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Minha experiência com a máscara neutra: um processo para o amadurecimento do ator-educador

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO

Arthur de Araújo Pereira

MINHA EXPERIÊNCIA COM A MÁSCARA NEUTRA:

UM PROCESSO PARA O AMADURECIMENTO DO

ATOR-EDUCADOR

Natal – RN

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Arthur de Araújo Pereira

MINHA EXPERIÊNCIA COM A MÁSCARA NEUTRA:

UM PROCESSO PARA O AMADURECIMENTO DO

ATOR-EDUCADOR

Artigo apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito para obtenção do título de Graduação do Curso de Licenciatura em Teatro, sob orientação da Profª. Drª. Ana Caldas Lewinsohn. Natal – RN

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“Sob a máscara moderei todo movimento. Pareceu-me que Lázaro possuía-me e com ele uma vida inexplorada e inexplicável.”

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Resumo

Neste texto apresento algumas possibilidades de experimentação da máscara neutra com a finalidade de criar personagens partindo deste dispositivo de treinamento para o(a) ator/atriz. Viso contextualizar historicamente o surgimento da máscara, introduzir as inquietações de Jacques Copeau com o trabalho do(a) ator/atriz que realizou o que seriam as primeiras práticas de utilização de um objeto sobre o rosto sem definições prévias, ou seja, neutralizando o sujeito, para a construção de persona, e chego a Jacques Lecoq como conceituador do termo Máscara Neutra e principal idealizador metodológico deste paradigma. Por fim, apresento minha vivência a partir da abordagem em sala de aula como discente e monitor, como ator do Grupo Boi Teodoro, passando também pela experiência de idealizador e ministrante de uma oficina de máscara neutra.

PALAVRAS-CHAVES: ​Máscara neutra; ator/atriz; personagem; oficina; criação; pedagogia teatral.

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Abstract

In this text I present some possibilities of experimentation of the neutral mask with the purpose of creating characters starting from this device of training for the actor/actress. Aim to contextualize historically the emergence of the mask, introduce the concerns of Jacques Copeau with the work of the actor/actress coming to realize what would be the first practices of using an object on the face without previous definitions, ie, neutralizing the subject, for construction of persona, reaching Jacques Lecoq as conceptualizer of the term Neutral Mask and main methodological idealizer of this paradigm. Finally, talk about my experience from the approach in the classroom as a student and monitor, as an actor of the Grupo Boi Teodoro, and also experience as the founder and ministrant of a neutral mask workshop.

KEYWORD: Neutral mask; actor/actress; character; workshop; creation; theatrical pedagogy.

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Agradecimentos

Este artigo leva o meu nome à frente, mas seria impossível concluí-lo sozinho, necessitei de muito apoio para poder finalizá-lo. Venho aqui prestar homenagem e agradecer aqueles que contribuíram direta e indiretamente em minha pesquisa.

Primeiramente agradeço a Isabel Cunha de Araújo, Hozana Medeiros de Araújo e Elivandro Flor Pereira - Avó, Mãe e Padrasto (respectivamente) - por todo apoio que tive nessa minha trajetória que começou em 2015. Vocês são a minha base, meu tripé, que me apoiou e incentivou para que fosse possível viver este sonho.

Também deixo os meus agradecimentos a Jullyana Maria Moreira Julião, por todo o companheirismo, afeto e por ter contribuído de forma efetiva no projeto da oficina e em sua realização.

Dentro do teatro de grupo, obtive a sorte que ter participado de grupos que ajudaram em minha evolução como pessoa/artista, possibilitando uma troca de conhecimento e admiração. Meus agradecimentos ao Grupo de Teatro Eureka, que me acolheu no ano de 2015, no qual passei 3 anos evoluindo junto com o grupo. Do mesmo modo, ao Grupo Boi Teodoro e seus integrantes (André Luiz, Emerson F. Sousa, Gabriel Jason e Mario Rubens), no qual ainda faço parte e que me proporciona viver este teatro de máscara, colaborando e sendo suporte desta pesquisa. Também ao Avante Grupo de Teatro, que está preste a estrear seu primeiro espetáculo e que durante um ano de processo, me fez viver mais uma prática de teatro de grupo, no qual pude amadurecer como pessoa-artista.

Agradeço também ao corpo docente do Curso de Licenciatura em Teatro da UFRN (efetivos e substitutos), por promover essa troca de conhecimentos que iniciou em 2015 e vai terminando seu ciclo em 2019. Agradeço especificamente a

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prof.ª Laura Maria de Figueiredo por me enriquecer com seu conhecimento sobre luz cênica, a prof.ª Ana Caldas Lewinsohn por me apresentar a máscara neutra e por ter compartilhado comigo o seu rico discernimento sobre este objeto, e a prof.ª Melissa dos Santos Lopes, que sempre acreditou no meu potencial desde sua chegada à universidade, proporcionando também uma troca de conhecimento em sala de aula.

Por fim, agradeço ao André Marcelino por me ensinar as técnicas de confecção de máscara, no qual sou eternamente grato por ter adquirido-a, também por me dar a honra em ajudá-lo na sua oficina. Presto também os meus agradecimentos a George Rocha Holanda, meu atual diretor, por quem tenho uma admiração enorme por sua profissionalidade e respeito ao teatro, alguém em quem eu me espelho.

Desde quando entrei no curso, escuto de pessoas da área que “teatro é coletivo”, “não se faz teatro sozinho”. Entender e fazer valer esse discurso, vai além de não estar sozinho, é preciso também reconhecer o valor daqueles que te cercam e saber agradecer, e aqui ficam os meus agradecimentos.

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Sumário

Máscara neutra: corpo expressivo 9

De Copeau à Lecoq: da inquietação ao conceito 11

Minha iniciação à máscara neutra e expressiva 16

Grupo Boi Teodoro: campo aberto ao experimento 22

Monitoria: lugar de onde se vê 25

Experiência da oficina: a máscara neutra e a educação 29

Considerações Finais 37

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Máscara neutra: corpo expressivo

Trata-se de um artigo direcionado à máscara neutra, mas seria muito injusto falar dela sem mencionar o marco histórico que foi a ​commedia dell´arte​, visto que, no ano de 1910, Copeau percebeu nesse gênero, um teatro que exaltava o trabalho do ator, com o foco direcionado nas ações como um todo por meio da expressividade corpórea. Nas primeiras décadas do século XX, Copeau buscou implementar a máscara para que o(a) ator/atriz desenvolvesse sua expressividade corpórea, usando este objeto com a perspectiva de aperfeiçoar o treinamento do(a) ator/atriz. De setembro de 1945 a junho de 1947, Jacques Lecoq conhece a máscara nobre (nomenclatura concebida por Copeau e que Lecoq, junto com Amleto Sartori , batizou de neutra), por intermédio de Jean Dasté e Marie-Hélène1 Dasté, genro e filha de Copeau.

Escrevo neste artigo sobre alguns aspectos da utilização da máscara, especificamente a neutra, a partir das minhas experiências no teatro, como a máscara surgiu e me trouxe um viés para seguir pesquisando e objetivando o trabalho do(a) ator/atriz na construção de personagem. Não farei uma cronologia histórica sobre esse objeto simbólico e que foi/é tão presente no teatro, mas sobre sua utilização em metodologias para o ator/atriz.

A utilização da máscara e seus conhecimentos e metodologia chegaram até mim através da disciplina Pedagogia do Corpo – ofertada pelo curso de Licenciatura em Teatro do Departamento de Artes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – e ministrada pela Prof.ª Dr.ª Ana Caldas Lewinsohn. A disciplina tinha o intuito de fazer com que o(a) aluno(a) obtivesse os conceitos e desenvolvimento de técnicas das máscaras neutras e expressivas, resultando numa montagem a partir de um dos contos recolhido pelo folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo,

1 Escultor italiano que viveu entre os anos de 1912 à 1962. Conhecido por criar o método de modelagem de máscaras de couro em moldes de madeira. Também ficou conhecido por confeccionar as máscaras encomendadas por Jacques Lecoq.

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intitulado “Mata Sete”, para que assim fosse realizada uma pequena mostra de trabalho de encerramento do componente curricular.

A turma ficou dividida em três grupos para desenvolverem a narrativa do conto como bem entendessem, só era obrigatório utilizar as máscaras. Sendo assim, os grupos tinham a autonomia de criarem seus extratos cênicos em qualquer estética e podendo também criar a parte técnica (iluminação, figurino, cenário e sonoplastia). Os grupos foram elaborados por afinidades, cada grupo composto por seis alunos. As aulas ficaram marcadas para rever as técnicas do usa da máscara e também mostrar para turma e professora como estava o processo de cada grupo. Tínhamos total liberdade de criação, os momentos de apresentar para a turma era quando a prof.ª Ana intervia, nos alertando dos princípios da máscara, que por muitas vezes esquecíamos por não praticar com elas quando ensaiávamos fora do horário da disciplina.

Junto aos integrantes do meu grupo, após o exercício de finalização da disciplina, resolvemos dar continuidade ao trabalho, nasceu assim o Grupo Boi Teodoro, no qual exercitamos e desenvolvemos as técnicas de práticas corpóreas e de modelagem/construção/confecção das máscaras, realizados durante o componente Pedagogia do Corpo, tendo como base a pedagogia de Lecoq e inspirações na companhia de teatro alemã Familie Flöz , que é uma referência em2 nossas discussões.

O Grupo Boi Teodoro, junto com o Grupo de Pesquisa em Corpo, Dança e Processos de Criação (CIRANDAR), através do Projeto do Laboratório de Experimentos em Atuação e Máscaras, ofertou em 13 e 14 de abril de 2019 a oficina "Iniciação à máscara neutra: Um viés para a construção de personagem", com carga horária de 16 horas e ministrada por mim. Mais à frente relatarei esta experiência e o quanto ela colaborou e incentivou minha pesquisa, tanto em sua finalidade, a

2 Companhia alemã que desenvolve um trabalho revestido de humor, improvisação, mímica, comédia física e máscaras caricaturais.

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função pedagógica na formação do(a) ator/atriz, como também na minha visão como professor.

De Copeau à Lecoq: da inquietação ao conceito

A máscara se fez presente, no teatro ocidental, desde o surgimento do teatro na Grécia antiga, com o intuito de expressar emoções e caracterizações de personagem, acompanhando o teatro até os dias atuais. Contudo, a máscara só foi pensada como dispositivo de treinamento do(a) ator/atriz no início do século XX, por Jacques Copeau (1879 - 1949), que não se contentava com o teatro de sua época3 e buscava desenvolver uma prática para a renovação do teatro.

Copeau sentia que o(a) ator/atriz estava perdendo espaço dentro do teatro, “rejeitou também o sistema de vedetes que surgiu no século XIX, o teatro de grandes atores com personalidades marcantes. Afirmava que esses atores eram cabotinos, falsos, estavam preocupados apenas com o sucesso pessoal" (Cesconetto, 2002, p. 56). Ele não se via um trabalho físico para exibir as expressividades corporais dos(as) atores/atrizes, e entende que apenas eram exaltados as suas belezas naturais.

No ano de 1910 Copeau tornou-se crítico de teatro da revista francesa

Nouvelle Revue Française – também sendo um dos fundadores. Em sua função de crítico expôs sua insatisfação com o teatro, que naquele período o naturalismo ganhava a cena. Copeau não aceitava o naturalismo, pela ideia de sempre levar excesso de materiais cenográficos ao palco. Entendia que a estética que não exigia a expressividade máxima do(a) ator/atriz, também não permitia que a platéia explorasse o máximo de sua capacidade imaginativa.

3Foi um importante diretor, autor, crítico de revista, dramaturgo e ator de teatro francês. Também foi o fundador do importante Théâtre du Vieux-Colombier em Paris.

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Entretanto, Copeau não ficou apenas no discurso, decidindo então pesquisar uma prática que mudasse aquela realidade. E em suas pesquisas:

(...) encontrou na​Commedia dell’Arte a força para combater a decadência do teatro de seu tempo, visto que nesse gênero teatral o foco não era a voz, mas o ator em ação como um todo; a cena era pobre em recursos materiais e os atores ricos em meios expressivos; não havia a preocupação com a representação realista; além do que nesse tipo de teatro o ator também era cantor, músico, malabarista, equilibrista e se relacio ​nava com a platéia. (CESCONETTO. 2002, p. 56).

Porém foi difícil encontrar atores/atrizes que entendessem e aceitassem o que Copeau queria aplicar, foi então que percebeu que se fazia necessário ter novos atores para um novo teatro que deixasse o palco livre, para o(a) ator/atriz e a poesia serem o foco principal.

A pesquisa de Copeau teve como base central as técnicas usadas na

Commedia dell’arte​, mesmo vivendo em períodos distintos. Ismael Scheffler (2018)

aborda em seu artigo - "A máscara neutra e Jacques Lecoq: considerações históricas, plásticas e pedagógicas", o real significado e importância da ​Commedia

dell’arte​ na pesquisa de Copeau.

A atenção à ​commedia dell’arte não apenas correspondeu a adoção de determinada forma de espetáculo, por sua estética e estilo de interpretação, mas inspirou novas atitudes no teatro europeu, quer pelo pensamento sobre a expressividade do corpo, a teatralização da cena (para além da cena naturalista ou de convenção formalista na recitação do texto). A autonomia criativa do ator e a plasticidade da ​commedia com a utilização de máscaras em espetáculos também foram significativamente influentes (SCHEFFLER, 2018, p. 281).

Copeau movido pela necessidade de modificar o teatro em que vivia e adquirindo os conhecimentos sobre a ​commedia dell’arte​, funda o Teatro do

Vieux-Colombier​, em 1913, com o intuito de apresentar grandes espetáculos e fugir do teatro naturalista. Mais tarde, em 1920 cria à ​École du Vieux Colombier​, adquirindo espaço para desenvolver sua metodologia e também a formação de novos atores/atrizes, onde o corpo do(a) ator/atriz ganharia atenção e destaque. Foi nesta escola que surgiu o uso da máscara como treinamento do(a) ator/atriz.

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O Núcleo de máscara da Escola Livre de Teatro descreve o momento em4 que Copeau percebeu um viés para sua pesquisa com a máscara.

Segundo um testemunho de Saint-Denis (1897-1871) faculta-se a um improviso de Copeau à utilização da máscara como instrumento de treinamento. Uma jovem atriz do Vieux Colombier não conseguia expressar os sentimentos de sua personagem através das ações físicas. Cansado de esperar que ela relaxasse, Copeau colocou um lenço sobre sua face e pediu para que ela repetisse a cena. Inspirado por tal incidente nasceu à exploração do trabalho com a máscara . 5

O nosso corpo reage à imposição das nossas limitações, buscando explorar outros mecanismos. Um deficiente visual desenvolve melhor a audição por não poder ver o que se passa na sua frente. Quando Copeau cobriu o rosto da jovem atriz, impossibilitando a comunicação do seu rosto, o corpo dela reagiu de maneira que a comunicação corporal supriu a comunicação pela oralidade e por suas expressões faciais. Foi então que a máscara passou a se tornar um dispositivo, um objeto que o(a) ator/atriz pudesse utilizar em seu treinamento.

Copeau nomeou como "máscara nobre", um objeto que não tivesse nenhuma característica física (de parecer com alguém) e nem expressões. Para usá-la o(a) ator/atriz teria que estar relaxado, em estado de neutralidade. Segundo Scheffler, “A expressão do neutro, portanto, não é equivalente a ideia de vazio ou valor zero. A neutralidade não é total ausência de energia/ tensão (hiper relaxamento ou relaxamento), nem retraída ou robótica" (Scheffler, 2018, p.292). Portanto, o neutro canaliza a energia de dentro e que se expande por meio de situações, objetos e provocações propostas no jogo com a máscara. Ela (a máscara) também revela um ser que não tem definições de sexo, o(a) ator/atriz incorpora este ser que dá a possibilidade de criar algo “novo”, que parte do neutro e que vai se moldando dentro do seu processo de criação. Jean Dasté , genro e aluno de Copeau, revela que: 6

4 "O núcleo de máscara da ELT nasceu em setembro de 2008, de forma experimental, buscando a formação de um coletivo que tivesse interesse na pesquisa e desenvolvimento tanto prático, das técnicas corpóreas para portar uma máscara, assim como na compreensão das suas diversas formas e expressividades.”

5http://mascaraelt.blogspot.com/p/mascara-neutra.html?m=1

6 Jean Dasté (1904-1994) ator e diretor. Foi casado com Maria-Hélène Copeau, conheceu a máscara através da escola de Copeau.

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Na escola do Velho Pombal, nós fazíamos todos os dias exercícios com máscaras. Assim Jacques Copeau queria nos ajudar a reencontrar a espontaneidade das crianças, a faculdade de inventar, de se transformar. Quando temos o rosto atrás da máscara, escondido, somos menos tímidos, nos sentimos mais livres, ousamos mais e a falta de sinceridade é logo detectada. (DASTÉ ​apud​ SCHEFFLER, 2018, p. 294).

Essa liberdade que a máscara oferece é a grande chave para a criação: com ela a espontaneidade, a ação de inventar e transformar fica mais clara para o (a) ator/atriz. Tudo isso ocorre, só pelo fato de estarem com o rosto coberto, propiciando que o (a) ator/atriz seja quem ele quiser.

Jacques Lecoq não chegou a conhecer Jacques Copeau, seria marcante, os dois grandes nomes e principais referências do trabalho/metodologia com máscara neutra, terem vivenciado este momento. Porém Copeau veio a falecer no ano de 1949 deixando para os amantes do teatro o seu legado e pesquisa, que não acabaria ali. Com o fim da II Guerra (1941-1944) artistas buscavam formar grupos e festivais para reestruturar a cultura e o país em que viviam, na Europa, com o objetivo de trazer alegria após o período de horror.

Uma destas iniciativas foi a criação da companhia ​Os Comediantes de

Grenoble​, na cidade de Grenoble, projeto encabeçado por Jean Dasté. Em 1945, ele estava em conversação com a Casa de Cultura de Grenoble para a instalação de uma companhia na cidade, quando identificou em um grupo de jovens atores o potencial para a concretização deste projeto. O grupo ​Os

Companheiros da São João ​estava realizando grandes espetáculos celebrativos neste ímpeto pós-ocupação alemã em diferentes cidades, entre elas, Grenoble. Deste grupo fazia parte Jacques Lecoq. Foi assim que ele, ao integrar nesta companhia em nascimento, passou a trabalhar diretamente com Jean e Marie-Hélène Dasté, de setembro de 1945 a junho de 1947 (SCHEFFLER. 2018, p. 282).

A partir de então Lecoq toma para si a pesquisa iniciada por Copeau, criando também sua metodologia com o uso da máscara para o(a) ator/atriz. Mas antes disso vale destacar a importância do Amleto Sartori para Lecoq. As características e a nomenclatura da “máscara neutra” se deve muito a essa parceria entre esses dois ícones do teatro mundial. Tal parceria resultou em uma grande amizade entre os dois, Sartori passou a fazer as máscaras que Lecoq utilizava em sua escola – ​École

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Internationale de Théâtre Jacques Lecoq, criada em 1956. Local que reúne, até

hoje, artistas e professores de todo o mundo que buscam os ensinamentos com as máscaras. Foi através desta escola que o uso da máscara neutra como treinamento do ator foi ganhando território.

Além dos brasileiros que passaram por esta escola trazendo à cena e à sala de aula referências, também é preciso sublinhar a significativa influência de Lecoq dentre ex-alunos que lecionaram e lecionam em distintas instituições do mundo nas quais diversos brasileiros também estudaram (SCHEFFLER. 2018, p.281).

O livro “O Corpo Poético – Uma pedagogia de criação teatral” (2010), de Jacques Lecoq, relata o processo e vivência naquela escola através de depoimentos, contribuindo, assim, para aqueles que não conseguem ter acesso à escola, como também serve de material para os professores usarem em suas aulas/oficinas.

Lecoq tem uma importância enorme na minha pesquisa, pois sigo como base o seu livro e metodologia de quem tomei conhecimento dentro da disciplina Pedagogia do Corpo. Seu livro contém dupla função, do mesmo modo que ele ensina o(a) aluno/aluna, ele aciona a função pedagógica do leitor. Comecei a ler esse livro para entender sobre jogo teatral e, também, para ter uma base teórica sobre a máscara, no entanto, acabei me envolvendo na leitura e saí com uma visão de professor. Durante minha pesquisa teórica, uma frase ficou marcante para mim, ela diz que: “Não se deve dizer como fazer para interpretar bem sob a máscara neutra. Um técnico poderia dizê-lo, mas um pedagogo não se permite. (LECOQ. 2010, p. 72).” Na minha visão como aluno busco idealizar qual tipo de professor gostaria de ser no futuro. Essa frase me transmite uma ideia do professor não autoritário, que busca compreender o(a) aluno(a) e através disso ir transmitindo seu conteúdo. A partir dela fui em busca de compor a minha forma de trabalhar.

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Minha iniciação à máscara neutra e expressiva

O curso de Licenciatura em Teatro, do Departamento de Artes da UFRN, me proporcionou viver diversos “modos” de fazer teatro, dentro de variadas estéticas e conceitos. A disciplina “Pedagogia do corpo” trabalhou uma estética que ainda não tinha experimentado no curso e nem nas minhas outras vivências dentro do teatro. Confesso que também não tinha visto um espetáculo teatral com essa estética. Trata-se do teatro de máscaras. Na disciplina, realizamos práticas com a máscara neutra e a expressiva, de modo que partimos de uma para a outra, da neutra para a expressiva, com o objetivo de construir o personagem. Vale realçar a contribuição de André Marcelino, que era estudante de Mestrado em Artes Cênicas da UFRN e docente assistido da disciplina, que criou as máscaras expressivas dentro da disciplina, enquanto a prof.ª Ana Caldas conduzia o laboratório e observava nossas experimentações com a máscara neutra. Esses dois professores, tinham como base os dois principais nomes para o trabalho do ator com a máscara neutra, Jacques Lecoq e Amleto Sartori. Lecoq com sua metodologia para o(a) ator/atriz e Sartori, mestre artesão que fazia as máscaras usadas por Lecoq e que criou junto com ele a fisionomia da máscara neutra.

Foi dentro da disciplina que me (re)descobri como ator. Nunca tinha usado uma máscara no teatro. Na segunda metade da primeira aula tivemos o primeiro contato com a máscara neutra, nunca tinha colocado uma máscara em cena antes, mas senti uma sensação boa. Percebi as sensações que a máscara impõe e sua exigência corporal. Tal exigência nenhum outro dispositivo de treinamento para o(a) ator/atriz tinha imposto sobre mim. Era como se estivesse nascendo novamente, só que com consciência do que estava acontecendo e do que tinha que fazer, mas a falta de experiência com o uso da máscara dificultava executar o objetivo dos exercícios com mais clareza ou da forma que eu queria.

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De início, com a máscara no rosto, me senti impotente na cena, tive a sensação de não conseguir expressar o que se pedia. Percebi uma exigência corporal de deixar o corpo livre e relaxado, mas ao mesmo tempo, em estado de prontidão, atento a tudo que acontece ao seu redor. Felisberto Sabino nos revela que ​“o jogo com a máscara requer, antes de tudo, a investigação corporal. Ao subtrair o sistema de expressão do rosto desvela-se o corpo, que se torna a ferramenta da tessitura gestual no espaço" (Sabino, 2005, p.29)”. Essa investigação está ainda em fase de construção, porque eu estava (e estou) me (re)descobrindo dentro do teatro.

Destaco para o exercício do “Adeus ao navio” onde “(...) um amigo muito querido embarca num navio para ir muito longe. Do outro lado do mundo. E supõe-se que não será nunca mais visto. No momento de sua partida, precipitamo-nos no quebra-mar, na saída do porto, para dar-lhe um último aceno de adeus" (Lecoq, 2010, p. 74). Para realizá-lo tínhamos que seguir uma sequência de ações: colocar a máscara e ficar em estado neutro, entrar no espaço, observar o horizonte, ver o mar, perceber que nele tem um navio e dentro desse navio está o meu amigo ou ente querido, acenar o adeus ao ente querido, ver o barco partir (se distanciar) e depois sair de cena.

Tinha trabalhado esse exercício na primeira parte da aula, mas sem a máscara. Ficou evidente que a máscara exige mais do trabalho físico e da expressividade corpórea do ator. Também tem o efeito do tempo, parecia que estava tudo lento, o tempo durava uma eternidade e eu conseguia sentir cada parte do meu corpo. A respiração também estava muito presente e intervia diretamente em minhas ações corporais, também por influência do exercício de “saudação ao sol ” feito no início da aula. Era algo estranho para mim naquele momento, em todas as

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minhas ações, a professora me pedia mais e mais, pensei que era para me

7 ​"Surya Namaskar é mais que uma série de exercícios físicos, embora certamente alongue, massageie, tonifique e estimule todos os músculos, órgãos vitais e partes físicas, ao flexionar alternadamente o corpo para frente e para trás Pode ser também uma profunda e completa prática espiritual. (...) A sequência é composta de três elementos: Forma, Energia e Ritmo. As doze posturas criam a matriz física em torno da qual a prática se constrói. Essas posturas geram prana (energia sutil), que ativa o corpo psíquico". (Lewinsohn, 2012, p.13).

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estimular, como aqueles personal trainers de academia ou técnicos de futebol, mas não, era porque todas as minhas expressões estavam voltadas para o meu rosto, sendo essa, a única parte do corpo que a máscara não revela. Desde então percebi que precisava me (re)descobrir corporalmente dentro do teatro, e a máscara neutra me proporcionava este campo de experimentos e de conhecimento.

Em seu livro, Lecoq(2010) define o que a máscara pode revelar e/ou desenvolver no trabalho do ator, alegando que:

A máscara neutra desenvolve, essencialmente, a presença do ator no espaço que o envolve. Ela o coloca em estado de descoberta, de abertura, de disponibilidade para receber, permitindo que ele olhe, ouça, sinta toque coisas elementares, no frescor de uma primeira vez (LECOQ, 2010, p. 71).

A necessidade por me (re)descobrir, me auxiliou na rápida compreensão do que Lecoq diz acima. Em todas as aulas eu busquei usar a fala o mínimo possível, para manter uma concentração e instaurar na sala uma atmosfera fora da realidade que se passava em meus olhos, fazer de conta que não estava em uma sala de aula. Mesmo que essa atmosfera não fosse percebida pelos outros, a troca que a máscara propõe acabava revelando encontros e permitia que todos entrassem nesse campo imagético sem nenhum aviso prévio ou acordo. Era a máscara nos revelando o seu mundo.

Já bem habitado nesse mundo e me sentindo confortável com a máscara no rosto, o processo de construção do personagem foi ganhando forma. Classifico esta etapa do laboratório de “página em branco”, conceito de Lecoq que busca acabar com as formas parasitas, eliminando costumes e sensações corpóreas que impedem a evolução corporal do(a) ator/atriz. Esse conceito eliminatório busca a forma da página em branco, para que o(a) ator/atriz esteja “(...) disponível para receber os acontecimentos externos. (Lecoq, 2010, p.57).” Esses acontecimentos eram feitos por encontros provocados por algumas situações propostas pela prof.ª Ana Caldas, através do conto “Mata Sete”, causo contado por Benvenuta de Araújo, que findou sendo recolhido e publicado por Luís da Câmara Cascudo no livro

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“Contos Tradicionais do Brasil”. A sala e as vestes completamente pretas abriram o campo do imaginário e nos permitiu abraçar de vez a fábula e dar vida aos personagens, para que no fim cada grupo apresentasse os resultados de suas pesquisas e construções corpóreas.

Começamos a compor cada personagem, sendo que todos experimentaram as quatro figuras principais do conto, para que no fim, cada aluno escolhesse o que mais lhe agradou, sempre partindo do estado de neutralidade e de tornar-se uma página em branco. O laboratório era feito sem máscara, em seguida que utilizávamos a meia máscara neutra , para nos permitir incluir sons, registro de voz 8

e expressão do maxilar, já que no resultado final usaríamos as meias máscaras expressivas. Me doei e me permiti no laboratório, desconstruindo os meus limites e vícios, para deixar meu corpo “(...) ‘disponível’, pronto para receber nele o personagem que ele vai agir: uma espécie de pele dócil que espera seu hóspede. Os músculos devem estar flexíveis, relaxados, o espírito vazio, livre. (Chahancerel

apud ​Cesconetto, 2002, p.58)”.

Confesso que foi a primeira vez que senti a energia corpórea de cada personagem, como se ela moldasse em mim toda vez que vestia a máscara neutra e me colocava no espaço. Mas ainda era preciso canalizar e externar essa energia corpórea em ações e expressividades extra cotidianas, que foram surgindo pelos encontros dos personagens por situações que o conto sugeria.

8 Meia máscara neutra, que tem a parte da boca (maxilar) descoberta, permitindo sons vocais e expressão do maxilar no laboratório.

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(Foto: Ana Caldas, acervo pessoal: desfile dos personagens. Turma de Pedagogia do Corpo, 2017)

A busca pela potencialização da expressividade e comunicação corporal era muito exaustiva, uma rotina de exercícios que ainda não tinha vivenciado durante a minha trajetória dentro do teatro. Defino essa parte do processo com o que Patrice Pavis fala a respeito da máscara, alegando que “O corpo traduz a interioridade da personagem de maneira muito amplificada, exagerando cada gesto: a teatralidade e a espacialização do corpo saem daí consideravelmente reforçadas" (Pavis, 2008, p.234)”. A máscara neutra revela tudo, se o(a) ator/atriz não estiver concentrado e sem a energia corpórea necessária, a máscara vai revelar isso, pois as ações e expressividades extras cotidianas ficam muito superficiais e a prof.ª Ana, ciente disso, nos orientava a manter um silêncio de concentração.

A medida em que o tempo foi passando, o processo foi ganhando corpo. Grupos foram formados para montar um extrato cênico sobre o conto “Mata Sete”. Ao todo foram quatro grupos, cada um com seis alunos, como dito antes. O meu era composto por mim, André Luiz, Emerson F. Sousa, Gabriel Jason, Rubens Rodrigues e Hozana Maria Ramalho. Ao encerrar a disciplina, meu grupo, com exceção da Hozana, deu continuidade aos exercício e metodologia da máscara, nascendo então o Grupo Boi Teodoro. Falarei sobre o grupo e sua importância em minha pesquisa mais a frente.

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O processo estava perto de terminar o seu ciclo e a ligação do personagem com a máscara estava instantânea, orgânica e sincronizada. André Marcelino tinha terminado a confecção das máscaras expressivas, e os personagens, que até então só tinham os corpos desenvolvidos, ganharam um rosto para dar completude do trabalho do ator/atriz. A máscara expressiva já exige do(a) ator/atriz um corpo pré definido, mas as máscaras do nosso laboratório foram criadas a partir dos resultados corporais apresentados durante o processo, logo a máscara expressiva veio para terminar, complementar, se encaixar, aprimorando os personagens criados através da neutra. Foi só com a máscara expressiva, que consegui finalizar meu personagem. No momento que vesti a máscara, o personagem tomou conta do meu corpo, expressando sua corporeidade e voz. Encerramos a disciplina com a apresentação das cenas no dia 31 de outubro de 2017 no Teatro Laboratório Jesiel Figueiredo, em seguida discutimos sobre o processo de cada um dentro da disciplina.

Conclui a disciplina ciente que estava traçando os meus primeiros passos na pesquisa sobre máscaras, tanto para a cena (expressivas) como para o treinamento do(a) ator/atriz (neutra). O meu (re)descobrimento corporal deu um rumo para seguir focado dentro do curso, em função de prosseguir investigando sobre a máscara e como utilizar suas técnicas dentro das outras disciplinas, que precisava para concluir o curso. A experiência vivenciada na disciplina com a Prof.ª Ana Caldas e André Marcelino, com os(as) alunos(as) que participaram, especialmente com meu grupo, me fizeram engrandecer e adquirir conhecimentos importantes para a formação do(a) ator/atriz, tais conhecimentos que busco desenvolver e aprimorar para passar adiante, assim como fizeram comigo.

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(Foto: Ana Caldas, acervo pessoal: encerramento da disciplina Pedagogia do Corpo, 2017.)

Grupo Boi Teodoro: campo aberto ao experimento

Através do extrato cênico desenvolvido na disciplina e após o término (novembro de 2017) da mesma, eu e os membros do meu grupo - André luiz, Emerson F. Sousa, Gabriel Jason, Rubens Rodrigues - começamos a articular a criação de um coletivo que voltasse suas pesquisas para a utilização da máscara na cena e para o treinamento do ator. Firmamos que os nossos produtos artísticos seriam sempre com a utilização da máscara, a princípio, com quatro tipos/estilos para pesquisar: a neutra, a expressiva, a larvária e as máscaras caricaturais, mas sempre partindo da máscara neutra como elemento de treinamento e criação.

As máscaras caricaturais temos como inspiração a companhia alemã ​9 Familie Flöz, mas, em todos os tipos, buscando aprender e aperfeiçoar suas técnicas, como também estudar a modelagem/construção/confecção destas máscaras. Apesar de termos articulado e definido nosso viés de pesquisa ainda no ano de 2017, só oficializamos a criação do Grupo Boi Teodoro no dia 01 de março de 2018, quando apresentamos "Mata Sete Duma Vez" dentro da programação da “Semana da Integração ” do curso de Licenciatura em Teatro para a turma de 2018. 10

9 São máscaras com fisionomias próximas do rosto humano, com poucas linhas de expressões, porém duas vezes maior do que a máscara expressiva.

10 Evento elaborado pelos alunos do curso para receber os seus calouros, contendo apresentações artísticas, oficinas e a apresentação do curso realizada pelo corpo docente.

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(Foto: Wallacy Medeiros. Espetáculo "Mata Sete duma Vez" com o Grupo Boi Teodoro na Semana de Integração 2018)

O grupo surgiu em um momento importante das nossas vidas acadêmicas e serviu como suporte para continuarmos com nossas pesquisas, porque após o término da disciplina não conseguimos ter acesso a nenhum tipo de máscaras nas outras disciplinas ofertadas pelo curso. Seguimos pesquisando autonomamente, com a orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Caldas ​Lewinsohn e Prof. André Marcelino, que estava finalizando seu mestrado, contudo chamamos ele para dirigir o espetáculo “Mata sete duma vez” que havíamos iniciado dentro da disciplina Pedagogia do Corpo. Essa foi uma maneira que encontramos para mantê-los por perto e de darmos continuidade a nossa trajetória dentro do teatro com máscara.

Nossa parceria com André Marcelino não terminou após seu trabalho de direção. Entre os dias 16 à 27 de julho de 2018 ele ministrou o curso “Máscara: O Brinquedo de Ser Outro”, promovido pela Prefeitura do Natal, por intermédio da SECULT (Secretaria Municipal de Cultura) e FUNCARTE (Fundação Cultural Capitania das Artes), com carga horária de 30 horas/aula, no qual convidou membros do grupo para auxiliar - Gabriel Jason, Rubens Rodrigues e eu. Era nossa oportunidade de continuar com os estudos de ​modelagem/construção/confecção das máscaras expressivas. Eu e Jason participamos mais efetivamente do curso, conseguimos também produzir nossas máscaras (uma para cada) e o grupo foi

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aumentando seu estoque, que antes contava com 7 máscaras (3 da oficina na disciplina e 4 que refizemos para o espetáculo).

Aprender a modelagem/construção/confecção de máscaras, na argila, gesso e papel, me fez compreender melhor as técnicas de treinamento e atuação com máscaras neutras e expressivas. Ver e poder fazer a máscara nascer me trouxe uma atenção especial para este objeto, pois a cada máscara que confeccionava, um elo com ela era criado. Um elo de atenção, cuidado e respeito com o objeto, não era nada ligado diretamente a mim, conseguia manter o distanciamento e a máscara me ajudou a desenvolver este aspecto necessário para o(a) ator/atriz.

Conseguir confeccionar e atuar com a máscara, é uma habilidade para poucos. O trabalho de artesão para a confecção exige muita paciência, concentração e atenção para respeitar todo processo, sem apressar nada. Contudo, aconselho àqueles que querem vestir a máscara em cena ou no treinamento, a experimentar a confecção no mínimo por uma vez. Vejo isso assim como a necessidade do(a) ator/atriz entender de iluminação cênica. O(a) ator/atriz que sabe sobre afinação de luz, vai se posicionar bem, estando sempre iluminado.

O período de conhecimento mais aprofundado que passamos com André Marcelino, me trouxe a inquietação que a máscara expressiva já impõe para quem a veste. Esta máscara já pede uma expressividade corpórea base, para dalí (o)a ator/atriz ir compondo este personagem. No atual momento essa imposição não me agrada pelo fato de eu estar me (re)descobrindo, apesar de gostar muito de trabalhar com máscara expressiva. Foi então que me voluntariei para retornar à disciplina de Pedagogia do Corpo na função de monitor, com o intuito de rever os conhecimentos sobre a máscara neutra, auxiliar a Prof.ª Ana Caldas durante todo o período letivo e tentar contribuir de alguma forma com os alunos daquele ano, no segundo semestre de 2018.

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Dentro do grupo não só mantive a minha pesquisa prática com a máscara neutra, como também me enriqueci artisticamente com o convívio e a troca com os meus companheiros de grupo. A cada exercício que praticamos em sala de ensaio, ouvíamos um ao outro com função dupla, ouvir as críticas e tentar melhorar nosso desempenho com a máscara, como também fortalecer nossa argumentação perante o assunto, buscando ter o domínio - sobre o que falamos.

O teatro de grupo serve também para isso, lugar onde pode-se experimentar de tudo – dentro do que cada grupo permitir em relação à sua linha de pesquisa – onde você se sente livre para explorar os seus conhecimentos e dialogar, com o objetivo de trocar experiências. Foi dentro do grupo que encontrei força para me manter firme, pesquisando, experimentando, evoluindo, criando e multiplicando conhecimentos.

Monitoria: lugar de onde se vê

Senti que precisava de um desafio maior para continuar com a pesquisa, as minhas práticas estavam restritas apenas ao grupo. ​Iniciava-se o segundo semestre de 2018 e com ele a oportunidade de aperfeiçoar e aprofundar a minha pesquisa, bem como testar as minhas habilidades como pedagogo, já que a função de monitor me daria essa liberdade de contribuir. A Prof.ª Ana Caldas não só me deu o aval, como também incentivou esta prática, perguntando se lembrava-nos dos exercícios e se queríamos um momento para aplicá-los - Rubens Rodrigues também estava comigo pesquisando e dando um suporte à professora durante todo o semestre.

O semestre começou e com ele as minhas inquietações e o encantamento com o trabalho da máscara neutra. Era evidente que o tempo que passei sem exercitar com o objeto causou um efeito negativo em minhas práticas. No primeiro momento busquei apenas observar e anotar os exercícios, buscando perceber nos

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corpos dos(as) alunos(as) a diferença de postura quando se está sem e com a máscara, “(...) a máscara neutra é uma pedagogia para a (trans)formação do ator, revelando-lhe os meandros do seu corpo-mente" (Sabino. 2005, p. 35).

Já tinha vivenciado o primeiro contato com a máscara, agora era o momento de observar de fora, perceber as reações nos corpos dos outros para me possibilitar uma outra visão sobre, especificamente, o método pelo qual mais me interessava e de onde partiria minha pesquisa, a pedagogia de Lecoq. Teatro é lugar de onde se vê, também se faz necessário sair do centro e observar de fora, para conhecer/compreender de uma outra forma sem estar envolvido diretamente na prática.

Nas primeiras aulas se percebia a afobação dos alunos com a máscara neutra, eles pareciam famintos, loucos para adquirir suas técnicas e conceitos. Lembro que fiquei me questionando qual seria a função do professor perante essa situação. Deixar como está, permitindo que os(as) alunos/as se joguem totalmente com a máscara sem tentar acalmá-los ou procurar conter os ânimos, para que os alunos desfrutem melhor da experiência que teriam com a máscara? Jogos de concentração sempre eram utilizados na aula com o objetivo de contê-los e mantê-los concentrados para usar a máscara, mas era evidente que alguns chegavam a se dispersar quando chegava o momento de vestir a máscara neutra, seja por muita vontade ou por medo.

Algumas pessoas ficam com medo pelo simples fato de ficar com o rosto coberto. Porém o medo vai saindo de cena na medida em que se joga mais vezes com a máscara: entender como ela funciona na prática faz cessar esse medo. Ao dividir os seus jogos em palco/plateia, permite-se que o(a) aluno(a) aprenda observando, podendo também argumentar ao final de cada exercício (da mesma maneira em que praticamos no grupo). Eu sempre estava envolvido na função de plateia, fui ganhando confiança em falar, para contribuir com o desenvolvimento dos “meus alunos”, mesmo com minha pouca experiência.

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Foi então que percebi a dificuldade dos alunos em entender esse estado de neutralidade e como agir/reagir nas situações do jogo. Vou pegar como exemplo o jogo do “adeus ao navio”. Para manter a neutralidade, eles ficavam com o corpo rígido e sempre achavam que deveriam ficar neutros o tempo todo, faziam alguma ação e voltavam para o estado neutro, reagiam à algo e ficavam neutros novamente. Os alunos podem se confundir sobre a neutralidade e a maneira como usá-la, lembro que essa questão foi levantada em nossas rodas de conversa.

Entende-se que a neutralidade é só um ponto de partida da máscara, ela entra no espaço em estado neutro, se envolve em um acontecimento que provoca uma ação/reação alterando o seu estado e sai completamente diferente de como entrou. A partir daí o jogo citado acima foi ganhando dinamicidade, fluidez e as ações/reações ficaram mais orgânicas, nos mostrando a evolução corpórea dos alunos.

Outro fator que rendeu assunto nos debates em sala é de que maneira o rosto do(a) ator/atriz deve se comportar quando veste a máscara. Tomei como verdade nesse quesito que Lecoq aponta em seu livro, argumentando, que para ele, é o principal princípio da máscara neutra.

Sob uma máscara neutra, o rosto do ator desaparece, e percebe-se o corpo mais intensamente. Geralmente se fala com alguém olhando-o no rosto. Com uma máscara neutra, o que se vê é o corpo inteiro do ator. O olhar é a máscara, e o rosto, o corpo! Todos os movimentos se revelam, então, de maneira potente. Ao retirar sua máscara, se o ator a utilizou bem, seu rosto está relaxado. Eu poderia não ter visto o que fez, mas o simples fato de observar seu rosto no final permite que eu saiba se realmente usou ou não a máscara (LECOQ, 2010, p.71).

Ele acredita na importância da expressividade corporal ao ponto dela se desligar da expressão facial. Contudo, durante minha pesquisa teórica (já em 2019) descobri as reflexões de Eugênio Barba(1995) sobre o mesmo assunto: o rosto do(a) ator/atriz. Ele afirma que “seria um erro, pensar que, se um ator usa uma máscara, seu rosto é esquecido.” (Barba, 1995, p.118 ​apud ​Sabino. 2005, p.28), acrescenta também que “(...) se deseja que a máscara viva, o rosto deve assumir a

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mesma expressão que a máscara: o rosto deve rir ou chorar como a máscara.” (Barba, 1995, p.118 ​apud ​Sabino. 2005, p.28)​.

Ao saber disso, sentei para conversar com minha orientadora e Alleff Emanuell11 sobre este tema que estava revirando a minha cabeça. Acreditava, assim como Lecoq, que o rosto tem que estar relaxado, pois o foco está no corpo, no entanto, o que Barba aponta também faz sentido. Levei um tempo para conseguir ter o rosto relaxado, mas ainda não era 100% relaxado, o rosto acompanhava o corpo mesmo que com pouca intenção. Mas em meus primeiros exercícios com a máscara, o rosto seguia as minhas expressões corporais, do mesmo modo que Barba(1995) destaca, ao ponto de me provocar dores de cabeça. Ao debatermos sobre, chegamos a um conceito que me agrada muito, ajudando a visualizar essa sintonia da expressividade coberta e revelada (rosto e corpo). O(a) aluno/(a) deve entender que a energia está canalizada do centro motor , e é de lá 12 que parte a expressividade dilatando até as extremidades, podendo chegar ao rosto ou não.

A parte prática foi muito importante para conhecer os conceitos da máscara neutra/expressiva, saber da sua relevância para o(a) ator/atriz e de explorar meu corpo ao ponto de me (re)descobrir corporalmente. Contudo o livro de Lecoq despertava o professor que habitava em mim. Sentia a necessidade de dominar o assunto, propor uma vivência da máscara neutra como um instrumento pedagógico para a minha formação de docente. Fiquei um pouco distante da monitoria por conta de um trabalho e por este motivo fui me perdendo no processo. Decidi, então, criar uma oficina para me testar como professor, seria uma oficina de máscara neutra com foco na construção de personagem. Mais uma vez a máscara me desafiava e eu estava pronto para encará-la.

11Estudante de Mestrado da UFRN, investigador de máscara e tem uma pesquisa intitulada “ ​Corpo Máscara: Processos de Investigação e Autoescritura na Sala de Ensaio”.

12“O movimento surge do centro do corpo /.../ onde a respiração mora.” (HOROSKO,1991: 57 ​apud LEAL. 2006, p. 14). “(...) o corpo move-se como um todo, tendo a pelve (o centro) como ponto de partida” (LEAL. 2006, p. 14).

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Experiência da oficina: a máscara neutra e a

educação

Tive uma boa experiência com a máscara neutra dentro do curso, mais precisamente nos dois últimos anos. Vivenciei a máscara das mais diversas maneiras, tais como: aluno, ator e monitor. Ainda faltava a função de professor, tive um gostinho de como seria quando fui monitor, mas ainda estava sobre a supervisão da professora. Queria ter total liberdade do que falava e conhecia.

Comecei a elaborar a oficina em dezembro de 2018, pensando de que maneira aplicá-la e como poderia contribuir no meu trabalho de conclusão de curso. Tinha definido que seria sobre a máscara neutra, mas não fazia ideia de como executar. Foi então que me questionei sobre o porquê dessa oficina e como comecei a gostar da máscara neutra. Me encanto e identifico com este objeto sendo utilizado como um dispositivo de treinamento do(a) ator/atriz com enfoque na construção de personagem. Parti dessa conclusão para elaborar um projeto escrito da oficina, como forma de registrá-la oficialmente através do Grupo Boi Teodoro em parceria com o Laboratório de Experimentos em Atuação e Máscaras, ancorado no Cirandar - Grupo de Pesquisa em corpo, dança e processos de criação, do Departamento de Artes da UFRN.

Em março já tinha 80% o projeto da oficina concluído: jogos, objetivos e conteúdo. Faltava uma justificativa que representasse a oficina de maneira geral dentro do teatro. Não queria que ela ficasse restrita apenas às pessoas que queriam o treinamento só para o uso com a máscara. Eu sabia que ela poderia ser utilizada dentro de todas as estéticas, mas tinha que convencer as pessoas que não conhecem de que isso é possível. Uma citação do Sabino foi determinante para e elaboração da justificativa.

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(...) a máscara colabora duplamente: possibilita o exercício, visando um corpo cênico, e potencializa o ator quanto aos princípios para a atuação com um objeto (SABINO. 2005, p. 31).

Procurei transparecer que a máscara colabora duplamente na evolução corpórea do(a) ator/atriz. Esta citação agregou de forma positiva, me dando um norte para que fosse possível concluir a escrita do projeto. Jullyana Maria, amiga e companheira, me deu total apoio em todas as etapas (pré-durante-pós) e contribuiu para a realização. Já não tinha como adiar, era o momento certo para ofertar a oficina e testar meus conhecimentos.

A oficina nomeada de “Iniciação à máscara neutra: Um viés para a construção de personagem” ocorreu nos dias 13 e 14 de abril de 2019, no Teatro Laboratório Jesiel Figueiredo do Departamento de Arte - UFRN, das 9 às 16 horas. Obtivemos 14 inscritos, 8 compareceram no dia e apenas 4 alunos (Alleff Emanuell, Helena Villar, José Lucas e Walter Sá) conseguiram concluir a oficina. Muitos alegaram cansaço físico por conta das demandas do curso. Agradeço imensamente aos que puderam ir, mais ainda aos que conseguiram concluir.

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Como tinha pouco tempo para trabalhar com eles, tinha em mãos uma tarefa muito difícil de conduzir. Era muito conhecimento para passar e desenvolver, em um curto espaço de tempo. Foquei em trazer jogos que trabalhassem a construção de personagem e a partir dele discutirmos sobre os princípios da máscara.

O primeiro contato com a máscara foi através do exercício “Adeus ao navio”. É engraçado que todos sempre chegam ao mesmo argumento quando passam por este jogo. Toda vez que vivenciei este momento, os(as) alunos(as) falam o que Lecoq relata em seu livro, mesmo que não tenham lido. Dizem que “o tempo ficou lento”, “sentiram mais o seu corpo” e “medo por cobrir o rosto (claustrofobia)”. Contudo este jogo é extremamente importante para exercitar os princípios da máscara. Ele trabalha o estado de neutralidade, o foco (quando direciono o olhar - nariz da máscara - para algo ou alguém), interesse (o que isso me causa, projetando no corpo a intensão de interesse) e deslocamento (vou até lá e me relaciono), variação do estado de emoção e a triangulação (eu, objeto e plateia).

Praticamos o exercício repetidamente, sempre abrindo um diálogo quando alguém praticava o exercício. Segui os conselhos do Lecoq, deixando todos passarem pela experiência e que falassem sobre, só após comentei sem julgar o que era certo ou errado, dizer como se deve interpretar com a máscara. Só falei o que não poderia fazer: sons por trás da máscara, tocá-la em cena e escondê-la (abaixar muito) – mas sem tomar isso como verdade absoluta, porque é apenas o meu jeito de trabalhar com este objeto, cada um tem sua maneira de trabalhar a magia que este envolve o(a) ator/atriz e o público.

Por ser o primeiro momento com a máscara, a tensão toma conta dos corpos, deixando-os rígidos, também pareceu sem vida em alguns momentos. Acredito que quando se fala “entra neutro” o(a) ator/atriz faz sua própria leitura sobre este estado, com referências pessoais ou do que já viu sobre. Muitas vezes parece que querem representar uma pessoa que acabou de acordar, com o corpo totalmente relaxado. Isso fica claro nas extremidades do corpo, principalmente nos braços, que balançam

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mais do que o normal, muita vezes em conjunto. Já pontuei a visão do Scheffler (2018) sobre esse estado, no qual eu compactuo, alegando que o estado neutro não é um corpo sem energia, relaxado, vazio e sim, um corpo presente, com a energia canalizada dentro do corpo. Percebi que na oficina os(as) atores/atrizes estavam fazendo o oposto, foi então que conversamos sobre e, nessa discussão, eu resolvi citá-lo e dizer que o estado neutro não são movimentos robóticos. Voltamos para o exercício e praticamos mais algumas vezes, o diálogo surtiu efeito, porém ainda com ações contidas, tímidas. Era o momento ideal para entrar no próximo jogo.

O seguinte foi o jogo da “praça ” que tem o intuito de já construir um 13 personagem com a máscara neutra. Seria uma maneira deles se soltarem mais, já que este jogo permite isso, também mantém os princípios do jogo anterior e a coletividade, visto que todos ficam em cena ao mesmo tempo. Ainda mantive a ideia de Lecoq em dividir a turma, mantendo o preceito de que também se aprende assistindo. Os corpos brincantes com a máscara começaram a aparecer de maneira orgânica, eles estavam entregues totalmente ao jogo ao ponto de criarem uma narrativa e passar muito tempo jogando (Cada grupo levou em média 15 minutos para concluir o jogo). Foi por isso que propus que concluíssem o jogo em 5 minutos, não para contê-los, mas sim porque era uma maneira de desenvolver a objetividade da máscara. A máscara não tem passado, quando se relaciona com o objeto, ela vive o que acontece no ato, concretamente, não cria nada subjetivo. Eles seguiam o jogo normalmente, eu não intervia dizendo quanto tempo faltava, ao final eu falaria em quanto tempo o grupo conseguiu concluir. Já tinha testado essa variação no Grupo Boi Teodoro e o resultado foi positivo, senti confiança em usar na oficina e propus. Ficou claro, mais uma vez, que o(a) ator/atriz quando se tem a consciência do tempo, as ações são mais objetivas, sem inibir a fluidez do jogo e nem reprimi-los. É como o trabalho do diretor que limpa a cena, tira os ruídos, mantém só o necessário.

13Esse jogo dá liberdade de criar um personagem típico que se pode ver em qualquer praça. Em um determinado momento alguém avista uma pessoa prestes a pular de um prédio. Todos que estão em cena devem perceber e pontuar por meio da ação física, juntos, onde está esta pessoa e perceber quando ela irá se jogar até cair no chão.

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Era o momento ideal para começar o laboratório de construção dos personagens. Utilizei o enredo da peça “Bodas de Sangue”, de Federico Garcia Lorca, escrevi um mote (resumo) da história sem definir um final, deixei aberto para que eles construíssem um final, dando total liberdade de criação. Pedi para que ficassem deitados de barriga para cima, corpo relaxado (estado neutro) e de olhos fechados, enquanto eu lia o mote para eles. Iria trabalhar o Despertar, exercício que Lecoq tem em seu livro, só que com uma variação, usá-la como personagem e não neutro. Os(as) atores/atrizes ficaram o tempo todo com a máscara neutra sobre o rosto, propus isso com o mesmo objetivo dos exercícios que citei, para irem compondo o personagem partindo da neutralidade da máscara.

Em estado de repouso. deitados no chão e relaxados. peço aos alunos que "despertem pela primeira vez". Uma vez desperta a máscara. O que ela pode fazer? Como ela pode se movimentar? (LECOQ, 2008, p. 72).

Passando por cada personagem e por situações que o mote proporcionava, todos eram um só ao mesmo tempo. Ao final da experimentação de cada personagem, os alunos se desligavam, deitavam e voltavam ao estado neutro no chão. Após o laboratório encerramos o primeiro dia, todos estavam satisfeitos e felizes com o trabalho desenvolvido e por estar experienciando aquele momento. Mas era preciso descansar e retomar as atividades no outro dia.

O primeiro dia de oficina me trouxe mais certeza de que estava no caminho certo, tinha mais certezas do que dúvidas sobre a minha pesquisa. Se tinha o intuito de me testar como professor, foi um bom teste e estava satisfeito com o resultado, até o momento. A insegurança andava lado a lado com minha pesquisa, vejo a máscara como um objeto sagrado para o(a) ator/atriz e não acho digno usá-la de qualquer maneira. Achava que tinha pouco tempo de pesquisa (menos de dois anos) e não iria conseguir transmitir meus conhecimentos com tanta clareza. Porém, ao final daquele dia 13 de abril de 2019, adquiri uma confiança que nunca tinha sentido na vida, a confiança de um professor que estava começando a trilhar seu caminho dentro da educação.

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(Foto: Jullyana Maria. Oficina: Máscara neutra: um viés para a construção de personagem. 2019)

A máscara tira a voz do(a) ator/atriz para exaltar o corpo presente. Também não é para ser diferente na função de pedagogo. Já tinha exaltado a importância de Lecoq na minha formação como ator/professor, mas Inês Teixeira também tem sua 14

relevância em minha pesquisa. Após ler o seu artigo “Uma carta, um convite” onde ela provoca o leitor com um questionamento: “(...) a escuta não deveria anteceder à nossa palavra dirigida a eles?” (Teixeira, 2014, p.15). Refleti sobre essa questão e percebi que o professor tem que permitir que o aluno fale e ouvi-lo, ele é o motivo de tudo, de sua pesquisa, de seu trabalho e de seu prazer em lecionar. E foi essa sensação que encerrei o primeiro dia, sensação de ter utilizado esses dois princípios – do Lecoq e da Inês – e perceber que tudo tinha funcionado.

No início do segundo dia de aula, aquecemos e praticamos os jogos novamente para relembrar o que já tínhamos trabalhado. Depois deixei eles à vontade para criar o extrato cênico, só alertava para aspectos técnicos da máscara, como a triangulação, o foco, interesse e deslocamento e posição no palco. Por causa do pouco tempo, os alunos estavam bastante confusos de como expressar

14 Doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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uma frase corporalmente. Você só percebe o quanto está refém da voz, a partir do momento em que você fica impossibilitado de usá-la. Deve-se entender que a linguagem corporal segue o mesmo método da libras (linguagem de sinais), ela não transmite a frase do mesmo modo que ela é dita, ela refaz através de gestos e ações/reações e os alunos não conseguiram executar isso, estavam presos demais à voz. Um exemplo claro disso foi em um momento de discussão que antecedeu a entrada em cena. Lucas perguntou à Walter se ele iria fazer a Mãe, Walter, já com a máscara sobre o rosto, optou por tirá-la para verbalmente responder afirmamente a pergunta, quando seria um momento oportuno de ter expressado esse “sim” com o corpo, mas, por estar preso à fala, não o fez.

Percebi que necessitaria de muito mais tempo para evoluir na comunicação corporal com eles, mas eu não tinha mais tempo para isso. Decidimos em conjunto utilizar a meia máscara neutra, só para poder concluir o extrato cênico. Utilizamos e eles criaram a versão de Bodas de Sangue.

(Foto: Jullyana Maria. Oficina: Máscara neutra: um viés para a construção de personagem. 2019)

Encerramos a oficina com um gosto de quero mais, todos famintos. Senti o prazer de atuar como professor e eles em conhecer o viés mágico da máscara

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neutra. Pedi para os que permaneceram até o final que me escrevessem o que acharam da oficina, como uma forma de ​feedback para que avaliassem a oficina de um modo geral, conteúdo, relevância e condução. Fiquei imensamente feliz e grato pelo relato de Alleff, era mais uma certeza que a oficina tinha alcançado seus objetivos. A seguir uma parte do que Alleff escreveu:

A máscara me causou um certo estranhamento (não no sentido ruim da palavra) ao ver essa falta de expressividade corporal ao mesmo tempo que percebi que estando mascarado, minha percepção do meu próprio corpo é completamente diferente, percebi um corpo mais alto do que já é e rapidamente observei pequenos vícios em relação ao andar, o estado de repouso, posição que o braço ficava, entre outros (Trecho do relato de Alleff Emanuell, 2019).

Esse processo de (re)descobrimento que Alleff vivenciou, mesmo tendo pouco tempo de experiência. Ele também acrescenta:

Gosto de pensar nisso construindo uma relação com a máscara que gosto de chamar de neutro neutra, uma vez que a máscara neutra propõe um universo de descoberta para a máscara, na qual tudo é novo e ela está descobrindo como tudo funciona, e o neutro no sentido de me perceber também nesse processo de descoberta, não do universo, mas de descoberta de como meu corpo funciona estando mascarado (Trecho do relato de Alleff Emanuell, 2019).

Aqui é muito parecido com o que falei quando Copeau descobriu a máscara nobre: o corpo fala, só basta entendermos como ele funciona, às vezes é preciso colocar obstáculos para que ele possa corresponder e evoluir. Retirei outra parte onde ele avalia a oficina e descreve os seus objetivos:

Refletir sobre todas essas coisas e experimentar elas na prática, considerando que na oficina experimentamos exercícios na primeira parte e construímos rapidamente uma personagem na segunda parte, me faz entender a importância da máscara neutra como um processo rico de construção de personagem partindo de uma consciência da expressividade corporal que deve ser levada para a cena, tanto o processo de auto descoberta do corpo que a máscara proporciona, me faz pensar que a máscara é necessária para todas as pessoas que querem estar numa cena como atores. (Trecho do relato de Alleff Emanuell, 2019).

Após isso percebi o quanto foi importante ter chegado até aqui nesta pesquisa. Vejo que a máscara neutra transpassa todas as barreiras estéticas que existem no teatro, ela possibilita isso. Mesmo tendo sido criada muitos anos depois,

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ela pode servir como base para todas as outras máscaras, principalmente dentro do contexto do teatro ocidental. Vejo ela também como um viés para a construção de personagem em qualquer estética.

Considerações Finais

A máscara neutra me proporcionou um grande aprendizado durante toda a minha pesquisa. Conheci como objeto de treinamento para o ator, também tive a oportunidade de experimentá-la como um viés para a construção de personagem. E como um objeto que revela, ela expôs o pedagogo que habita em mim, que por muitas vezes estava adormecido por não encontrar algo que se identificasse, da mesma maneira que me identifico hoje com a máscara neutra.

Confesso que no início do curso não tinha desejo de lecionar, contudo, estava em uma licenciatura, sabia que seria impossível concluir o curso sem ter uma vivência como professor. Dentro da disciplina de Didática, comecei a me interessar pela área, mas não sabia de que forma atuar. A máscara neutra surgiu e junto com ela a possibilidade de iniciar minha pesquisa, que foi voltada para o(a) ator/atriz, mas que dialoga também com a função pedagógica, assim como o livro de Lecoq, que contém a relação dele com os alunos e que também serve como um manual para o professor.

Tenho plena consciência do caminho que trilhei dentro do curso de licenciatura em teatro, concluindo com êxito essa minha pesquisa. Me joguei na prática, como também me debrucei nas leituras. Porém minha pesquisa em máscara neutra não termina por aqui, tenho pensado de que maneira ela pode evoluir, tendo como base o ator/aluno/professor. É um campo amplo e possibilita vários caminhos para percorrer, tenho conhecimento disso e vou em busca desse desafio.

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Concluo este artigo com o mesmo propósito que iniciei a minha pesquisa, com desejo de conhecer mais o mundo mágico da máscara neutra.

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Referências Bibliográficas

Livros:

LEAL, Patrícia. ​Respiração e expressividade: práticas corporais fundamentadas em Graham e Laban.​ São Paulo: Fapesp/Annablumme, 2006. LECOQ, Jacques. ​O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral ​. Tradução de Marcelo Gomes. São Paulo: Editora Senac São Paulo: Edições SESC SP, 2010.

LEWINSOHN, Ilana. Suryanamaskar: Saudação ao sol. São Paulo, Ed. Baraúna, 2012.

PAVIS, Patrice, 1947. ​Dicionário de teatro/Patrice Pavis​; tradução para a língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.

SARTORI, Amleto. ​Museu internacional da Máscara: a arte mágica de amleto e donato sartori​. Tradução de Maria de Lourdes Rabetti. São Paulo: É realizações, 2013.

TEIXEIRA, Inês. ​Juventude e ensino médio : sujeitos e currículos em diálogo / Juarez Dayrell, Paulo Carrano, Carla Linhares Maia, organizadores. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

Dissertação:

MACHADO, Vinicius Torres. ​A máscara no teatro moderno: do avesso da tradição à contemporaneidade. ​Dissertação de Mestrado. São Paulo, 2009.

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Revistas:

CESCONETTO, Luciana. A utilização da máscara neutra na formação do ator. Revista Urdimento.​ N.4, p. 55-69, 2002.

SABINO, Felisberto da Costa. A máscara e a formação do ator. ​Móin-Móin: Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas​. Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, ano 1, v. 1, 2005. ISSN 1809-1385.

SCHEFFLER, Ismael. ​A máscara neutra e Jacques Lecoq: considerações históricas, plásticas e pedagógicas. ​Revista Urdimento​. v.2, n.32, p. 279-304, 2018.

Endereço eletrônico:

Blog. Escola Livre de Teatro. Disponível em:

http://mascaraelt.blogspot.com/p/mascara-neutra.html?m=1​. Acesso em 27 de maio

de 2019.

Relato:

EMANUELL, Alleff. ​Relato da oficina: Máscara neutra: um viés para a construção de personagem. 25 de abril 2019.

Referências

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