• Nenhum resultado encontrado

Linguagem, identidade e formação continuada: a constituição do sujeito através das representações linguisticas e identitárias

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Linguagem, identidade e formação continuada: a constituição do sujeito através das representações linguisticas e identitárias"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

LINGUAGEM, IDENTIDADE E FORMAÇÃO CONTINUADA: A

CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO ATRAVÉS DAS REPRESENTAÇÕES

LINGUÍSTICAS E IDENTITÁRIAS

LANGUAGE, IDENTITY, AND LIFELONG LEARNING: THE

CONSTITUTION OF THE SUBJECT THROUGH LINGUISTIC AND

IDENTITY REPRESENTATIONS

LENGUAJE, IDENTIDAD Y FORMACIÓN CONTINUA: LA

CONSTITUCIÓN DEL SUJETO A TRAVÉS DE REPRESENTACIONES

LINGÜÍSTICAS E IDENTITARIAS

Josiane do Carmo Santos da Silva Dias1

josianesdias76@gmail.com Vivian da Silva Lobato2

vivianlobato@ufpa.br

RESUMO

O presente artigo visa contextualizar assuntos acerca da linguagem enquanto meio e representação do sujeito no contexto social, sendo constituidora de identidades, uma vez que pressupõe a interação entre sujeito e sociedade norteada pelas práticas linguísticas e socioculturais. Para complementar a discussão foi feita a análise sobre o discurso normativo das Esferas governamentais a respeito da Formação Continuada de Professores Alfabetizadores e a construção de saberes, haja vista que as formações são consideradas por muitos estudiosos como constitutivas de identidades profissionais docentes. Para tanto, foi realizado estudo bibliográfico, a fim de fundamentar as referidas discussões.

PALAVRAS-CHAVE: LINGUAGEM; IDENTIDADE; FORMAÇÃO CONTINUADA

ABSTRACT

This article aims to contextualize topics related to language as a means and representation of the subject in the social context, and as a constituent of identities, since it implies that an interaction between the subject and society is guided by linguistic and sociocultural practices. To complement the discussion, we have analyzed the normative speech of governmental spheres about the Lifelong Learning of Alphabetizer Teachers and the construction of knowledges, considering that many scholars see learning as constituent of teacher professional identities. Therefore, a

(2)

bibliographical study has been performed, in order to substantiate the aforementioned discussions.

KEY WORDS: LANGUAGE; IDENTITY; LIFELONG LEARNING

RESUMEN

El presente artículo visa contextualizar asuntos acerca del lenguaje como medio y representación del sujeto en el contexto social, y como constituidora de identidades, una vez que presupone que la interacción entre sujeto y sociedad es norteada por las prácticas lingüísticas y socioculturales. Para complementar la discusión, fue hecho un análisis acerca del discurso normativo de las esferas gubernamentales con respecto a la Formación Continua de Profesores Alfabetizadores y la construcción de saberes, considerándose que muchos estudiosos ven las formaciones como constitutivas de identidades profesionales docentes. Para ello, fue realizado un estudio bibliográfico, con la finalidad de fundamentar las referidas discusiones.

PALABRAS CLAVE: LENGUAJE; IDENTIDAD; FORMACIÓN CONTINUA

INTRODUÇÃO

Estudos acerca da Linguagem têm demonstrado que ela é representação do sujeito no mundo. Contudo, a linguagem não é somente reprodução da realidade, mas é meio e reconstrução dessa realidade. Assim, a identidade do sujeito é construída através da interação deste com a sociedade, permeada pelas práticas linguísticas e socioculturais.

A linguagem ao ser construída socialmente apresenta certa transitoriedade que a torna passível de ser transformada, passando por constantes mudanças. Não obstante, pode ser moldada conforme os interesses dominantes, assim como através das percepções do sujeito na realidade social e cultural na qual está inserido. Sendo assim, a linguagem é a grande responsável pela construção das identidades, haja vista que os diferentes setores onde são exercidas as atividades humanas possuem relações com ela; dessa forma a linguagem se constitui um meio de interação e fonte de constituição do sujeito. Todavia, partindo de uma análise mais crítica pode-se dizer que a linguagem não se traduz apenas em fala, pois no contexto de globalização neoliberal ela é concebida como mercadoria, onde, como afirma Bourdieu, a comunicação é permeada por relações de poder simbólicas por existir um controle, através de um mercado linguístico que modela os atos de fala (habitus linguístico) levando os sujeitos a reproduzirem as falas determinadas pelo referido mercado com hierarquia de valor.

(3)

Para Bourdieu (2008), todo ato de fala se constitui de encontros de séries causais independentes: de um lado, as disposições, socialmente modeladas, do “habitus linguístico” que implicam certa propensão a falar e a dizer coisas determinadas. Do outro, as estruturas do mercado linguístico que se impõem como um sistema de sanções e de censuras específicas (mercado).

O que circula no mercado linguístico, segundo ainda Bourdieu, não é a língua, mas discursos estilísticos caracterizados ao mesmo tempo do lado da produção, na medida em que cada locutor transforma a língua comum num idioleto, e do lado da recepção à medida em que cada receptor contribui para produzir a mensagem que ele percebe e aprecia, importando para ela tudo o que constitui sua experiência singular e coletiva.

O paradoxo da comunicação é que ela supõe um meio comum, mas que só tem êxito ao suscitar e ressuscitar experiências singulares, isto é, socialmente marcadas.

LINGUAGEM E IDENTIDADE: UMA REFLEXÃO SOBRE A RELAÇÃO

CONSTITUTIVA DO SUJEITO E A DIFERENÇA ENQUANTO

PRODUTO MERCADOLÓGICO NO MUNDO GLOBALIZADO

Partindo de estudos teóricos acerca de linguagem e identidade, percebe-se que são muitos os questionamentos acerca da relação constitutiva do sujeito.

Geraldi (2011), ao falar de linguagem e identidade reflete inicialmente acerca de dois mitos da cultura judaico-cristã europeia que muito contribuíram para a forma como a linguagem fora pensada: a Torre de Babel e Pentecostes. Nestas a linguagem é concebida a partir de uma perspectiva de uniformidade, isto é, imbuída de uma única definição. Nesse contexto, os atos impensados dos homens trouxeram consequências: a diferença linguística que surge como resultado de um castigo. Do mesmo modo a identidade por muito tempo foi considerada como sinônimo de igualdade nas reflexões filosóficas, sobretudo, nas análises cujos princípios eram de teorias cartesianas.

Contradizendo a concepção gerada pelo mito da Torre de Babel e Pentecostes pode-se dizer que a linguagem é um fator cultural e diverso que constitui os sujeitos a partir de seu Universo sociocultural e o contato com o outro, mobilizando múltiplas identidades, uma vez que um único sujeito se configura com diferentes identidades no meio social.

Ao nascermos passamos por um intenso processo de apreensão e apropriação de tudo que vemos no mundo, neste a linguagem estará sempre presente, através de símbolos, gestos e a própria comunicação oral feita por meio da linguagem. Com

(4)

isso, pode-se dizer que dentre os inúmeros mecanismos que constituem o sujeito a linguagem é um deles.

No início do século XX, nos alicerces do estruturalismo, a linguagem foi conceituada como a capacidade humana de criar línguas, restringindo-se os estudos linguísticos à análise destas línguas, de seus sistemas (...) Definida assim, uma capacidade humana, dispensa-se a Linguística de discuti-la e transfere o fenômeno tanto para a área da psicologia quanto para a área da filosofia. (GERALDI, 2011, P.12-13).

Percebe-se que a linguagem por constituir o sujeito e se tornar um fenômeno tão complexo, tem sido objeto de inúmeros estudos perpassando por vários campos do saber, além da psicologia e filosofia, foi analisada pela biologia que pretendeu entender não só o espaço que a linguagem ocupa no cérebro, mas qual sinapse é responsável por ela. Vê-se que os estudos científicos, assim como demonstra Geraldi, desenham um quadro de referências que de certa forma ilustram e enriquecem as reflexões feitas acerca de tal fenômeno, reverberando em estudos posteriores.

Em relação à constituição da identidade do sujeito, como referendamos acima, desde o nascimento nos deparamos com um mundo de linguagem, onde uma língua se transfigura em uma variedade de expressões. Nesse contexto, pode-se inferir que convivemos desde a infância, tanto corporal como mentalmente, com outros sujeitos, e é justamente essa relação que vai constituir nossos modos de falar e agir no mundo, ou seja, nossas identidades. Ressaltando que cada sujeito se apropria de sua identidade de forma diferente, de acordo com o contexto sociocultural no qual está inserido. Isso porque “assim funcionam os recursos expressivos: a mesma realidade empírica é apresentada de forma distinta dependendo da expressão usada”. (Geraldi, 2011p. 14).

Vivemos em um mundo de signos e significados. São os signos que diferenciam os lugares e os sujeitos que os compartilham. Dessa maneira, a linguagem não é representação do mundo, mas possibilidade ao sujeito de construir uma representação nele para si e para outros sujeitos. As representações são constituições que diferenciam os sujeitos, os quais, a partir da linguagem, constroem suas identidades, haja vista que é mecanismo de constituição do sujeito e daquilo que este representa no meio social.

A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA PERANTE A CONSTITUIÇÃO DA

LINGUAGEM E DA IDENTIDADE

Vimos que ao nascer o sujeito se depara com um universo linguístico, o qual é representado por diferentes tipos de símbolos. As extensões dessas representações

(5)

serão feitas em outros espaços onde o contato com novos sujeitos proporcionará novos horizontes.

A escola possibilita ao sujeito expandir sua capacidade de fala, pois apresenta um universo linguístico diferente do apresentado no meio familiar. O ato de aprender a ler é mais do que se informar, segundo ainda Geraldi, “é multiplicar por n vezes nossas possibilidades de interação e por isso mesmo multiplicar os lugares de nossa constituição como sujeito”, (p. 15). Aqui é possível inferir que a identidade também será alvo de transformações, à medida que o sujeito estará em contato com outro contexto social e cultural ou mais propriamente com outros comportamentos e atividades que muito influenciarão na sua identidade.

Nesse sentido, voltemos ao mito da Torre de Babel e Pentecostes para dizer que não dá para pensar as representações a partir de uma universalidade dos sujeitos à medida que as representações são diversas, sendo diferenciadas em cada contexto, no qual o sujeito é inserido. Na escola, aprendem-se novas palavras, novas atitudes, deslocando o que se tinha apreendido antes, sem que esse deslocamento cause seu esquecimento. Porém, ocorre uma reestruturação de palavras e atitudes carregadas de novas histórias e processos oriundos desse novo espaço.

A identidade transcorre no mesmo sentido de reestruturação, à medida que se constituirá a partir da relação com esses novos grupos, aos quais o sujeito criará na relação um sentimento de pertencimento. Percebe-se que assim como a linguagem a identidade não é estática, mas como diz Hall (2015):

Uma celebração móvel formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 2015, p. 12).

As identidades são constituídas a partir dos diferentes contextos e momentos distintos e na relação com sujeitos e linguagens diversas.

A IDENTIDADE NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO

Stuart Hall nos revela que a sociedade contemporânea tem vivenciado uma crise de identidade. Velhas identidades que equilibraram o mundo social por um longo período estão em decadência, originando novas identidades num cenário de modernidade tardia, onde o indivíduo é fragmentado causando “crises de identidade”.

A (...) crise de identidade é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2015, p.9).

(6)

A globalização é concebida nesse contexto como uma forma de deslocamento poderoso das identidades culturais nacionais do final do século XX. A rapidez das informações e os processos que norteiam a atual conjuntura global são atuantes em todo o globo terrestre, “atravessam fronteiras nacionais” aproximando, conectando comunidades e organizações em uma outra estrutura espaço-tempo, transformando o mundo, o qual está atualmente mais interconectado.

Os sujeitos, no tocante à globalização, convivem com vários grupos, presencial ou virtualmente. Em cada grupo, sendo ele amplo ou restrito, a relação é exercida por meio de distintas funções que podem ser modificadas de acordo com

o deslocamento3 do sujeito no meio social, marcado, segundo Geraldi (2011), pelas

experiências vividas.

Todavia, os deslocamentos que os sujeitos têm passado no atual contexto da globalização, ou mais propriamente as alterações nas identidades fruto de uma mobilidade exacerbada no campo principalmente da comunicação e informatização, têm forjado os sujeitos a assumirem outros tipos de identidades, camuflando intenções nem sempre percebidas por estes. Como exemplo se pode citar o consumismo exagerado que se vive atualmente, onde as pessoas consomem além de suas reais necessidades, em vista daquilo que a mídia impõe como moda em um determinado momento, a fim de satisfazer os interesses de mercado.

A diferença na conjuntura da globalização também não escapa dos olhos midiáticos do mercado que a vê como mercadoria, forjando uma identidade nos sujeitos e os conduz a se autoafirmarem em um grupo social, não pelas raízes e/ou origem identitária, mas pelo que usa, fala e pensa, tornando-os grupos identitários consumidores numa sociedade capitalista, onde o centro de tudo é o mercado, o qual tem como objetivo a busca incessante pelo lucro.

A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CONTEXTO

DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO: UMA ANÁLISE NOS DISCURSOS

DAS ESFERAS GOVERNAMENTAIS E NOS SABERES E

IDENTIDADES DOCENTES

Pensar a formação docente na atualidade requer a princípio uma análise

acerca das políticas públicas de formação que as esferas governamentais têm

implementado, e o que está implícito nos discursos destas, a fim de entender os contrapontos entre o discurso e a realidade vivenciada pelos professores.

3 Hall (2015), se refere a deslocamento como a perda de um “sentido de si” estável, isto é, são as mudanças nas identidades pessoais que abalam a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados.

(7)

A tese de que a melhoria na educação seria feita através da qualificação docente contribuiu para um forte incremento nas políticas de formação continuada, tendo como resultado a elaboração de novas propostas e programas e a ampliação dos investimentos públicos.

O Ministério da Educação e Cultura (MEC) vem desde os anos 90 desenvolvendo novos programas de formação continuada em parceria com os sistemas de ensino Estadual e Municipal para professores da educação básica, dando principal atenção aos docentes das séries iniciais de ensino. Ao MEC foi delegada a responsabilidade com a elaboração e implantação de um conjunto de dispositivos legais e de regularização, objetivando a promoção de uma agenda de formação continuada em nível Federal, Estadual e Municipal. Gatti (2016) revela que, com o advento da LDB Lei 9394/96, a formação continuada apresentou um crescimento significativo. Contudo, a maneira como a lei concebe a formação continuada é que tem gerado críticas e insatisfações.

A formação continuada é considerada como capacitação em serviço (Art. 61, inciso I); como aperfeiçoamento profissional continuado (Art. 67, inciso II) e como treinamento em serviço (Art. 87). A variedade de termos empregados não indica somente uma questão semântica, mas traduziu perspectivas adotadas por uma política pública que prioriza a construção de mecanismos capazes de responder apenas a compromissos firmados entre agentes políticos de poder. Dessa maneira, essas ações são traduzidas em concepções de formação e um perfil de professor que servem apenas de sustentação para o desenvolvimento de políticas de formação de caráter técnico-instrumental, orientadas por uma perspectiva compensatória de formação. Esse tipo de formação visa habilitar o professor a seguir modelos, cujo alcance só poderia se dar por meio da “repetição mecânica”.

Quando se fala em treinamento a ideia que se tem é a de correção de desvios e visaria solucionar falhas de desempenho do executor. O termo capacitação, por sua vez, remete à ideia de “tornar capaz aquele que é incapaz”. É, na verdade, uma concepção de formação de natureza mecanicista que concebe o professor como um profissional que precisa ser doutrinado, convencendo-o a aceitar novas ideias e tornar-se capaz de promover mudanças em sua prática. Vê-se até aqui que as políticas públicas quando são implementadas a partir de um olhar apenas de seus financiadores tendem a desvalorizar o objetivo principal da ação pela qual foi requerida. Percebe-se que durante a efetivação de uma política pública existe certo distanciamento do que se almeja pelo poder público e a vontade dos sujeitos a serem beneficiados pela ação. Essas em sua maioria demandam gastos públicos elevados que não corresponde com a qualidade dos serviços. Em relação às políticas de formação continuada de professores, estudiosos como Gatti (2008) e Tardif (2014)

(8)

questionam os modelos de formação que se tem hoje devido, dentre outras coisas, à falta de contextualização destas em relação ao ambiente educativo. Não obstante, nas formações é comum a apresentação de currículos fragmentados, com conteúdos excessivamente genéricos e com grande dissociação entre teoria e prática, estágios fictícios e avaliação precária, interna e externa.

Nesse contexto, Tardif (2014) acredita que ao tratarmos de ofício e profissão não podemos falar do saber sem contextualizar os condicionantes e o ambiente de trabalho. O saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer. Em outras palavras considera que o saber não é algo difuso no espaço, o saber dos professores é um construto que está atrelado à pessoa, à identidade dela, com um arcabouço de conhecimento de vida ligado com a sua história profissional e a convivência com os alunos em sala de aula em consonância com os demais sujeitos escolares no espaço educativo.

SABERES E IDENTIDADES DOCENTES

Segundo Tardif (2014), quando se conceitua “saber social” e “educação”, percebe-se que existe uma relação de saberes em ambos, conduzindo os docentes a definirem sua prática a partir dos saberes que possuem e transmitem. Na verdade, o “saber social” por ser um conjunto de saberes de que uma sociedade dispõe e a “educação” o conjunto dos processos formativos e de aprendizagem construídos socialmente e lançados a instruir os membros da sociedade, é evidente que todos os responsáveis pelo processo educativo, pautados nesses saberes, são conduzidos a definir sua prática por meio dos saberes que têm e transmitem.

Nessa ótica podemos inferir que os professores não são desprovidos de conhecimento, pois antes de tudo eles sabem alguma coisa e têm como função a transmissão desse saber a outros. Isso parece algo banal, mas como diz Tardif tal banalidade se transforma em interrogação e em problema à medida que aparece a necessidade de especificar a natureza das relações entre os saberes transmitidos a eles, com a natureza dos saberes que eles já possuem. Para tanto, o mesmo autor faz inúmeros questionamentos acerca dos elementos constitutivos dos saberes docentes, ou mais propriamente da natureza desse saber docente. São questionamentos que não nos oferecem respostas evidentes, indicando a existência de uma relação problemática entre os professores e os saberes. Ele ressalta a ausência de estudos ou obras consagradas aos saberes dos professores. É um campo novo de pesquisa, inexplorado até mesmo pelas ciências da educação.

É evidente que não é fácil explorar os saberes incorporados na prática docente, contudo é preciso desenvolver estudos acerca destes para estimular trabalhos

(9)

futuros. Em seus estudos Tardif quer mostrar que o saber docente é constituído por vários saberes provenientes de fontes distintas, ligadas aos saberes disciplinares, curriculares, profissionais (das ciências e da pedagogia) e os que se adquirem no dia a dia do trabalho. Além disso, quer evidenciar que existe uma desvalorização em relação aos saberes que o professor possui e transmite. Atrelado a isso, discute o status particular que os professores conferem aos saberes experienciais.

PLURALIDADE, ESTRATÉGIA E DESVALORIZAÇÃO: ELEMENTOS

CONSTITUTIVOS DO SABER DOCENTE

Incontestavelmente os professores fazem parte de um grupo social que, devido às funções que exercem, tendem a ocupar uma função estratégica no interior das complexas relações que ligam a sociedade contemporânea aos saberes que estas criam e mobilizam para diferentes fins. Para Tardif (2014), em relação à modernidade ocidental, o que se refere ao desenvolvimento quantitativo e qualitativo dos saberes teria sido inviável se não houvesse um desenvolvimento considerável dos recursos educativos e se os grupos docentes e formadores não fossem capazes de assumir, dentro do sistema educativo, processos de aprendizagem individuais e coletivos que formam a base da cultura intelectual e científica moderna.

Nas sociedades contemporâneas a pesquisa científica e erudita tem forte ligação com os sistemas de formação e educação vigentes, pois atuam como sistema social de organização de produção de conhecimentos. A ligação se expressa à medida que se estimula a existência de instituições que, a exemplo das universidades, assumem a tradicional e conjunta tarefa de pesquisar, ensinar, produzir conhecimentos e formar a partir desses conhecimentos.

A inter-relação entre a pesquisa científica e erudita com os sistemas de formação é mais visível com a criação de redes de instituições e de práticas sociais e educativas destinadas a garantir o acesso sistemático e permanente aos saberes sociais disponíveis. Tardif explica que a existência de redes institucionais demonstra a forte ligação dos sistemas sociais de formação e de educação, a começar pela escola, a uma estrutura que é inerente ao modelo de cultura da modernidade.

Na verdade, na cultura moderna e contemporânea os processos de produção de saberes sociais e os processos sociais de formação são concebidos como fenômenos que se complementam. A progressiva produção de novos conhecimentos tendencia a uma imposição tendo como fim a si mesmo e a um imperativo social indiscutível. Com isso, as atividades de formação e de educação ocupam um plano secundário na sociedade.

(10)

Todavia, o valor social, cultural e epistemológico dos saberes tem em sua origem a capacidade de renovação constante, contrapondo-se à formação com base nos saberes preestabelecidos que se configuram como uma introdução às tarefas cognitivas que são consideradas essenciais e assumidas pela comunidade científica em exercício.

Nesse sentido Tardif (2014) compara os saberes a “estoques”, que de forma técnica estão disponíveis, são renovados e produzidos pela comunidade científica em atuação e passíveis de serem utilizados nas diferentes práticas sociais, econômicas, técnicas, culturais, etc. Dessa forma, o que se pode chamar de dimensão formadora de saberes, a qual, em uma visão tradicional, os comparava a uma cultura onde a aquisição demandava uma transformação positiva das maneiras de pensar, de agir e de ser, é desconsiderada do círculo relativamente limitado dos problemas e questões cientificamente pertinentes e tecnicamente solucionáveis. Diante dessa realidade ocorre um distanciamento entre o saber docente e saber científico, educadores e pesquisadores, o corpo docente e a comunidade científica, distanciando-os uns dos outros, comprometendo a transmissão e produção de saberes que acabam por não ter uma relação entre si.

Tardif tece algumas críticas à própria Universidade que para ele caminham para essa separação entre pesquisa e ensino. Na prática escolar essa separação já foi sedimentada à medida que o saber docente se volta apenas para a competência técnica e pedagógica com transmissão de saberes elaborados por técnicos. Como forma de se opor a visão fabril de produzir saberes, onde se objetiva apenas a produção e como forma de localizar a posição estratégica do saber docente diante dos saberes sociais, é preciso considerar que o saber “insere-se numa duração temporal que remete à história de sua formação e de sua aquisição”. (p. 35). Os saberes pressupõem um tempo de aprendizagem e aquisição desta, também implicam um processo de aprendizagem e formação que, à medida que são desenvolvidos, formalizados e sistematizados, transformam-se em um saber tal qual nas ciências e os saberes contemporâneos e isso pressupõe um complexo e longo processo de aprendizagem, requerendo uma formalização e sistematização mais adequada. É próprio das sociedades atuais integrarem os saberes já desenvolvidos e sistematizados a processos de formação sistematizados coordenados por sujeitos educacionais.

Atualmente a produção de novos conhecimentos ocupa posição de destaque no cenário socioeconômico e nos meios de comunicação, sendo considerado uma dentre as várias dimensões dos saberes e da atividade científica e de pesquisa. Para tanto, é necessária uma formação pautada em conhecimentos atuais que, embora sejam novos, transitam em conhecimentos antigos como forma de serem reatualizados constantemente por meio da aprendizagem. A formação, quando

(11)

pautada nos saberes e nas produções de saberes, cria dois polos que se tornam inseparáveis e se complementam.

Diante disso, pode-se inferir que o corpo docente apesar de possuir limitações na relação com os saberes, os quais se limitam a transmissão de conhecimento, assume uma função social estratégica tão importante quanto a comunidade científica e dos grupos produtores de saberes.

O SABER DOCENTE

Os saberes socialmente constituídos dos docentes não podem na concepção de Tardif serem reduzidos apenas à transmissão de conhecimentos. A prática pedagógica permite integrar diferentes saberes, onde o corpo docente efetiva diferentes relações. O saber docente na verdade define-se como um saber plural, que é alicerçado por saberes advindos da formação profissional, de saberes disciplinares, curriculares e experienciais.

O SABER ORIUNDO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Os saberes profissionais são aqui apontados como um conjunto de saberes específicos oriundos das instituições de formação de professores. Diante desse saber, professores e ensino são transformados em objeto de saber para as ciências humanas e para as ciências da educação. Tais ciências buscam produzir conhecimentos e ao mesmo tempo incorporá-los à prática docente. Por esse prisma, os conhecimentos se constituem em saberes destinados à formação científica ou erudita dos professores e, quando incorporados à prática destes, correm sérios riscos de serem transformados em prática científica.

Em relação ao setor institucional, Tardif assegura que a articulação entre ciência e prática docente ocorre concretamente, por meio da formação inicial e continuada dos professores. É durante as formações inicial e continuada que os professores estabelecem contato com as ciências da educação. Todavia, o referido teórico questiona a ausência de formadores e pesquisadores das ciências da educação que atuem em meio à realidade escolar no dia a dia dos professores. Apesar disso, pode-se dizer que a pratica docente não é só um objeto do saber das ciências da educação, pois é uma atividade que incorpora saberes diversos que são chamados pedagógicos. Tais saberes são transformados em doutrinas, uma vez que refletem acerca da prática educativa em um sentido amplo, a fim de orientar as atividades educativas. Como exemplo, o referido autor cita as doutrinas pedagógicas da “escola nova”, que são incorporadas nas formações de professores ofertando de certa forma

(12)

um referencial ideológico à profissão e também orientações acerca do saber fazer por meio de algumas técnicas.

O saber pedagógico é sempre permeado pelo saber das ciências da educação que, ao desenvolverem suas pesquisas, buscam integrar sistematicamente os resultados às concepções já formadas a fim de lhes atribuir um caráter científico.

O SABER DISCIPLINAR

Os saberes disciplinares socialmente definidos e selecionados pelas universidades, assim como os saberes oriundos das ciências da educação, são incorporados aos saberes docentes. Por meio de formação inicial e continuada os saberes disciplinares são incorporados à prática docente de forma independente em relação a cursos, departamentos universitários, faculdades de educação e cursos de formação de professores. Os saberes disciplinares são oriundos da tradição cultural dos grupos sociais que produzem saberes.

O SABER CURRICULAR

Os saberes curriculares são adquiridos ao longo da carreira, através de discursos, objetivos, conteúdos e métodos definidos pela instituição escolar. São selecionados como modelo da cultura erudita induzindo a uma formação para a cultura erudita. São apresentados de forma concreta através de programas escolares que os professores precisam aprender e aplicar.

O SABER DA EXPERIÊNCIA

Aqui Tardif defende a concepção de que os professores no exercício de sua profissão fomentam saberes específicos, pautados no dia a dia do trabalho e no conhecimento de seu meio. Os saberes docentes nascem da experiência e no decorrer de sua profissão são validados por ela. Além disso, ocorre incorporação do saber pela experiência, tanto individual quanto coletiva, na forma do que Tardif classifica como habitus e também ao que se refere à habilidade de saber ser e saber fazer.

Na verdade, os saberes são responsáveis pela formação da prática docente, num movimento que se articula com diferentes saberes relacionados à interação social, disciplinar, curricular, pedagógico e os saberes advindos das ciências da educação e de saberes experienciais.

(13)

Essas múltiplas articulações entre a prática docente e os saberes fazem os professores um grupo social e profissional cuja existência depende, em grande parte, de sua capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto condições para sua prática. (TARDIF, p. 39. 2014).

Pautado nesta citação pode-se inferir que os professores enquanto grupo social e categoria profissional deveriam buscar sua afirmação como instância de definição e controle dos saberes que são integrados à sua prática escolar. Não obstante, deveria existir um reconhecimento em relação ao fazer pedagógico docente, uma vez que contribuem com o processo de formação e produção dos saberes sociais, conferindo a eles inclusive um prestígio análogo ao ocupado pela comunidade científica.

OS PROFESSORES E A RELAÇÃO COM SEUS PRÓPRIOS

SABERES

É sabido que a posição estratégica que têm ocupado os profissionais docentes não lhes tem garantido valorização por parte de agentes sociais. Para Tardif, os saberes oriundos de formação apesar de incorporado na prática docente não são produzidos e nem legitimados por esta. Os professores mantêm com os saberes uma relação estática apenas de receptores, o que lhes imputa a possibilidade de serem produtores de um saber e/ou saberes que poderiam determinar socialmente a importância de sua função e espaço de sua prática pedagógica.

Diante desse contexto, o que figura na função docente é a incapacidade de produzir e controlar seus próprios saberes, uma vez que os docentes não são obrigados a reproduzir saberes sociais que não foram selecionados por eles. São saberes que foram transformados em saberes escolares selecionados à luz de interesses das instituições de ensino.

Os saberes que são incorporados na prática docente, oriundos de saberes disciplinares e curriculares, ocupam um lugar de exterioridade em relação ao fazer docente, pois eles são apresentados como produtos preestabelecidos em sua forma e conteúdos, pautados na tradição cultural e nos grupos técnicos produtores de saberes sociais que, em sua maioria, desconhecem a realidade socioeducacional docente.

Na realidade, é notório os docentes não terem participação efetiva nas escolhas e decisões acerca dos saberes disciplinares e curriculares de sua formação. Segundo Tardif, os saberes científicos e pedagógicos que fazem parte da formação de professores norteiam e de certa forma dominam a prática da profissão, mas não são oriundos desta.

Os saberes científicos e docentes convergem entre si por não terem uma unidade, isto é, se distanciam do que se refere ao social, institucional e epistemológico.

(14)

Aos professores cabe se apropriar de saberes construídos e legitimados por outros, deixando os seus próprios saberes serem desqualificados.

Em suma, pode-se dizer que nas formações docentes se faz necessário um saber plural, construído por uma variedade de saberes: intelectuais, curriculares, da formação profissional e da prática cotidiana. Isso porque o saber docente é, como diz Tardif, essencialmente heterogêneo. Contudo, a mistura de saberes demanda também um querer dos próprios docentes em relação aos demais grupos produtores e portadores de saberes, dentre estes as instituições formadoras de professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto das discussões salientadas, vê-se que a linguagem é meio não só de comunicação, mas de representação dos sujeitos no ambiente onde vivem. Para tanto, é preciso um processo de interação que os conduza a vivenciar diferentes contextos socioculturais levando-os a transitar por diferentes representações. Com isso, somos levados a construir identidades que se transformam de acordo com as distintas linguagens e representações com as quais temos contato. Embora, exista na sociedade um mercado linguístico que tende a modelar não só a construção da linguagem, mas também identitária dos sujeitos.

No meio educacional vivenciamos esse processo, pois a escola é um espaço onde transitam diferentes sujeitos com representações linguísticas e identitárias diversas. Com isso, as identidades docentes mudam constantemente, devido à imposição de novas práticas didáticas e pedagógicas e pela necessidade de se adequarem à realidade vivenciada.

A Formação Continuada de Professores é fator relevante, à medida que reproduz um discurso linguístico que tende a mudar o fazer pedagógico dos professores. Com isso, se apropriam de outras representações da linguagem, alterando a identidade desses profissionais. Nessa realidade, a crítica que se faz é que, pautadas em uma linguagem de cunho dominante, as formações tendem a não considerar a realidade sociocultural, linguística e identitária desses profissionais, levando-os, na maioria das vezes, a crises de identidades por não terem um lugar nas formações.

Apesar de a linguagem proporcionar diferentes contextos socioculturais é preciso atentar para os discursos que tendem a uniformizar os sujeitos. A estrutura de formação continuada que se tem hoje parece homogeneizar os professores gerando crises de identidade, pois os professores vivenciam realidades distintas com representações linguísticas e identitárias diversas que necessitam serem levadas em consideração.

(15)

REFERÊNCIAS

BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394 de 20 de dezembro de

1996.

BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas: O que Falar Quer Dizer.

2º ed. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

GATTI, Bernadete A. Formação de professores: condições e problemas atuais.

In: Revista Internacional de Formação de Professores – RIPF. ISSN: 2447-8288. V. 1, n. 2, 2016.

GERALDI, João Wanderley. Linguagem e Identidade: breve nota sobre uma

relação constitutiva. In: Ciências & Letras. Porto Alegre, n. 49, p. 9-19, jan/jun de 2011.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 12ª ed. Rio de Janeiro:

Lamparina, 2019.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 17ª ed. - Petrópolis,

RJ: Vozes, 2014.

SOBRE AS AUTORAS

JOSIANE DO CARMO SANTOS DA SILVA DIAS. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Cidades, Territórios e Identidade-PPGCITI/UFPA. E-mail: josianesdias76@gmail.com.

VIVIAN DA SILVA LOBATO. Doutorado em Educação: Psicologia da Educação. Professora do Programa de Pós-graduação em Cidades, Territórios e Identidade-PPGCITI/UFPA. E-mail: vivianlobato@ufpa.br.

RECEBIDO: 03/12/2019. APROVADO: 08/12/2019.

Referências

Documentos relacionados

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

O trabalho apresentado neste artigo propõe um método para projeto de hiperdocumentos educacionais, denominado EHDM, que contempla os autores com um modelo conceitual que possui

Apesar do glicerol ter, também, efeito tóxico sobre a célula, ele tem sido o crioprotetor mais utilizado em protocolos de congelação do sêmen suíno (TONIOLLI

Essa recomendação, aprovada pela American Dental Association e pela American Heart Association (1964), especifica que os vasoconstritores não são contraindicados em portadores

Considerando que, no Brasil, o teste de FC é realizado com antígenos importados c.c.pro - Alemanha e USDA - USA e que recentemente foi desenvolvido um antígeno nacional

By interpreting equations of Table 1, it is possible to see that the EM radiation process involves a periodic chain reaction where originally a time variant conduction

O desenvolvimento desta pesquisa está alicerçado ao método Dialético Crítico fundamentado no Materialismo Histórico, que segundo Triviños (1987)permite que se aproxime de

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo