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A oficina de São José : 1880-1909

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UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE LETRAS

A OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO 1880-1909

PAULA ALEXANDRA DE FARIA FERREIRA

Dissertação de Mestrado em História e Educação apresentada à FLUP sob orientação da Professora Doutora Maria José Moutinho.

PORTO 2009

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AGRADECIMENTOS

Um agradecimento especial à nossa orientadora pelo seu acompanhamento científico.

Para a Ana, registamos aqui um enorme “obrigada” pelo seu companheirismo e pela sua amizade.

Agradecemos a todos aqueles que trabalham na Oficina de São José, Lar de Infância e Juventude, o bom acolhimento que tivemos.

Dirigimos também agradecimentos particulares aos funcionários do Arquivo Distrital do Porto e do Arquivo Histórico Municipal do Porto.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 5

ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA ... 8

O ACESSO AOS ARQUIVOS DA OFICINA: A RECOLHA E O TRATAMENTO DOS DADOS ... 8

CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO ... 11

I.1. O APOIO AOS MENORES DESVALIDOS – BREVE RESENHA ... 11

I.2. ALGUMAS QUESTÕES SOCIAIS NA PERSPECTIVA DE RODRIGUES DE FREITAS ... 13

I.3. MISÉRIA, MENDICIDADE, PREVIDÊNCIA, ENSINO TÉCNICO, “SOCORROS MÚTUOS” NA ÓPTICA DE UM CONTEMPORÂNEO ... 18

I.4. CRIMINALIDADE E MARGINALIDADE INFANTIS, SUA PREVENÇÃO OU REMEDIAÇÃO – A VISÃO DE MENDES CORREIA ... 22

I.5. OUTROS MECANISMOS DE CORRECÇÃO DE MENORES DE “MAU PROCEDER” ... 28

CAPÍTULO II - A OFICINA DE SÃO JOSÉ NO PORTO ... 32

II.1. A FUNDAÇÃO DA OFICINA ... 32

II.2. OS ESTATUTOS DA OFICINA ... 34

II.3. O PADRE SEBASTIÃO LEITE DE VASCONCELOS, FIGURA POLÉMICA ... 50

II.4. A RECEPTIVIDADE SOCIAL DA OFICINA DE SÃO JOSÉ NA CIDADE DO PORTO ... 56

CAPÍTULO III – TRATAMENTO ESTATÍSTICO ... 68

CAPÍTULO IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 87

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INTRODUÇÃO

Quando nos propusemos fazer este trabalho, a intenção era pesquisar a actividade educativa e de inserção social de jovens em risco desenvolvida pela Oficina de São José do Porto, na actualidade. No entanto, houve razões que contribuíram para a mudança do plano de trabalho. A razão mais relevante foi a de consideramos mais oportuno e esclarecedor, começar pelo estudo dos primeiros anos de história desta instituição, beneficiando da vantagem de não efectuarmos, à época, uma abordagem aos seus jovens alunos, numa altura em que o “Caso Gisberta” ainda alimentava as “especulações” dos mass media.

Sendo assim, optamos por estudar esta instituição ao longo do período que medeia entre 1880 e 1909, baseando-nos nas fontes documentais existentes no Arquivo da Oficina de São José do Porto e nos Arquivo Distrital do Porto e Arquivo Histórico Municipal do Porto.

Podemos justificar a escolha deste tema pela importância humanitária e pela relevância social da instituição em estudo. Numa época marcada pela necessidade de “regeneração da juventude pelo trabalho e pela religião”, conforme foi escrito pelo padre Sebastião Leite de Vasconcelos, fundador da casa, sentiu-se a grande necessidade de criar esta Oficina na cidade do Porto. A importância do seu surgimento é atestada pelo apoio dos poderes públicos a esta instituição humanitária bem como, pelo reconhecimento da opinião pública que foi sensível a esta obra, realidade bem evidente nas impressões registadas ao longo dos anos, por centenas de pessoas, no livro dos visitantes da Oficina (inclusivamente, pelos membros da família real).

Sendo assim, é oportuno reflectirmos sobre o que o escreveu acerca da Oficina de São José, o Dr. Padre Manoel Antonio Monteiro Limão, a 21 de Janeiro de 1886:

“As creanças de hoje serão os homens de amanhã e por isso nada mais util do que a educação moral, civil e religiosa e os que com ella se sacrificam, prestam

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grandes serviços à sociedade e à religião, e é também grande o premio que hão-de receber dos sagrados corações de Jesus, Maria e José”.

A partir da nossa experiência profissional, assistimos frequentemente ao abandono escolar por parte de crianças e de adolescentes, sem que a escola dê uma resposta interna à resolução dos problemas ou pelo menos, ao seu controlo, evitando assim que cresça o número de jovens entregues a si próprios e/ou a famílias completamente desagregadas e marcadas pela violência, prostituição, alcoolismo, toxicodependência, mendicidade e outras situações geradoras de marginalidade.

Não podemos ser ingénuos no sentido de pretendermos mudar o mundo ou resolver todos os males que afectam os alunos/jovens de hoje, quando já existem inúmeras pesquisas e trabalhos publicados que versam sobre esta temática, sendo que os problemas relacionados com a delinquência juvenil permanecem no nosso quotidiano.

No entanto, o interesse por estas questões e o estudo particular de uma instituição centenária (neste caso, a Oficina de São José), poderá alertar-nos para problemas sociais que, com outros contornos, são perfeitamente actuais. Conhecendo o historial de “crianças problema” e a forma como os responsáveis de determinada instituição tentaram e tentam salvá-las do mundo da marginalidade, será possível orientar a actuação dos interessados nesta problemática no sentido de auxiliar aqueles que procuram um futuro mais estável e promissor para estes jovens.

Mesmo correndo o risco de fracassarmos em muitas tentativas de ajuda a menores em risco, aqueles que desviarmos do mundo da marginalidade, já representarão uma forte motivação para continuarmos a nossa “missão”.

Já no século XIX, o padre Sebastião Leite de Vasconcelos, na linha de São João Bosco, fundador da Sociedade de S. Francisco de Sales, enveredou por um sistema educativo orientado no sentido da preparação para a vida da população juvenil portuguesa, numa perspectiva profissionalizante.

A intenção do padre Sebastião, como a de D. Bosco, era a de contribuir para a formação dos jovens portugueses, ajudando-os a tornarem-se cidadãos honestos e bons cristãos.

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Também estes religiosos acreditavam na prevenção ou minimização dos efeitos nefastos de contextos familiares adversos no que diz respeito aos jovens que acolhiam mas a sua acção assumiu uma vertente caritativa e evangelizadora, perfeitamente compreensíveis numa sociedade de finais do século XIX e inícios do século XX. Essa acção privilegiou uma infância desvalida e particularmente, os menores que já haviam caído nas malhas da criminalidade. D. Bosco e o padre Sebastião conseguiram obter alguns resultados positivos e ainda que estes resultados constituíssem uma ínfima contribuição num grande universo de jovens delinquentes, não os podemos ignorar.

É nesta linha de pensamento que nos propomos debruçar sobre as questões que se seguem, como demonstramos nos capítulos II e III:

 Quais as principais razões que estiveram na origem da fundação da Oficina de São José, na cidade do Porto?

 Como foi interpretada a intervenção social da figura do padre Sebastião Leite de Vasconcelos no período estudado?

 Qual a relação entre o padre Sebastião Leite de Vasconcelos e São João Bosco?

 Como foi a receptividade social no Porto a esta Oficina de Artes e Ofícios?

 Que tipo de jovens constituíam a população maioritária da Oficina de São José?

 Quais as ilações que podemos retirar da análise dos casos de sucesso e/ou fracasso pessoal e profissional dos jovens acolhidos por esta instituição?...

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ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA

O ACESSO AOS ARQUIVOS DA OFICINA: A RECOLHA E O TRATAMENTO DOS DADOS

Da documentação a que tivemos acesso na instituição privilegiamos o Livro de Registo de Matrículas, desde o ano de 1883 até ao ano de 1933 e um Livro de Legados de benfeitores. Tendo a verdadeira noção de que os ficheiros sobre estudantes são particularmente importantes, enveredamos pela utilização do computador na introdução, classificação e tratamento de dados respeitantes aos educandos desta oficina, desde a sua fundação. Usamos um programa de uma empresa cujo software foi adaptado às necessidades da nossa pesquisa e ao tratamento dos dados recolhidos.

Naturalmente que a antiguidade das fontes, o seu difícil manuseamento e a própria ausência de certos dados sobre os educandos, nos obrigaram a recorrer a todas as informações anexas (observações que incluímos em blocos de notas “encriptadas”) para podermos tirar conclusões sólidas sobre estes alunos e a organização da própria instituição.

Criamos assim uma base de dados com 497 fichas de registo de matrícula com os seguintes elementos:

 Número do educando.

 Alcunha (no caso desta existir).  Nome próprio.

 Filiação (Pai e Mãe).  Data de Nascimento.

 Naturalidade (País estrangeiro ou Distrito de Portugal).  Data de admissão.

 Data de saída.

 Comportamento (Insubordinação/Actos criminosos).  Ofício.

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Na sequência do tratamento estatístico destes dados, teremos que salientar a impossibilidade do programa em assumir a gravação de fichas com falta de certos elementos, o que nos forçou a adoptar estratégias de superação dessas limitações, sem com isso falsear os resultados.

Assim, podemos destacar os seguintes procedimentos:

 Quando não existe qualquer referência ao nome do pai, mãe ou de ambos, colocámos a designação de incógnito, incógnita ou incógnitos.  Quando não existe registo da data de nascimento do educando,

optamos por criar a data de referência 01-01-1800.

 No respeitante à naturalidade, decidimos privilegiar a análise das fichas dos educandos oriundos das Freguesias do Concelho do Porto, espaço principal do objecto do nosso estudo, quer pelo facto de ser o espaço de implantação da própria Oficina, quer pelo facto de grande parte dos registos de matrícula analisados dizerem respeito a jovens do Distrito do Porto.

A propósito dos restantes dados:

--» Os educandos naturais do “Grande Porto” foram registados como fazendo parte do Distrito do Porto mas com a expressão “Não se Aplica” relativamente às Freguesias;

--» Os educandos do resto do país foram registados nos restantes Distritos de Portugal mas com a expressão “Não se Aplica” relativamente às Freguesias, com excepção dos naturais da Freguesia da Sé desses Distritos;

--» Os educandos expostos ou que surgem sem qualquer referência ao local onde nasceram, foram registados com a expressão “Não se Aplica” relativamente ao Distrito e à Freguesia.

--» No caso de educandos nascidos no estrangeiro, repetiu-se o procedimento anterior.

 No que concerne à data de saída, o algarismo 0 significa que não existe qualquer referência a essa data.

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 Relativamente ao comportamento, apenas destacámos os educandos com indicações sobre insubordinação, actos criminosos ou com um comportamento referido como louvável ou até premiado.

O percurso do educando após a saída da Oficina também é indicador de um excelente, bom, regular, mau ou péssimo comportamento.

Os casos que não apresentam qualquer referência ao comportamento antes, durante ou após a permanência na Oficina, foram registados como jovens de comportamento regular ainda que existam casos de um comportamento regular mencionado no próprio Livro de Matrículas.  Relativamente aos Ofícios, nas situações em que o ofício não é referido,

aparece a expressão “não mencionado”.

Finalmente, com base na análise das observações das fichas de Registo de Matrícula, pudemos chegar a importantes conclusões sobre:

--» A relação entre alguns educandos e os mestres, protectores e familiares. --» A actuação dos mestres e médicos para com os educandos.

--» A opinião dos responsáveis da Oficina sobre as capacidades intelectuais e habilidades motoras dos educandos.

--» Algumas das regras fundamentais a cumprir pelos membros da Oficina.

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CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO

Partindo do facto do nosso trabalho de pesquisa se circunscrever ao período decorrente entre finais do século XIX e inícios do século XX, centraremos a sua contextualização histórica e socioeconómica neste intervalo de tempo e fazendo referência às organizações com relevância social nascidas na época e aos apoios económicos provenientes, quer da cidade do Porto, quer de outras localidades.

I.1. O APOIO AOS MENORES DESVALIDOS – BREVE RESENHA

A Casa Pia, inaugurada a 3 de Julho de 1780, procurava regenerar os vadios adultos de ambos os sexos e internava crianças abandonadas ou desvalidas que pudessem converter-se em “perigosos malfeitores”.

Após ter sofrido um processo de decadência (para o qual contribuíram a morte de Pina Manique e as Invasões Francesas), a Casa Pia foi reinaugurada no Convento do Desterro, em 31 de Agosto de 1811, mas as suas competências cingiam-se à assistência e educação de menores desamparados.

Mais tarde, já no período de consolidação do liberalismo, pelos decretos de 6 de Abril de 1836 e de 14 de Abril de 1836, inaugurava-se no ex-convento de Santo António dos Capuchos, o Asilo de Mendicidade de Lisboa, consagrado à detenção e recolhimento de mendigos e indigentes, de qualquer idade e de ambos os sexos, residentes há mais de dois anos na cidade, criando-se paralelamente um Conselho Geral de Beneficência em Lisboa e comissões filiais nas capitais de distrito e ilhas, no intuito de atenuar a mendicidade.

Apesar dos asilos de mendicidade se terem instalado posteriormente em várias cidades (Porto-1846), o internamento nestas instituições não era forçado ou involuntário. Paralelamente a tais instituições asilares, o século XIX caracterizou-se por um aumento do número de irmandades, de comissões de

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beneficência paroquiais e municipais, de grupos particulares em áreas circunscritas.

O Asilo D. Maria Pia, criado por decreto de 14 de Março de 1867, para além de receber internados inválidos e velhos, acolhia menores para lhes dar educação nas suas aulas e oficinas. Esta tese da regeneração pelo trabalho relacionava-se com a criação de uma nova instituição para menores, em 1871, a Casa de Correcção estabelecida no extinto Convento das Mónicas. Nove anos depois, o Governo instituía no Concelho de Elvas (através da lei de 22 de Junho de 1880), a Escola Agrícola.

Na cidade do Porto, em finais do século XIX, existiam vários estabelecimentos que acolhiam crianças mas que deveriam ter uma maior capacidade de acolhimento. Todavia, por falta de recursos, estes estabelecimentos não conseguiram inserir todas as crianças. Além disso, eram “organismos” que beneficiavam de donativos particulares. Eles eram:

 “Estabelecimento Humanitário do Barão de Nova Cintra”;  “Oficina de São José”;

 “Asilo profissional do Terço”;  “O Colégio das Órfãs”;  “O Asilo de São João”;

 “O Colégio dos Meninos Órfãos”;

 “O Seminário dos Meninos Desamparados”;  “O Asilo Escola Municipal”;

 “O Recolhimento das Meninas Abandonadas”;  “O Asilo de Vilar”;

 “O Instituto de Surdos-Mudos”;

 “O Recolhimento de Nossa Senhora das Dores e São José”.

A intensificação da moralização da sociedade portuguesa em torno do valor-trabalho dos finais do século XIX, exercia uma influência apreciável no fenómeno da repressão da mendicidade e da vadiagem.

No decurso do século XIX, podemos realçar a importância da acção benfeitora de várias instituições como a Oficina de São José, o Asilo do Terço, o Asilo de São João, numa altura em que a iniciativa privada e em particular, a

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intervenção da Igreja Católica procuravam minorar os efeitos sociais nefastos provocados pelo abandono de jovens.

Na verdade, a Oficina de São José na cidade do Porto, não só recolhia órfãos e desamparados como também, alguns jovens de “mau proceder” que tivessem estado na cadeia dando-lhes educação, instrução e ensino profissional.

I.2. ALGUMAS QUESTÕES SOCIAIS NA PERSPECTIVA DE RODRIGUES DE FREITAS

José Joaquim Rodrigues de Freitas (1840-1896) foi uma figura de grande relevo na história da ideologia republicana em Portugal. Primeiro deputado republicano (entre 1870 e 1874), pela perfeita dignidade da sua vida e pelas suas qualidades intelectuais, adquiriu um enorme prestígio entre os seus contemporâneos. Na condição de escritor e de jornalista, deixou obras de grande interesse histórico e registos dispersos que nos ajudaram a reflectir sobre os problemas sociais de finais do século XIX, na cidade do Porto. No artigo que redigiu no periódico, “O Comércio do Porto”, a 17 de Setembro de 1879, respeitante à mortalidade e à habitação, este político da oposição, atento aos problemas sociais coevos, realçou a importância da casa, sob o ponto de vista higiénico e moral, na vida quotidiana das populações de então. No seu entender havia um limite de alimento, de luz, de ar, de abrigo, e também de amor, abaixo do qual a existência humana em geral, era impossível.

Nesta linha de pensamento, Rodrigues de Freitas valorizava a questão da habitação, sobretudo nos grandes centros populacionais, onde o aluguer de uma casa constituía uma das maiores despesas anuais. Os habitantes mais pobres que se refugiavam em espaços exíguos, insalubres, sujos e degradados, estavam muito perto do ponto, além do qual “só reinavam os gelos da morte”. Na realidade, as doenças pulmonares desenvolviam-se preferencialmente em aposentos estreitos e mal arejados.

A propósito da situação dos habitantes de grandes cidades, como as cidades de Lisboa e do Porto, no seu artigo publicado no “Comércio do Porto”, a 7 de

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Agosto de 1880, sobre a beneficência pública, Rodrigues de Freitas constatou que foram muitas as disposições legislativas acerca da beneficência pública em Portugal.

Algumas destas disposições, ainda que antigas, mostraram o cuidado que merecia este importantíssimo ramo da administração. No entanto, na sua opinião e na qualidade de homem da oposição, considerava as nossas instituições públicas de caridade, praticamente inoperantes. Na realidade, elas não se notabilizaram, nem pelo número, nem pela qualidade.

Rodrigues de Freitas partiu da ideia de que o país se podia dividir em duas regiões distintas: a região norte, fortemente marcada pela filantropia particular e a região sul, nitidamente assinalada pela intervenção estatal.

Como político interveniente e crítico que era, ele não deixou de questionar a forma como o dinheiro público era gasto em casas de filantropia, nem sempre funcionais nem de grande utilidade. Tomando como exemplo, o Asilo de D. Maria Pia, em Lisboa, considerou aí, duas faltas essenciais: a falta de ar puro e a falta de pão para a sobrevivência humana. A seu ver, prolongar a vida pelo martírio lento da subsistência insuficiente, da alimentação má, do ar viciado, não pode ser o destino das instituições mantidas pelo Estado. Sendo assim, não poderíamos falar de beneficência mas sim, de maleficência.

Para remediar estes males, procurou-se na caridade dos particulares o que faltava ao Estado.

Rodrigues de Freitas considerava ser necessária e indispensável, a beneficência tornada função do Estado, embora fosse importante torná-la fecunda, empregando honradamente os fundos que lhe eram destinados. No artigo que escreveu no periódico “O Comércio do Porto” em 22 de Maio de 1884, sobre a Associação da Creche de S. Vicente de Paulo, referindo-se especificamente às instituições destinadas à recolha, educação e instrução de crianças, Rodrigues de Freitas considerava que estas não deviam ser simultaneamente recolhimento de inválidos do trabalho ou do hospital. Na verdade, variando tanto as regras de vida com as idades extremas, seria “transgredi-las”, reunir crianças e idosos no mesmo asilo.

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Segundo este político, nas classes inferiores colocava-se o problema da sobrevivência das crianças. Nestes meios, as mães costumavam ter o trabalho de amamentar os filhos, pois a própria pobreza, a escassez de recursos e o hábito estimulavam-lhes esse procedimento. No entanto, situações como uma péssima alimentação da mãe ou o seu emprego numa fábrica, arrastavam as crianças para o abandono ou a sua entrega a pessoas pouco responsáveis. Neste contexto e para obviar estas dolorosas consequências, o moderno espírito filantrópico instituiu as creches.

A primeira creche aberta na cidade do Porto, foi em 21 de Novembro de 1852, tendo sido seu benemérito fundador, João Vicente Martins, que na capital de França tinha estudado os efeitos salutares da obra de Marbeau.1

Em 25 de Agosto de 1854 instalou-se nesta cidade, a Associação Protectora das Creches de S. Vicente de Paulo que integrou esta primeira creche portuense. A associação portuense, que manteve e dirigiu a primeira Creche estabelecida em Portugal, construiu casa própria onde era maior o número de berços e todas as condições higiénicas eram observadas. As crianças podiam permanecer aí até aos seis anos de idade e beneficiavam da criação de uma escola onde recebiam os rudimentos da educação maternal.

Partindo das informações fornecidas por Rodrigues de Freitas num artigo que integrou “O Comércio do Porto”, em Janeiro de 1881, respeitante à casa de correcção, ficamos a saber que se divulgou a ideia da necessidade urgente da fundação de asilos nocturnos na cidade do Porto, na qualidade de institutos de beneficência.

No entanto, para Rodrigues de Freitas, era mais premente canalizar os esforços da beneficência particular para a criação de uma casa de correcção. Foi neste contexto de opinião, que este deputado nos relembrou a história de um cidadão que viveu na cidade do Porto, cidadão benemérito preocupado com a melhoria da situação dos desvalidos e fundador de um estabelecimento humanitário. Referimo-nos ao barão de Nova Cintra que faleceu sem ter

1

Jean Firmin Marbeau nasceu em Brive-la-Gaillard e foi advogado em Paris. Ficou particularmente conhecido pela fundação da primeira creche em Paris, a 14 de Novembro de 1844. Esta creche destinava-se a filhos de mães trabalhadoras e serviu de modelo à criação de outras creches por toda a França. Faleceu em Saint-Cloud, em 1875.

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conseguido ver completar o Estabelecimento Humanitário que fez nascer e que viria a ser dirigido pela Santa Casa da Misericórdia.

Este estabelecimento humanitário era uma verdadeira casa de correcção e um asilo para rapazes e raparigas; o seu fundador pretendia que as meninas ali recolhidas se tornassem hábeis para as tarefas domésticas e para a vida independente e que os rapazes se convertessem em bons agricultores ou operários. Para este efeito, as partes características deste Estabelecimento Humanitário do Barão de Nova Cintra eram casas para aulas, um campo de trabalho, algumas oficinas, espaços para experiências agrícolas e uma fábrica de fiação de seda. A par do asilo industrial e agrícola, deveria existir uma casa de correcção destinada a jovens, cujo proceder fosse repreensível para que a educação moral e a benéfica acção do trabalho os transformassem em cidadãos honestos e úteis.

Rodrigues de Freitas justificava a urgência do surgimento deste asilo/casa de correcção pela frequência das notícias diárias respeitantes a crimes praticados por menores, sem família conhecida, sem domicílio certo, sem ocupação definida! Por vezes, eram recebidos na cadeia ou deportados para África. Ora, a seu ver, a sociedade procederia melhor se corrigisse em vez de punir pois, enquanto a punição geralmente piorava o indivíduo, a correcção transformava o vício em actividade sã e fazia de um parasita, um produtor! Na perspectiva de Rodrigues de Freitas, se o norte de Portugal já possuía muitos estabelecimentos de beneficência provenientes da iniciativa particular e praticamente sustentados sem o auxílio estatal, nenhum deles era verdadeiramente uma casa correccional! A título de exemplo podemos citar o caso da Oficina de São José que recebia jovens com cadastro mas que estava longe de ser um estabelecimento correccional. A implantação de uma casa de correcção, só glorificaria a cidade do Porto que passaria a beneficiar de uma instituição capaz de contribuir para o melhoramento moral dos menores vadios, mendigos e criminosos, havendo o cuidado de não se misturarem menores e adultos num estabelecimento prisional. Além disso, na opinião de Rodrigues de Freitas, se a existência de crianças incapazes de aprender não era motivo

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contra a fundação de escolas, também a existência de incorrigíveis não poderia servir de pretexto para a não exigência de casas de correcção!

Por outro lado, as investigações sobre as causas da delinquência, remetem-nos geralmente para factores abordados por Rodrigues de Freitas num artigo sobre o melhoramento das classes laboriosas, elaborado para “O Comércio do Porto”, em 16 de Maio de 1884.

Estes factores passavam por uma existência desgraçada, pela falta de carinho e acompanhamento, pelo desleixo ou pelo vício dos pais. Neste ensejo, o combate ao desenvolvimento do crime entre os menores e ao crescente número de crianças doentes, ignorantes e delinquentes teria que passar inevitavelmente, pela melhoria da situação económica das classes laboriosas. A partir da leitura do artigo sobre a miséria no Porto, inserido na publicação “A Folha Nova”, de 27 de Julho de 1885, constatamos que as investigações feitas pelas autoridades e pelas comissões da imprensa mostraram que na cidade do Porto existiam muitíssimas pessoas a viver na miséria, em casas sem as mais elementares condições recomendadas pela higiene.

Na realidade, a par do progresso material coexistia a cidade da indigência, com as suas ilhas lôbregas, com as suas estreitas e infectadas moradas, com os seus habitantes cujos organismos se deterioravam, se atrofiavam, se depravavam num meio verdadeiramente mórbido. A fome era uma realidade, à qual não escapavam as cidades conotadas como desenvolvidas.

Noutro artigo sobre casas para operários, inserido na publicação “A Folha Nova”, de 2 de Outubro de 1885, Rodrigues de Freitas fez referência a um projecto apresentado pelo governador civil do Porto, no sentido de se contribuir para a construção de mil casas para operários que custariam, em média, 300$000 reis, cada uma. Os operários, não só as arrendariam, mas poderiam gradualmente comprá-las. É de notar que, se o inquilino se pudesse converter em proprietário, mais zeloso seria relativamente à conservação do seu prédio. Além disso, destinada aos moradores paupérrimos das ilhas, que sofriam com a falta de pão e de água potável, surgiu uma proposta no sentido de se efectuarem obras de beneficiação nessas ilhas como forma de combate à degradação física e moral das classes laboriosas.

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Num artigo posterior de 6 de Outubro de 1885, na mesma publicação, Rodrigues de Freitas, abordava novamente o problema dos prédios degradados e os problemas das pessoas que os habitavam. De facto, ou por falta de recursos, ou por ignorância, cerca de um sexto da população portuense de 1885 vivia em péssimas condições físicas e morais. Em 22 de Setembro de 1894, no “Comércio do Porto”, este deputado falava-nos da importância da criação de habitações limpas, livres de fumo, livres de humidade e de mau cheiro, bem iluminadas, abundantes de ar puro e divididas de modo a proporcionarem ordem e asseio àqueles que mais precisavam de recuperar forças para trabalhar. Finalmente, a 4 de Outubro de 1894, também no “Comércio do Porto”, Rodrigues de Freitas concluiu que, ainda que estes empreendimentos, apenas beneficiassem uma parte da população operária, eles serviriam de exemplo a outras propostas/ projectos similares e desviariam dos caminhos do vício, cada vez maiores somas de um trabalho penosamente produzido.

I.3. MISÉRIA, MENDICIDADE, PREVIDÊNCIA, ENSINO TÉCNICO, “SOCORROS MÚTUOS” NA ÓPTICA DE UM CONTEMPORÂNEO

Torna-se imprescindível, neste contexto, esclarecer o conteúdo de conceitos como miséria, mendicidade, previdência, ensino técnico e “socorros mútuos”, no sentido em que eram aplicados na época em estudo.

Pareceu-nos útil colher em Forbes de Magalhães, membro do Conselho Científico do Instituto Portuense, alguns conteúdos sobre esses conceitos, uma vez que se tratou de uma figura portuense bastante interessada nas questões sociais relacionadas com a pobreza. Em 1897, no Boletim do Instituto Portuense, este contemporâneo fez uma abordagem à problemática da miséria. Na sua opinião, a palavra miséria podia ser usada com dois significados: a miséria física (fome, frio, doença) e a miséria moral (ignorância, perversão, crime). Estes dois tipos de miséria podiam coexistir quando procediam da mesma causa mas geralmente derivavam uma da outra.

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Além disso, a miséria podia ser recatada ou ostensiva. Num sentido mais lato, o “pauperismo” designava a miséria colectiva, amplificada, geral, que reduzia categorias inteiras de indivíduos ao estado de indigentes socorridos.

A própria Revolução Industrial produziu o aumento da riqueza por parte de alguns elementos da sociedade mas também provocou o “pauperismo” de muitos. Ainda existiam os falsos mendigos que, por vício, eram os terríveis inimigos dos verdadeiros pobres porque lhes roubavam os socorros.

Forbes de Magalhães fez uma breve descrição do que se assistia no nosso país. Daquilo que observava, considerava que em Portugal, a “doença social” da mendicidade parecia endémica.

Citando dados concretos referia que, no ano de 1896 haviam sido detidos pela polícia civil do Porto, por andar a mendigar, 176 homens, 361 mulheres e 29 crianças, ao todo, 566 pessoas das quais 214 eram reincidentes. Dos 566 mendigos referidos, 224 haviam sido libertos, 153 haviam sido remetidos ao asilo, 70 haviam sido entregues a familiares, 37 haviam sido enviados para as terras da sua naturalidade e 4 haviam sido internados no Hospital. Do total, 178 eram falsos mendigos. Neste número, entravam ainda os exploradores da caridade pública que recebiam crianças “alugadas” para andarem a mendigar de terra em terra, de feira em feira, de romaria em romaria. O autor denunciou situações graves como a “indústria vil” de aleijar, estropiar e até cegar crianças para as “alugar” a exploradores por quantias que rondavam os 4$800 reis e os 5$000 reis, bem como a pressão a que a polícia era sujeita quando intervinha na detenção de mendigos para irem a tribunal ou serem internados no Asilo da Mendicidade. O número de pobres inscritos nos registos do “Commercio do Porto” era de 1250 e em 1896 foram distribuídos 4: 767$050 reis em 3913 esmolas.

Na opinião de Forbes de Magalhães, a “previdência” surgia como o melhor meio de evitar a miséria, ocasionada pela falta de saúde, pela ausência de ordem pública, pela invenção de novos processos industriais, pelo desvio das correntes comerciais ou pelo desaparecimento da necessidade de serviços prestados pela sua profissão. No entanto, este autor alerta-nos para o facto de

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nos podermos deparar com “o reverso da medalha” ou seja, a beneficência também poderia proporcionar situações de miséria!

Na realidade, as pessoas, sabendo da existência de instituições de beneficência, poderiam não evitar cair na miséria.

Segundo Forbes de Magalhães, os economistas eram avessos ao sistema de beneficência oficial ou legal uma vez que este comportava gastos excessivos com o aparelho burocrático que o sustentava, sendo que o pobre passava a exigir a esmola como um direito que convidava à preguiça.

A beneficência particular ou individual tinha a grande vantagem de purificar as almas daquele que socorria e daquele que era socorrido mas também podia gerar a imprevidência. Em suma, o ideal era o recurso a associações de carácter particular espontâneo com uma certa fiscalização estatal.

Como exemplo de um tipo de beneficência mais frutífera, Forbes de Magalhães referia instituições genuinamente portuguesas e seculares, as Misericórdias. Grande parte dos rapazes que adoeciam na Oficina de São José com tuberculose, acabavam por falecer no Hospital da Misericórdia.

Na opinião de Forbes de Magalhães, no ano de comemoração do quarto centenário da Misericórdia do Porto (fundada em 14 de Março de 1499) seria importante a criação de um asilo para cegos com atribuições de encaminhamento profissional. Este cidadão sublinhou o seu desagrado em se atribuírem funções de beneficência às Câmaras Municipais, sobretudo relativamente a expostos, crianças desvalidas ou abandonadas

Forbes de Magalhães procedeu à distinção entre os indigentes, inválidos ou doentes que deveriam beneficiar da assistência pública até se recuperarem, os mendigos ou vagabundos acidentais que deveriam ser recebidos em estabelecimentos onde o trabalho era obrigatório e os mendigos de profissão que deveriam ser severamente punidos.

Outra das instituições citadas por Forbes de Magalhães era o “Seminário dos Meninos Desamparados”2

, instituição essa que acolhia muitos dos jovens posteriormente encaminhados para a Oficina de São José.

2

Em 1814, uma dama portuense recolheu em sua própria casa, as crianças que ficaram órfãs depois da funesta invasão de Soult, lançando a pedra basilar de um Asilo que seria conhecido

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É importante salientar que Forbes de Magalhães frisou bem a ideia da necessidade em se dar uma instrução profissional às “classes” mais pobres ou seja, a habilitação para ganhar meios de subsistência, educação, amor ao trabalho, hábitos de economia, regras, bons costumes e amor à família.

É nesta linha de pensamento que o ensino comercial e industrial será cuidadosamente tratado em alguns estabelecimentos de beneficência. A título de exemplo podemos referir o Internato Municipal e o Colégio dos Órfãos onde se administrava o ensino comercial e industrial; a Escola da Ordem Terceira do Carmo que preferia o ensino comercial; o Instituto dos Cegos; o Asilo do Terço; o Asilo do Barão de Nova Cintra e a Oficina de São José ou “Escola de artes e ofícios para crianças pobres e abandonadas” (documento de 1887) que optaram pelo ensino industrial. Todavia, no seu parecer, as Associações de Socorros Mútuos garantiriam (com poucas despesas), benefícios na doença, invalidez, acidente, velhice…Deste modo, seria a beneficência particular associada a uma fiscalização estatal, a melhor forma de “socorrer a miséria”. Forbes de Magalhães apresentou as seguintes propostas de socorro à miséria na cidade do Porto, em finais do século XIX:

 Criação de um Asilo e Escola Profissional para cegos como forma de comemorar a fundação da sua Misericórdia;

 Criação de Socorros Domiciliários pela Misericórdia;

 Criação de Casas de Convalescença fora do Porto (Província);

 Criação de Misericórdias em todas as cidades, vilas e povoações mais importantes do país;

 Implementação de estudos para Socorros Domiciliários;

 Implementação de Socorros adequados às circunstâncias/necessidades de cada caso, a partir da recolha de informações sobre os possíveis beneficiários.

Numa referência final à abordagem do pensamento deste cidadão, podemos realçar que numa altura de elevada taxa de menores desvalidos na cidade do

pelo “Recolhimento das Meninas Desamparadas” instituindo-se posteriormente outro Asilo com o nome de “Seminário dos Meninos Desamparados”.

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Porto, a beneficência particular supervisionada pelo Estado e o encaminhamento destes jovens para a aprendizagem de uma arte ou ofício, seriam, no seu entendimento, as formas mais eficazes para se minorar o problema da miséria e da mendicidade.

I.4. CRIMINALIDADE E MARGINALIDADE INFANTIS, SUA PREVENÇÃO OU REMEDIAÇÃO – A VISÃO DE MENDES CORREIA

Na realidade, os menores do nosso país que eram arrastados por chefes de bandos para a prática de delitos, poderiam transformar-se em jovens honestos e dóceis quando colocados em oficinas, numa situação de liberdade vigiada. Antes do Decreto de 27 de Maio de 1911, existiam já no Porto, embora com sede fora da cidade, duas instituições destinadas à educação preventiva e reformadora das crianças delinquentes: “Casa de Detenção e Correcção” que funcionava em Vila do Conde e que fora criada por lei de 17 de Abril de 1902 e a “Colónia Agrícola de Vila Fernando” criada em 22 de Julho de 1880, aberta em 1895 e regulamentada em 17 de Agosto de 1901.

Mendes Correia, nos estudos que efectuou sobre crianças delinquentes, em 1915, fornece-nos informações relevantes sobre as ideias vigentes na época. Na sua opinião, o senso moral, as noções de altruísmo, as noções de probidade e de justiça não entravam no espírito humano logo no alvorecer da existência mas o crime não era também uma manifestação habitual na criança. O adulto refreava muito dos seus ímpetos anti-sociais porque receava as consequências dos seus actos que já conhecia bem. Uma verdade incontestável a que Mendes Correia se referia era a de que a luta contra a criminalidade infantil seria a melhor profilaxia contra a criminalidade adulta. Na sua óptica, a grande maioria dos menores considerados delinquentes, criminosos e marginais, não tinham um meio familiar que lhes incutisse normas/regras salutares. Daí a importância e/ou determinismo das condições familiares e sociais na ocorrência da criminalidade. A título de exemplo, Mendes Correia referia a noção de propriedade que não era inata nas crianças mas sim, uma aquisição educativa. Os furtos em tenras idades não revelavam

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anomalias graves mas deveriam ser oportunamente combatidos no seio da família por uma educação moralizadora e vigilante.

As estatísticas portuguesas da época em estudo, salvaguardando as possíveis margens de erro, dão-nos, em diferentes períodos, as seguintes médias anuais de criminosos com menos de vinte anos de idade, no continente e ilhas:

De 1878 a 1880 1092

De 1891 a 1895 3384

De 1903 a 1910 3392

Além dos dados visíveis na tabela, podemos utilizar as seguintes conclusões, apuradas pelo autor:

!ª A criminalidade precoce triplicou em Portugal, de 1878 a 1895.

2ª A criminalidade precoce em 1909 e 1910 apresentou uma notável tendência para descer.

3ª A média de 1903 a 1908 era de 3417 enquanto que em 1909 e 1910 era de 3317.

Ainda a este propósito, subtraindo às médias do quadro anterior as quotas que correspondem aos menores de 18 a 20 anos, obtivemos as seguintes médias para a criminalidade dos menores até dezoito anos:

De 1891 a 1895 1463

De 1903 a 1910 1315

Além dos dados visíveis na tabela, também aqui nos podemos servir das seguintes conclusões apuradas pelo autor:

1ª No período de 1903 a 1910, a criminalidade de indivíduos com menos de 18 anos era bastante inferior à de 1891-1895.

2ª A criminalidade de rapazes com menos de 18 anos era 5 a 6 vezes superior à das raparigas da mesma idade.

3ª A diminuição da criminalidade precoce referia-se sobretudo ao sexo masculino.

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Os dados estatísticos da época, recolhidos por Mendes Correia, permitiram-lhe concluir que nos menores, a percentagem de delitos contra a propriedade era muito mais alta.

Segundo este estudioso, a criminalidade infantil em Portugal (finais do século XIX e inícios do século XX) era motivada por condições de ordem social.

A seu ver, os principais factores de delinquência infantil, resumiam-se aos seguintes: a) Hereditariedade Tuberculose Alcoolismo Prostituição Sífilis Neuroses Psicopatias b) Factores individuais

Debilidade física e psíquica Instabilidade Mental

Astenia

Atraso mental ou pedagógico Epilepsia/Histeria

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c) Factores “mesológicos”

Educação viciosa

Falta de pais (sobretudo da mãe) por falecimento, emigração, profissão ambulante, abandono ou separação…

Filiação ilegítima Maus exemplos Desarmonia Maus tratos Pobreza

Escola de rua (sobretudo nos meios urbanos)

Propaganda do vício e crime nos meios de comunicação social da época Certas profissões (criadas de servir, costureiras, vendedores ambulantes…) Más camaradagens

Antigo Regime Penal (cadeias, multas…)

Na sequência da apresentação destes factores (por Mendes Correia) como propiciadores da delinquência/criminalidade/marginalidade infantil, surgiu a necessidade de investir na prevenção e na luta contra este mal social.

Ainda que este autor manifeste pressupostos bastante questionados na actualidade, ele consegue sugerir propostas mais adequadas à faixa etária dos jovens com um comportamento marginal.

Assim, a seu ver, ao invés de se tratar de uma vingança ou de um castigo, a pena deveria representar um meio de defesa social, de correcção do delinquente e de reparação do crime e os meios de prevenção deveriam assumir uma maior importância do que os meios correctores, reparadores ou punitivos.

A partir de uma reflexão atenta sobre o objecto do nosso estudo, a Oficina de São José, verificamos que os jovens acolhidos, provenientes de famílias humildes, se inseriam numa situação de “prevenção” ao passo que, os jovens que já haviam estado presos se integravam numa situação de “reparação” de comportamentos marginais.

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O próprio Mendes Correia propôs algumas medidas preventivas da criminalidade e marginalidade infantis, tais como a luta contra a tuberculose, a luta contra o alcoolismo, a repressão da prostituição para se evitar a difusão de doenças venéreas, a proibição do casamento entre indivíduos atingidos por certas psicoses e taras transmissíveis por herança, a esterilização dos “criminosos natos” e dos “maiores degenerados”.

Para Mendes Correia, eram igualmente importantes as medidas profilácticas, psíquicas e “mesológicas” das crianças pobres, desamparadas, abandonadas e em perigo moral!

As medidas que poderiam ser uma tentativa de salvação destes menores deveriam passar pelo auxílio económico aos pobres, pelo estabelecimento de instituições de patronato e de serviços públicos de assistência infantil. Esta “salvação” teria que passar inevitavelmente pela proibição da permanência de crianças em certos estabelecimentos (como casas de jogo, casas de prostituição e locais de venda de bebidas alcoólicas), pela repressão da propaganda ao vício e ao crime através de jornais, teatros, cinemas e pela punição da negligência, maus exemplos e maus tratos, sobretudo por parte de pais e tutores. O favorecimento da boa organização familiar, a implementação de medidas de protecção dos filhos ilegítimos, evitando o abandono de crianças, o apoio aos serviços destinados aos menores de idade (inserção em internatos, semi-internatos e outros institutos de crianças em perigo moral, desamparados e delinquentes; entrega de crianças em perigo moral a famílias honestas; estabelecimento de institutos pedagógicos para crianças “anormais”; criação de instituições de educação correccional para menores delinquentes, vadios, gatunos, libertinos) poderiam constituir meios eficazes de protecção a menores em situação de risco. Também a criação de tribunais especiais para a infância, a proibição da presença de crianças em julgamentos criminais e em tribunais comuns, bem como a eliminação da pena de prisão para menores de dezasseis anos seriam formas de pôr fim à mistura perniciosa de menores e adultos em questões judiciais.

Na realidade, a cidade do Porto possuía alguns estabelecimentos de assistência e educação para menores abandonados e delinquentes devido à

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iniciativa de particulares filantropos mas reclamava-se a sua diferenciação pedagógica, adaptando-os a funções específicas.

Na verdade, em alguns destes estabelecimentos, não se distinguia entre a escola maternal, preparatória e profissional bem como se misturavam as mais distantes idades.

Sendo assim, a Oficina de São José surgiria como uma instituição pioneira que acolhia alunos de uma faixa etária delimitada e que eram inseridos na aprendizagem de um ofício (ensino profissional) com vista à preparação para a vida activa.

Para Mendes Correia, os meios repressivos que poderiam ser utilizados seriam as repreensões, a liberdade vigiada, a liberdade condicional, o internamento ou a detenção em estabelecimentos de educação reformadora ou convencional e até penas corporais, quando inevitáveis.

Numa abordagem final ao pensamento de Mendes Correia, convém salientar a ideia por ele defendida de que a criança não poderia ser tratada como um adulto, sobretudo a nível jurídico. Na realidade, se Mendes Correia já revelava uma perspectiva educacional “avançada,” pedagogicamente falando, quando propunha um tratamento diferenciado para crianças delinquentes relativamente aos adultos, o seu pensamento ainda admitia a “agressão física” como medida correctiva. O seu contacto com países estrangeiros (nomeadamente com os E.U.A. e os países mais desenvolvidos da Europa) alertou-o para um dos graves problemas sociais em Portugal. Referimo-nos ao tratamento jurídico dos menores, sujeitos a tribunais ordinários e a cadeias civis.

Somente por Decreto de 27 de Maio de 1911, foi criada no Porto uma Tutoria Central, uma tutoria da infância, regulamentando-se também a “Casa de Detenção e Correcção”, que passou a ter o nome de “Escola Industrial da Reforma do Porto”.

Deste modo, Portugal, através deste decreto com força de lei de 27 de Maio de 1911 do ministro Afonso Costa, colocou-se ao lado dos países mais evoluídos, num honroso lugar. Este decreto veio retirar as crianças aos tribunais ordinários e às cadeias civis, confiando-as a tribunais especiais e a refúgios que funcionavam junto desses tribunais e substituíam as cadeias.

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I.5. OUTROS MECANISMOS DE CORRECÇ ÃO DE MENORES DE “MAU PROCEDER”

Em 26 de Maio de 1880, foi apresentada na Câmara dos Deputados, uma proposta de lei para a criação no Porto, da Casa de Detenção e Correcção, tantas vezes solicitada devido àquilo que se considerava serem os “excelentes resultados” da sua congénere em Lisboa. Na criação deste estabelecimento, deveria ser gasta a verba de 4000$000 reis destinada ao Teatro Lírico da cidade (orçamento de 1879/1880). Como a solução tardava, a imprensa da cidade do Porto ia fazendo referência à miséria e ao abandono das crianças e à sua situação nas cadeias onde cumpriam penas correccionais.3

Entretanto, já se procedera à fundação da Oficina de São José, que, longe de ser uma Casa de Detenção e de Correcção, não deixou de dar entrada, desde 4 de Outubro de 1883, a menores miseráveis, abandonados e alguns cadastrados.

Sabemos que em Portugal, a lei previa que o menor detido por vadiagem fosse entregue à Câmara Municipal do seu Concelho (Código Civil, artigo 284) mas por falta de verbas nos orçamentos municipais, as crianças eram postas em liberdade. Perante a incapacidade do regime liberal em resolver os problemas dos “menores delinquentes”, estes apresentavam uma elevada taxa de

3

Maria José Moutinho, na sua publicação A Sombra e a Luz, fala-nos destes menores: “Agrupados em pequenos bandos, dormindo pelos bancos dos jardins, em casas abandonadas, imundos, esfarrapados, juntavam-se à entrada do Mercado do Anjo, do Mercado do Bolhão, saídas das missas… para furtar uma carteira, um relógio, um lenço”… Actuavam em grupo como o do Bulldog, Meu Pão, Catraio, Marroquino, Velhinho ou Planeta. Na cadeia, eram “hóspedes” passageiros e “mensageiros” de chefes de quadrilha ali encarcerados que lhes encomendavam mercadorias: um “grilo” (relógio), um “tirante” (cordão de ouro), um “arco de tarrachas” (pulseira) que depois de introduzidos na cadeia, eram transaccionados.

Ao lermos este “excerto”, certamente relembramos o clássico de Charles Dickens, “Oliver Twist”, adaptado ao cinema por Roman Polanski e que tem tocado a sensibilidade dos mais pequenos, nos países onde tem sido divulgado. Também este filme nos remete para uma sociedade do século XIX, a sociedade inglesa, marcada pela exploração de menores abandonados apanhados pelas “malhas” da criminalidade.

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reincidência. Além disso, as penas impostas aos menores delinquentes eram de curta duração como se pode comprovar através das fichas de matrícula da Oficina de São José que nos fornecem informações sobre o “cadastro” dos menores acolhidos nesta instituição, tendo sido estes alvo de prisões consecutivas antes de darem entrada na referida Oficina. É evidente que a situação familiar destes jovens favorecia o seu comportamento: expostos, filhos de pais incógnitos, pais falecidos, pais emigrados, pais doentes ou delinquentes… Ainda a agravar a sua situação, já por si dramática, existiam os “protectores” que exploravam os jovens e esse crime passou a ser punido por Decreto-Lei de 15 de Dezembro de 1894 que no artigo 4º determinava “Aquele que manter ou consentir que uma pessoa menor de quatorze anos, que esteja sob a sua autoridade paternal ou tutelar, ou confiada à sua educação, direcção, guarda ou vigilância, se dê habitualmente à mendicidade ou que outra pessoa a contrate ou torne o seu serviço para o efeito de mendigar, incorrerá na pena de prisão correccional até seis meses e multa correspondente”.

Estas realidades levaram o magistrado Augusto Maria de Castro, Procurador Régio junto da cadeia da Relação do Porto, a insistir na criação urgente de uma “modesta” Casa de Correcção na cidade que poderia ser instalada numa parte do edifício abandonado do Convento da Serra do Pilar. A crescente criminalidade entre os menores e a falta de estabelecimentos para a sua correcção e recuperação explicam a decisão do Governo na sequência da Lei de 21 de Abril de 1892, em deportar para África menores de onze anos, apesar do parecer contrário da Procuradoria-geral da Coroa de 14 de Dezembro de 1893.

Das iniciativas particulares na cidade do Porto, destacam-se a de Augusto Maria de Castro, com a criação, em 1894, do Instituto Penitenciário de Beneficência e Caridade destinado ao acolhimento dos presos pobres e suas famílias. Este instituto recolhia sobretudo os filhos menores de presos da Cadeia da Relação, evitando que estes caíssem nas malhas da delinquência. Concluindo, a falta de instituições adequadas e a ausência de meios financeiros à disposição das autoridades locais, traduziram-se num grave problema social: os pequenos delinquentes só encontravam abrigo na

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promiscuidade e corrupção das cadeias. Para termos bem a noção da situação de “impasse” que se viveu a este nível, relembremos que, depois da criação da Casa de Detenção e Correcção de Lisboa, em 1872, sem capacidade regeneradora dos menores, a Primeira Colónia Agrícola só surgiria no final do século XIX (1895- Colónia Agrícola de Vila Fernando).

Foi já no século XX que se estabeleceram outros mecanismos de correcção, educação e protecção aos menores. Temos como exemplo, a Casa de Correcção e Educação do Distrito do Porto, criada por Lei de 17 de Abril de 1902 para jovens do sexo masculino e, no ano seguinte, por Lei de 27 de Abril, um estabelecimento congénere para a educação e regeneração de menores do sexo feminino, instalado no Convento das Mónicas, depois da transferência para Caxias da Casa de Detenção para menores do sexo masculino. Foi igualmente em 1902 que se criaram as Comissões de Patronato em Lisboa e no Porto, com o fim de ministrarem amparo moral aos jovens saídos daquelas instituições.

Somente depois da implantação da República (período posterior ao âmbito cronológico do nosso trabalho) foram criadas Tutorias da Infância e a Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças.

As Tutorias surgiram como tribunais colectivos especiais destinados a guardar, defender e proteger os menores em perigo moral, desamparados e delinquentes. Estas eram constituídas por um juiz de direito, dois juízes adjuntos, um presidente, um professor e um médico. Existiam delegados de vigilância incumbidos do policiamento e da realização de inquéritos sobre as crianças a cargo da Tutoria e formas de inibição do poder paternal ou tutelar em caso de negligência, maus tratos, especulação, crueldade, incapacidade, pobreza, crime de pais ou de tutores.

Foram designadas penas para aqueles que favorecessem ou estimulassem a delinquência, a vadiagem, a mendicidade, a ociosidade ou a libertinagem de crianças e para pais e tutores que as maltratassem ou abandonassem. Junto de cada Tutoria funcionava um refúgio para menores até deliberação do tribunal sobre os seus destinos.

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Todavia, nem tudo era perfeito! Estas medidas de protecção aos menores restringiam-se às cidades de Lisboa, Porto e Coimbra e a jovens do sexo masculino.

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CAPÍTULO II - A OFICINA DE SÃO JOSÉ NO PORTO

II.1. A FUNDAÇÃO DA OFICINA

Torna-se agora fundamental realizar uma resenha histórica da instituição que nos propusemos estudar, a Oficina de São José no Porto.

Comecemos por observar o seguinte quadro:

Fundador Padre Sebastião Leite de Vasconcelos Fundação: 18 de Abril de 1880

Abertura: 4 de Outubro de 1883

Aprovação dos Estatutos: 8 de Setembro de 1887

Concessão do Título Real: 8 de Maio de 1890 por El-Rei D. Carlos Inauguração do Colégio: 1 de Novembro de 1890

Reconhecimento de utilidade pública por portaria de 18 de Abril de 1993.

A Oficina de São José do Porto foi fundada pelo padre Sebastião Leite de Vasconcelos, nascido a 3 de Maio de 1852, na freguesia da Sé, cidade do Porto, onde viveu até à sua ida para Beja, em Fevereiro de 1908. Na cidade de Beja desempenhou as funções de Bispo até 1910.

Na pura convicção daqueles que alimentaram a sua obra, “as qualidades que exortavam o seu coração de apóstolo” levaram-no a consagrar-se totalmente aos jovens mais desprotegidos e marginalizados e, assim, esmolando de porta em porta, conseguiu dádivas que juntas aos seus parcos recursos, lhe permitiram arrendar uma casa no Monte Pedral em 18 de Abril de 1880. Estava assim fundada a Oficina de São José. Mas, pouco tempo decorrido, apercebendo-se da impossibilidade de desenvolver a sua obra longe do centro da cidade, arrendava uma casa mais ampla na Rua de Trás da Sé, cuja inauguração solene se realizou a 4 de Outubro de 1883.

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Graças às muitas ajudas e à generosidade de Manuel Esteves Ribeiro, que só por si custeou todas as obras, em 19 de Março de 1889, foi possível proceder-se à bênção da primeira pedra das actuais instalações na Rua Alexandre Herculano, que foram inauguradas em 1 de Novembro de 1890.

O pedido de aprovação da obra dirigido pelo Padre Sebastião Leite de Vasconcelos à Câmara Municipal do Porto foi efectuado em 1887.

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II.2. OS ESTATUTOS DA OFICINA

O estudo da Oficina de São José tornou-se mais completo pela análise dos respectivos estatutos. Sendo assim, optamos pela sua transcrição com anotações sobre as principais ilações que retiramos da referida análise.

No Governo Civil do Porto, sob o selo do mesmo, tendo ouvido o Tribunal Administrativo e usando da faculdade conferida pelo artigo 217º nº 13º do Código Administrativo, Albino Pinto de Miranda Montenegro, bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, Governador Civil do Distrito do Porto, aprovou os estatutos da Oficina de São José no Porto, a 8 de Setembro de 1887.

“Os estatutos constam de vinte e quatro artigos escriptos em quatro meias folhas de papel, devidamente selladas, e numeradas e rubricadas pelo pelo official maior, servindo de Secretario Geral deste Governo Civil”.

“Não pagou direitos de mercê nem sêllos por os não dever em vista das respectivas leis”.

Passemos à transcrição e à análise dos referidos estatutos:

Artigo 1º- A Oficina de São José, fundada pelo presbítero Sebastião Leite de Vasconcelos, tem por fim primário o ensino profissional de artes e ofícios, juntamente com a educação moral e religiosa, de expostos e menores abandonados; e, quando haja lugar, o de filhos menores de pessoas miseráveis, precedendo autorização de seus legítimos representantes.

O primeiro artigo destes estatutos remete-nos para a importância coeva do ensino profissional e religioso dos menores em risco, numa sociedade que se debatia com os problemas decorrentes de um elevado número de jovens ao abandono. Assim, só a preparação moral e laboral para a vida activa poderia funcionar como um “travão” ao crescente número de jovens marginais.

Artigo 2º- Estabelecer-se-ão na Oficina as artes e ofícios que suas forças e recursos permitirem; desde já, porém, são ensinados, pela sua ordem de antiguidade, os de sapateiro, alfaiate, carpinteiro, encadernador e serralheiro.

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Todos os jovens da Oficina, além de uma arte ou ofício, aprenderão desenho que lhes for apropriado e a instrução primária elementar.

O segundo artigo dos estatutos especifica o tipo de instrução/preparação profissional facultada aos jovens acolhidos na oficina. As profissões para as quais eram encaminhados os jovens que estudavam na oficina eram profissões bastante usuais na época. Esta realidade pode ser explicada, quer pela não exigência de grandes investimentos em máquinas e ferramentas, quer pela não obrigatoriedade de uma aptidão específica pelos educandos, facilitando-se a própria empregabilidade.

Artigo 3º- Propondo-se esta instituição educar e regenerar os menores, para que de futuro cada um deles seja homem temente a Deus, dedicado à sua família e ao trabalho, e proveitoso à sociedade e a si próprio, haverá sempre a mais assídua vigilância pela boa moral dos educandos, e o mais constante cuidado pela sua educação religiosa.

O terceiro artigo dos estatutos realça a importância de um rigoroso regime disciplinar nesta instituição de modo a salvaguardarem-se os princípios morais básicos de uma educação religiosa.

Artigo 4º- Todos os alunos serão internos; poderá haver externos, quando a Oficina tiver casa apropriada, de modo que uma das classes fique inteiramente isolada da outra, e em ambas se mantenha sua respectiva disciplina.

O quarto artigo dos estatutos estipula o regime de internato dos alunos apontando como principal causa o espaço físico disponível para o funcionamento desta instituição, evitando-se o contacto entre alunos internos e alunos externos.

Artigo 5º- Somente serão admitidos como internos, os expostos e menores abandonados, que não tenham família, nem protecção alguma; e, quando haja lugar, os filhos menores de pessoas miseráveis.

 1º Na concorrência de dois menores, dos quais um seja pervertido e totalmente abandonado, e o outro filho de família muito pobre, terá o primeiro a preferência na admissão.

 2º Pela mesma razão de maior necessidade moral, os jovens de mau proceder, que tenham tido a infelicidade de haver estado na cadeia,

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serão preferidos para admissão a outros quaisquer, salvo sempre o bom credito da Oficina, e sua regular disciplina e andamento.

Este quinto artigo revela a preocupação prioritária com a prevenção de situações de marginalidade/criminalidade dos menores em risco pelo que se dá prioridade à admissão dos menores mais abandonados e vulneráveis a comportamentos de risco.

Artigo 6º- Nunca serão admitidos alunos pensionistas, por isso que esta casa, pela sua instituição, não pertence a outrem, senão ao jovem pobre, o qual procura salvaguardar do vício, ou regenerá-lo quando infelizmente caído.

O sexto artigo reporta-se aos jovens pobres, muito mais susceptíveis de cair nas malhas da marginalidade/criminalidade.

Artigo 7º- A admissão dos alunos será feita mediante requerimento em papel não selado, dirigido ao Presidente, que, ouvido o parecer e informação por escrito do Visitador, deferirá como for de justiça.

Artigo 8º- Para a admissão, porém, de algum, que tenha estado preso na cadeia, bastará simples proposta informada do Visitador apresentada ao Presidente.

Comparando os artigos número 7 e 8, confirmamos a ideia já referida de uma preocupação prioritária com a regeneração de jovens caídos nas “teias” da delinquência, preocupação essa evidente na desburocratização das condições de admissão de jovens com cadastro (…simples proposta ao Presidente, sem requerimento em papel…).

Artigo 9º- A idade para admissão é desde os 12 anos até aos 17; e a saída não deverá ser, em regra, antes dos 21 anos, guardadas as prescrições legais, e salvo o caso de despedida por incorrigibilidade, ou de emancipação legal. No respeitante ao artigo nono, foram encontradas várias excepções a este artigo no livro de registo de matrículas analisado; ou se tratava de jovens que eram admitidos precocemente pela situação de abandono total em que se encontravam, ou se tratava de jovens que permaneciam na Oficina, para além da idade limite definida pelos estatutos, uma vez que não tinham colocação no exterior para poderem trabalhar (ganhar a vida). Além destas excepções, também detectamos casos de jovens que saíam

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mais cedo para beneficiarem do surgimento de oportunidades de uma “boa colocação” (emprego) ou de jovens que ficavam na Oficina a exercer a função de monitores.

A título de exemplo, podemos referir alguns educandos. Armindo Dias Baptista que se despediu para se estabelecer; José Lourenço Soares que, com o dinheiro que juntou e um modesto enxoval, saiu para contrair matrimónio com Felismina Rosa Soares, em 11 Abril de 1891; João Pinto que foi colocado numa sapataria como “gaspiador”, a 10 de Julho de 1897; o caso de Bernardino Gomes da Silva que foi enviado para o lugar de mestre sapateiro para a Oficina do Asilo do Menino Deus, em Barcelos; o percurso de Viriato da Cunha Magalhães que não tinha idade regulamentar mas foi para casa de Luíz de Azevedo, dono da “Soberania do Povo”, em Águeda, como tipógrafo habilitado, em 7 de Março de 1904. Artigo 10º- Quando a administração da Oficina julgar um educando já habilitado antes da maioridade, ou emancipação legal, poderá colocá-lo em casas, onde exerça a sua arte ou ofício, sem prejuízo dos direitos de seus legítimos representantes.

O décimo artigo faculta à direcção da oficina, a possibilidade de empregar menores já habilitados para exercer a profissão para que foram preparados.

Artigo 11º- O número dos educandos não é fixo; mas será regulado segundo os recursos da Oficina, a qual poderá no distrito abrir casas sucursais regidas pelos mesmos estatutos, e com igual disciplina.

O décimo primeiro artigo revela uma tendência “expansionista” da Oficina pelo distrito do Porto.

Artigo 12º- A oficina de São José toda se entrega à Divina Providência para sua sustentação. Consiste, pois, sua dotação: nos parcos proventos de que o seu fundador possa dispor, no “obolo” da caridade cristã voluntariamente ofertado, nos legados com que seus benfeitores em testamento ou por outra qualquer forma contemplarem esta obra de regeneração social, e no produto dos artefactos provenientes do trabalho dos educandos.

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O artigo doze revela a proveniência dos rendimentos ou fontes de sustento dos educandos desta instituição, destacando o recurso à caridade pública e particular bem como o “lucro” resultante da comercialização dos artefactos produzidos.

Artigo 13º- Este Instituto será administrado por uma comissão, que servirá por tempo de dois anos, e será composta de cinco Vogais nomeados pelo Prelado Diocesano, seu Presidente honorário perpétuo.

 No caso de recusa ou falta de nomeação, por parte do Prelado, será devolvida esta faculdade ao Governador Civil do Distrito.

 Feita a nomeação, entrará a comissão em exercício no princípio do mês de Julho do respectivo biénio, e o Prelado participará ao Governador Civil o nome dos Vogais que a constituem, podendo reconduzir os mesmos ou alguns mais do que uma vez.

 O Prelado, como Presidente honorário, pode assistir às sessões da comissão, e nesse caso tem voto deliberativo e outro de qualidade quando necessário.

Nota: Este artigo destaca a importância da Diocese e do Governo Civil do Porto na administração da Oficina. O presidente honorário perpétuo da comissão administrativa da instituição era o Prelado Diocesano que poderia ser substituído pelo Governador Civil do Distrito nas respectivas atribuições.

Artigo 14º- A comissão será composta de um Director, que será Presidente efectivo, de um Visitador, e mais três Vogais, um dos quais será o Secretário e outro o Tesoureiro, e compete-lhe resolver todos os assuntos que não estejam cometidos especialmente ao seu Presidente.

Artigo 15º - O Director será sempre um presbítero, e terá a seu cargo a superintendência em todo o serviço da Oficina: representá-la-á em juízo ou fora dele; assinará toda a correspondência, ordens e mandados de pagamentos ou de cobrança de receita; e pertence-lhe a escolha dos mestres e de todo o mais pessoal do estabelecimento, bem como resolver acerca da admissão ou expulsão de quaisquer menores.

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