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Contribuições da Teoria Literária para o Letramento Literário na Graduação

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Academic year: 2021

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Eliane Quinelatoa*; Clinio Jorge de Souzaa; Luciana Maria Crestania; Maria das Graças Sandi Magalhãesa

Resumo

Este estudo é parte de um trabalho mais amplo intitulado “Multiletramento acadêmico: das linguagens à escrita científica” que tem como objetivo principal estudar a multiplicidade das linguagens que permeiam o meio acadêmico, pesquisando metodologias de trabalho que possam contribuir para o aprimoramento da leitura, interpretação e produção textual de alunos de cursos de graduação. O que nos cabe neste estudo é debruçar-nos sobre o letramento literário, apontando as contribuições da teoria literária para o estudo das narrativas. Acreditamos que uma análise literária que parta de um aparato teórico consolidado permite ao leitor fugir do senso comum e entender a literatura como campo de conhecimento e como uma forma de reflexão da condição humana. Para tanto, selecionamos algumas categorias narrativas consolidadas pelo campo de estudo da teoria literária, para aplicá-las à leitura do conto “O bife e a pipoca”, de Lygia Bojunga Nunes. Pretendemos mostrar de que forma a teoria contribuiu para a melhoria da leitura e interpretação de textos na formação de professores do curso de Pedagogia.

Palavras-chave: Intepretação. Produção Textual. Narrativa.

Abstract

This study is part of a larger work entitled “Multiliteracy: academic scientific writing languages” which has as main objective to study the multiplicity of the languages that permeate academia, researching work methodologies that can contribute to the improvement of reading, interpretation and textual production of undergraduate students. What our place in this study is to address the literary contributions of pointing literacy literary theory to the study of narrative. We believe that a literary analysis that comes of a theoretical apparatus consolidated allows the reader away from common sense and understand the literature as a field of knowledge and as a reflection of the human condition. To this end, we select some categories consolidated narratives through the study of literary theory, to apply them to the reading of the short story “the steak and the popcorn” by LygiaBojungaNunesNunes. We want to show how the theory has contributed to improving the reading and interpretation of texts in teacher education Pedagogy course.

Keywords: Interpretation. Production of Texts. Narrative.

Contribuições da Teoria Literária para o Letramento Literário na Graduação

Contributions of Literary Theory to the Literary in Literacy Graduation

aFaculdade Anhanguera, SP, Brasil *E-mail: eliane.quinelato@yahoo.com.br

1 Introdução

É sabido que fazemos parte de uma cultura letrada e que, para participarmos efetivamente dela, temos de dominar práticas de letramento que permitam nossa relação com o outro e com o mundo em que vivemos. Nesse contexto, é por meio de leituras e produções de gêneros diversos que nos comunicamos, fazemo-nos entender pelo outro a fim de contribuirmos para o aprimoramento da cultura letrada.

Ocorre que o contato com a diversidade de gêneros que permeia o mundo letrado e as possibilidades de uso desses gêneros, apesar de inumeráveis, desembocam, sobretudo no contexto acadêmico, nas atividades escritas. Era esperado que tais atividades colaborassem para o desenvolvimento dos sujeitos que integram esse novo contexto social, mas, infelizmente, isso não acontece. Em nossas atividades docentes atuais notamos, com demasiada preocupação, que a maioria dos alunos ingressa em cursos superiores com pouca ou nenhuma habilidade de leitura, interpretação e escrita autônomas.

Dentre as razões que levam os alunos a essa falta de habilidade, podemos citar o desinteresse do aluno pela leitura,

a falta de incentivo da família e as novas tecnologias que, com rapidez, passaram a exigir novos olhares para a leitura estabelecendo formas de escrita informais, confundidas erroneamente com práticas de escrita permitidas a qualquer situação de letramento. Outro fator que merece destaque é a falta de preparo do professor para ensinar estratégias de leitura, interpretação e produções textuais que auxiliem os alunos a praticar essas atividades de forma autônoma em qualquer nível de ensino.

Diante desse contexto, as preocupações de linguistas e estudiosos da área com a diversidade de gêneros textuais presentes nas práticas sociais resultaram nos estudos sobre letramento e letramentos múltiplos. Essas preocupações, antes direcionadas apenas aos níveis fundamental e médio, passaram a fazer parte do campo de estudos universitários– letramento acadêmico - uma vez que se percebeu a necessidade de abordar as dificuldades de leitura, interpretação e escrita de graduandos.

A obra de Paula Carlino, Escribir, leer y aprender en la universidad: una introducción a la alfabetización acadêmica (2009) abordou a dificuldade de leitura e escrita em alunos

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em nível universitário e propôs metodologias possíveis de serem aplicadas em aulas de leitura e produção de textos com a finalidade de melhorar a qualidade dos textos produzidos pelos alunos.

Para a autora Carlino (2009), não se trata apenas de refletir sobre os fracassos escolares anteriores dos alunos que, sem dúvida, repercutem no ensino superior. Deve-se repensar o planejamento das universidades que, na maioria das vezes, relegam essas atividades a uma única disciplina “Leitura e produção de textos”, num único semestre, esperando que apenas o docente que a ministra seja responsável por essa tarefa. Além disso, Carlino (2009) estende a responsabilidade pelo ensino de leitura, escrita e interpretação de textos a todos os docentes, uma vez que eles dominam as práticas de linguagem pertinentes ao seu campo de atuação.

Irmanamo-nos com as reflexões da estudiosa (CARLINO, 2009) e passamos a refletir sobre as seguintes questões: se, conforme afirmamos anteriormente, os universitários apresentam dificuldades em leitura, interpretação e escrita de textos acadêmicos, sobretudo os que pertencem ao segmento dissertativo/argumentantivo, genericamente considerados “mais difíceis”, o que dizer das dificuldades observadas em relação à interpretação de textos da esfera literária, estudada por eles desde o Ensino Fundamental I? O que os professores universitários têm feito para amenizar tais dificuldades? Os estudantes sabem ler um texto literário considerando suas peculiaridades?

Essas questões que tanto nos inquietam nos levaram a refletir e pensar em metodologias que possam contribuir para o aprimoramento da leitura, interpretação e escrita de textos da esfera literária. Para tanto, este estudo será composto da seguinte forma: primeiramente trataremos do letramento, em âmbito geral, a partir dos estudos de Soares (2005) e Rojo (2009). Para refletir sobre o letramento literário utilizaremos as contribuições dos Parametros Curriculares Nacionais - PCN, das Orientações Curriculares para o Ensino Médio e dos estudos de Cosson (2012) que, embora tratem do letramento literário nos níveis fundamental e médio, são pertinentes também para pensarmos neste letramento no nível universitário. Por fim, para nortear a análise do conto e a pesquisa de campo, serão utilizados textos diversos que fazem parte do campo teórico dos estudos da narrativa, tais como Genette (1995), Reis e Lopes (1988), Bonnici e Zolin (2009). 2 Material e Métodos

A metodologia consistiu em pesquisa bibliográfica que versa sobre a teoria, com aplicação de fichas de leitura e análise de textos. Para tanto, inicialmente fizemos a leitura do conto “O bife e a pipoca”, de Lygia Bojunga Nunes, e cada cursista fez uma análise do texto a partir dessa primeira leitura.

Participaram da pesquisa 16 alunas do curso de Pedagogia e todas, numa primeira análise do texto, fizeram um resumo da história.

Para exemplificar, selecionamos a atividade de uma das alunas a fim de verificar se houve melhoras significativas em relação à leitura e interpretação de textos literários narrativos, conforme segue:

Figura 1: Primeira análise escrita pela aluna

É possível observar que a aluna faz uma síntese da história e não uma análise literária, conforme solicitado. Assim como as demais alunas que participaram da pesquisa, Aline não considera o texto literário como uma forma de expressão e sequer menciona aspectos estruturais da composição de um texto fictício para a construção narrativa.

Em sequência, os alunos tiveram contato com as seguintes categorias narrativas: no plano da história destacamos os personagens, o espaço, o tempo e a ação; no plano do discurso, enfatizamos os conceitos de narrador. As categorias foram apresentadas na forma de aula expositiva e os alunos acompanharam a explanação da teoria juntamente com a leitura do conto.

Posteriormente, os estudantes responderam uma ficha de leitura composta por 11 questões. Quando perguntamos às alunas se elas teriam feito a mesma leitura do texto após o apoio do instrumental teórico, todas responderam que o conhecimento da teoria alterou a visão que tinham, pois passaram a refletir sobre as relações entre as partes constitutivas do texto narrativo e seu sentido global. Afirmaram ter compreendido que as figuras discursivas concretizam a ideologia implantada no discurso pelo enunciador do texto e que a descrição do espaço narrativo corrobora para a construção da personagem tanto em relação ao aspecto físico quanto psicológico. As alunas também demonstraram ter compreendido a diferença entre os conceitos de autor e narrador. Entretanto, foi necessário esclarecer que o narrador é o elemento organizador da narrativa e que é pelo seu olhar que lemos o texto.

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De acordo com as respostas das alunas, pudemos confirmar que é apenas nas aulas de leitura e produção de textos que os alunos mantém contato com os textos literários. Entretanto, a disciplina é ofertada apenas no primeiro ano da graduação e aborda os textos literários de forma superficial, uma vez que procura dar conta de uma grande variedade de textos, num único semestre.

Quanto à questão sobre a importância da teoria para uma melhor compreensão do texto narrativo, todas responderam que, apesar do pouco contato que tiveram com a teoria, puderam refletir sobre aspectos que até então lhes passavam despercebidos, como a influência do narrador, por exemplo.

Em seguida, foi solicitado que as alunas refizessem a análise e notamos sensível melhora na redação em relação aos aspectos agora observados por elas.

Figura 2: Primeira análise escrita pela aluna

O letramento privilegia o contexto social da leitura e escrita e, nos últimos tempos, conquistou visibilidade no âmbito dosestudos linguísticos. Devido à necessidade de se encontrar um termo que melhor correspondesse às práticas sociais em que leitura e escrita estavam inseridas, surgiu o conceito de letramento, oriundo da palavra inglesa literacy. Segundo Soares (2005, p.21):

O surgimento do termo literacy (cujo significado é o mesmo que alfabetismo), nessa época, representou, certamente, uma mudança histórica nas práticas sociais: novas demandas sociais pelo uso da leitura e da escrita exigiram uma nova palavra para designá-las. Ou seja, uma nova realidade social trouxe a necessidade de uma nova palavra.

Dessa forma, o letramento deve ser definido como estado ou condição em que se encontra um indivíduo alfabetizado. O termo letramento diz respeito a um indivíduo que sabe ler, escrever e responder às demandas sociais de prática de leitura e escrita. Alfabetizado é aquele que aprendeu a ler e escrever, mas não, necessariamente, se apropriou da leitura e escrita em sua diversidade de práticas sociais.

A nosso ver, a melhor menção que faz a autora sobre letramento e alfabetização é:

[...] um indivíduo pode não saber ler e escrever, isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo a este adjetivo sentido vinculado a letramento). Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um analfabeto, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pode a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita (SOARES, 2005, p.24).

A partir dos dizeres da autora compreende-se que, muitas vezes, erroneamente, chamamos de analfabetos as pessoas que sabem ler e escrever, mas que não se apropriaram completamente das práticas sociais de leitura e escrita, pois apresentam dificuldades na leitura, escrita ou interpretação de determinados tipos de texto.

De acordo com Soares (2005) tornar-se letrado traz consequências sociais, culturais e linguísticas importantes para o ser humano, pois, após o aprendizado da leitura e da escrita há mudanças significativas no vocabulário e no uso que o indivíduo faz da linguagem oral e escrita, atendendo às demandas sociais de práticas comunicativas que, até então, ele não dominava.

Contudo, falar de letramento implica refletirmos, também, em seu plural: o conceito de letramentos múltiplos. Na obra Letramentos múltiplos, escola e inclusão social, Rojo (2009) inicia o capítulo 6 apresentando ao leitor várias situações de letramento: leitura em voz alta realizada por aluno, retirada de dinheiro em caixa eletrônico seguida da leitura de instruções na tela e a produção de um CD com letras de rap em tupi. Essas situações de leitura e escrita em diferentes contextos de 3 Resultados e Discussão

3.1 O conceito de letramento

O tema do letramento surgiu no Brasil por volta dos anos oitenta e uma das primeiras ocorrências está nas produções linguísticas de Mary Kato que, aperfeiçoadas, passaram a ser objeto de estudo de diversos autores, como Leda Verdiane, Ângela Kleiman, Magda Soares, Roxane Rojo e demais estudiosos.

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uso é o que a autora chama de letramentos múltiplos e marcam nosso nível de alfabetismo ou de desenvolvimento da escrita e da leitura.

Rojo (2009, p.98) retoma as definições de alfabetização e letramento afirmando que o alfabetismo tem foco individual e perspectiva psicológica “ditado pelas capacidades e competências (cognitivas e linguísticas) escolares e valorizadas de leitura e escrita”, enquanto o termo letramento recobre “os usos e práticas sociais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados”.

Nesse sentido, o letramento deve ser pensado em contextos sociais mais amplos, como o trabalho, a escola, a família etc. Tais contextos, intrinsicamente ligados culturalmente, podem ter práticas de letramento com valores e ideologias também diferentes. Daí, surgem as abordagens mais recentes do letramento ligadas à heterogeneidade das práticas sociais de leitura e escrita: os letramentos dominantes e marginalizados.

Rojo (2009) distingue os letramentos institucionalizados, tais como a escola, a igreja, o trabalho etc., altamente valorizados, dos letramentos vernaculares, cuja origem encontra-se na vida cotidiana. Um exemplo de letramento institucionalizado seria o estudo da literatura clássica, aprendida sobretudo na escola; já a linguagem da internet, por exemplo, o internetês, é vista como um letramento marginalizado porque parte de letramentos locais, não valorizados pela escola.

Ainda que os novos estudos do letramento tenham voltado seus olhos para os letramentos locais, considerando que os letramentos escolares passaram por diversas modificações devido às mudanças na circulação de informações, às novas tecnologias e à multiplicidade dos modos de significar, este estudo tem interesse especial pela leitura literária na universidade. Nota-se que o letramento literário dos discentes do curso de Pedagogia carece de aperfeiçoamento, uma vez que os alunos se limitam a resumir a história quando lhes é solicitada análise de um texto literário.

Nesse sentido, julgamos pertinente enfatizar, principalmente, o papel fundamental que o professor universitário, enquanto formador, exerce sobre esta questão. Partir dos professores em formação é importante porque a aprendizagem universitária irá refletir na construção de leitores literários no ensino fundamental, médio ou na educação de jovens e adultos, níveis em que esses futuros formadores irão lecionar, atuando como mediadores entre a leitura e os alunos.

3.2 Letramento literário

É necessário esclarecer aqui que, assim como o termo letramento, entendido no contexto amplo do domínio de habilidades de leitura e escrita nas diversas práticas sociais, o letramento literário também será entendido de forma ampla, no processo de formação de leitores literários críticos aptos a reconhecer as especificidades do texto literário que

constituem sua arquitetura.

De fato, os estudos sobre letramento literário são relativamente novos e embasados, sobretudo, nos estudos linguísticos sobre letramento. Além disso, muitos desses estudos são realizados por pedagogos e linguistas e não por profissionais ligados à teoria da literatura. Dessa forma, esse trabalho pretende refletir sobre de que forma a teoria da literatura poderia contribuir para a compreensão do próprio termo e para a melhoria da leitura, interpretação e produção de textos literários na universidade.

É certo que o exercício da leitura literária promove a apropriação da linguagem e emerge das relações dialógicas entre os sujeitos, o texto e a sociedade que o circunda. Entretanto, o exercício da leitura literária tem sido relegado a segundo plano pelos docentes universitários, uma vez que os alunos leem de forma isolada os textos literários indicados pelo professor.

Os docentes deveriam ser leitores críticos, conhecer os modos de se trabalhar as particularidades do texto literário, os conceitos de literatura, os procedimentos de análise literária que promovem a construção de significados a fim de que o letramento seja efetivamente concretizado, respeitando as especificidades desse tipo de texto: suas marcas linguísticas, seus aspectos fonológicos, sintáticos e semânticos, suas estratégias discursivas que remetem a determinado momento histórico de produção e, sobretudo, seu caráter ficcional. Para tanto, os professores devem mediar a relação entre texto literário e discentes, considerando que a teoria da literatura pode contribuir e facilitar essa interação. E é apenas por intermédio do professor que essa teoria pode aliar-se à prática e contribuir para o aperfeiçoamento da interpretação de textos literários pelos estudantes.

Para falar de letramento literário, as Orientações Curriculares do Ensino Médio apoiam-se na definição de letramento de Soares (2004, p.47) “[...] letramento é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”. A partir desta definição, o documento afirma que “podemos pensar em letramento literário como estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência estética, fruindo-o” (SOARES, 2000, p.55).

O conceito de fruição está, aqui, relacionado à experiência estética e não pode ser confundido com diversão ou com atividade lúdica. O documento repete o conceito de fruição encontrado nos PCN (BRASIL, 2002):

Desfrute (fruição): trata-se do aproveitamento satisfatório e prazeroso de obras literárias, musicais, artísticas, de modo geral bens culturais construídos pelas diferentes linguagens, depreendendo delas seu valor estético. Apreender a representação simbólica das experiências humanas resulta da fruição dos bens culturais. Podem propiciar aos alunos momentos voluntários para que leiam coletivamente uma obra literária, assistam a um filme, leiam poemas de sua autoria – de preferência fora do ambiente da sala de aula: no pátio, na sala de vídeo, na biblioteca, no parque.

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Embora reconheça a dificuldade de se especificar o conceito de estético, as Orientações Curriculares partem de Aristóteles e Adorno para afirmar que a fruição de um texto literário está intrinsicamente ligada à apropriação que o leitor faz do texto lido e da construção do significado a ele atribuído. Nesse sentido, a experiência estética será mais rica quando o leitor “entregar-se ao texto” e o leitor será mais humano, crítico e autônomo quando seu nível de letramento literário também for maior.

Sobre o modo como se deve fruir um texto literário, o documento aposta na leitura silenciosa e reflexiva, pois acredita que esse momento solitário aproxima o leitor do texto. A leitura coletiva pode ser feita em um segundo momento, mas para confrontar a leitura alheia.

Cosson (2012) afirma que, quando se deseja promover o letramento literário, devemos ir além da simples leitura de um texto, pois “[...] não é possível aceitar que a simples atividade de leitura seja considerada a atividade escolar de leitura literária. Na verdade, apenas ler é a face mais visível da resistência ao processo de letramento literário na escola” (COSSON, 2012, p. 26).

Apesar das críticas tecidas pelos adeptos daleitura literária fora do ambiente escolar, de acordo com os pressupostos do autor (COSSON, 2012), os livros não falam por si mesmos e é por isso que uma leitura feita na escola é diferente de outra feita em casa, sem orientação. Ele defende que grande parte dos mecanismos de interpretação acionados durante a leitura são aprendidos na escola:

[...] Depois, a leitura literária que a escola objetiva processar visa mais do que simplesmente ao entretenimento que a leitura de fruição proporciona. No ambiente escolar, a literatura é um lócus de conhecimento e, para que funcione como tal, convém ser explorada de maneira adequada. A escola precisa ensinar o aluno a fazer essa exploração. Por fim, não se trata de cercear a leitura direta das obras criando uma barreira entre elas e o leitor. Ao contrário, o pressuposto básico é de que o aluno leia a obra individualmente, sem o que nada poderá ser feito. (COSSON, 2012, p. 27).

Daí, podemos inferir que o autor acredita no papel fundamental que a escola desempenha no letramento literário. Entretanto, ele não desconsidera que a leitura solitária tenha sua importância, mas defende a “leitura solidária”, aquela que permite não apenas a troca de sentidos entre autor e leitor, mas o compartilhamento de visão de mundo entre a sociedade em que os indivíduos estão inseridos. Diz: “[...] o efeito de proximidade que o texto literário traz é produto de sua inserção profunda em uma sociedade, é resultado do diálogo que ele nos permite manter com o mundo e com os outros” (COSSON, 2012, p.28). É aqui que a literatura e a escola adquirem importância maior.

Interessa-nos, sobretudo, destacar as reflexões que Cosson (2012) nos traz a respeito da leitura acompanhada por uma análise literária porque, a nosso ver, a teoria da literatura exerce demasiada contribuição na apreensão dos sentidos de um texto.

Entretanto, há diversas críticas em torno dessa questão e o autor reflete sobre algumas delas, como, por exemplo, o fato de, supostamente, a análise literária destruir a beleza de um texto por desvelar seus mecanismos de construção e argumentação, já que a simples contemplação seria suficiente para a apreensão do sentido.

Cosson (2012, p.29) rebate esta crítica afirmando que, se a literatura for mantida em “adoração”, poderá tornar-se inacessível ao leitor, já que ela não foi feita para ser apenas contemplada, mas sim para ser explorada. O autor ainda afirma que a leitura literária deve ser aprendida, assim como aprendemos outras coisas, pois “ninguém nasce sabendo literatura”. Para ele, a análise literária é um processo de comunicação com o leitor porque ele tem de explorar o texto em um sentido amplo, o que torna possível a interação com todos os seus elementos composicionais.

Importa-nos frisar o que diz o autor:

Longe de destruir a magia das obras, a análise literária, quando bem realizada, permite que o leitor compreenda melhor essa magia e a penetre com mais intensidade. O segredo maior da literatura é justamente o envolvimento único que ela nos proporciona num mundo feito de palavras. O conhecimento de como esse mundo é articulado, como ele age sobre nós, não eliminará seu poder, antes o fortalecerá porque estará apoiado no conhecimento que ilumina e não na escuridão da ignorância (COSSON, 2012, p. 29).

Nesse sentido, a teoria da literatura pode auxiliar o leitor na exploração das diversas possibilidades de interpretação desse tipo de texto, cabendo ao professor criar condições para que a compreensão se efetive.

A partir dessas reflexões e irmanados com o autor, consideramos que não basta apenas ler uma obra literária, mas sim ir além dessa leitura redutora e simplificada. É pelo letramento literário, apoiado na teoria, que instrumentalizaremos os leitores para ler de forma proficiente o mundo permeado pela linguagem.

3.3 Por que estudar literatura na escola?

Iniciamos este tópico esclarecendo que a obra de Rildo Cosson (2009) Letramento literário: teoria e prática tem um enfoque claro no ensino de literatura da escola básica. Entretanto, é de suma importância estender as reflexões do autor para o letramento literário na universidade porque setrata de uma via de mão dupla: o aluno da escola básica chega à universidade para cursar Letras ou Pedagogia e (re) transporta os estudos literários do contexto acadêmico à escola básica. Nesse sentido, o letramento literário de que trata o autor auxiliaem todos os níveis de escolaridade e é a partir dele que iniciaremos nossas reflexões.

Cosson (2012) inicia a obra supracitada comparando o corpo físico com o corpo linguagem, do qual todo ser humano é constituído e afirma que “o corpo linguagem, o corpo palavra, o corpo escrita encontra na literatura o seu mais perfeito exercício”. Conforme o autor é através da linguagem que a prática da literatura se concretiza e concretiza-se através

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de um modelo próprio de linguagem que transforma os discursos padronizados, “metamorfazeando-se em todas as formas discursivas” (COSSON, 2012, p.16-17).

De acordo com Cosson (2012) a literatura humaniza a materialidade das palavras e, por esta razão, precisa manter seu lugar na escola. A questão da literatura com função humanizadora já foi apontada por outros estudiosos:

A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto nos humaniza. Negar a fruição da literatura é mutilar nossa humanidade (CÂNDIDO, 1995, p.256).

As palavras de Cândido reforçam o que já se postulava na Antiguidade Clássica – a arte e, por extensão, a literatura, educa e humaniza. Para os gregos o conceito de paideia deve ser estendido à formação total do ser humano. Essa civilização conjugava a educação do corpo físico com a da mente; arte e literatura eram uma forma de humanizar e ensinar seu povo. Homero e Hesíodo, por exemplo, são considerados educadores da Grécia: enquanto Homero enfatiza a formação política e ética representada por seus heróis, Hesíodo propõe um modelo educacional edificado pelo trabalho em “Os trabalhos e os dias”. As próprias tragédias gregas tinham a responsabilidade de educar moralmente o povo grego, pois, através da catarse aristotélica, era possível ver-se no outro e apreender o sofrimento alheio. Outro aspecto que merece destaque é que, em geral, a literatura era utilizada para ensinar a ler e escrever.

Para Cosson (2012, p.20), o estudo da literatura no ocidente segue o mesmo paradigma: “no ensino fundamental, tem a função de sustentar o leitor e, no ensino médio, integra esse leitor à cultura literária brasileira, constituindo-se, em alguns currículos, uma disciplina à parte da Língua Portuguesa.”

Cabe lembrar que o ensino de literatura não deve consistir apenas em seu caráter educativo, mas também na formação de leitores apreciadores da literatura como forma de expressão: um texto que constrói um mundo a ser lido, interpretado, discutido e analisado. Dentre outras, o texto literário oferece ao leitor a possibilidade de identificar-se com culturas, personagens e lugares históricos, de reconhecer denúncias sociais e/ou políticas, de conhecer de forma mais profunda o mundo em que habita e a sociedade que o circunda.

A experiência docente nos cursos de Letras e Pedagogia, cursos em que o gênero literário se faz mais presente, mostrou que os estudantes desses cursos não conseguem assimilar, com clareza, a relação entre literatura, educação e literatura como forma de expressão, o que resulta em um local secundário da literatura nas escolas e, consequentemente, na universidade.

Esses alunos, que convivem constantemente com o gênero literário, apresentam dificuldades em trabalhar literatura em sala de aula. Enquanto os discentes dos cursos de Letras, seguindo os paradigmas das instituições superiores, detêm-se

na velha periodização que divide a história literária, os alunos dos cursos de Pedagogia nem sequer são preparados para trabalhar textos literários porque, salvo raras exceções, ainda são poucas as disciplinas, na grade curricular de Pedagogia, que trate do ensino de literatura nas escolas. Disso resulta que os próprios alunos, futuros docentes, não se sentem preparados para ensinar literatura na escola fundamental porque também não foram preparados para essa tarefa.

3.4 Contribuições da teoria literária para o ensino de literatura

Devido à brevidade deste artigo faremos, neste tópico, uma síntese da análise do conto “O bife e a pipoca”, de Lygia Bojunda Nunes (1996), e apontaremos algumas categorias essenciais para análise e interpretação do texto narrativo. Dessa forma, utilizaremos parte do instrumental teórico pertinente ao campo da teoria da literatura que descreve os elementos essenciais para a composição de um texto narrativo. Tais elementos podem ser considerados conceitos-chave para que se desenvolva análise e interpretação de textos de forma eficiente, partindo de sua estrutura intrínseca e do conhecimento do gênero para a extrínseca, que remete à função social da qual ele faz parte.

De acordo com Bonnici (2009, p.131) estudiosos adeptos dacrítica humanista acreditam que a discussão sobre a forma e estrutura dos textos literários “ameaça a experiência de leitura”, pois a torna maçante e tira o prazer da leitura. Na perspectiva humanística de análise, o leitor se mantém distante das estruturas que formam o significado. Entretanto, considerando que o texto é produto de um autor:

Não se pode, todavia, prescindir da forma e, mais ainda, da estrutura. Parece que a arte exige forma e estrutura. Por mais próximo que um romance esteja da realidade, é o produto e resultado de muitas decisões que envolvem a forma e a estrutura com que o “material” seria apresentado ao leitor. Para os formalistas, a forma está intimamente ligada ao significado. Para os estruturalistas, a estrutura é a condição para que o significado seja compreendido. Em outras palavras, a estrutura contribui para que o significado do texto literário venha à tona (BONNICI, 2009, p.130).

A nosso ver, ainda que críticos apontem lacunas nos estudos herdados do formalismo russo e seus sucessores por basearem-se no fato de que o texto literário tem um papel importante na formação do indivíduo e valores essenciais para que ele construa sua visão de mundo, não podemos nos esquecer de que o texto literário é uma ficção e, como tal, tem uma arquitetura que deve ser levada em conta em qualquer análise. Elementos como as personagens, por exemplo, movimentam-se num tempo e num espaço construído por um narrador, entidade igualmente construída pelo mundo ficcional do autor. Embora nem todos os textos se encaixem perfeitamente nas estruturas teóricas propostas pelos estruturalistas, acreditamos que para proceder a uma análise literária, devemos partir de um aparato teórico consolidado, pois a teoria ilumina nossa forma de ver, perceber e analisar um texto fictício. Além disso,

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deve-se considerar que a teoria estruturalista tem por objetivo definir princípios gerais da estrutura literária e não partem de textos específicos.

Dentre as categorias que permitem reconhecer a organicidade e especificidade próprias do gênero narrativo, destacamos neste trabalho os conceitos consolidados a partir das contribuições do Formalismo Russo, do New Criticism e do Estruturalismo, linhas teóricas que privilegiaram a materialidade verbal do texto no âmbitodos estudos literários a partir da visão de vários autores.

Dentre seus representantes, retomaremos os conceitos de personagem propostos por Forster (1937 apud REIS; LOPES, 1988) e os de narrador propostos por Gérard Genette. Este estudioso, em “Fronteiras da narrativa”, define narrativa como “a representação de um acontecimento ou de uma série de acontecimentos, reais ou fictícios, por meio da linguagem” (GENETTE, 1972, p.255). Ainda que o autor considere a definição simplista, acrescenta que toda narrativa é uma imitação, um simulacro da realidade.

Os estudos sobre narrativa propostos pelo estruturalista pretendem criar uma abordagem estável para as narrativas, assim como o fizeram seus predecessores. Interessa-nos, sobretudo, as reflexões teóricas contidas no livro “Discurso da narrativa” (1972), em que o autor distingue história, discurso e narração e procura mostrar que as narrativas apresentam uma estrutura básica comum que se mantém, ainda que haja variedade temática. Além disso, Genette (1976, p.262) não dissocia narrativa de descrição:

Toda narrativa comporta, com efeito, embora intimamente misturados e em proporções muito variáveis, de um lado representações de ações e de acontecimentos que constituem a narração propriamente dita, e de outro lado representações de objetos e personagens, que são o fato daquilo que se denomina hoje a descrição.

Nesse sentido, a descrição é constitutiva da narrativa, o que permite considerá-la de suma importância, uma vez que as descrições presentes na narrativa contribuem para o entendimento global do texto.

Para mostrarmos como alguns operadores narrativos contribuem para uma melhor compreensão do texto, escolhemos o conto “O bife e a pipoca”, de Lygia Bojunga Nunes, que resumiremos aqui de forma simplificada.

A narrativa conta a história de Tuca e Rodrigo, dois adolescentes que pertencem a níveis sociais distintos, mas que foram unidos por compartilhar o mesmo espaço – o espaço escolar. Tuca é um garoto pobre que consegue uma bolsa de estudos em um colégio conceituado do Rio de Janeiro, onde estuda Rodrigo, menino de classe social alta e de boa educação. Essa relação é permeada de tensão, pois ambos foram criados em ambientes bastante distintos e a inserção de um no universo do outro é bastante perturbadora.

Ao tornarem-se amigos, Rodrigo convida Tuca para almoçar em sua casa, com a promessa de que haverá bife no almoço. O menino pobre, que sonha em comer bifes, fica

extasiado, mas acaba não fazendo a refeição porque derruba a carne no tapete da sala na hora de cortá-la. A preocupação da mãe de Rodrigo com o tapete persa sobre o qual o bife caíra era tanta, que Tuca sai da casa de Rodrigo sem o tão esperado almoço.

Em outra oportunidade, Rodrigo é convidado a comer pipocas na casa de Tuca, mas o lanche também não dá certo porque Rodrigo, ao subir o morro, encontra a mãe de Tuca bêbada e as pipocas espalhadas pelo chão, sendo devoradas pelos irmãos menores de Tuca. Ao descer o morro, após ter sido expulso, Rodrigo é empurrado por Tuca em uma poça de lama, sujando-se todo, mas não compreende tal atitude de revolta. A amizade rompe-se momentaneamente, mas nada além do tempo que o ambiente escolar leva para reaproximar os dois adolescentes.

Na construção literária, uma das categorias mais importantes diz respeito às personagens centrais porque são elas que vivenciam o conflito narrativo; portanto devem ser observadas em relação às demais personagens e ao espaço narrativo em que se inserem.

No texto, interessa-nos destacar o grau de densidade psicológica, tal qual proposto por Forster (1937 apud REIS; LOPES, 1988), escritor e crítico inglês do séc. XIX. Rodrigo pode ser caracterizado como uma personagem plana, marcada por um comportamento estático e previsível, que permanece até o final da narrativa; já a personagem Tuca é caracterizada como redonda porque tem atitudes imprevisíveis, que vão revelar-se aos poucos no decorrer da narrativa. Basta observar a surpresa do leitor ao ver Rodrigo sendo empurrado na lama por Tuca no final da narrativa.

A categoria “espaço” mostra-se tão importante quanto a anterior e aparece realçada por descrições fundamentais para o entendimento do universo narrativo de ambas as personagens. A descrição da casa de Rodrigo condiz com o comportamento, educação e cordialidade do menino rico, bom aluno e bom amigo: [...]“ele nunca tinha pisado num edifício daqueles: porteiro, tapete, espelho por todo lado, elevador subindo macio, empregada abrindo a porta pra ele entrar [...]” (NUNES, 1996, p.32). O tapete persa, a empregada, a geladeira cheia de guloseimas e o bife no almoço de todos os dias denotam o ambiente de fartura em que Rodrigo vivia. Já a favela, a família numerosa, o cheiro, a sujeira, os empregos de Tuca, o alcoolismo, a falta de estrutura familiar e a pipoca denotam a precariedade de vida de Tuca e da saúde de sua família. Ao subir o morro “[...] o Rodrigo ia olhando cada barraco, cada criança, cada bicho, cada vira-lata, porco, rato, olhando tudo o que se passava: bonito? estrela? cadê?! (NUNES, 1996, p.39). Em se tratando de ambientes, o único espaço comum compartilhado por dois seres de classes sociais tão distintas é a escola que, neste contexto, exerce a função democrática que lhe cabe.

A ação, entendida aqui como um processo de eventos singulares que podem ou não conduzir a um desenlace, é permeada de tensão, sobretudo durante o almoço na casa

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de Rodrigo e à visita ao morro na casa de Tuca. Se a ação depende dos sujeitos, do tempo e das transformações que vão possibilitar a passagem de um estado a outro, neste conto ela cumpre seu papel, pois os sujeitos possibilitam as transformações e mudanças de estado. Só o fato de um aceitar passar o dia na casa do outro já denota a mudança que a personagem sofrerá nesse encontro.

Vale ressaltar que, além da mudança física e espacial, há a mudança psicológica, pois Tuca deixa transparecer o deslumbramento sentido por ele ao adentrar na casa de Rodrigo. Este, por sua vez, faz perceber o quão pouco conhecia de uma vida dura e amarga ao subir o morro para visitar o amigo Tuca.

A categoria “tempo” por ter sido explorada a partir da história, mostra um tempo linear, em que os acontecimentos são narrados cronologicamente. Entendemos que o tempo é cronológico porque há marcas temporais bem delimitadas, como datas e horários.

A narrativa tem a particularidade de ser um gênero híbrido por inserir o gênero “epistolar” dentro da narrativa, mas isso não nos impede de reconhecer que os dois meninos – Tuca e Rodrigo – estão na quinta-série. A maioria dos diálogos se passa na escola, mas a temporalidade é bem marcada: “[...] e no dia seguinte lá estava o Rodrigo outra vez explicando [...]” (NUNES, 1996, p. 29).

Já as cartas demonstram serem escritas a cada espaço de tempo que termina uma aula. Há uma espécie de supressão da narrativa que conta a história de Tuca e Rodrigo para dar lugar à carta escrita por Rodrigo a Guilherme, o amigo que se mudou para o Rio Grande do Sul. Entretanto, após essa supressão, a narrativa retorna ao curso normal, sempre no espaço da sala de aula, narrando episódios sequenciais.

Já a categoria “narrador”, que pertence ao âmbito do discurso, é organizadora da narrativa e exerce papel fundamental na narração da história. Identificar o narrador é essencial para que se faça análise de textos narrativos, considerando ser ele é uma entidade fictícia, diferente do autor, que pode ser uma entidade real ou empírica. É ele quem enuncia o discurso e protagoniza a comunicação narrativa. Lemos o texto pelo seu olhar, por sua postura ética, política, cultural e ideológica. Entretanto, devemos sempre nos lembrar de que o narrador é um ser fictício, dono da voz narrativa.

Genette (1995) distingue três tipos de narradores1: autodiegético, homodiegético e heterodiegético. Neste conto, o narrador é heterodiegético, pois narra em terceira pessoa e não participa dos fatos. Procura manter-se neutro e, geralmente, coloca-se em um tempo posterior ao da história.

Na narrativa em questão, o narrador, além de heterodiegético, mostra-se onisciente em relação aos fatos que narra: “[...] o Tuca fez que sim, humm!! Que coisa mais gostosa era aquela da tigela [...]” (NUNES, 1996, p. 36).

Nota-se, por meio desse e de outros diálogos inseridos na narrativa escolhida para análise, que o narrador temum conhecimento ilimitado dos sentimentos e sensações das personagens. A construção desse tipo de narrador não é ingênua, pois seu relato é capaz de sensibilizar o leitor, fazendo-o participar de todas as sensações das personagens em relação à mudança de ambiente social vivida tanto por Tuca quanto por Rodrigo.

4 Conclusão

Apesar de os textos literários fazerem partedosestudos do curso de Pedagogia, foi possível notar que a grade curricular, muitas vezes, não contempla uma disciplina que dê conta de técnicas ou teorias de análise e interpretação de textos. Ainda que esses cursistas tenham passado pelo ensino fundamental e médio e tenham tido grande contato com esse tipo de texto, não estão preparados para compreender e ensinar como interpretar o gênero em sala de aula.

Apesar do pouco tempo de pesquisa, podemos afirmar que houve sensível melhora na interpretação de textos dos alunos e produção de análise do texto literário após a apresentação das contribuições da teoria literária, não deixando dúvidas sobre a importância do letramento literário na universidade.

Dessa forma, esperamos que esta pesquisa, ainda que não tenha esgotado todas as possibilidades de trabalho com textos literários em sala de aula, possa contribuirpara aprimorar a leitura e interpretação de textos dos graduandos responsáveis por esse aprendizado futuramente.

Referências

BONNICI, T.; ZOLIN, L.O. Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC, 2000.

CARLINO, P. Escribir, leer y apreender en la universidad: una introducción a la alfabetización académica. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009.

COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2012.

GENETTE, G. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega, 1995. GENETTE, G. Fronteiras da narrativa. In: BARTHES, R. et al. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1972.

NUNES, L.B. O bife e a pipoca. NUNES, L.B. Tchau. Rio de Janeiro: Agir, 1996.

REIS, C.; LOPES, A.C.M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988.

ROJO. R. Letramento(s): práticas de letramento em diferentes contextos. ROJO. R. Letramentos múltiplos, escola e inclusão

social. São Paulo: Parábola, 2009.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

1 De acordo com Reis e Lopes (1988), narrador autodiegético é aquele que conta sua própria história; homodiegético é aquele que participa da história como personagem e heterodiegético é aquele que relata uma história da qual não participa, é mero expectador.

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