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Depoimento Cecília Azevedo e Mary Anne Junqueira

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Academic year: 2021

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Revista Eletrônica da ANPHLAC, Dossiê Especial, p. 26 a 30, jan./jun. 2013. http://revista.anphlac.org.br/index.php/revista

Depoimento

Cecília Azevedo* e Mary Anne Junqueira*

Em 2002, no encontro de Belo Horizonte, a Assembleia da ANPHLAC votou pela mudança do seu regimento. A partir de então, a Associação passou a reunir, além dos pesquisadores de História da América Latina, os interessados nos países da América do Norte. Referimo-nos particularmente aos Estados Unidos e ao Canadá, já que, desde o seu início, a Associação concentrava pesquisadores envolvidos com o México. Aqui, discorremos sobre a inclusão dos Estados Unidos, porque, como veremos, os eventos da ANPHLAC passaram a receber pesquisadores voltados para esse país, mais do que para outros de língua inglesa e francesa que também compõem as Américas.

Para nós, pesquisadores brasileiros dedicados a compreender os Estados Unidos, a História e a historiografia norte-americanas são fascinantes. Mesmo assim, impõe-se distinguir as dificuldades de se estudar a História dos Estados Unidos no Brasil. Em primeiro lugar, destaca-se a influência francesa que predomina nos meios acadêmicos brasileiros. Não é preciso lembrar que a coluna que estrutura os cursos de História nas Universidades está fortemente relacionada com a História da Europa — particularmente França e Inglaterra — na sua configuração em torno das disciplinas de Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, excluindo muitos países do Ocidente, inclusive alguns da própria Europa, e os de outras partes do mundo.

Em segundo, nota-se ainda nos dias de hoje a repercussão de uma influente historiografia constituída, sobretudo, nas décadas de 1960 e 1970, na qual se discutiu entusiasticamente, mas de forma dicotômica, o tema do imperialismo. As relações entre Estados Unidos e a América Latina eram pautadas, em geral, pelo predomínio coercitivo do país do norte sobre uma América Latina explorada e submissa. Para muitos, a História da América Latina confundia-se com a do colonialismo e a do imperialismo: primeiro as Metrópoles colonizadoras, depois a ingerência inglesa e, por fim, o

* Profa. Associada III -Departamento de História da Universidade Federal Fluminense. E-mail:

ceciliasa@uol.com.br

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Professora associada do Departamento de História - FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da USP – Universidade de São Paulo. E-mail: maryjunq@usp.br

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Revista Eletrônica da ANPHLAC, Dossiê Especial, p. 26 a 30, jan./jun. 2013. http://revista.anphlac.org.br/index.php/revista

predomínio norte-americano na região. Enquanto os Estados Unidos eram compreendidos como homogêneos, voltados exclusivamente para sua tarefa imperial, não restava alternativa aos latino-americanos senão aceitar o que lhes era imposto. Para parte desses historiadores, havia apenas uma maneira de quebrar tais grilhões: a revolução. Os ecos dessa historiografia nos meios acadêmicos se fazem ouvir, ainda que sejam duramente criticados. Os resultados dessas escolhas são visíveis: criou-se uma rejeição pelos estudos que envolvem os Estados Unidos. Com isso, notem-se as contradições próprias da contemporaneidade brasileira: conhecemos pouco a maior potência do planeta, exatamente aquela que tem grande proeminência em plano mundial.

Se por um lado as Ciências Humanas brasileiras optaram por evitar tratar dos Estados Unidos, por outro, parte da sociedade adotou o país como modelo: voos para Miami e Nova York estão sempre lotados. Viajar, estudar ou morar naquele país significa para muitos status e afirmação na sociedade brasileira. Os meios de comunicação no nosso país – cinema, rádio, televisão e mídia impressa - também repercutem temas e tópicos da História e da cultura norte-americana sem que tenhamos instrumental suficiente para compreendê-los. Portanto, é urgente que estimulemos os estudos dos Estados Unidos no Brasil, como fez a ANPHLAC.

Recentemente, vem surgindo trabalhos no âmbito da Academia, cujas propostas inovadoras concebem os Estados Unidos de forma multifacetada. O imperialismo ainda que seja um tema importante, não explica a História e a sociedade daquele país no que elas têm de diverso e de complexo, nem as relações e redes políticas, sociais e econômicas estabelecidas com a América Latina em diferentes níveis. Destacam-se também os trabalhos que exploram as tradições de dissenso nos Estados Unidos, mostrando as divisões, conflitos e negociações que alimentam a heterogeneidade da História e cultura norte-americanas.

A ANPHLAC teve uma contribuição extraordinária na afirmação e consolidação do ensino e da pesquisa da História das sociedades e nações ao sul do Rio Grande, conforme já discutido. Mas também teve um papel essencial no impulso dos estudos norte-americanos no Brasil, já que, a princípio informalmente, abrigou pesquisadores

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Revista Eletrônica da ANPHLAC, Dossiê Especial, p. 26 a 30, jan./jun. 2013. http://revista.anphlac.org.br/index.php/revista

que, trabalhando numa perspectiva comparada ou discutindo as relações interamericanas, incluíam os Estados Unidos nos seus trabalhos.1

Doutorandos que se vinculavam ao Programa de Pós-Graduação em História Social da USP, sob orientação das Professoras Maria Lígia Prado e Maria Helena Capelato, encontraram oportunidade de apresentar seus trabalhos a partir do III Encontro, ocorrido justamente na USP – Universidade de São Paulo, em 1998. Eram poucos, mas tinham uma perspectiva comum: a discussão de empreendimentos e formas de interação cultural e política a partir da análise de programas específicos dos Estados Unidos para a América Latina ou das representações da região difundidas por determinados órgãos da imprensa norte-americana.

No V Encontro em Belo Horizonte, em 2002, essa geração que então já havia concluído o doutoramento, via como natural continuar a partilhar suas pesquisas no ambiente da Associação que tanto contribuíra para seu amadurecimento intelectual e sociabilidade profissional. Foi então o momento de pleitear a incorporação dos estudos norte-americanos no universo de interesses da Associação. A partir de então, como mencionado, além dos pesquisadores da América Latina, a Associação passou a incluir formalmente os interessados em estudar os países das três Américas (Norte, Central e Sul). Com essa mudança, a organização alterou o seu universo de interesses, estimulando os interessados em História dos Estados Unidos e outros países das Américas fora do âmbito da América Latina.2

Vale registrar que, naquela altura, os esforços no sentido de consolidar e dar visibilidade aos estudos de História dos Estados Unidos estavam em geral localizados, associados em alguns casos a linhas de pesquisa de algumas instituições, como a Universidade Cândido Mendes, o IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – e o Instituto de Relações Internacionais da PUC, para citar exemplos do Rio de Janeiro. Na maioria das vezes, essas iniciativas e centros eram dirigidos por cientistas políticos e sociais voltados para a área de Relações Internacionais. A única Associação Nacional existente era a ABEA – Associação Brasileira de Estudos

1 Já no II Encontro da Associação, em 1994, em Brasília, Heliane Prudente, da UFG, apresentou a

comunicação intitulada “A imigração árabe nos USA e no Brasil, um estudo comparativo”.

2 Apenas Cecília Azevedo participou da fundação da ANPHLAC em Mariana, em 1992. As duas autoras

desse depoimento, entretanto, atuaram em conjunto, em 2002, quando da mudança do regimento acima mencionada.

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Americanos –, criada nos anos 1980, mas ligada a uma tradição de estudos multidisciplinares.

Faltava, portanto, um espaço para historiadores dedicados aos Estados Unidos e organicamente vinculados ao ensino de História das Américas já que, em geral, atuavam como Professores da área em diferentes instituições universitárias do país. Esses profissionais verificavam o restrito espaço concedido à História dos Estados Unidos e do Canadá e mesmo às relações interamericanas nas disciplinas de História das Américas. Haveria que estimular, portanto, a produção de uma historiografia brasileira sobre esses países, além de fomentar a tradução de textos fundamentais da historiografia norte-americana. O diálogo e o intercâmbio dos parcos recursos existentes viabilizados até então nos Programas de Pós-Graduação passaram a se dar com intensidade crescente nos encontros subsequentes da ANPHLAC e nos instrumentos que seriam criados e disponibilizados através da nossa lista de discussão e do nosso site (Revista, materiais produzidos pelo GT de Ensino, etc.)

A partir do VI Encontro em Maringá, em 2004, a inscrição de trabalhos que de uma forma ou de outra envolviam os Estados Unidos alcançou um novo patamar. Naquele evento inscreveram-se 11 trabalhos; no VII Encontro, em Campinas, em 2006, nove; no VIII Encontro, em 2008, em Vitória, foram 15 trabalhos, além da Conferência de abertura proferida pelo Professor Ricardo Salvatore; no IX Encontro, em 2010, em Goiânia, oito e, finalmente, no último encontro em São Paulo, em 2012, tivemos 22 apresentações e a Conferência de abertura da Professora Barbara Weinstein, ex-presidente da American Historical Association.

Vale registrar que esse crescimento é revelador não apenas do investimento na formação de novos pesquisadores de História dos Estados Unidos feito pela geração que pleiteara o ingresso formal no V Encontro, mas também da incorporação de especialistas situados em universidades de outros pontos do país, fora do eixo Rio-São Paulo. No último encontro tivemos inclusive a apresentação de trabalhos de pesquisadores estrangeiros e de um pesquisador brasileiro que atuava numa universidade norte-americana. A absorção dos estudos dos Estados Unidos ampliou, portanto, a possibilidade de criação de redes internacionais pela Associação.

Em termos de temáticas, verifica-se a continuidade do interesse pelos olhares cruzados, o que implica a análise da produção intelectual e cultural latina e

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norte-Revista Eletrônica da ANPHLAC, Dossiê Especial, p. 26 a 30, jan./jun. 2013. http://revista.anphlac.org.br/index.php/revista

americanas em busca das representações e imagens recíprocas difundidas por diferentes canais e veículos – imprensa, cinema, literatura, música, relatos de viagem, manuais didáticos, ensaios filosóficos e acadêmicos, etc. Estudos de política externa, que tradicionalmente envolvem eventos como conferências, expedições, intervenções, ganharam nova roupagem, com base na história cultural. Temas clássicos como o das relações raciais também têm sido abordados, reforçando a ideia de que determinadas proposições exigem uma abordagem transnacional, atlântica, incluindo, portanto, articulação com os Estados Unidos. Por outro lado, começam a despontar estudos que enfocam processos internos do país, independente da perspectiva comparativa. Movimentos sociais, políticos, culturais e religiosos envolvendo igualmente embates em torno da identidade nacional vêm atraindo a atenção de novos pesquisadores.

É possível considerar, assim, que as iniciativas de uma década atrás deram bons frutos em termos dos estudos sobre História dos Estados Unidos. Afinal, a ANPHLAC passou de fórum privilegiado que congregava os historiadores da História da América Latina e Caribe para os empenhados na História das Américas. Esperamos que o interesse pelo Canadá ainda desponte e que as possibilidades de pesquisa sobre o Caribe francês e inglês despertem a atenção da nossa comunidade de historiadores.

Referências

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