A Fonte: Acervo das pesquisadoras.

Dos estudantes do 7º ano B que participaram da avaliação, constatou-se que 89% tiveram um rendimento inferior a 36% , assim como a turma do 8º ano A, a qual 96% dos alunos apresentaram rendimento análogo.

Os estudantes João e Luana resolveram a avaliação pela primeira vez e ambos acertaram apenas uma das vinte questões. Entretanto, por meio da análise dos gráficos, pode-se afirmar que o baixo desempenho na avaliação da OBMEP não se refere apenas a eles, e sim a todos os estudantes de ambas as turmas. Pressupõe-se que isso aconteça pela não familiaridade dos estudantes com o formato das questões da OBMEP.

Os professores Marcos e Helena pontuaram na entrevista semiestruturada que as dificuldades apresentadas pelos estudantes estão associadas à falta de conhecimentos de conteúdos básicos da Matemática, dificuldades de raciocínio, dificuldade de abstração, somadas a outros fatores, que contribuem para o baixo rendimento na avaliação da OBMEP.

Resultado semelhante a este foi diagnosticado por Soares (2012). A autora analisou os resultados de todas as turmas do 6º ano do Ensino Fundamental de um colégio público da mesma cidade em que o presente estudo foi realizado, na edição da OBMEP/2012. A autora constatou que 95% dos estudantes apresentaram aproveitamento inferior a 36%, causando inquietações entre professores e estudantes.

A partir dos resultados obtidos em sua pesquisa, Soares (2012, p. 11) pressupôs que:

[...] os principais fatores determinantes do desempenho insatisfatório, apresentado pelos referidos alunos, correspondem à falta de leitura atenta das situações -problemas associados à fragilidade do raciocínio lógico, deficiência vocabular específica da matemática e a não abstração de determinados objetos matemáticos, conceitos, propriedades e princípios a eles correspondentes, dentre eles o cubo, relações de equivalência e frações.

Considerar a avaliação um instrumento de diagnóstico do processo de ensino e de aprendizagem requer do professor reflexões sobre a sua prática docente. Assim, atribuir apenas ao estudante a responsabilidade por sua aprendizagem não estabelece o equilíbrio que

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deve existir entre o ensinar e o aprender. Muitas vezes, as dificuldades podem estar relacionadas à metodologia aplicada pelo professor para o ensino de Matemática, a qual não implica a alguns estudantes uma eficiência na aprendizagem, principalmente se estes apresentam algum tipo de deficiência.

Com relação à metodologia de ensino utilizada, o professor Marcos assinalou que em sala de aula faz uso de listas teóricas contendo um resumo do conteúdo trabalhado em tópicos, com exercícios fundamentados na teoria estudada. Ele também utiliza problemas retirados de livros didáticos, assim como vídeo-aulas para complementar suas listas, conforme a necessidade. Salienta-se que para o estudante João, o professor ainda não disponibilizou nenhuma dessas listas adaptadas de acordo com as suas necessidades.

O estudante João relatou que não faz uso de nenhum material nas aulas de Matemática. Revelou que procura escutar o que o professor de Matemática diz, porém a turma é muito agitada e desordeira. Expressou grande desejo de participar ativamente do processo de aprendizagem: “eu queria que ele desse para mim uma lista de exercícios em braille”.

A professora Helena alegou fazer uso dos materiais concretos disponíveis na escola para o ensino de conceitos matemáticos; todavia, segundo ela, o colégio não conta com uma variedade de materiais de forma a possibilitar aos estudantes melhores condições para a aprendizagem desses conceitos. Ressaltou, entretanto, que a estudante Luana apresenta maior rendimento quando interage com ela oralmente.

A estudante Luana declarou fazer uso da máquina braille e do soroban para aprender os conteúdos matemáticos. Demonstrou estar satisfeita com a metodologia utilizada por sua professora. Elucidou entender melhor o que a professora explica no quadro oralmente e que uma colega a auxilia na resolução das atividades propostas.

Parece ser comum os professores fazerem uso apenas da oralidade para ensinar os estudantes cegos, considerando-os apenas ouvintes no processo de ensino e de aprendizagem. Em outra pesquisa também foi constatado que uma professora de Matemática fazia uso apenas da oralidade para ensinar uma pessoa com a mesma deficiência (VIGINHESKI, et al., 2016). Nesse sentido, Talizina (2009) atenta para o fato de que conceitos não podem ser formados e muito menos generalizados em situações posteriores, como na resolução de problemas, sem as ações e as operações dos estudantes. Para a autora, os estudantes precisam participar ativamente do processo de aprendizagem, o qual necessariamente precisa passar por todas as etapas da formação dos conceitos, quais sejam etapas material, verbal e mental.

Com relação aos estudantes cegos, Vigotski (1997) considera a cegueira muito mais que uma deficiência. Em sua perspectiva, essa deficiência pode ser considerada como a razão de manifestação de outras capacidades, em que outras habilidades sensoriais se desenvolvem em função da falta da visão. Consequentemente, torna-se importante na escola a utilização de recursos que estimulem outros canais receptivos como o tato, por exemplo, para o ensino dos conhecimentos escolares.

O documento Saberes e Práticas da Inclusão (Brasil, 2006, p. 134) acautela que a utilização apenas da oralidade para ensinar esses estudantes pode ser insuficiente para a aprendizagem dos conceitos, uma vez que o estudante faz uso de apenas um dos canais receptivos para a aprendizagem, ou seja, a audição, e isso pode causar lacunas entre o que se ensina e o que se aprende:

É evidente que um ensino da Matemática calcado apenas em exposições teóricas, sem experiência concreta e significativa, em que falte a participação direta do aluno por insuficiência de recursos didáticos adequados, tenderá a desenvolver, em qualquer educando, uma atitude desfavorável à assimilação e à compreensão do conteúdo desenvolvido.

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Galperin (2009b) sustenta que a ausência da etapa da ação materializada, a qual permite um contato direto com as situações reais e as da etapa verbal, dificultam a formação da ação no plano interno e compromete a elaboração e a apropriação dos conceitos.

Destaca-se que muitas das questões das provas da OBMEP apresentam representações gráficas dos conceitos abordados. As que foram enviadas para os estudantes João e Luana eram em braille, com as figuras e gráficos adaptados em relevo e/ou da descrição. Na prova do Nível 1, respondida por Luana, 14 das 20 questões faziam uso de representações de dados em relevo e na prova do Nível 2, respondida pelo estudante João, 13 das 20 questões apresentavam os dados por meio de imagens. Apenas o colégio de João solicitou o ledor para auxiliar na leitura, dessa forma, além da prova em braille, foi disponibilizado um texto com as descrições das figuras adaptadas. Por consequência, um profissional leu a prova para o estudante João e ele acompanhou a leitura por meio da prova em braille. Segundo ele: “no livro estava tudo errado” (referindo-se ao caderno de prova em braille). Os motivos que podem ter levado o estudante a essa conclusão podem estar relacionados ao fato de sua leitura tátil não acompanhar a leitura oral. Ressalta-se que o profissional que fez a leitura da prova não era o professor de Matemática.

A estudante Luana realizou a prova sem o auxílio do ledor. Segundo ela, conseguiu ler todas as questões, porém não as resolveu, apenas escolheu as alternativas das respostas de forma aleatória. Assinalou que em sala de aula não havia resolvido nenhuma questão como as da prova da OBMEP. De fato, se na sala de aula o estudante cego não tiver acesso às atividades semelhantes, poderá apresentar dificuldades no momento de resolver avaliações como a da OBMEP, a do o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM a do vestibular, entre outras.

Para o professor Marcos, a circunstância que levou seu aluno a acertar apenas uma das questões deu-se por algum interesse que o estudante tem em suas aulas; em suas palavras: “alguma coisa ele aprende por meio da audição”. Entende-se que “alguma coisa” não é o suficiente para garantir o direito que o estudante tem de acesso ao conhecimento. Já a professora Helena atribuiu o fato de a estudante Luana ter acertado apenas uma das questões a dificuldade da leitura em braille, além da presença na prova de figuras geométricas relacionadas a conteúdos que ainda não haviam sido ensinados na turma pela professora. Para a estudante Luana, a falta de adaptações em relevo em sala de aula dificultou o entendimento das questões.

No caso das adaptações para o ensino de Matemática para estudantes cegos, fazem-se necessárias reflexões a respeito do currículo. Garcia (2012) aponta que o currículo escolar não se constitui apenas de conteúdos, envolvendo também pressupostos, métodos e procedimentos avaliativos. O currículo também não é definitivo, ele está sujeito a constantes alterações, conforme as necessidades constatadas no cotidiano escolar. A autora considera ainda que questões relacionadas à melhoria da qualidade de ensino, a transformações tecnológicas, à globalização, à universalização do ensino e à necessidade de uma educação para todos são motivadoras para que as mudanças curriculares aconteçam.

Soares (2012, p. 8) sublinha que “o currículo envolve significados atribuídos à educação escolar e a operacionalização desses significados em situações concretas”. Ao se pensar em adaptações curriculares para os estudantes com deficiência, não significa simplesmente excluir conteúdos a partir do julgamento do professor sobre o que estes estudantes podem ou não aprender.

O ensino de Matemática inclusivo necessita da atuação do professor como mediador entre o estudante cego e o objeto de conhecimento, proporcionando para todos os estudantes a participação no processo de apropriação dos conceitos, e isso requer o entendimento do professor de que forma proceder com as adaptações necessárias para o estudante cego. Isso

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não significa que o professor precisa pensar sua aula em dois momentos, um momento para os estudantes que enxergam e outro para os que não enxergam (VIGINHESKI, et al., 2016).

As adaptações que podem ser realizadas pelos professores para o ensino para pessoas com deficiência são denominadas adaptações curriculares de pequeno porte e entre elas podem ser citadas a comunicação adequada entre todos os estudantes na sala de aula, o incentivo e o favorecimento à participação dos estudantes com deficiência nas atividades, a adaptação de materiais de acordo com as limitações da deficiência, entre outros (ARANHA, 2000). Ressalta-se que em caso da falta de conhecimento do professor frente a alguma adaptação necessária, este pode procurar os profissionais da Educação Especial, evitando que o estudante fique à margem por falta dessas adaptações.

A questão número 11 da prova do Nível 1, apresentada na Figura 3 pode ser usada como um exemplo de como é importante o professor trabalhar em sala de aula com as adaptações para os estudantes cegos dos gráficos, figuras e tabelas utilizadas na Matemática, em relevo e/ou descrição.

Figura 3: Questão n. 11 – Nível 1 - OBMEP Fonte: OBMEP, 2016c, p.2.

Na prova em braille (OBMEP, 2016a, p. 24), as imagens foram adaptadas em relevo, acrescidas de pontos de referência destacadas nas descrições a seguir:

Nota de transcrição: As partes cinzas das figuras a seguir estão representadas com o símbolo “é”.

Descrição da 1ª dobra: usando um segmento PQ como uma dobra, leva o ponto B até o ponto O, aparece o triângulo cinza OPQ.

Descrição da 2ª dobra: Leva o ponto A até o ponto P, de modo que o segmento OP fica apoiado no lado Ad; a dobra passa por um ponto M no lado AP e um ponto N no lado DC. Aparecem um retângulo cinza AMND e um quadrado branco ODCQ. Descrição da 3ª dobra: Leva o ponto A até o ponto Q, por uma dobra que passa por um ponto R no segmento AQ e um ponto S no segmento MN, o segmento RS passa por O. Aparecem um quadrilátero cinza AMSR com O no lado MS, um quadrado cinza ODNS e um retângulo branco ODCM.

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Salienta-se que a leitura tátil difere da leitura visual tanto para os textos, como para as figuras. Enquanto que visualmente percebem-se todas as letras que formam uma palavra e todos os traços que compõem uma figura, tatilmente, a pessoa cega vai decifrando na leitura letra por letra para formar a palavra, e não é certo que todos os pontos alinhados em um desenho permitirão ao estudante cego identificar uma figura da mesma forma que se identifica visualmente (VIGINHESKI, et al., 2014).

Para resolver esta e outras questões semelhantes, o estudante cego necessita ter conhecimento anterior de conceitos relacionados aos objetos de estudo. Quando a cegueira é acometida no decorrer da vida, a memória visual contribui muito para a identificação de propriedades dos objetos. Entretanto, quando a deficiência é congênita, os conceitos precisam ser explorados na etapa material por meio de objetos táteis que apresentem essas propriedades, preferencialmente relacionados às vivências cotidianas desses estudantes.

Reily (2004) sublinha que o professor, ao proporcionar ao estudante cego variadas formas de acesso ao conteúdo, sejam elas tátil, auditiva ou outras, respeitando o tempo individual do estudante para se apropriar desse conteúdo, criam- condições favoráveis à aprendizagem, proporcionando-lhe igualdade de condições em relação aos demais estudantes. Nessa perspectiva, o professor tem papel mediador na descoberta do aluno, levando-o a elaborar o conhecimento de tal monta que favoreça a interação entre o sujeito e o objeto.

Ao retomar ao objetivo proposto, o de investigar as possíveis causas para o baixo rendimento dos estudantes cegos na OBMEP, verificou-se que as dificuldades são causadas pela soma de fatores apontados como hipóteses para este estudo, quais sejam, a falta de adaptações curriculares, o uso de metodologias inadequadas e dificuldades de aprendizagem, destacando-se que estas podem também estar relacionadas às duas primeiras, principalmente por que não se trata da realidade apenas dos estudantes com deficiência, e sim a da grande maioria dos estudantes das duas turmas analisadas

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, a partir do referencial teórico utilizado para a análise dos dados que os resultados obtidos na avaliação da OBMEP apontam para a necessidade de reflexões e até mesmo de mudanças na prática pedagógica do professor de Matemática, de forma que os estudantes realmente se apropriem dos conceitos ensinados, internalizando-os e generalizando-os em diferentes situações, até mesmo nas atividades avaliativas como a que está sendo investigada.

Diante disso, pressupõe-se que uma proposta de ensino planejada a partir das etapas propostas por Galperin (2009, b), oportunizando aos estudantes a manipulação de materiais concretos ou representações, para que possam observar as regularidades dos fenômenos matemáticos, fazer uso da linguagem para expressar verbalmente as reflexões sobre suas ações, elaboração e validação de hipóteses e a utilização da linguagem, externa ou interna, contribui para a aprendizagem e o desenvolvimento de todos os estudantes, com ou sem deficiência.

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AN ANALYSIS OF BLIND STUDENTS PERFORMANCE OF AN INNER

CITY IN PARANA DURING THE PUBLIC SCHOOLS MATHEMATICS

BRAZILIAN OLYMPIADS - PSMBO

Abstract: This article intends to investigate the performance of two blind students in the

Public Schools Mathematics Brazilian Olympiads – PSMBO (OBMEP – Portuguese abbreviation) – through the analysis of the conditions of Maths teaching and learning provided to those students within the classroom. The field research was used as the technician procedure to the data collection, using the quali-quantitative approach for the procedures, descriptions and analysis of the results. The research was applied in two state schools in Guarapuava – Paraná- Brazil, having as its subjects two blind students enrolled in the 7th and 8th levels of the Basic school and their mathematics teachers. The data were collected through the answer keys of the 1st PSMBO(OBMEP – Portuguese abbreviation) phase tests – 2016 edition – and also from semi-structured interviews made with the same two blind students and their teachers. From the collected data, which were interpreted through the content analysis, it was verified that the methodological practices and the pedagogical resources used in the classroom are not enough for the appropriation of mathematics knowledge required by the PSMBO(OBMEP – Portuguese abbreviation), neither for the blind students nor for the other ones.

Keywords: PSMBO(OBMEP–Portuguese abbreviation),Visual Disabilities, Mathematics

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