• Nenhum resultado encontrado

Crise Financeira e Direito do Consumo | Julgar

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Crise Financeira e Direito do Consumo | Julgar"

Copied!
68
0
0

Texto

(1)

CRISE FINANCEIRA E DIREITO DO CONSUMO*

Mário Frota Fundador e primeiro presidente da AIDC – Associação Internacional de Direito do Consumo Fundador e presidente da APDC – Associação Portuguesa de Direito do Consumo Fundador e presidente do Conselho de Direção da REVISTA LUSO-BRASILEIRA DE DIREITO DO CONSUMO Fundador e director da RPDC – REVISTA PORTUGUESA DE DIREITO DO CONSUMO

Firme convicção é a nossa de que as Instâncias, e agora o Supremo, não tiveram minimamente em conta a protecção do consumidor lesado, valor em que fundamentalmente assenta o direito do consumo, de raiz comunitária,

como é o caso. Aliás, por fim, permita-se a liberdade de expressão:

O direito do consumo ainda não sensibilizou, de vez, os operadores judiciários. Infelizmente, nem os recorrentes (tanto pior, o autor!) invocaram este valor

a benefício da sua protecção.

Neves Ribeiro

Vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (Voto de vencido – in acórdão de 03 de Abril de 2003)

SUMÁRIO

Após uma breve referência à consigna das Jornadas, à desjudicialização da conflitualidade de consumo e à delimitação do tema proposto (crise financeira, crédito malparado e soluções perseguidas pelo ordenamento para acudir a situações de franca hipossuficiência), o Autor debruça-se, em primeira linha, sobre a crise financeira, enunciando as respetivas causas, consequências e repercussões na esfera dos consumidores. De seguida, o Autor analisa o Direito do Consumo como fonte de tutela do consumidor ante as anomalias do mercado financeiro, contexto em que aborda os

elementos característicos do crédito “selvagem” e o fenómeno do

superendividamento correlacionado com o crédito malparado, passando, nesta arquitetura, à defesa da inversão do paradigma no sentido da prevalência do crédito responsável, sobretudo no palco do crédito ao consumo e do crédito hipotecário. Por fim, aborda as medidas extraordinárias de prevenção e gestão do risco de incumprimento no âmbito do crédito ao consumo e do crédito hipotecário, aflorando ainda a questão da dação em cumprimento.

(2)

Descritores: crise financeira, crédito “selvagem”, superendividamento, crédito malparado, crédito responsável, crédito ao consumo, crédito hipotecário, dação em cumprimento

I

PRELIMINARES

1. A consigna das Jornadas e as tendências desenhadas no ordenamento europeu “A criação judicial de direito no limiar do século XXI”, eis o que propõe o colégio de juízes - na génese de tão relevante evento na Região - para a eloquente manifestação que nos congrega hic et nunc.

De significar que neste particular, no segmento próprio do direito do consumo e dos conflitos que estalem no seu seio, haverá lugar a uma cada vez menor criatividade. Pelas razões que se expenderão no passo subsequente. Como pela menor apetência da judicatura, ao que parece, para uma tal realidade, como temos vindo a advertir “urbi et orbi”1.

1

Cfr. o editorial da RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo -, editada pelo Centro de Publicações da apDC, Coimbra, n.º 79, Setembro de 2014, do teor seguinte:

“O Direito do Consumo, na realidade, ainda não abandonou, entre nós, os “cueiros”…

E, ao que se nos afigura, o facto é só – e tão só – imputável à Universidade. Com honrosas excepções, é facto, em que se inclui a Universidade Nova de Lisboa, com uma disciplina de opção no curso de direito ali professado.

À Universidade, em geral, pelo conservadorismo de que dá mostras. Pela resistência a novas realidades. E, como reflexo, decisões menos ponderadas, em particular dos tribunais superiores por não aceitarem a categoria dos contratos de consumo que postulam soluções distintas das dos contratos civis ou comerciais em circulação no “mercado”…

Também neste particular há honrosas excepções.

Já o saudoso Neves Ribeiro, ao tempo vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em voto de vencido em acórdão de 03 de Abril do recuado ano de 2003, execrava o alheamento de tais realidades por banda das instâncias e também do Supremo, como na situação sub judicio.

Vale citar, com aplauso, o teor do sumário do acórdão de 04 de Dezembro de 2013 do Supremo Tribunal de Justiça, relatado por Fernandes do Vale, que reconhece, aliás, a categoria e disso tira todas as consequências, ao invés do que sucede com o Tribunal de Conflitos, como adiante se apreciará.

Eis o seu teor:

“I - Os contratos de fornecimento de água por empresas concessionárias não são subsumíveis a quaisquer preceitos constantes do ETAF.

II - Tais contratos não são administrativos, porquanto não são objecto de uma regulação baseada em normas de direito administrativo, sendo, antes, contratos de consumo, em parte regulados por normas que protegem os direitos dos consumidores.

III - Tais contratos ordenam-se no âmbito do direito privado, sendo, pois, contratos de direito privado; razão por que assiste aos tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos a competência para apreciar e decidir os litígios emergentes de tais contratos.”

Já o Tribunal de Conflitos, chamado a dirimir litígio em que em causa se achava a jurisdição idónea para o efeito e, no seu seio, o órgão de judicatura competente, por acórdão de 15 de Maio de 2014 da lavra de Fernanda Maçãs, num equívoco patente se limita a exprimir-se como segue:

“É competente para conhecer uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias na qual a autora, concessionária da exploração e gestão de serviços públicos municipais de distribuição de água, pede a condenação do [demandado] no pagamento de quantias relativas ao fornecimento de água objecto do referido contrato, a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais.”

(3)

Ademais, em casos em que os tribunais são chamados a dirimir tais conflitos, nem sempre as soluções são positivamente criativas.

Repare-se na subversão total ínsita em dois arestos, um do tribunal superior de Coimbra e, outro, do do Porto, em que se ressuscita os actos de comércio unilaterais

Tais situações exprimem em concreto o desvario que entre nós se instalou com grave reflexo no estatuto do consumidor e, em geral, notórios prejuízos que se traduzem em perdas tanto de ordem patrimonial como no plano da não patrimonialidade, a saber, a reclamada dignidade susceptível de gerar uma reparação de ordem moral, como sem dificuldade se perceberá.

Portugal carece de um esforço redobrado para situar as coisas nas coordenadas devidas e, assim, repensar a geometria do direito na sua dimensão mais abarcante e das especificidades que adornam cada uma das variantes.

Mas tal passa necessariamente por um consequente estudo de um tal “ramo” - para se recuperar uma categoria algo esbatida e ausente dos debates ou até das noções introdutórias do direito - que nem se basta com os princípios de direito civil, enquanto direito privado comum, nem a sua factualidade se subsume às regras neste passo vertidas nos textos, menos ainda, em determinadas categorias de contratos como os dos serviços públicos essenciais, dentro e fora do catálogo, com o que emerge do direito administrativo, como determinadas decisões parece pressuporem…

O direito do consumo não é nem residual (uma espécie de mosaico dos rebotalhos dos mais acervos) nem algo de episódico susceptível de se restringir a normas em que se actuam os direitos consignados no quadro dos direitos económicos constitucionalmente consagrados com os desenvolvimentos de pormenor a que uma lei avulsa confere expressão…

É mais do que um “ramo” meramente funcional, ao que se nos afigura, dado constituir, por dispor de objecto próprio, uma disciplina dotada de autonomia e com uma metodologia que a contradistingue em confronto com ou no seio das mais.

Resumir, como o fazem alguns civilistas, o direito do consumo a duas obrigações mais de banda do fornecedor ou contraparte, nas relações jurídicas que se entretecem no seu âmbito, a saber, a de informação e a de segurança, é escamotear de todo a plétora de princípios susceptíveis de se captar no quadro da disciplina e a subtrair-lhe a substância que o torna não uma simples e pontual excepção a regras gerais, mas um verdadeiro jus specialis no mare magnum do direito privado, entre nós, como no Brasil, na Argentina, em França ou em Itália…

Claro que há, de banda de certos ordenamentos, uma cruzada hercúlea para “civilizar” o direito do consumo ou para “consumerizar” o direito civil, sem que o fenómeno retire a relevância de uma reflexão a tal propósito e, no que nos toca, a despeito de tentativas em contrário, pese embora a opinião de alguma doutrina, é algo que não tira nem põe. Já que a realidade é de uma meridiana evidência, vale por si e por si só se impõe.

E nem é preciso estabelecer aqui uma linha de fronteira entre o direito civil e o direito do consumo ou entre este e o direito comercial para se concluir da natureza distinta, dos distintos princípios e regras que regem o direito do consumo, na sua fragmentária dispersão, mas na sua notável singularidade. Do que se não pode é, como hoje ocorre com estranhas decisões dos tribunais superiores, perante realidades outras, exumar os actos de comércio unilaterais para se agravar as condições de exercício de direitos e obrigações dos consumidores no domínio contratual, com absoluto olvido da letra e do espírito de determinados diplomas legais e em oposição manifesta a uma realidade que tende a sonegar-se ou a fazer cair, sempre e só em detrimento do consumidor e para avantajar os seus contendores…

Impõe-se que o direito do consumo, mais de seis lustres sobre a primeira Lei de Defesa do Consumidor, em Portugal, ocupe o lugar a que faz jus e que a Universidade, no seu conjunto, se não mostre retrógrada no tratamento de matérias que são indispensáveis para uma exacta compreensão da economia e do mercado de consumo em que o consumidor representa, afinal, o papel primeiro enquanto actor e protagonista.

Em homenagem, afinal, ao direito como pêndulo nas relações sociais que se aparelham sobretudo no mercado e com projecção no quotidiano de cada um e todos.)

(4)

contra legem, em atitude de favor ao fornecedor e, no pólo oposto, de desfavor ao consumidor2.

Em detrimento do consumidor, decisões do estilo das enunciadas não são de saudar e constituem um retrocesso manifesto.

A peculiar natureza dos princípios que regem ou pairam sobre o Direito do Consumo deveria convocar a judicatura a afrontar as concretas hipóteses de facto com a abertura exigível face aos interesses em presença e ao que o acervo respectivo (emanado ou não da União Europeia) reflecte na conformação das soluções perspectiváveis em cada uma das situações.

Daí que não haja neste particular base suficiente que permita articular o tema ou visualizá-lo sob um tal prisma, como no passo subsequente se sustentará.

A que acresce o facto de as pontuais medidas administrativas adoptadas - susceptíveis de responder às necessidades mais prementes criadas pela crise instalada - subtrairem ao império da judicatura a apreciação dos interesses contrapostos em presença, como é patentemente o caso tanto do diploma que estabelece “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários”3, como no que tange

ao “regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil”4.

2. A desjudicialização das lides de consumo

Regra de ouro dos sucessivos planos de acção editados na União Europeia é a de se subtrair a resolução dos litígios aos convencionais órgãos de judicatura de molde a imprimir às controvérsias celeridade, em condições de graciosidade ou, ao menos, de não onerosidade.

2 Cfr. o acórdão da Relação de Coimbra de 19 de Outubro de 2010, relatado por José Eusébio e Almeida,

segundo o qual

“O Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17/12, não tem por finalidade disciplinar e exclui do seu âmbito as transacções comerciais com consumidores, continuando a ser aplicável aos actos de comércio unilaterais, previstos no art.º 99 do Código Comercial, mesmo que o devedor seja consumidor, a taxa aplicável aos créditos comerciais decorrente do art.º 102º, § 3º, do mesmo diploma, ressalvando os casos em que deva concluir-se pela natureza civil do negócio.”

Registe-se que o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Dezembro, prescrevia no seu artigo 2.º: “Âmbito de aplicação

1 - O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais.

2 - São excluídos da sua aplicação:

a) Os contratos celebrados com consumidores;

b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais;

c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.”

3 Cfr. DL 227/2012, de 25 de Outubro. 4

Cfr. Lei 58/2012, de 9 de Novembro, com as modificações veiculadas pela Lei 58/2014, de 25 de Agosto.

(5)

Quer no que tange aos conflitos suscitados no quadro do crédito ao consumidor (crédito pessoal, crédito ao consumo), quer no que se prende com o crédito hipotecário.

Com efeito, o primeiro dos instrumentos, no seu artigo 24, sob a epígrafe “resolução extrajudicial de litígios”, prescreve de forma significativa que

1. “Os Estados-Membros devem assegurar a instauração de procedimentos extrajudiciais adequados e eficazes de resolução dos litígios de consumo relacionados com contratos de crédito, recorrendo, se necessário, a organismos existentes.

2. Os Estados-Membros devem incentivar os referidos organismos a

cooperarem no sentido de também poderem resolver litígios transfronteiriços relacionados com contratos de crédito.”

Portugal traduziu a norma - no passo precedente transcrita -, no artigo 32 do Regime Jurídico do Crédito ao Consumidor (DL 133/2009, de 2 de Junho), do modo que segue:

“Resolução extrajudicial de litígios

1 - A Direcção-Geral do Consumidor e o Banco de Portugal, em coordenação com o Ministério da Justiça, colaboram, no âmbito das respectivas competências, na implementação de mecanismos extrajudiciais adequados e eficazes para a resolução dos litígios de consumo relacionados com contratos de crédito e com o endividamento excessivo de consumidores.

2 - As instituições competentes para a resolução extrajudicial de litígios de consumo relacionados com contratos de crédito devem adoptar políticas de cooperação com as instituições congéneres dos restantes Estados Membros da União Europeia.”

E, conquanto o dispositivo não haja tido, volvido um lustre sobre a entrada em vigor do dispositivo de que se trata, eventual concretização, o facto é que os tribunais arbitrais adstritos aos centros de arbitragem instalados detêm competências, se bem que na órbita da arbitragem voluntária institucional, para dirimir conflitos suscitados no domínio dos serviços financeiros. E, ao que se julga, vêm exercendo tais competências, conquanto pouco expressivos os conflitos suscitados. Claro que o serão em maior número decerto se acaso as instituições de crédito e as sociedades financeiras, sob influxo da autoridade reguladora, aderirem previamente à convenção de arbitragem. Não se ignore que os tribunais arbitrais, em Portugal, sem exclusão dos “necessários” que dirimem conflitos no quadro dos serviços públicos essenciais são estruturas de mão única susceptíveis de serem accionados – só e tão só – pelos consumidores que não pelos fornecedores.

No tocante ao crédito hipotecário, sublinhe-se que a Directiva respectiva (ainda não transposta) propugna soluções análogas. Cfr. o artigo 39 da Directiva n.º 2014/17/UE, de 04 de Fevereiro de 2014, que em tema de “mecanismos de resolução de litígios” prescreve:

(6)

“1. Os Estados-Membros asseguram o estabelecimento de procedimentos adequados e eficazes de reclamação e recurso para a resolução extrajudicial de litígios de consumo com os mutuantes, os intermediários de crédito e os representantes nomeados em relação a contratos de crédito, utilizando as entidades já existentes, se for caso disso. Os Estados-Membros asseguram que esses procedimentos se apliquem aos mutuantes e aos intermediários de crédito e abranjam as actividades dos representantes nomeados.

2. Os Estados-Membros exigem que as entidades responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo cooperem para que os litígios transfronteiriços relacionados com contratos de crédito possam ser resolvidos.”

Sucessivos instrumentos normativos emanados da União Europeia arrancam de análogos princípios e apontam na mesma orientação.

Razão por que a desjudicialização tende a conferir aos órgãos que relevam da administração pública da justiça preponderância neste particular, subtraindo aos tribunais judiciais a apreciação e julgamento dos litígios com o timbre das relações jurídicas de consumo controvertidas.

3. A delimitação do tema: crise financeira, crédito selvagem, crédito malparado e soluções perseguidas pelo ordenamento para acudir a situações de franca hipossuficiência

Curial seria se entrevisse a intervenção que nos cabe como algo de introdutório ao tema que os ilustres prelectores que se nos seguirão se propõem tratar, a saber, o da perspectiva da dação em pagamento e execução hipotecária (e correlato abuso de direito), tanto em terras de Cervantes como de Camões.

Não será, porém, essa a abordagem, tanto mais que a crise financeira se não limitou a um tal segmento, por si só relevante e de uma acuidade extraordinária, mas convoca outros e mais angustiantes problemas que aos consumidores hipervulneráveis e hipossuficientes, sobretudo, se deparam com inusitada aspereza.

A crise financeira que se abateu com particular intensidade sobre Portugal e o resgate que – em decorrência de uma iminente bancarrota – se impôs, ditaram as coordenadas de uma “austera, vil e apagada tristeza” que vem condicionando o quotidiano de cada um e (quase) todos…

O tema que se nos cometeu será, pois, pontuado pela enunciação das causas da crise, de resto, sumárias para impacto tamanho, das suas consequências e da repercussão efectiva na situação do consumidor com relevância na espiral do crédito malparado, do emergente superendividamento e das insolvências que, entretanto, dispararam (e que se projectam nos dias que correm).

(7)

E, em consequência, da resposta, nem sempre oportuna nem sequer ajustada à realidade, do ordenamento pátrio às situações desesperantes que se vivem um pouco por todo o território5.

5

Destaque-se o preâmbulo do DL 227/2012, de 25 de Outubro, assente em asserções como:

“A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.

Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, reflectindo as melhores práticas a nível internacional, promovam aprevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebradoscom consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.

Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), fixando, com base no presente diploma, procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a detecção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o referido incumprimento.

Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.

Prevê-se, ainda, que, caso o PERSI não termine com um acordo entre as partes, o cliente bancário que solicite a intervenção do Mediador do Crédito ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 144/2009, de 17 de Junho, possa, em determinadas circunstâncias, manter as garantias de que beneficiou durante o PERSI. A mediação neste âmbito reger-se-á pelo referido diploma legal que regula a actividade do Mediador do Crédito.

Salienta-se, no entanto, que, atentas as assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito, a eficaz implementação das medidas previstas neste diploma depende da criação de uma rede que apoie os consumidores em dificuldades financeiras, nomeadamente através da prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito. Por forma a contribuir para esse objectivo, estabelece-se no presente diploma uma rede de apoio a consumidores no âmbito da prevenção do incumprimento e da regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito, destinada a informar, aconselhar e acompanhar os consumidores que se encontrem em risco de incumprir as obrigações decorrentes de contratos de crédito celebrados com uma instituição de crédito ou que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento dessas obrigações. Esta rede de apoio deve ser composta por pessoas colectivas, de direito público ou privado, que preencham as condições de acesso previstas neste diploma e que sejam reconhecidas pela Direcção-Geral do Consumidor para o efeito, após parecer do Banco de Portugal, promovendo-se dessa forma a criação de uma rede com ampla cobertura territorial. Assegura-se, ainda, que o recurso à mesma é isento de encargos para os consumidores, eliminando-se assim eventuais obstáculos de acesso à rede que ora se pretende ver criada.

O presente diploma visa, assim, promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a actuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.”

(8)

. em matéria de informação para os serviços financeiros, como de

. educação financeira em vista da atenuação dos preocupantes índices de iliteracia financeira que se registam entre nós, como se tem por líquido

. a criação da figura do Mediador do Crédito, ainda em 2009

. no regime jurídico do crédito ao consumidor, em decorrência de uma directiva europeia de 2008, de molde a superar-se

. no alargamento – e dos períodos de carência – do horizonte do crédito imobiliário, que, numa das vertentes, se projectou por meia centena de anos com os encargos daí advenientes e a sujeição dos mutuários a uma situação quase-servil, se não mesmo de um esclavagismo fora de contexto

. na garantia dos depósitos ante a quebra iminente de instituições financeiras que desfrutem de condições de menor estabilidade

. na constituição de uma rede extrajudicial de apoio ao consumidor endividado

. na criação em cada uma das instituições financeiras de um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI)

. na instituição de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), subtraindo-se destarte a apreciação de situações quejandas à judicatura

. na criação de um Regime Extraordinário de Protecção dos Devedores de Crédito à Habitação que se encontrem em Situação Económica Muito Difícil, diploma falho por desajustado da realidade, que houve que reformular, após o insucesso por que se saldou, em Agosto do ano em curso (2014)

. no estabelecimento de salvaguardas dos mutuários do crédito à habitação . …

Eis, pois, os domínios que balizam a intervenção que segue.

II

A CRISE FINANCEIRA 1. Causas da crise financeira

As causas da crise financeira poder-se-ão perfilar brevitatis causa como segue:

a. Endividamento público excessivo, de países com debilidades patentes, v.g., como os do sul da Europa (Portugal, Espanha, Itália, Grécia) e, noutro quadrante, a Irlanda.

b. Ausência de coordenação política da União Europeia em ordem à resolução do

excessivo endividamento público dos Estados-membros, nos antípodas da solidariedade inter-institucional que mister seria se edificasse mercê da essência própria do bloco político, económico e social destarte arquitectado.

Nem se nos afigura de desenvolver os pontos em destaque que constituem o eixo fulcral da situação que se abateu sobre o país com a corte de consequências, aliás, de

(9)

extrema gravidade na esfera própria dos cidadãos-consumidores confrontados com o inopinado quadro que a todos se deparou.

2. Consequências da crise

Em decorrência de factores como os enunciados, os efeitos imediatos que refulgem e emergem traduzem-se em:

a. Evasão de capitais de investimento (debandada dos investidores)

b. Rarefacção de recursos em ordem a prover os processos de concessão de crédito

c. Agravamento das situações de insolvência de sociedades mercantis de maior ou menor talhe

d. Espiral de desemprego como consequência imediata ou de reajustamentos do

tecido empresarial

e. Reacção popular, por vezes a roçar violência extreme, pelas medidas de compressão e austeridade encetadas pelos Estados-membros em ordem à contenção da crise e ao reequilíbrio das contas públicas

f. Redução dos ratings (pelas agências de valoração de risco) das nações e das instituições de crédito dos Estados de todo envolvidos na crise

g. Precipitação ou reduzido crescimento do PIB dos Estados-membros da União Europeia em função do arrefecimento da economia dos países do bloco.

h. Contágio da crise a países outros com relações comerciais com a União Europeia. A crise é susceptível de degenerar – e degenera em regra - em recessão económica global.

3. Repercussões na esfera dos consumidores intra muros

Na esfera própria dos consumidores, em si mesmos factores de desenvolvimento e expansão dos mercados e, a jusante, do mercado de consumo, as repercussões imediatas exprimem-se como segue, fruto da quotidiana experiência que ao longo do triénio se foi sedimentando:

3.1. Drástica redução dos rendimentos do trabalho

3.2. Substancial afectação das pensões de aposentados e reformados com uma enorme frustração não só de expectativas fundadas como de direitos que se haviam acastelado na esfera própria de cada um e de todos e em parcelas do seu património atingidas pelo maremoto da crise

3.3. Surpreendente agravamento de impostos e taxas a todos os níveis 3.4. Espiral recessiva

3.5. Preços de produtos e serviços essenciais a disparar a se ou em razão dos gravosos impostos que sobre eles passaram a recair (o paradoxo de sobre a energia eléctrica impender um imposto de análoga expressão nominal da de produtos sumptuários…)

3.6. Actualização regular de preços de tais produtos e serviços em percentagens superiores aos índices de preços no consumidor com reflexos no empobrecimento geral, tanto mais que as remunerações do trabalho se acham há anos congeladas 3.7. Brutal agravamento das rendas de casa em consequência da denominada Lei das Rendas (rectius: do Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano assente numa

(10)

brutal irracionalidade que escapa à percepção dos pretensos “responsáveis” políticos) menos ponderada e, a um tempo, injusta para locadores, em certos termos, e locatários, em extensão e profundidade.

3.8. Vertiginosa ascensão dos índices de pobreza com uma dorida expressão sobre as crianças, como se vem realçando, aliás.

3.9. Ausência de uma concorrência salutar em segmentos relevantes do mercado de consumo (combustíveis, electricidade, serviços postais, em determinadas vertentes das comunicações electrónicas, conceito abrangente que vai para além do serviço fixo e do móvel…)

3.10. Explosão dos índices de desemprego (ou da precariedade no emprego…)

3.11. Clamorosa redução das prestações sociais (no quantum e no quando) em termos de equidade

3.12. Agravamento das condições de acesso à saúde, à educação, aos serviços públicos essenciais (em que os viários se situam, fora de catálogo, porém) com as consequências ruinosas para a qualidade de vida de cada um e todos.

3.13. Agravamento das situações de hipossuficiência e hipervulnerabilidade dos consumidores (com a destruição maciça da classe média) que atrai exponencialmente as fraudes: recrudescem as situações de artifícios e embustes com reflexos na magra bolsa das vítimas: pirâmides financeiras, produtos explorados em esquemas multinível, produtos de férias, audiotexto, serviços de valor acrescentado, pretensos passatempos das televisões para públicos-alvo economicamente débeis, à margem de princípios éticos e deontológicos elementares… que se denegam e proscrevem.

3.14. Explosão das insolvências de particulares, de forma inusitada e em contraponto com o que até então se registara. Et pour cause…

3.15. O assédio e a influência indevida em produtos financeiros para que são atraídos os consumidores (o caso dos cheques de Natal não encomendados nem solicitados e que não constituem o resultado de quaisquer contratos de serviços financeiros validamente celebrados…)

3.16. Agravamento das condições de acesso aos serviços financeiros, com comissões exacerbadas e injustificadas, etc.

3.17. O sucesso fácil das sociedades financeiras à custa dos incautos e dos consumidores economicamente débeis, pecúlio nada desprezível ante o risco do negócio em condições de normalidade…

3.18. A captura dos reguladores pelos regulados e o que daí emerge em termos de desregulação, de arbitrariedades, de prepotências e iniquidades… que se abatem inexoravelmente contra os cidadãos-consumidores.

III

DIREITO DO CONSUMO

FONTE DE TUTELA DO CONSUMIDOR ANTE AS ANOMIAS DO MERCADO FINANCEIRO 1. O quadro factual

1.1. O crédito selvagem: elementos caracterizadores - evidentes perturbações no processo de concessão de crédito

(11)

Se se pretender listar as causas que subjazem a um processo de concessão de crédito nos antípodas do que o ordenamento jurídico ora prescreve, poderemos captar um amplo lastro de situações desviantes, a saber:

1.1.1. Ausência de supervisão (comportamental)

Deficiente actuação do regulador a permitir que as instituições de crédito e as sociedades financeiras agissem a seu bel talante sem eventuais barreiras ou constrangimentos, deixando a mão livre a mediadores e dadores de crédito pouco escrupulosos.

1.1.2. Publicidade Ilícita (ante os padrões do Código da Publicidade)

Da comunicação comercial enganosa a práticas não menos falaciosas, a tudo se assistiu impunemente, sem uma reacção das entidades a que cumpriria pôr cobro a esse rol de enormidades que afectaram decisivamente a bolsa e a vida dos consumidores, v. g.:

• mensagens eivadas, penetradas de artifícios, sugestões e embustes susceptíveis de enredar os consumidores

• logros nos juros anunciados • embustes nas taxas nominais

• equívocos no cálculo dos sucessivos encargos (que se ocultavam)

• valores expressos nas mensagens inferiores aos reais, opostos ulteriormente às vítimas, sem que às suas imprecações fossem dados ouvidos pela pretensa regulação. E os exemplos avultam sem que as autoridades públicas ousassem, ao tempo, intervir, porque as instituições financeiras desfrutavam de uma aura de intangibilidade, como se ungidas houvessem sido, ancoradas em superlativa probidade que a ninguém seria lícito afrontar, em acto de fé sem paralelo.

E as consequências quer da publicidade ilícita, quer de estratégias mercadológicas outras cabíveis no conceito de comunicação comercial, traduziram-se na vinculação de consumidores a contratos de crédito que, em condições de franca normalidade, jamais se subscreveriam.

E a responsabilidade não poderá ser assacada por inteiro aos consumidores atraídos por tais artifícios, sugestões e embustes para negócios de características ruinosas. 1.1.3. Práticas Negociais Desleais

Práticas, a um tempo, enganosas e agressivas.

Práticas enganosas na esteira da publicidade com análogo timbre.

Práticas agressivas não só em resultado do assédio como da influência indevida exercida pelos gestores de conta que enredam, quantas vezes, os consumidores em tramas de toda a ordem.

O assédio quer na remessa de cheques de desconto imediato montantes apreciáveis como na subscrição de determinados produtos financeiros sem adequada informação acerca dos riscos e do mais.

Influência indevida através da posição de ascendência assumida em ordem à novação de empréstimos e de operações outras, aparentemente mais favoráveis, mas, em

(12)

suma, muito mais gravosas e propiciadores de endividamento acrescido, não controlado pelo consumidor.

Para além do estímulo à consolidação dos créditos (de distintas proveniências) com um agravamento substancial dos montantes devidos a final, uma vez mais em detrimento dos interesses económicos dos consumidores.

1.1.4. Manifesta ausência de probidade de mediadores de crédito

Por mediadores de crédito se entende, neste passo, os intermediários, tal como o conceitua a Lei do Crédito ao Consumidor: “a pessoa, singular ou colectiva, que não actue na qualidade de credor e que, no exercício da sua actividade comercial ou profissional e contra remuneração pecuniária ou outra vantagem económica acordada:

i) Apresenta ou propõe contratos de crédito a consumidores;

ii) Presta assistência a consumidores relativa a actos preparatórios de contratos de crédito diferentes dos referidos na subalínea anterior; ou

iii) Celebra contratos de crédito com consumidores em nome do credor.”

Os “mediadores de crédito” porque impreparados, outro propósito não tinham do que oferecer produtos (ou quiçá, serviços) recobertos por um qualquer crédito, omitindo, as mais das vezes, que os consumidores celebrariam contratos do jaez destes, dissimulando os contratos de crédito por entre as folhas dos contratos de compra e venda.

Procedimento simples, aparentemente inocente, mas que provoca perturbações de tomo.

Há quem entenda que está celebrar um contrato de compra e venda a prestações pela força própria do cocontraente, mas o que está é a celebrar um contrato de crédito sem disso se aperceber porque assina as folhas sequencialmente, sendo que as que se acham no topo são as da compra e venda e, o mais, é a eito…

1.1.5. Contratos dissimulados feridos de nulidade, ainda que sob a óptica da Lei de 1991

Valem, a este propósito, as considerações expendidas no passo antecedente, com particular relevância para a dispensa do direito de desistência ou retractação a que se reportava o artigo 8.º do revogado DL 359/91, de 21 de Setembro, que de todo escapava ao consumidor, que podia prescindir de tal direito se acaso a entrega do bem se processasse no acto de celebração do contrato. E tal sucedia sistematicamente, ainda que a entrega da coisa não ocorresse.

Eis o teor da invocada disposição:

Artigo 8.º Período de reflexão

1 - Com excepção dos casos previstos no n.º 5, a declaração negocial do consumidor relativa à celebração de um contrato de crédito só se torna eficaz se o consumidor não a revogar, em declaração enviada ao credor por carta registada com aviso de recepção e expedida no prazo de sete dias úteis a contar da assinatura do contrato, ou em declaração notificada ao credor, por qualquer outro meio, no mesmo prazo.

2 - A fim de facilitar o exercício do direito de revogação previsto no presente artigo, é anexado ao contrato de crédito um formulário da declaração de revogação, a subscrever, se for caso disso, pelo consumidor.

(13)

3 - A revogação efectuada nos termos do n.º 1 não envolve qualquer encargo ou obrigação para o consumidor, tendo este o direito à restituição de qualquer quantia que tenha pago, depois de deduzidas as importâncias desembolsadas pelo credor a título de impostos. 4 - O cumprimento do contrato de crédito por parte do credor e a entrega, por parte do vendedor, do bem objecto do respectivo financiamento, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º, não são exigíveis enquanto se não tornar eficaz a declaração negocial do consumidor. 5 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, pode o consumidor, em caso de entrega imediata do bem, renunciar, através de declaração separada e exclusiva para o efeito, ao exercício do direito de revogação previsto no presente artigo.”

Embustes destes eram frequentes, como quem detém o domínio da realidade o não ignora.

E, no entanto…

1.1.6. Contratos coligados à margem da lei (contratos acessórios alvo de imposição irremovível…)

Em tese geral, os contratos ligados (casados… se diz no Brasil) proíbe-os a lei.

Não se ignore que a LDC – Lei de Defesa do Consumidor – prescreve no n.º 6 do seu artigo 9.º:

“É vedado ao fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros.”

A despeito, tal constituía prática usual das instituições de crédito e das sociedades financeiras que se não arredavam perante fosse o que fosse, com a complacência do regulador.

Não seria sequer necessário que lei especial o prevenisse, como agora ocorre, para se considerar vedada uma tal prática6.

Em geral, os produtos associados apresentavam preços mais elevados que os das instituições concorrentes, o que revela à exaustão de que forma se preclude o consentimento do consumidor, na circunstância, e do seu direito de escolha.

1.1.7. Preclusão dos deveres de comunicação e informação dos dadores de crédito e seus intermediários tanto na fase pré-contratual como na da conclusão do contrato Celebração de contratos pré-redigidos, ao estilo habitual, sem que as cláusulas sejam objecto de comunicação, tão pouco de informação. Como prática corrente.

1.1.8. Juros e demais encargos insindicáveis (ao celebrar-se o contrato ninguém, mas ninguém ficaria a saber o preço do dinheiro)7.

6 O artigo 29 da LCC - Lei do Crédito ao Consumidor – DL 133/2009, de 2 de Junho, prescreve, na esteira

do n.º 6 do artigo 9.º da LDC - Lei de Defesa do Consumidor - o que segue, sob a epígrafe “vendas associadas”:

“Às instituições de crédito está vedado fazer depender a celebração dos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, bem como a respectiva renegociação, da aquisição de outros produtos ou serviços financeiros.”

7O Jornal EL PAIS, publicado em Madrid, na sua edição digital de 27 de Dezembro de 2014, em artigo

(14)

“Las empresas de préstamos instantáneos no están controladas por el Banco de España Ofrecen liquidez a cambio de intereses que pueden superar el 4.000%”,

adverte para empréstimos celerados, instantâneos que atingem intereses vultuosos, como segue: “Tienen lemas como “pim, pam, pasta”, “lo quieres, lo tienes”, o “anticipa tu nómina”.

Ofrecen dinero de forma casi inmediata: en un tiempo récord de 15 minutos pueden llegar a valorar una solicitud online que solo necesita de una serie de sencillos pasos. Son los minipréstamos, préstamos rápidos o e-créditos, una forma de recibir entre 50 y 750 euros para pequeños gastos, que se pueden conseguir a través de las decenas de prestamistas que inundan de anuncios los medios de comunicación. Una cuenta bancaria, un teléfono móvil y el DNI pueden ser suficientes para conseguir esa liquidez. A cambio, siempre, de pagar intereses de no menos de un 2.000% o hasta de un 4.000% o más en un momento en que el Banco Central Europeo facilita a los bancos dinero al 0,05%. Hay cientos de ejemplos: la web Via SMS ofrece 600 euros a devolver en 20 días con un 4494% TAE (tasa que revela el coste o rendimiento efectivo de un producto financiero, y que incluye el interés y los gastos y comisiones bancarias). El consumidor, en el mejor de los casos, acaba abonando 740 euros si no se retrasa. Al otro lado del teléfono, el contestador de Krédito24, otra de las empresas más populares, informa de qué ocurre cuando el cliente tarda un día más de lo estipulado en abonar la cuota: “La comisión por impago es del 20% del importe principal del préstamo”. Si el retraso es de seis días la comisión sube al 25%, y así hasta un 45% más si el usuario supera los 15 días.

Québueno, Vivus, Préstamo10, Cashper, Wonga, Crédito Móvil, Dispón, PepeDinero o Contante son algunas de las empresas de este floreciente negocio que no están sometidas a las mismas normas que se exigen a los bancos y cajas de ahorro y, por tanto, no figuran en ningún registro del Banco de España, según confirma la propia institución. Las web que prestan un máximo de 200 euros ni siquiera necesitan cumplir a la ley 16/2011 que regula los contratos de crédito al consumo y que obliga a facilitar al cliente una información clara sobre el producto y las condiciones de devolución. Muchas de las disposiciones de esa norma tampoco atañen a estos intermediarios a menos que presten más de 75.000 euros, ni a los que facilitan contratos en forma de “facilidad de descubierto” (operaciones en las que se prestan fondos que superan el saldo en la cuenta a la vista del consumidor) y que tengan que reembolsarse en un mes. Un completo informe que acaba de publicar la asociación de consumidores Adicae alerta de que la publicidad de los minipréstamos “no es nada clara y la mayoría de las veces está incompleta”, principalmente en los servicios anexos y en los costes. “Los términos no aparecen, se destacan las típicas frases de que se puede pagar en cómodas mensualidades, pero en ningún caso se indica claramente el coste final del crédito”. Adicae también encontró “condiciones usurarias” y productos vinculados, como seguros, colocados mediante cláusulas que incrementan considerablemente el coste del préstamo de forma opaca. Otra de sus técnicas es cobrar por la llamada a una centralita que, muchas veces, deja al cliente esperando (la mayoría utiliza teléfonos 902 y en algunos casos ofrecen la posibilidad de utilizar líneas más caras para un “trato preferente” que evita esperas).

El ratio de morosidad de estas empresas es un misterio, como también lo es el dinero que mueven. Un portavoz de Wonga, por ejemplo, asegura que no puede dar esa información aunque aclara que rechazan el 80% de las peticiones. “No obstante, la compañía fomenta una política de préstamos responsable y es por ello que promueve la devolución del dinero antes de la fecha de vencimiento. Un 39% de los clientes devuelve su préstamo antes de tiempo”. Wonga, como la mayoría, sólo solicita que el usuario certifique que es mayor de edad, residente en España y que tenga una cuenta bancaria y una tarjeta de débito asociada a esa cuenta.

Algunas empresas, como Zaimo o Microcrédito Garantizado, incluso aceptan clientes entre personas que están en registros de morosos (Asnef, Rai). Otras, como OK Money, limitan sus servicios a menores de 65 años. En algunos casos los prestamistas ofrecen la posibilidad de dejar en garantía la casa, el coche o artículos de alta tecnología. Un enorme peligro, según alertan Adicae, “porque la compañía puede iniciar un procedimiento de embargo sobre el bien que garantiza el crédito, cuyo valor puede ser muy superior a la cantidad adeudada”. En la OCU añaden que las condiciones de estas empresas “son absolutamente desaconsejables”.

¿Qué pasa cuando no se paga? El proceso varía de un prestamista a otro. Lo explica un portavoz del comparador HelpMyCash. “Algunos minicréditos permiten solicitar prórrogas que suelen tener una duración de entre unos pocos días hasta un mes. El precio de las prórrogas varía; en cualquier caso, el prestamista debe facilitarle las tarifas al cliente antes de la firma del préstamo”. A veces las compañías recurren a otras empresas de cobro. Una de ellas es Intrum Justitia. “Conseguimos altas tasas de éxito

(15)

Os consumidores, mercê de estratégias menos transparentes, ignoram em regra o preço do dinheiro.

Não há simulações. Os juros não conferem. “Esconde-se” os mais encargos que pesam sobre a taxa efectiva global..

.

Perturba-se o consumidor com as designações técnicas que parecem ser de uso corrente, mas que o interessado mal domina, ignorando de todo o seu sentido e alcance: TAEG, TAB, TAN, TNF, CTCC, MTC…

Tal parece ser deliberado, já que o obscurantismo serve à maravilha objectivos decerto menos transparentes das entidades que tiram vantagens de procedimentos do estilo. E, no entanto, clama-se por “literacia financeira”, algo que nem de candeia acesa se consegue vislumbrar no seio da turba multa…

1.1.9. Vantagens acrescidas auferidas pelos dadores de crédito em caso de inadimplemento dos devedores em razão do anatocismo mercê de dilatados lapsos de prescrição das dívidas

A ausência de curtos prazos de prescrição, à semelhança do que ocorre noutras circunstâncias, permite se confiram vantagens desmarcadas aos credores relapsos que se prevalecem do mero decurso do tempo para avolumarem réditos.

E diz-se “credores relapsos” com propriedade porque em lugar de notificarem os consumidores quando os sinais de incumprimento se consolidam permitem que as coisas se protelem no tempo com gravame para os hipossuficientes.

1.1.10. Perturbantes as decisões dos tribunais sempre que cedem perante o falacioso argumento de abuso do direito ao arguirem os consumidores lesados a nulidade dos contratos de crédito.

Cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de Setembro de 2008 que envereda estranhamente pela absurda concepção do “abuso de direito” in casu, quantas vezes repetida à exaustão tanto pelas instâncias quanto pelo Supremo Tribunal de Justiça:

en la recuperación amistosa. Muchas veces se ofrecen planes de pago ajustados a la capacidad del cliente”. Niegan acosar a los morosos. “A nadie le gusta que le reclamen deudas, de ahí que haya algunos comentarios de personas ofendidas. Pero en general la mayoría tienen la voluntad de devolver los préstamos”.

Si la empresa de cobro falla el siguiente paso sería incluir al deudor en un registro de morosos, siempre que la deuda tenga una antigüedad de un mes. En última instancia el confiado cliente que había pedido unos cuantos cientos de euros termina en los juzgados.

Para Joaquín Yvancos, abogado del despacho Yvancos, estas empresas que no están sujetas a regulación bancaria son expertas en arruinar a sus clientes. “Cuando uno se da cuenta, la deuda se ha multiplicado. Utilizan técnicas coercitivas para cobrar y al final los familiares con dinero acaban rescatando al deudor. Con el agravante de que suelen ser personas que lo están pasando mal y que pueden, en algunos casos, llegar a quedarse sin sus propiedades”.

Una web advierte: “A diferencia de otras financieras nosotros no te aconsejaremos hacer pequeños pagos que nunca cancelan la deuda. Así que, por favor, piénsatelo bien antes de solicitar el préstamo porque tendrás que devolverlo en el plazo convenido”.

(16)

I - O contrato de crédito ao consumo é válido, desde que reduzido a escrito com a assinatura dos contraentes - art.º 6.º do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro. II - No caso em apreço uma vez que os contratos não foram assinados pelos AA. enfermam de nulidade.

III - A consequência da nulidade é a repristinação das partes ao statuo quo ante por força do art. 289.º, n.º 1, do CC – ou seja – declarada a nulidade, in casu, os AA. devolveriam ao Réu as quantias que lhes foram concedidas pelo financiamento que podemos qualificar como um contrato de mútuo.

IV - Provado que no caso, o resultado do agir ilícito da Ré não se deveu apenas à sua actuação enquanto gerente do Banco réu, sem dúvida funcionalmente abusiva; mas tal “resultado” não seria possível sem a consciente cooperação dos AA, a censura que é possível fazer aos AA. não se mostra compatível com a responsabilidade objectiva que poderia ser assacada ao Banco, que assim fica excluída.

V - A pretensão dos AA. exprime abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, porquanto o que agora almejam – a declaração de nulidade dos contratos e a sua irresponsabilização – não é compaginável como o seu comportamento, sem o qual não seria possível a actuação censurável da Ré com a qual compactuaram.”

A factualidade envolvente, aliás, do domínio público, parece ser patentemente ignorada numa perspectiva do direito que, ao que se afigura, não toma em devida conta os desequilíbrios subsistentes e os ínvios processos negociais adoptados…

No entanto, ainda que de algo de raro se trate, decisões há que de todo denegam o invocado e falacioso “abuso de direito”, como segue:

(acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2007) “…

VI) Quanto à ponderação de abuso do direito por parte do consumidor que invoca vícios do contrato, após o início da sua execução, o Tribunal deve actuar com particular prudência, já que, na relação de financiamento à aquisição de bens de consumo, é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a entidade financiadora da aquisição, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa-fé. VII) Se assim tiver acontecido, não deve ser paralisado o direito do consumidor.” 1.2. O crédito mal parado

Remonta a 1971 o regime das vendas a prestações de bens de consumo.

O escopo do normativo (o DL 490/71, de 10 de Novembro, reformulado pelo DL 451/75, de 21 de Agosto), na sua meridiana clareza, era o de

. garantir os direitos dos consumidores, designadamente através da sujeição de tais operações a regras contratuais precisas e à prestação de informação adequada sobre o custo total do crédito envolvido;

(17)

. prover ao controlo da inflação reflectida no índice de preços no consumidor, moderando a procura, através da imposição de um desembolso inicial mínimo e de prazos máximos para pagamento da totalidade das prestações.

Em 1979, em fase ainda de não explosão do consumo, o DL 457/79, de 21 de Novembro, reflecte em absoluto tais objectivos.

O quadro dos bens de consumo acessíveis através do regime de vendas a prestações comportava restrições significativas, não sendo lícito o recurso a tal regime se se pretendesse, por hipótese, modelo superior ao estabelecido: os automóveis, por exemplo, não poderiam exceder os 1200 c.c. de cilindrada.

E, consoante a natureza dos bens, o número limite de prestações variava, mas a lapsos contidos, apertados no tempo.

A abertura, dir-se-ia, incondicionada aos mercados de serviços financeiros só se operou em 1992, em distinto enquadramento, com a publicação Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, que transpôs para o direito interno as Directivas do Conselho n.ºs 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986, e 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990.

Conquanto, mercê de reverberável omissão do legislador, o DL 457/79, de 21 de Novembro, dada a sua imprestabilidade manifesta, só em 1994 viesse a ser revogado. E, como se sustentara no preâmbulo do DL 63/94, de 28 de Fevereiro, “com a consolidação crescente do processo de desinflação e a liberalização plena dos movimentos de capitais, ocorrida nos finais de 1992, as restrições ao regime de vendas a prestações deixaram de proporcionar um benefício macroeconómico, podendo até criar incentivos microeconómicos indesejáveis”.

E daí a corrida ao crédito ao consumo com um regime aparentemente protectivo, no geral ignorado, e com clamorosas falhas que a jurisprudência em geral não soube colmatar.

O crédito selvagem, tal como o caracterizamos, teve, anos mais tarde, o seu marco decisivo.

De par com as vendas as prestações, proliferaram os contratos de compras em grupo que visavam exactamente superar as limitações de regime, num sistema híbrido, contributivo, de base aparentemente cooperativa – o DL 393/87, de 31 de Dezembro, mais tarde reformado pelo DL 237/91, de 2 de Julho – e que feneceu com o crescendo do acesso indiscriminado ao crédito.

Registe-se como inovador o acórdão da Relação de Lisboa 2 de Outubro de 1997 (nota, relatado por Luís Noronha Nascimento8 que - face a um mútuo em vista da aquisição

8Eis um fragmento do corpo do enunciado acórdão:

“… 0 que se passou no caso dos autos foi, esquematicamente, o seguinte: a embargante Laura quis comprar um carro dirigindo-se a um stand; porque não tinha dinheiro para o pagar a pronto, o stand encaminhou-a para a Unifina que lhe concedia crédito através de um mútuo; a Unifina e o stand costumavam trabalhar, assim, em "conjunto" já que o stand angariava para a Unifina os clientes que o procuravam para a compra de veículo; com o empréstimo concedido, a Laura comprou o veículo pagando-o; o veículo nunca lhe foi entregue; a Unifina e o stand "Artecar" tinham pleno conhecimento de que as coisas se passavam assim (ou seja, o mútuo era dado para a compra, e o vendedor angariava clientes para o mutuante) já que todo este esquema negocial girava a volta das suas actividades comerciais.

O que aqui temos são dois contratos coligados.

(18)

a sua autonomia estrutural - se encontram conexionados funcionalmente, a ponto de um condicionar o outro, de um dominar e hegemonizar ambos ou de outros se condicionarem reciprocamente.

Com a coligação de contratos, o regime jurídico que lhes é aplicável altera-se: ou há uma alteração do regime de ambos os contratos ou o regime do contrato dominante estende-se ao contrato dominado. Quando estamos num caso de relação de dependência (um dos negócios condiciona totalmente ou hegemoniza o outro), o regime do dominante aplica-se ao negócio dominado; quando os contratos se condicionam numa situação de paridade recíproca, o regime legal de ambos comprime-se em função dessa reciprocidade igualitária.

A coligação de contratos nada tem, pois, que ver com a cumulação (ou junção) de contratos ou com os contratos mistos.

Na cumulação de contratos o que nos aparece e a junção de vários negócios no mesmo acto ou documento sem que, entre aqueles, haja qualquer nexo intrínseco; no contrato misto, há um só contrato que se compõe de elementos parciais de contratos diferentes (cfr. Antunes Varela, "Das Obrigações em geral", I vol., 2ª ed., págs. 224 e segs.). Na coligação contratual, o nexo funcional que dá cor local é o elemento distintivo que nos permite caracterizar o instituto; e é esse nexo - existente no caso dos autos - que nos mostra que estamos em presença de contratos coligados.

Efectivamente, o que se sucedeu foi que - com o acordo e conhecimento tácito de todos - a Laura contraiu um empréstimo para comprar um automóvel. Mas contraiu o empréstimo numa empresa que ela não conhecia, que lhe foi indicada e "apresentada" pelo stand-vendedor que agia e actuava como angariador da empresa mutuante.

Os nexos funcionais entre os dois contratos surgem-nos reforçados pelo nexo funcional entre a actividade das duas empresas o "stand" angariava gente à Unifina para que esta "emprestasse" dinheiro e na sequência disso o mutuário ia adquirir o veículo ao "stand". O relacionamento comercial entre stand e Unifina - com aquele a angariar clientela a este - era o substrato económico que vai depois pôr de pé o nexo funcional entre o mútuo e a compra e venda.

Por isso o stand sabe que só pode vender se a UNIFINA "empresta" dinheiro, e esta sabe que só consegue mutuar (tendo lucro com isso) se o stand vender; a ligação que isto implica com as relações privilegiadas de angariação, mútuo e venda, traduz e incorpora o nexo entre os contratos que daí emergem.

É óbvio que nem todo o mútuo seguido de compra e venda integra uma coligação de contratos. Mas o caso dos autos foge à regra comum; aqui, temos, por detrás, toda uma actividade económica que põe a nu aquela funcionalidade entre a existência e a vida negocial dos contratos outorgados.

No caso que nos ocupa, os contratos estão numa relação de paridade: a Laura contrai empréstimo para comprar carro e só o compra se lhe "derem" empréstimo. E isto é sabido por ela, pelo mutuário e pelo vendedor que se relacionam entre si.

Daí que os contratos coligados se condicionem entre si recíproca e paritariamente, a ponto de os seus regimes jurídicos se condicionarem e comprimirem também reciprocamente.

Posto isto, há que perguntar: o incumprimento da Laura é legítimo? A resposta não pode deixar de ser afirmativa.

Repare-se que a embargante contrai um mútuo a prestações. Com a coligação contratual, passa a haver um conjunto de obrigações sinalagmáticas coligadas; e um delas e a entrega do carro de que a Laura devia beneficiar no decurso do prazo do pagamento das prestações do mútuo.

O carro nunca lhe foi entregue; a Laura suspende o pagamento das prestações.

O que aqui temos é um excepção de não cumprimento do contrato arguida e usada pela Laura (art.°s 428 e segs.).

Nos contratos bilaterais e nos contratos coligados bilaterais (quando não há condicionamento total de um pelo outro) o contraente pode "suspender" o cumprimento da sua prestação enquanto a outra parte não cumprir.

O laço de interdependência que há nas obrigações sinalagmáticas justifica isto: um devedor cumpre se e quando o outro devedor cumprir perante si.

A excepção de não cumprimento é uma excepção dilatória de direito material (cfr. Ac. S.T.J. Bol. 300, p. 364); ou seja, a parte não cumpre enquanto a contraparte não cumprir.

Não há, pois, nela, uma causa de extinção da obrigação; há, sim, uma causa de suspensão temporária da obrigação que funciona enquanto a outra parte não se dispuser a cumprir.

Para que a excepção funcione é essencial que as obrigações tenham prazo de cumprimento igual (art.° 428) ou (por força da interpretação extensiva da norma) que o excipiente seja o último a cumprir pois

(19)

de um veículo automóvel que o vendedor jamais entregara à consumidora e ante a execução das letras que titulavam o crédito – deu como fundada a exceptio non adimpleti contractus, uma vez que a concessão do crédito era incindível da compra e venda da viatura, sendo que a sorte de um dos contratos estaria indissoluvelmente ligada à do outro. E daí que não haja procedido, em sede de apelação, a tese da sociedade financeira que reclamara em execução os montantes pretensamente em dívida.

Decisão que, na altura própria, saudáramos como efectivamente criativa, ao invés do que ocorreu em inúmeras outras hipóteses.

O endividamento das famílias cresceu, entre nós, de forma particularmente acentuada ao longo da década de 90 do século transacto: de 18,0% do rendimento disponível em Dezembro de 1990 atingiu os 88,4% em finais de 2000.

A explosão do crédito ao consumo na década de 90, em particular depois da abertura operada em 1991, altura em que Portugal transpôs para o ordenamento jurídico interno o regime plasmado nas Directivas do Conselho de 1986 e de 1990, ocorreu de forma relativamente célere, por contraposição com o período anterior em que o acesso ao crédito, mediante a compra e venda a prestações, registava valores francamente moderados e com restrições assinaláveis.

A modificação dos padrões culturais, a queda das taxas de juro, o aumento do rendimento disponível, a contenção dos índices de desemprego e a oferta desenfreada e irracional do crédito permitiram a sua veloz expansão.

Em 2001 o rácio de endividamento situar-se-ia cerca dos 93% com fortes perspectivas de agravamento.

Em 2007 a taxa de endividamento passou para 130,0%, evolução que se operou essencialmente pela explosão do crédito à habitação.

A crise fez precipitar sobretudo o crédito malparado, avolumando os índices de superendividamento que afecta os consumidores com contratos de crédito ao consumo, mas de forma mais impressiva os que deixaram de honrar, por razões compreensíveis, os compromissos assumidos no âmbito do crédito à habitação.

que nessa altura ele sabe se a outra parte já cumpriu ou não (cfr. Vaz Serra, Bol. 67, págs. 17 e seg.; Acs. S.T.J. Bol. 293, p. 365; Bol. 342, p. 355).

Foi, aliás, o que sucedeu nos autos: a mutuária Laura, última a pagar prestações, deixou de cumprir depois de se certificar que o veículo jamais lhe era entregue.

Nesta acção, o incumprimento da outra parte no contrato coligado de compra e venda está mais que provado.

Mas a Laura - invocando a excepção - não tinha que a comprovar; teria que ser a parte contrária a provar que tinha cumprido a sua prestação para, desse modo, obviar à eficácia da excepção.

Na verdade, quando a excepção do não cumprimento é arguida pelo devedor, o ónus de prova indexa-se ao credor; este é que tem que demonstrar que já cumpriu ou então que o indexa-seu prazo de cumprimento era posterior (cfr. Antunes Varela, "Das Obrigações em geral", 2ª ed. I vol. pág. 282, nota 3 em rodapé; Vaz Serra, Bol. 67, p. 50-51; Ac. S.T.J. - Bol. 378, p 643).

O que resulta do que se disse é evidente: a devedora Laura que não restituiu o dinheiro mutuado, e credora de um automóvel comprado que não lhe foi entregue. Os dois negócios estão coligados; por força daquela excepção a Laura tem a faculdade de não pagar enquanto o veículo lhe não for entregue. Procedem assim, as conclusões das alegações das recorrentes.

Termos em que se julga procedente a apelação, revogando-se a recorrida, e, consequentemente, se julgam procedentes os embargos de executado com o consequente arquivamento da execução.”

(20)

O volume do crédito malparado tem vindo em crescendo, algo que se reveste de notoriedade geral.

E as razões que concorrem para tão preocupante fenómeno lobrigamo-las.

Dados mais recentes, emanados do Banco de Portugal, circunscritos ao segundo semestre de 2014 em curso, oferecem-nos cifras ascendentes:

No início de 2014, o crédito de cobrança duvidosa ultrapassou 4% da globalidade dos empréstimos concedidos e desde então atinge novos máximos todos os meses.

O malparado registado no total do crédito concedido a particulares subiu de 4,21% em Julho para 4,27% em Agosto, perfazendo um acréscimo de 0,06 pontos percentuais. Também os créditos de cobrança duvidosa na habitação em percentagem do total do crédito concedido para uma tal finalidade subiram de 2,43% em Julho para 2,46% em Agosto.

Em matéria de crédito ao consumo, os dados do Banco de Portugal mostram que o malparado voltou a aumentar ligeiramente de 10,92% em Julho para 10,98% em Agosto, depois de ter reduzido 0,07 décimas entre Junho e Julho.

Quanto ao crédito para outros fins, os números do regulador dão conta de que o malparado aumentou de 14,53% para os 14,77% nos dois últimos meses, alcançando também um novo máximo. Os créditos de cobrança duvidosa neste domínio vinham em crescendo desde Dezembro de 2013.

O crédito malparado das famílias de novo em ascensão em Setembro de 2014, atingindo os 5.363 milhões de euros, o equivalente a 4,29% do total do crédito concedido a particulares, segundo dados do Banco de Portugal.

De acordo com o Banco Central, em Setembro, dos 125.034 milhões de euros que as instituições de crédito tinham emprestado às famílias, 5.363 milhões eram considerados créditos de cobrança duvidosa, representando 4,29% do total dos empréstimos.

Comparando com o mês anterior, o total do crédito concedido aos particulares caiu dos 125.499 milhões em Agosto para os 125.034 milhões de euros em Setembro de 2014, mas o crédito malparado subiu dos 5.348 milhões de euros para os 5.363 milhões de euros no mesmo período.

No caso das empresas, o crédito malparado também aumentou em Setembro, tanto em termos homólogos como face ao mês anterior, atingindo os 93.165 milhões de euros, ou seja, 13,88% do total do crédito concedido às empresas.

Há um ano, as empresas tinham créditos no montante total de 100.639 milhões de euros e, destes, 11.995 milhões eram considerados de cobrança duvidosa, o equivalente a 11,91% do total de créditos concedidos.

Numa análise por actividade económica, o crédito concedido a empresas de construção caiu em Setembro, passando dos 16.103 milhões concedidos em Agosto para os 15.971 milhões em Setembro, e os empréstimos às empresas com actividades imobiliárias aumentou ligeiramente para os 12.550 milhões em Setembro.

O crédito malparado aumentou nestas duas actividades económicas, atingindo os 4.404 milhões de euros no caso da construção e os 2.612 milhões de euros no caso das actividades imobiliárias.

Em Outubro, o crédito malparado das famílias correspondia a 4,29% do total do crédito concedido a particulares, representando 5.373 milhões de euros dos 125.034 milhões concedidos.

Referências

Documentos relacionados

Potencialidades e desafios na utilização de coberturas vegetais em condições edafoclimáticas na Amazônia Taxas de liberações diárias de fósforo de resíduos vegetais nos

A primeira a ser estudada é a hipossuficiência econômica. Diversas vezes, há uma dependência econômica do trabalhador em relação ao seu tomador. 170) relata que o empregado

É importante ressaltar que, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional- DPN, existem apenas 58 presídios exclusivamente femininos, a maioria ainda é misto e

O período de redemocratização foi consolidado com a edição da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, instrumento jurídico democrático que restaura a

E, quando se trata de saúde, a falta de informação, a informação incompleta e, em especial, a informação falsa (fake news) pode gerar danos irreparáveis. A informação é

Neste sentido, surge o terceiro setor como meio eficaz de preenchimento da lacuna deixada pelo Estado, tanto no aspecto da educação política quanto no combate à corrupção,

A Sustentabilidade como condição de possibilidade para construir uma Sociedade Fraterna e, como objetivo da Humanidade é uma categoria política e jurídica estratégica que,

Esta dissertação tem como objectivo uma análise crítica sobre a utilização das novas tecnologias de comunicação através da Internet, realçando a importância dos mundos virtuais