ARTIGO DE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA DENTÁRIA
O contributo da imagiologia no diagnóstico
dos distúrbios temporomandibulares
ALICE SOARES ALVES
Orientador
Professor Doutor João Carlos Gonçalves Ferreira de Pinho
Professor Associado com Agregação da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto
Co-Orientador
Mestre Miguel Carvalho Silva Pais Clemente
Agradecimentos
Ao Professor Doutor João Carlos Pinho, manifesto a minha gratidão pelo seu apoio incondicional. Foi para mim uma honra poder ter as suas orientações e colaboração inexcedível, que me foi transmitida ao longo desta monografia. Transmitiu‐me o exemplo de um distinto académico com grande sentido humanista e responsabilidade profissional. A todos aqueles que directa ou indirectamente me ajudaram a alcançar mais uma meta, na minha vida académica, o meu muito obrigado, com um cumprimento de amizade ao Dr. Miguel Carvalho Silva Pais ClementeResumo
Introdução
O diagnóstico e plano de tratamento de doentes com distúrbios temporomandibulares é uma área controversa.
Como meio auxiliar de diagnóstico dos distúrbios temporomandibulares, a imagiologia é essencial para o diagnóstico e tratamento de doentes com distúrbios temporomandibulares sendo, provavelmente, o mais usado. Neste contexto, é fundamental que o médico dentista conheça a anatomia, fisiologia e biomecânica da articulação temporomandibular para estar apto a interpretar os exames imagiológicos da articulação temporomandibular.
Durante décadas as técnicas imagiológicas resumiam‐se a radiografias (plain film) que mostram apenas as partes mineralizadas da articulação temporomandibular e as lesões, quando evidentes, com sobreposição de estruturas.
Objectivos
O objectivo deste trabalho é descrever as técnicas imagiológicas mais usadas, como meios auxiliares de diagnóstico dos DTM, discutir as suas vantagens e desvantagens e verificar quais, no estado actual do conhecimento destas matérias, fornecem mais informação e podem contribuir para melhorar o diagnóstico e tratamento dos doentes com distúrbios temporomandibulares.
Material e métodos
Foi efectuada uma pesquisa bibliográfica na base electrónica PubMed, e consulta de diversos livros e algumas revistas em suporte de papel. Obtiveram‐se 1859 publicações. Após a aplicação dos critérios de exclusão foram obtidos 189 artigos, para além de 26 livros e capítulos de livros de referência, que foram o suporte científico para a elaboração deste trabalho de revisão
Desenvolvimento
Existe um grande número de técnicas imagiológicas utilizadas, ao longo dos anos, no estudo dos distúrbios temporomandibulares. Dividem‐se em duas categorias: avaliação de tecidos duros e tecidos moles, embora nem todas sejam eficazes na visualização das estruturas da articulação temporomandibular.
Conclusões
As conclusões deste estudo sugerem que, actualmente, as técnicas imagiológicas mais eficientes são:
‐ Tomografia computadorizada e a tomografia computadorizada por feixe cónico (tecidos duros); ‐ Imagem por ressonância magnética (tecidos moles) ‐ Imagiologia nuclear (alterações fisiológicas) Palavras‐chave: imagiologia das ATM, radiografia panorâmica, tomografia da ATM, tomografia computadorizada da ATM, tomografia computadorizada por feixe cónico da ATM, ressonância magnética da ATM, ultrassonografia da ATM e imagiologia nuclear.
Introduction
The diagnosis and treatment planning of a patient with temporomandibular disorders is a controversial area, where imaging is an auxiliary means of diagnosis essential for the treatment of these patients, being, probably, the most common tool used in these situations. Therefore, dentists should understand the anatomy, physiology and the biomechanics of the temporomandibular joint, in order to interpret the imaging exams of the temporomandibular joint.
Throughout decades imaging techniques were restricted to plainfilm that only allowed the visualization of mineralized areas of the temporomandibular joint and lesions, when patent, with overlapping structures.
Objectives
This study intends to describe the most common imaging techniques, used as auxiliary means of diagnoses of temporomandibular disorders, enumerate their advantages and disadvantages, and verify at this point, with the actual knowledge of all these issues, which imaging technique can actually contribute with more information to achieve a better diagnoses and treatment planning of a patient with temporomandibular disorders.
Material and Methods
A literature review was realized on the data search PubMed, and the consultation of enumerous books and published printed papers. We obtained 1859 publications. After applying the criteria of exclusion, we remained with total of 189 papers, as well as 26 reference books and book chapters, which were the scientific scaffold to this review. Discussion There is a variety of imaging techniques in the study of temporomandibular disorders, which can be divided in two categories: evaluation of soft and hard
tissues. Nevertheless not all of them are efficient in the visualization of the structures of the temporomandibular joint.
Conclusions
The conclusions of this work suggest that, currently, the most efficient imaging techniques are:
‐ TMJ computed tomography; TMJ cone beam computed tomography (bone structures);
‐ TMJ magnetic resonance image (soft tissues) ‐ TMJ nuclear image (physiological modifications)
Key‐words: TMJ plain film; TMJ panoramic radiography; TMJ tomography; TMJ ct tomography; TMJ cone beam ct; TMJ magnetic resonance image; TMJ ultrasonography TMJ nuclear image
INTRODUÇÃO 8 Articulação temporomandibular 8 Imagiologia 10 OBJECTIVOS 12 MATERIAL E MÉTODOS 12 DESENVOLVIMENTO 13 Fontes de exposição à radiação 13 Considerações gerais sobre imagiologia da ATM 18 Técnicas imagiológicas usadas no diagnóstico dos DTM 21 Imagiologia dos tecidos duros da ATM 21 Telerradiografia da face de perfil 21 Telerradiografia póstero‐anterior 23 Radiografia transcraniana lateral oblíqua 25 Radiografia transmaxilar 29 Radiografia transfaríngea 30 Radiografia transorbital 31 Incidência de Towne reversa 32 Incidência submento‐vertex (Incidência de Hirtz) 32 Tomografia 34 Tomografia convencional 34 Ortopantomografia 36 Tomografia computadorizada 45 Tomografia computadorizada volumétrica com tecnologia por feixe cónico (cone beam ct – CBCT) 50 Imagiologia dos tecidos moles da ATM 55 Artrografia 55 Ultrassonografia 58 Imagem por ressonância magnética 63 Imagiologia nuclear 76 CONCLUSÕES 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 85
Introdução
É consensual que o diagnóstico e plano de tratamento de doentes com distúrbios temporomandibulares (DTM) é uma área repleta de estudos controversos, mesmo na área dos procedimentos e protocolos de diagnóstico (1‐15).
A imagiologia é essencial para o diagnóstico e tratamento de doentes com DTM (16), sendo, como meio auxiliar de diagnóstico dos DTM, provavelmente, a mais usada, não é uma excepção. Nesta perspectiva, é fundamental que o médico dentista conheça a anatomia, fisiologia e biomecânica da articulação temporomandibular (ATM) para poder estar apto a interpretar os exames imagiológicos da ATM e, em cada situação, escolher o que mais informação pode fornecer, para melhorar o diagnóstico e o plano de tratamento (12, 17‐20). Estas considerações são importantes porque os objectivos das técnicas imagiológicas, como meios auxiliares de diagnósticos dos DTM, visam analisar a integridade das estruturas articulares quando existe suspeita de lesão e determinar a extensão da lesão ou monitorizá‐la quando ela existe, bem como avaliar a eficácia do tratamento instituído (17, 19).
Articulação temporomandibular
A ATM tem sido considerada como a articulação mas complexa do organismo humano e é a única que possui um músculo no seu interior, o pterigoideu lateral superior (12, 21‐27). Existem duas ATM, direita e esquerda, que não podem funcionar separadamente pelo que é conhecida como uma diartrose bicondília. Por permitir a efectivação de movimentos de rotação e translacção também é conhecida como uma articulação ginglemoartroidal (12, 28). Como é constituída por dois ossos (mandíbula e temporal), com um disco fibroso interposto, considerado, por alguns autores, um osso não ossificado, também é classificada como uma articulação composta (12). As superfícies articulares da ATM são forradas por tecido fibroso que diminuem o envelhecimento, diminuem o atrito entre as superfícies articulares e permitem a absorção de forças de compressão (7, 12, 26‐28).
A estrutura mais importante da ATM é o disco articular (29) que é uma estrutura densamente fibrosa, cujas fibras se orientam em várias direcções e que, de acordo
extracelular, é um tecido micro‐heterogéneo com especializações regionais distintas e avascular na sua fase central, o que lhe permite suportar melhor as forças de pressão (12).
Morfologicamente, o disco é constituído por 3 zonas, posterior, intermédia e anterior, de espessuras diferentes, sendo a zona intermédia a mais fina. A morfologia do disco, a membrana sinovial e o líquido sinovial, por ela produzido, são fundamentais para a biomecânica muito complexa da ATM, que depende da interacção harmoniosa durante o repouso e a função, de ossos, disco, ligamentos, lubrificação, vascularização e inervação. Quando existe patologia da ATM, quer intra, quer extra‐articular, esta biomecânica pode ficar comprometida. As situações patológicas, que podem ter várias origens, são classificadas como DTM. Os DTM são um termo genérico que incluem problemas clínicos que abrangem os músculos mastigatórios, a ATM e as estruturas que lhes estão associadas. Os doentes com DTM, por norma, apresentam, frequentemente, dor muscular e/ou articular, limitação ou alteração da amplitude dos movimentos mandibulares e ruídos articulares. Cefaleias de tensão, otalgias, obstrucção tubar, zumbidos, tonturas e cervicalgias são, também, sintomas frequentemente associados aos DTM. Este sintomas ocorrem em, aproximadamente 6% a 12% da população adulta, sendo mais prevalentes entre os 20 e os 50 anos e no género feminino. A nível da ATM, os DTM podem classificar‐se em intra e extra‐articulares. A nível intra‐articular, que são de interesse neste trabalho, podem considerar‐se alterações morfológicas, distúrbios de interferência de disco, distúrbios de incompatibilidade estrutural, distúrbios inflamatórios e doença degenerativa articular (5, 7, 12, 28, 30). Por norma, atendendo à prevalência na população, a presença de estalidos a nível da ATM sem qualquer outro sintoma, pode ser considerada como uma variação do normal e não uma verdadeira anomalia da ATM, razão pela qual não necessita de exames complementares de diagnóstico a nível imagiológico (18).
Imagiologia
Quando existe a necessidade de utilização de técnicas imagiológicas, como meios auxiliares de diagnóstico dos DTM, é fundamental que o médico dentista:
- Tenha conhecimento das técnicas imagiológicas existentes;
- Conheça as directrizes actualizadas sobre aos técnicas de diagnóstico por imagem utilizadas nos DTM (31);
- Dentro dos parâmetros anteriores escolher os tipos de técnicas imagiológicas mais aconselhadas, quanto à sensibilidade, especificidade, precisão e qualidade da imagem, tendo por base a necessidades objectivas de cada doente, no que respeita ao aperfeiçoamento do diagnóstico, bem como ao desenvolvimento de planos de tratamento e resultados desse tratamento (19).
As técnicas imagiológicas radiográficas (plain film), a tomografia convencional, a ortopantomografia, a tomografia computadorizada (CT), a imagem por ressonância magnética (IRM) e a ultrassonografia são consideradas técnicas morfológicas ou estruturais, pois detectam diferenças estruturais específicas ou alterações anatómicas. Do outro lado do espectro situa‐se a imagiologia nuclear, considerada uma técnica funcional, visto que avalia alterações fisiológicas decorrentes de alterações bioquímicas a nível celular (32, 33).
Durante décadas as técnicas imagiológicas resumiam‐se apenas a radiografias em que, tanto a fonte de RX, como o receptor de imagem se encontram fixos numa determinada posição (19).
As radiografias mostram apenas as partes mineralizadas da ATM e, quase sempre, só aparecem lesões ósseas quando a lesão e/ou alteração são evidentes; isto é. lesões incipientes da ATM não são visíveis nas radiografias (19).
As radiografias apresentam também outro óbice que é a sobreposição de estruturas adjacentes à ATM. No intuito de superar esta deficiência foram desenvolvidas vários protocolos de técnicas imagiológicas, baseadas nas radiografias, de modo a evidenciar a ATM a partir de ângulos diferentes (19).
categorias (12, 17, 19, 20):
- Avaliação de tecidos duros
o Radiografia (telerradiografia da face de perfil, telerradiografia póstero‐anterior, radiografia transcraniana lateral oblíqua (RTLO), radiografia transmaxilar, radiografia transfaríngea, radiografia transorbital, incidência reversa de Towne, incidência submento‐vertex (incidência de Hirtz)) o tomografia convencional o ortopantomografia o tomografia computadorizada (CT) o tomografia por feixe cónico o imagiologia nuclear - Avaliação de tecidos moles o Artrografia o ultrassonografia o ressonância magnética (RM) - Imagiologia nuclear
As técnicas imagiológicas devem ser efectuadas de acordo com o estadio da doença. No entanto, devido à grande variação morfológica das ATM, os exames imagiológicos devem ser efectuados às ATM direita e esquerda, para se poderem efectuar comparações (18).
Frequentemente são usados protocolos em que as imagens se complementam, de modo a proporcionar uma informação mais completa que contribua para um diagnóstico mais preciso e um tratamento mais eficaz (19).
Objectivos
O objectivo deste trabalho é descrever as técnicas imagiológicas mais usadas como meios auxiliares de diagnóstico dos DTM, discutir as suas vantagens e desvantagens e verificar quais, no estado actual do conhecimento destas matérias, fornecem mais informação e podem contribuir para melhorar o diagnóstico e tratamento dos doentes com DTM.
Material e métodos
Para a realização deste estudo foi efectuada uma pesquisa bibliográfica na base electrónica PubMed (NLM). Foram, também consultados diversos livros de referência e algumas revistas em suporte de papel.
Como palavras chave utilizaram‐se: TMJ plain film; TMJ panoramic radiography; TMJ tomography; TMJ ct tomography; TMJ cone beam; TMJ magnetic resonance image; TMJ ultrasonography TMJ nuclear image. Obtiveram‐se 1859 publicações às quais foram aplicadas os seguintes critérios de exclusão: - Referências que não possuíam texto completo - Impossibilidade de obter o texto - Artigos não redigidos em inglês e Português. - Artigos com abordagens distintas dos objectivos desta revisão bibliográfica. Após a aplicação dos critérios de exclusão, foram obtidos 189 artigos, para além de 26 livros e capítulos de livros de referência, que foram o suporte científico para a elaboração deste trabalho de revisão.
Fontes de exposição à radiação
Entende‐se por radiação a transmissão de energia através do espaço e da matéria e pode ocorrer como radiação de partículas e radiação electromagnética. A radiação de partículas consiste em partículas de núcleo atómico ou subatómico, enquanto que a radiação electromagnética consiste no movimento da energia, através do espaço, em que existe uma combinação de campos eléctricos e magnéticos (34).
Os raios X (RX), radiação electromagnética, são produzidos a partir da interacção extra‐nuclear de electrões com o núcleo, nas máquinas que produzem RX. Neste espectro, a radiação pode ser ionizante ou não ionizante, dependendo da energia que lhe está associada. Assim, quando se associa uma quantidade suficiente de energia à radiação, de modo a que os electrões orbitais sejam removidos dos átomos, na matéria irradiada, a radiação é considerada ionizante (34).
Os factores que controlam o feixe de RX, produzidos numa máquina de RX, são a duração de exposição do feixe, a taxa de exposição, a energia do feixe, a forma do feixe e a distância alvo/doente. Isto é, a alteração de um ou mais destes factores, modifica o feixe de RX (34).
Definições na área da radiação (34)
Estas definições foram formuladas e ou actualizadas pela Comissão Internacional sobre Protecção Radiológica (International Commission Radiological Protection – ICRP)
Dosimetria é definida como a quantidade de exposição à radiação. Por dose absorvida, entende‐se o aumento da energia absorvida por unidade de massa, num local de interesse e tem, como unidade de medida o Gray (Gy)
Dose equivalente é uma medida que compara os efeitos biológicos dos diferentes tipos de radiação, por unidade de massa, de qualquer tipo de matéria. O sievert (Sv) é, actualmente, a unidade de medida, em substituição do rem (roentgen
equivalent man). Um sievert equivale a 100 rem e, para exames de diagnóstico por imagiologia, equivale a um Gy.
A dose equivalente é expressa como uma soma, para permitir a possibilidade de que um tecido ou órgão seja exposto a mais do que um tipo de radiação.
Dose efectiva utiliza‐se para calcular o risco da radiação em seres humanos. É a soma das doses equivalentes para cada tecido, multiplicadas pelo factor de ponderação de cada um dos tecidos envolvidos. Tem por unidade de medida o sievert (Sv).
Exposição define‐se como uma medida de radiação baseada na capacidade de ionizar o ar, sob condições estandardizadas de temperatura e pressão.
A unidade internacional de medida da radiactividade, que descreve a taxa de decaimento de uma amostra de material radiactivo, é o becquerel (Bq) que é igual a uma desintegração por segundo.
Factores de ponderação tecidular
Os factores de ponderação tecidular foram definidos pela Comissão Internacional sobre Protecção Radiológica (International Commission Radiological Protection – ICRP)
A exposição à radiação está dependente de inúmeras fontes, naturais e artificiais, sendo a média anual de exposição à radiação da ordem dos 3,6 mSv, para um indivíduo que viva nos EUA (32) . Por norma, a radiação classifica‐se em radiação natural e artificial. Radiação natural A vida na terra está continuamente exposta a radiação natural da ordem dos 3 mSv.
contribui para uma maior exposição do que a radiação artificial. O RX para diagnóstico é a maior fonte de radiação artificial (Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral Radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
A radiação natural engloba a radiação de origem externa e a radiação de origem interna (fig 1).
A radiação de origem externa é o somatório da radiação cósmica e da radiação terrestre, que tem origem no meio ambiente e contribui com 16% da radiação total a que a população se encontra exposta (fig 1 e 2) (32).
A radiação de origem interna
é constituída por
radionuclídeos que são absorvidos a partir do meio
ambiente externo por
inalação ou ingestão. Como o organismo humano não consegue distinguir entre isótopos radiactivos e elementos químicos, todos os isótopos, radiactivos ou
não, têm a mesma
possibilidade de serem
incorporados no corpo
humano. Estima‐se que esta fonte de radiação seja responsável por 67% (2,4 mSv) da radiação a que a população se encontra exposta. Neste tipo de radiação ionizante o radão (um produto da série de desintegração do urânio) é o isótopo que se encontra em maior quantidade; cerca de 56% (2,0 mSv) a que a população se encontra exposta (fig. 1; tab. 1).
Os radionuclídeos ingeridos através da água e dos alimentos produzem, em média, uma radiação efectiva anual de 0,4 mSv, nos EUA. Esta radiação deve‐se essencialmente aos produto de degradação do urânio e do tório.Um fonte de radiação interna que não pode ser subestimada é a castanha do Brasil que contem grandes concentracções de nuclídeos radiactivos. Uma pessoa que coma 100 gramas de castanhas do Brasil por semana, que não é de todo incomum nesse país, poderá receber, só por isso, uma dose anual de 0,2 mSv (Tab. 1) (32).
Tabela 1. Média anual de exposição a radiação ionizante a que está sujeito um indíviduo que viva , actualmente, nos EUA. (Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
A par de avanços tecnológicos impressionantes e cada vez mais sofisticados, tem sido constatado um aumento de radiação no meio ambiente, provocada pela actividade humana.
Esta radiação artificial pode dividir‐se em três grandes grupos: Grandes fontes de energia, pequenas fontes de energia, produtos industriais e de consumo e radiação emitida por aparelhos de radiodiagnóstico e tratamento (fig. 1, 2 e 3). A radiação artificial contribui, actualmente, com uma média de radiação efectiva da ordem dos 0,6 mVs, que corresponde a 17% da exposição anual à radiação de um indivíduo residente nos EUA (Tab. 2) (32).
Tabela 2. O ICRP desenvolveu uma estimativa que inclui a probabilidade para a indução de um cancro fatal ou não fatal e os efeitos hereditários decorrentes numa população exposta à radiação. O coeficiente da probabilidade dos efeitos estocásticos que resultam da exposição a baixas doses de radiação, é da ordem dos 7,3 x 10-2Sv-1. O produto
deste coeficiente de probabilidade e a dose efectiva que resulta de um exame imagiológico específico originam uma probabilidade de ocorrência por milhão de indivíduos expostos à radiação. (Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
Considerações gerais sobre imagiologia da ATM
Embora seja consensual que, frequentemente, o exame clínico das ATM não é suficiente para diagnosticar a sua patologia, os meios auxiliares de diagnóstico, entre os quais a imagiologia, devem ser efectuados apenas quando, após uma anamnese pormenorizada e concisa, aliada a um exame clínico minucioso, haja necessidade de mais informação para efectuar e/ou confirmar o diagnóstico(19, 35). Por outro lado, devem ser tidos em conta os resultados de exames anteriores, os planos de tratamento efectuados e os resultados esperados.(17) Nos novos exames deve existir uma monitorização da qualidade das imagens, bem como uma exposição adequada do doente à radiação, devido aos efeitos nocivos que provoca e uma optimização das imagens quanto à sua densidade e contraste.(17, 32, 36) Nesse sentido, uma avaliação quer da confiabilidade e validade, quer dos riscos, custos e utilidade dos exames imagiológicos, como meios auxiliares de diagnóstico, é essencial para o processo de diagnóstico (37), embora seja consensual que o principal risco das técnicas imagiológicas usadas em medicina dentária é o cancro induzido por radiação (32). No entanto, o risco de cancro em humanos, induzido por baixas doses de radiação, é difícil de calcular (32).
Neste contexto, a imagiologia tem sido e é, actualmente, um dos meios de diagnóstico mais utilizados no estudo dos DTM, tendo em conta a variedade de doenças que afectam a ATM (19). As mais comuns podem agrupar‐se em malformações genéticas ou congénitas da mandíbula ou dos ossos do crânio; distúrbios adquiridos; distúrbios inflamatórios e doença articular degenerativa (17).
Por norma, a imagiologia é uma ferramenta de diagnóstico que é prescrita quando os doentes referem dor e/ou sintomas de DTM e o exame clínico não foi conclusivo, com o objectivo de clarificar o diagnóstico (20). A necessidade de técnicas imagiológicas para o estudo da ATM deve ser estabelecida com base em critérios de selecção que devem incluir evidência clínica da presença de doença intra‐articular (18). Essa evidência é fornecida por sinais e sintomas que sugerem que o exame imagiológico pode contribuir para o diagnóstico e tratamento do doente (38).
contribuir para o diagnóstico e tratamento dos doentes de um modo eficiente e eficaz, idealizaram um modelo de eficácia da técnica imagiológica hierarquizado em seis níveis, no sentido de racionalizar a sua prescrição que, frequentemente, tem sido efectuada sem o mínimo critério, obrigando o doente a suportar custos e a exposição a radiação ionizante desnecessários :
- Nível 1. Eficácia técnica – descreve a qualidade técnica das imagens.
- Nível 2. Eficácia da precisão do diagnóstico. Descreve a precisão, sensibilidade e especificidade da imagem, o desempenho do observador e os valores preditivos, positivos e negativos, dos achados imagiológicos.
- Nível 3. Eficácia do raciocínio diagnóstico. Descreve se as informações fornecidas pela técnica imagiológica poderão alterar o diagnóstico clínico. - Nível 4. Eficácia terapêutica. Descreve como as informações fornecidas pela
técnica imagiológica podem alterar a escolha terapêutica.
- Nível 5. Eficácia da evolução do doente. Descreve o efeito da informação fornecida pela técnica imagiológica nos resultados do tratamento do doente. - Nível 6. Eficácia social. Descreve o custo benefício da técnica imagiológica do
ponto de vista social.
No mesmo sentido, Westesson (40) apresenta quatro questões que devem ser analisadas e respondidas quanto à validade e confiabilidade das técnicas imagiológicas empregues, como meios auxiliares de diagnóstico, nos distúrbios temporomandibulares.
- 1ª Qual a precisão dos achados das imagens?
- 2ª Qual a consistência da imagem, quando várias imagens da mesma morfologia são obtidas ao longo do tempo?
- 3ª Qual a interpretação das imagens por um observador em várias ocasiões, bem como entre observadores diferentes?
- Qual a relevância dos achados imagiológicos para a sintomatologia dos doentes?
Na mesma corrente de pensamento, antes de optar por uma técnica imagiológica, como meio auxiliar de diagnóstico é conveniente e fundamental, conhecer o problema clínico específico, se a ténica imagiológica deve ser específica para tecidos duros ou moles,(1) verificar se essa técnica fornece novas informações relevantes (17, 40, 41) e se pode contribuir para a escolha do tratamento bem como para o seu prognóstico (40, 42) sem despesas nem exposição a radiação desnecessárias para o doente (17).
Por norma, o protocolo de exame por imagem começa com o estudo imagiológico dos tecidos duros , por forma a avaliar os contornos ósseos, o relacionamento posicional espacial côndilo/fossa e a amplitude da cinemática mandibular, sendo recomendável a combinação de várias técnicas para uma melhor visualização das estruturas da ATM (1).
O exame imagiológico dos tecidos moles está primordialmente indicado quando existe necessidade de conhecer a posição do disco e anomalias musculares, ligamentares e dos tecidos circundantes, bem como a presença de edemas e derrames intra‐articulares (1).
A influência do observador é outro dos factores críticos na avaliação da técnica imagiológica, como meio auxiliar de diagnóstico. É consensual que a variação intra e inter‐observador influencia os resultados dos estudos imagiológicos.(20) Limchaichana et al. (43) mostraram, numa revisão sistemática da literatura sobre a eficácia da imagem por ressonância magnética (IRM) no diagnóstico dos distúrbios inflamatórios e degenerativos da ATM, que os critérios de diagnóstico(40) e desempenho do observador influenciavam o resultado dos estudos. Nesta perspectiva, afigura‐se importante estabelecer critérios bem definidos bem como uma calibragem mais homogénea, quer intra quer inter‐observadores, para uma avaliação mais precisa e eficiente das técnicas imagiológicas, de que as propostas de Ahmad et al. (44) são um exemplo.
Existe um grande número de técnicas imagiológicas utilizadas, ao longo dos anos, no estudo dos DTM, embora nem todas sejam igualmente eficazes na visualização das estruturas da ATM (17). Por outro lado, o aumento de sofisticação das técnicas imagiológicas actuais não pressupõe que, só por essa razão, exista um melhor tratamento do doente.(39) Entre as técnicas imagiológicas mais comuns, destacam‐se: telerradiografia da face de perfil, telerradiografia póstero‐anterior, radiografia transcraniana lateral oblíqua, radiografia transorbital, radiografia transmaxilar, radiografia transfaríngea, incidência submento‐vertex (incidência de Hirtz), incidência reversa de Towne, tomografia convencional, ortopantomografia, tomografia computadorizada, tomografia computadorizada volumétrica com tecnologia por feixe cónico (cone beam ct – CBCT), ultrassonografia, imagem por ressonância magnética e imagiologia nuclear. Imagiologia dos tecidos duros da ATM Telerradiografia da face de perfil Neste tipo de radiografia o feixe de RX tem uma orientação perpendicular ao plano sagital médio do doente e do receptor de imagem e centra‐se sobre o meato auditivo externo. O receptor de imagem posiciona‐se paralelamente ao plano sagital médio do doente que se encontra com a face esquerda encostada ao receptor. Um filtro em cunha é colocado na parte anterior do tubo de emissão de RX com o intuito de absorber alguma radiação e permitir a visualização dos tecidos moles da face (Fig. 2, 3) (45).
A telerradiografia da face de perfil não é importante quanto à informação que pode fornecer quanto a alterações dos tecidos duros da articulação, devido à sobreposição das ATM. No entanto, Braun, num estudo de 1996, sugeriu que a telerradiografia da face de perfil, obtida através de ecrans intensificadores, sujeita a um método geométrico de análise da ATM, permite estudar o posicionamento do
máxima.(46) Também tem sido usada no estudo das estruturas crânio‐vertebrais, craniofaciais e crânio‐hioideias ao fornecer, indirectamente, informação que pode ter implicações no diagnóstico de DTM (30). Tem sido também referido na literatura a possibilidade de existir uma relação entre o deslocamento anterior do disco e a redução da altura facial posterior (47, 48), o que também pode contribuir, como informação relevante, para um diagnóstico mais preciso dos DTM.
Esta técnica imagiológica tem sido usada no estudo das deformidades causadas por assimetrias (49).
É, também, uma técnica radiográfica que não permite a visualização dos tecidos moles da ATM.
Embora não tenha grande importância no estudo das estruturas da ATM, permite efectuar traçados cefalométricos que podem contribuir para um melhor diagnóstico e tratamento do doente.
Estes traçados cefalométricos são também essenciais no estudo das má‐oclusões, a nível da ortodontia e com muita utilidade no diagnóstico e tratamento da apneia obstructiva do sono.
Fig. 2 - Telerradiografia da face de perfil. Orientação do feixe de RX e do porta-película.
Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
Na telerradiografia póstero‐anterior O feixe de RX é direcionado perpendicularmente ao receptor de imagem, detrás para a frente da cabeça do doente, paralelo ao plano sagital médio do doente e centrado a nível da ponte do nariz. O receptor de imagem é colocado na frente do doente, perpendicular ao plano sagital médio e paralelo ao plano coronal. O posicionamento do doente é efectuado de maneira a que a linha cantomeatal faça um ângulo de 10º com o plano horizontal e o plano de Frankurt seja perpendicular ao receptor de imagem (Fig. 4, 5. 6) (45). Esta técnica imagiológica tem sido usada no estudo das deformidades causadas por
assimetrias mandibulares (49, 50) que, frequentemente, são consequência do híper ou hipo‐crescimento dos côndilos mandibulares. Nakagawa et al (50), num estudo de 2002 em que avaliaram os deslocamentos mandibulares em adolescentes do género feminino, com radiografias póstero‐anteriores, concluíram que este tipo de radiografias é muito útil na triagem dos deslocamentos mandibulares e consideraram que os deslocamentos mandibulares verticais e laterais são bons parâmetros clínicos para avaliar os deslocamentos mandibulares. Por outro lado, também tem sido usada, com o doente posicionado com a boca totalmente aberta, para evitar a sobreposição da fossa mandibular, em casos de suspeita de fracturas do colo do côndilo e/ou do corpo da mandíbula, devido à orientação excêntrica do feixe de RX (Fig. 7) (30). Daí o interesse de incluir a telerradiografia póstero‐anterior neste trabalho.
Fig. 3 - Telerradiografia póstero-anterior. Orientação do feixe de RX e do porta-película. Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
Fig. 4 - Telerradiografia póstero-anterior. (Retirado de Langlade M. Céphalométrie orthodontique. Paris. Maloine S.A. 1978)
Fig. 6- Telerradiografia póstero-anterior. Esquema. (Retirado de Langlade M. Céphalométrie orthodontique. Paris. Maloine S.A. 1978
Fig. 5 - Telerradiografia póstero-anterior. Fractura do colo do côndilo (setas). (Retirado de Langlade M. Céphalométrie orthodontique. Paris. Maloine S.A. 1978)
Radiografia transcraniana lateral oblíqua
Schuller tem sido referido como o investigador que, em 1905, introduziu a radiografia transcraniana lateral oblíqua (RTLO) (19).
A RTLO deve ser a técnica imagiológica mais utilizada no estudo dos DTM para determinar a posição do côndilo na fossa mandibular, bem como avaliar alterações ósseas das ATM, principalmente na sua parte lateral(51). No entanto, é consensual na literatura que existe, em indivíduos assintomáticos, uma grande variação da posição espacial do côndilo na fossa mandibular.(52, 53) Por outro lado, também é consensual que em doentes com DTM a posição mais posterior do côndilo na fossa é a mais frequente, o que poderia significar que a posição mais posterior do côndilo seria mais comum em doentes com deslocamento anterior do disco com redução (12, 54, 55). Devido, exactamente, à variabilidade considerável da posição espacial do côndilo, não é cientificamente correcto concluir que essa posição, bem como medições do espaço articular, sejam consideradas para fins de diagnóstico de DTM (9, 17). Nesta perspectiva, de acordo com Ahmad et al (44), os exames por RTLO têm hoje um valor muito limitado, como fornecedores de informação relevante para o diagnóstico clínico de DTM.
Esta técnica imagiológica proporciona uma visualização sagital da parte lateral do côndilo e fossa mandibular (1).
Nesta técnica, o doente está posicionado num cefalostato e o feixe de RX está direccionado inferiormente (paralelamente ao grande eixo do côndilo) a partir do lado contralateral à ATM em estudo, lado em que se coloca o receptor de imagem. Por norma o feixe de RX faz um ângulo de 25º, a nível vertical, centrado sobre da ATM, que mostra a parte lateral da articulação, como o contorno ósseo da ATM(1, 17, 19, 51). A direcção horizontal do feixe deve ser correctamente individualizada, de acordo com o grande eixo do côndilo numa angulação, em média, de 20º (Fig. 8).(1) Com esta angulação, obtêm‐se uma imagem nítida do côndilo, eminência articular e fossa mandibular (Fig. 9) (1, 19). Para uma melhor interpretação usa‐se um protocolo em que se efectuam imagens da ATM nas
posições de intercuspidação máxima, posição fisiológica de repouso e abertura máxima (1, 51).
As partes central e medial da ATM são projectadas inferiormente, sobrepondo‐se à parte inferior do côndilo e apenas os contornos laterais da ATM são visíveis nesta incidência (1) pelo que, as superfícies ósseas que são tangentes ao feixe de RX formam os contornos ósseos da imagem radiográfica, independentemente de estarem ou não no mesmo plano sagital (Fig. 10).(17) Estas constatações permitem inferir que o contorno do côndilo e da fossa mandibular, observados na RTLO, podem derivar de diferentes zonas, devido a angulações incorrectas (lateral e medial) da ATM.(17)
Por outro lado, as imagens do côndilo, fossa mandibular e espaço articular estão distorcidos, pelo que a posição espacial do côndilo não é fiável, tornando‐se ainda menos fiável se o ângulo horizontal do feixe de RX não for correctamente individualizado para cada doente (Fig. 11, 12).(1) Nesse sentido, tem sido sugerido que a RTLO é confiável para representar a relação morfológica entre o côndilo e a fossa mandibular,(56‐59) embora a exatidão inter‐relação côndilo/fossa, seja questionada.(53, 60, 61)
Fig. 10 - RTLO. A superfície do côndilo é o polo lateral. O polo medial sobrepôe-se à parte inferior do côndilo. (Retirado de Okeson JP. Management of temporomandibular disorders and oclusion. Sixty edition. St. Louis.
Mosby/Elsevier.2008 Fig. 6 - RTLO. Posição do côndilo na fossa
Fig. 12‐ RTLO. RTLO. Efeito da alteração da ângulação horizontal do feixe do RX. Quando o ângulo está aumentado, o côndilo posiciona‐se mais anteriormente na fossa mandibular. Quando o ângulo está diminuído, o côndilo posiciona‐se mais posteriormente na fossa mandibular. (Retirado de Dawson PE. Functional Occlusion: From TMJ to smile design. St. Louis. Mosby/Elsevier. 2007)
Actualmente, a RTLO parece ter um valor muito limitado, como meio auxiliar de diagnóstico, nos DTM (44) devido à distorção considerável da imagem, comparada com outras técnicas imagiológicas mais recentes(18), sendo consensual que a RTLO não é fidedigna quanto à verdadeira inter‐relação entre o côndilo e a fossa mandibular (1, 40), principalmente quando os achados imagiológicos obtidos pela RTLO são comparados com os achados imagiológicos obtidos através da tomografia (53).
Fig. 11 - RTLO. Efeito da alteração da ângulação vertical do feixe do RX. Quando o ângulo está aumentado, o côndilo posiciona-se mais inferiormente na fossa mandibular. Quando o ângulo está diminuído, o côndilo posiciona-se mais superiormente na fossa mandibular. (Retirado de Dawson PE. Functional Occlusion: From TMJ to smile design. St. Louis. Mosby/Elsevier. 2007)
Tendo em conta as limitações apresentadas, sugere‐se que esta técnica imagiológica poderá ser útil na visualização de alterações ósseas grosseiras, fracturas com deslocamento do côndilo e cinemática condília (1) embora também evidenciado que esta técnica imagiológica não detecta deslocamentos inferiores e/ou laterais do côndilo na fossa mandibular (62), bem como alterações ósseas subtis da ATM, para além de a visualização do disco articular não ser visível (17).
Por isso, considera‐se que a RTLO pode ter algum valor como uma modalidade de selecção e para fins de documentação, seguimento dos tratamentos e educação dos doentes (40).
Quanto à consistência das RTLO, da mesma morfologia da ATM, obtidas num dado período de tempo, esta depende de vários factores: posição da cabeça, projecção imagiológica e posição mandibular. Mesmo que a morfologia da ATM se mantenha inalterada, basta que exista uma alteração de um destes factores para que o resultado seja diferente. Para obviar esta situação, foram confeccionados aparelhos cefalométricos para a obtenção de RTLO padronizadas. Estes aparelhos, de que o accurad‐200 head holder (Denar Company, Anaheim, CA) é um exemplo (Fig. 13, 14), interligam o emissor de RX, o suporte da película radiográfica e a cabeça do doente (63). Deste modo o problema da reproductibilidade das RTLO pode ser superada através destes dispositivos (51).
Fig. 13- Accurad TM-200 Headholder. (Teledyne
Water Pik.) Fig. 14 - Posicionamento do doente no Accurad
TM-200
Quanto à fiabilidade do desempenho do observador no que respeita à avaliação da posição do côndilo na fossa mandibular esta teve uma concordância de 75% a 86% (64) e as diferenças inter‐observador foram consideradas insignificantes (65) pelo que a fiabilidade quer do observador quer intra‐observadores é boa.
Quanto à relação entre a posição do côndilo na fossa mandibular e a sintomatologia do doente não existe na literatura suporte para tal relação, nem no que concerne ao espaço inter‐articular em intercuspidação máxima, entre indivíduos assintomáticos e sintomáticos(66), nem quanto à posição do côndilo nos desarranjos internos da ATM (DIATM) (67, 68). Verificou‐se, também, que em indivíduos assintomáticos existe uma variabilidade da ordem dos 65% na posição do côndilo na fossa mandibular (53). A única situação em que se verificou uma percentagem superior nos indivíduos sintomáticos relativamente aos assintomáticos registou‐se na posição posterior do côndilo na fossa mandibular (53, 69).
Radiografia transmaxilar
Esta técnica radiográfica é uma modificação da projecção ântero‐posterior. Nesta técnica radiográfica, o feixe de RX está direcionado perpendicularmente ao grande eixo do côndilo (Fig 15). Com as mudanças de angulação vertical e horizontal evita‐se a sobreposição do côndilo pela apófise mastoide(17, 19).
Por norma, esta técnica radiográfica efectua‐se com a mandíbula do doente
Fig. 15 - Radiografia transmaxilar. Posicionamento do feixe de RX, do porta-película e do doente. (Retirado de Okeson JP. Management of
protruída, a fim de evitar a sobreposição do côndilo na base do crânio e, desta forma, permitir que o feixe de RX seja tangente à face inferior da eminência articular e ao contorno superior do côndilo.(17, 19)
Na tentativa de estudar tridimensionalmente a ATM, sem recurso a técnicas imagiológicas sofisticadas, a RTM complementa a RTLO, visto que os seus ângulos horizontais divergem de, aproximadamente, 90º, o que permite uma avaliação tridimensional da ATM quanto a fracturas do côndilo, doenças degenerativas graves da ATM (osteortrite/osteoartrose avançadas) e neoplasias (17, 19). Radiografia transfaríngea
Esta técnica imagiológica, também conhecida como incidência de Parma, proporciona uma visualização sagital do polo medial do côndilo.(1) O doente deve permanecer com a boca totalmente aberta, para evitar a sobreposição do osso temporal no côndilo(1) e tubo de emissão de RX é colocado
perto da ATM contralateral, direcionando o feixe de RX superiormente 5º a 10º,
através da chanfradura
sigmoide e, posteriormente, 10º, centrado na ATM oposta (que é a articulação que se pretende estudar), que está adjacente receptor de imagem (Fig.16). Esta técnica permite que a ATM que se encontra perto receptor de imagem esteja na área de focagem, enquanto que a ATM que se encontra perto da fonte de emissão de RX apareça desfocada, isto é, fora da área de focagem, o que permite a visualização da ATM, do
Fig. 16. Radiografia transfaríngea. O raio central é porientado superiormente de 5º a 10º e posteriormente de, aproximadamente 10º , com a mandíbula em máxima abertura. Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004
desta técnica é a visualização de alterações erosivas do côndilo mandibular.
Radiografia transorbital
Esta técnica imagiológica é similar à técnica transmaxilar, ao fornecer uma visualização anterior da ATM, perpendicular às técnicas transcraniana e transfaríngea. Esta técnica inclina inferiormente a cabeça do doente de 10º de modo que a linha cantomeatal seja horizontal. O feixe de RX é direcionado a partir da frente do doente, através da órbita ipsilateral à ATM que se quer examinar. O receptor de imagem é colocado por trás da cabeça do doente, perpendicularmente ao feixe do RX (fig. 17). O doente abre a boca ao máximo ou, em alternativa, faz protrusão mandibular, de modo a posicionar o côndilo no vértice da eminência evitando, assim, a sobreposição da eminência articular e/ou da base do crânio sobre o côndilo, pois caso contrário, apenas é visualizado o colo do côndilo. Por esta razão esta técnica não tem interesse quando existe limitação da cinemática mandibular.(1) Como esta técnica permite a visualização da área médio‐lateral da eminência articular, do côndilo e do colo do côndilo é útil nas fracturas do colo do côndilo. Em conjunto com a RTLO e a projecção transfaríngea permite diagnosticar, com alg
Fig. 7 ‐ Radiografia transorbital. Posicionamento do feixe de RX, do receptor de imagem do e do doente. O raio central é direcionado inferiormente cerca de 10º e, lateralmente cerca de 30º, centrado na ATM em estudo, através da órbita ipsilateral. (White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
uma evidência, alterações degenerativas grosseiras (1).
Incidência de Towne reversa
Esta técnica imagiológica posiciona a testa do doente directamente contra o receptor de imagem. São dadas instruções ao doente para abrir a boca, de modo a permitir que o côndilo se desloque para fora da fossa mandibular, reduzindo, desta forma, a sobreposição destas estruturas.(19) O feixe de RX é posicionado atrás do occiput do doente, num ângulo de 30º com a horizontal e centrado nos côndilos (Fig. 18) (17).
Esta incidência permite uma boa visão do colo do côndilo e, quando se suspeita de fractura,(19) principalmente se o colo do côndilo se desloca para medial, visto o côndilo e o colo do côndilo serem visualizados no plano frontal, esta técnica imagiológica é útil para a sua definição.(1)
Incidência submento‐vertex (Incidência de Hirtz)
Nesta técnica imagiológica, o feixe de RX é direcionado, através do mento e paralelo ao bordo posterior do ramo da mandíbula, para a base do crânio.(1) Nesta incidência visualizam‐se as angulações dos grandes eixos dos côndilos relativamente à linha traçada entre os canais auditivos, ou a uma linha perpendicular à linha sagital média, (19) o que permite que, posteriormente, possam ser efectuadas tomografias corrigidas (1).
Fig. 18 - Incidência de Towne reversa. Posicionamento do feixe de RX do porta-película e do doente. Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
Fig. 19 - Incidência de Hirtz.
Posicionamento do feixe de RX do receptor de imagem e do doente. Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
particularmente útil na avaliação do deslocamento e do côndilo e rotação da mandíbula, no plano
horizontal, em casos de
assimetria facial ou fractura ou, ainda cirurgia
ortognática.(1, 19). Tem sido referida também, a utilidade desta técnica imagiológica na
caracterização dos
deslocamentos do disco, por ser suposto que, nesta patologia intra‐articular, os ângulos intercondilares se encontram aumentados.(70)
A efectivação desta técnica imagiológica implica que o doente esteja com hiperextensão total do pescoço (Fig. 20), pelo que está contra‐indicada em doentes com suspeita de lesão da cervical.(19) Nesta técnica imagiológica visualizam‐se os grandes eixos dos côndilos (Fig. 21), o que permite efectuar uma análise cefalométrica (Fig. 22) e é muito útil para corrigir as tomografias (1).
Fig. 22- Incidência de Hirtz. Análise cefalométrica. (Bumann A; Lotzmann U. 2000).
Fig. 81 – incidência de Hirtz. Análise dos grandes eixos dos côndilos em esquema. (Bumann A; Lotzmann U. 2000).
Fig. 20 – Incidência de Hirtz. Aparatologia e posicionamento do doente (hiperextensão do pescoço). Retirado de: Witzig JW; Spahl TJ. Ortopedia maxilofacial clinica y aparatologia - Articulación temporomandibular - Tomo III - Barcelona.Ediciones Científicas y Técnicas, S.A. 1993
Tomografia
As técnicas tomográficas classificam‐se em tomografia convencional e tomografia computadorizada.
Tomografia convencional
A técnica tomográfica, como meio auxiliar de diagnóstico da ATM, foi introduzida em 1939 por Petrilli e Gurley.(30)
A tomografia é uma técnica imagiológica que consiste numa multiplicidade de cortes imagiológicos finos que permitem a visualização de estruturas anatómicas sem sobreposição de outras estruturas.(1, 19) Como proporciona vários cortes perpendiculares à ATM, é superior à RTLO na avaliação da verdadeira posição do côndilo (fig. 23) e no exame das alterações ósseas. Nesta perspectiva é um valioso
complemento às radiografias, ao
proporcional informação relevante que não
está ao alcance das técnicas
radiográficas.(1)
Nesta técnica imagiológica o feixe de RX e o receptor de imagem movem‐se, simultaneamente, à volta de um ponto fixo, em sentidos opostos. Os objectos que se encontram num plano específico de interesse, aparecem focados, enquanto que as outras estruturas que se situam fora do plano focal ficam desfocadas (fig 24) (19, 71).
Existem, pelo menos, cinco movimentos tomográficos: linear, circular, elíptico, hipocicloidal e espiral (fig.25). A nitidez da imagem no plano focal depende da complexidade do movimento realizado entre o feixe de RX e o receptor de imagem. Os tomogramas lineares têm uma qualidade inferior às tomografias obtidas pelos outros tipos de movimento, devido à desfocagem irregular dos objectos situados fora do plano de focagem, o que origina falsas imagens e linhas parasitas (71).
Fig. 23 - Posição 4/7 de Gelb. (Witzig JW; Spahl TJ. Ortopedia maxilofacial clinica y aparatologia - Articulación temporomandibular - Tomo III - Barcelona.Ediciones Científicas y Técnicas, S.A. 1993)
Por norma, as tomografias são obtidas no plano sagital, nas posições de boca fechada com vários cortes e na posição de boca aberta com um único corte e com uma cunha para manter a abertura e nas corrigidas, em que o ângulo entre o grande eixo do côndilo e o plano sagital médio é obtido através da execução de uma imagem submento‐vertex (1). Obtido esse ângulo, a cabeça do doente é posicionada de acordo com ele, para que os cortes sejam perpendiculares ao grande eixo do côndilo, o que diminui a distorção geométrica da ATM e permite uma avaliação precisa da posição do côndilo (1).
Quando não há hipótese de obter uma tomografia sagital corrigida, o mais desejável, é obter cortes em que a cabeça do doente está rodada cerca de 20º, direccionada para o lado da ATM em estudo, que são mais elucidativos do que cortes obtidos paralelamente ao plano sagital médio (1).
Quando existem dúvidas após o estudo das tomografias sagitais corrigidas, estas podem ser complementadas com tomografias coronais, principalmente quando há suspeitas de anomalias ou erosões ósseas da parte superior do côndilo. Nestes casos, os cortes são efectuados com o doente com a boca totalmente aberta, com a introdução de uma cunha, ou protrusão mandibular, de modo que o côndilo fique alinhado com o vértice da eminência de modo a evitar a sobreposição da vertente posterior da eminência articular (1).
Nos casos em que se têm que efectuar cortes tomográficos, o uso de uma
Fig. 24 - Princípio de formação da imagem na tomografia convencional.
(Pharoah MJ; Oral Radiology: Principles and interpretation. Fifth edition.St. Louis. Mosby Co. 2004)
Fig. 95 - Tipos de movimentos usados na tomografia convencional. Retirado de White SC; Pharoah MJ; Oral Radiology: Principles and interpretation. Fifth edition.St. Louis. Mosby Co. 2004
Tem sido referido, na literatura, que a tomografia convencional tem um fraco impacto no estudo dos doentes com DTM (72) que não existe associação entre a sintomatologia dolorosa e os achados imagiológicos (73) e que os achados imagiológicos obtidos, através da tomografia, não predizem o resultado do tratamento (74) No entanto, White et al. (75) num estudo efectuado em 1995, sugeriram que a tomografia pode influenciar, significativamente, o diagnóstico clínico e o plano de tratamento dos doentes com DTM, que é corroborado por Wiese et al. (76) num estudo efectuado em 2008 e noutro estudo, efectuado, também em 2008, em que constatam que o aumento da idade, principalmente nas mulheres e a crepitação grosseira sentida na ATM, podem estar relacionados com um alto risco de alterações degenerativas visualizadas em exames tomográficos (73).
Nesta perspectiva é difícil predizer o valor da tomografia da ATM no diagnóstico e tratamento dos DTM (20), embora Hussain et al. (77) num estudo de revisão sistemática, efectuado em 2008, tenham concluído que os exames tomográficos convencionais, corrigidos axialmente, são a modalidade imagiológica de escolha no diagnóstico das erosões e dos osteófitos da ATM.
Como desvantagens da tomografia citam‐se a incapacidade de visualizar os tecidos moles, a baixa sensibilidade técnica, o tempo que demora o exame e o facto do equipamento utilizado para a aquisição destas imagens ser muito mais dispendioso do que os aparelhos de RX utilizados para obter as radiografias (78).
Na actualidade, devido à superior resolução em baixo contraste) da CT, da CBCT e da IRM, esta técnica imagiológica tem sido menos usada (19), tendo, actualmente, como indicação principal, o estudo da anatomia de alto contraste da ATM (71).
Ortopantomografia
Desde a sua introdução nos anos 60 do século passado que a ortopantomografia tem evoluído continuamente, devido à sua utilização generalizada, o que contribuiu, de maneira decisiva, para um melhor estudo das arcadas dentárias e estruturas associadas (33, 79, 80).
especializada, que origina uma imagem com uma forma curvilínea, das estruturas faciais que, entre outras estruturas, inclui as arcadas dentárias e a ATM (49). Esta imagem baseia‐se no movimento recíproco da fonte de RX e do receptor de imagem, situados em locais opostos, à volta de um ponto, ou plano, central, onde o objecto está localizado (fig 26; 27), (33, 81) que fica focado, enquanto que as imagens que se encontram fora do plano de focagem ficam indefinidas, ou desfocadas. Isto é, a fonte de RX e o receptor de imagem giram à volta da cabeça com uma fenda focal estreita que permite apenas focar as estruturas que interessam(19, 33). Esta fenda focal é produzida por colimadores de chumbo na forma de uma fenda localizada na fonte de RX, bem como no receptor de imagem (fig. 29). O tamanho e a forma da fenda focal e o número de centros de rotação variam de acordo com os fabricantes dos aparelhos de RX panorâmicos (fig. 30) (19).
Figura 27.Movimento do film e dos objectos (A,B,C e D) à volta de dois centro fixos de rotação. Pb colimador de chumbo. (Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology: Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004)
Figura 28. Movimento do filme e do feixe de RX à volta de um centro fixo de rotação. Pb colimador de chumbo.
(Retirado de White SC; Pharoah MJ. Oral radiology:
Principles and interpretation. 5ª Edition. St.Louis. Mosby, Inc. 2004
Fig. 29. Movimento do filme e do feixe de RX
A grande vantagem da ortopantomografia é a facilidade da sua obtenção pois, para além de existir nos gabinetes de imagiologia, nos hospitais centrais e faculdades de medicina dentária, (fig. 31) existe em grande parte das clínicas e consultórios dentários. A obtenção de uma ampla exposição das estruturas faciais e dos dentes e das ATM, a facilidade de obtenção, a facilidade de posicionamento do doente, o pouco tempo requerido para a execução do exame (3 a 4 minutos desde a entrada do doente no gabinete, até à sua saída), a baixa dose de radiação para o doente e a capacidade de ser usada em doentes incapazes de abrir a boca, são outras das vantagens desta técnica imagiológica (81, 82).
A ortopantomografia tem sido preconizada, por vários clínicos, como uma técnica imagiológica apropriada na avaliação da ATM visto que, para além de identificar as alterações ósseas grosseiras nas ATM, principalmente do côndilo, tais como erosões, esclerose, osteófitos, reabsorções e fracturas (Fig.32) também proporciona informação adicional sobre o osso mandibular, os dentes e estruturas
Fig. 310- Ortopantomógrafo Gendex Orthoralix® 9200 (Dental Systems, Des Plaines, U.S.A.), da FMDUP
abordagem imagiológica, na realização de diagnósticos diferenciais dos DTM com outras patologias orofaciais (19, 49, 78, 82) como, por exemplo, o síndrome de Eagle (Fig 33), tumores, quando o crescimento e a discrepância são suficientemente grandes (82) e a cinemática condília, através dum programa de ATM que existe nos ortopantomógrafos analógicos mais recentes e nos ortopantomógrafos digitais (Fig 34 e 35). Também tem sido usada nos casos de assimetrias faciais ou mandibulares devidas a discrepâncias relevantes de desenvolvimento do côndilo (82).
Figure 32 - Ortopantomografia. Fractura do côndilo direito.
Fig. 34 ‐ Ortopantomografia. Posição de boca fechada – côndilos na fossa mandibular..