• Nenhum resultado encontrado

Considerações sobre o desenvolvimento sustentável relacionado ao patrimônio cultural construído

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Considerações sobre o desenvolvimento sustentável relacionado ao patrimônio cultural construído"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

Considerações sobre o desenvolvimento sustentável relacionado ao patrimônio cultural construído

Natália de Figueirôa Faria Alencar Oliveira Mestranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro natalia.oliveira@fau.ufrj.br

Resumo

O desenvolvimento sustentável busca garantir o usufruto de bens – naturais, construídos, e até imateriais – pelas gerações do presente e do futuro, dentro de um pensamento holístico e sistêmico que visa questões não só quantitativas desse usufruto, mas também qualitativas. Assim, os debates e estudos sobre o tema também se voltam para questões culturais e sociais. Já o conceito de patrimônio cultural consiste no conjunto de bens materiais e imateriais que merecem ser preservados por valorizar a memória e a representação da identidade de diversos grupos sociais. Desse modo, as edificações históricas, como bens a serem usufruídos pelas gerações presente e futuras, necessitam ser analisadas pela ótica da sustentabilidade. Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar a relação entre sustentabilidade e patrimônio cultural construído, assim como apontar questões que possam ser exploradas em edifícios históricos, de modo que contribuam para um desenvolvimento sustentável. Para atingir esse objetivo, foi realizado um processo metodológico de contextualização dos conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, e como eles podem ser compreendidos e aplicados em relação ao patrimônio construído, com destaque para as questões de uso e acessibilidade. Depois, utilizou-se o edifício onde hoje funcionam o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e o Instituto de História (IH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para aproximação da discussão a um exemplo real de construção institucional de grande valor patrimonial cultural. O texto contribui para o entendimento da conservação do patrimônio construído como parte integral da sustentabilidade, e o exame realizado na edificação do IFCS/IH poderá auxiliar outras análises sobre o tema, em prédios com características semelhantes. Palavras-chave: Sustentabilidade. Patrimônio construído. Patrimônio universitário. Acessibilidade.

(2)

1. Introdução

Vive-se em uma época de grande preocupação com o modo como os humanos usufruem do meio ambiente natural, fato que coloca em voga a discussão sobre sustentabilidade. No entanto, a busca pelo desenvolvimento sustentável envolve mais que apenas questões ambientais e suas causas e consequências nas questões econômicas.

Pela ótica da sustentabilidade, tanto os recursos naturais quanto os culturais devem ser encarados como uma herança a ser transmitida no futuro, mas com o usufruto também no momento presente, onde as decisões tomadas têm consequências a longo prazo.

De acordo com Mason (2002), os conceitos sustentáveis constituem um ideal na conservação do patrimônio cultural, onde “O uso dos princípios de sustentabilidade para orientar decisões tão complexas é o estado da arte no campo de conservação ambiental [patrimonial]” (MASON, 2002, p.26, tradução nossa).

O modelo de construção sustentável costuma ser mais comumente aplicado em construções novas, sendo deficiente a aplicação desse campo de conhecimento em edificações existentes, ainda mais em edifícios históricos. Um indício disso pode ser observado na aplicação dos diversos sistemas de certificação de edificações sustentáveis (CABREIRA, BARROSO, TREVISAN, 2009), como por exemplo o sistema americano LEED, o japonês CASBEE e o francês HQE. Tais sistemas priorizam análises e orientações para novas construções.

O presente artigo tem como objetivo analisar a relação entre sustentabilidade e patrimônio cultural construído, assim como apontar questões que possam ser exploradas e trabalhadas em edifícios históricos, de modo que contribuam para um desenvolvimento sustentável.

Para isso, primeiramente foi realizado um procedimento metodológico de contextualização dos conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, e como eles podem ser compreendidos e aplicados em relação ao patrimônio construído. Depois, para aproximação da discussão a um exemplo real, utilizou-se o caso de um

(3)

edifício de valor patrimonial para ajudar a ilustrar as deficiências e potencialidades relacionadas à arquitetura na promoção da sustentabilidade.

Assim, foi escolhida a edificação do início do século XIX, de quatro pavimentos e pátio interno central, onde hoje funcionam o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e o Instituto de História (IH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A construção ocupa um lote inteiro de aproximadamente 4.000m², localizado no Largo de São Francisco de Paula, n. 1, no Centro da cidade do Rio de Janeiro – RJ, região Sudeste do Brasil.

O prédio é tombado em nível federal (definitivo desde 1962) pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em nível estadual (definitivo desde 1989) pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC-RJ), e ainda faz parte da área protegida pela APAC Corredor Cultural (Área de Proteção do Ambiente Cultural, de acordo com a Lei Complementar n.16 de 4 de junho de 1992, da cidade do Rio de Janeiro).

2. A sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável

O conceito de sustentabilidade começa a tomar forma com o surgimento dos movimentos ambientalistas nas décadas de 1960 e 1970. As discussões giravam em torno da preocupação com a degradação ambiental e a percepção da possibilidade de esgotamento dos recursos naturais. Assim, a noção de sustentabilidade tem duas origens: na biologia, por meio da ecologia, que se refere à capacidade de recuperação dos ecossistemas; e na economia, que se refere à melhoria dos padrões de produção e consumo vigentes (NASCIMENTO, 2012). Dessa forma, a ideia de um desenvolvimento econômico que considerasse a finitude dos recursos naturais introduziu o termo desenvolvimento sustentável.

Durante os mais de três anos de preparativos para a Conferência de Estocolmo de 1972 (uma discussão mundial para a redução de emissão de gases) começou a nascer a noção da dimensão social do desenvolvimento sustentável. Nos debates, enquanto os países desenvolvidos estavam concentrados na defesa do meio ambiente, os não-desenvolvidos

(4)

colocavam o foco da discussão no combate à pobreza e na preocupação com as possíveis restrições que poderiam afetar o seu desenvolvimento.

Outro importante marco aconteceu com o Relatório Nosso Futuro Comum (também conhecido como Relatório de Brundtland), publicado em 1987, fruto do trabalho da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse Relatório definiu o desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p.46). Tal declaração consagrou a conciliação da preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico, com uma visão ético-social atrelada (NASCIMENTO, 2012).

Assim, o desenvolvimento sustentável pode ser entendido como um paradigma que rejeita a ideia de desenvolvimento como sinônimo de crescimento apenas econômico (BARBOSA, 2013, p.14) e que considera questões que contribuam para a qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo. A satisfação das necessidades e aspirações humanas deve ser o principal objetivo desse tipo de desenvolvimento (CMMAD, 1991, p.46).

No entanto, não existe um consenso definitivo sobre todas as dimensões que compõem o conceito de sustentabilidade. Diversos autores consideram como básicas as dimensões: ambiental, econômica e social. De qualquer forma, cada autor define diferentes nuances para cada termo, pois o conceito de sustentabilidade possibilita diversas interpretações e aplicações, sobretudo no debate científico, pois há muitas áreas de conhecimento que podem ser envolvidas em seu escopo (ISOLDI, 2007).

Destaca-se aqui a visão do sociólogo Elimar Nascimento (2012), que defende que as questões políticas e culturais são indispensáveis para a promoção de ações sustentáveis nas dimensões ambiental, econômica e social. Independentemente da solução sustentável a ser implementada, existe a submissão às estruturas e decisões políticas diante de conflitos de interesses. Ao mesmo tempo, mudanças de padrões de consumo e de estilo

(5)

de vida requerem mudanças culturais de valores e de comportamentos. Por isso, o autor adiciona ao conjunto de dimensões básicas as dimensões política e cultural.

A importância da dimensão cultural é abordada pela Declaração de Davos1 (2018):

“A cultura torna possível e incrementa a sustentabilidade económica, social e ambiental. Molda a nossa identidade e define o nosso legado. Deve, consequentemente, estar no centro das políticas de desenvolvimento e ser enfatizado o seu contributo na procura do bem comum. Não pode haver desenvolvimento democrático, pacífico e sustentável que não seja fundado na cultura (DECLARAÇÃO DE DAVOS, 2018 item 1)

3. A sustentabilidade na conservação do patrimônio construído

Muitos paralelos podem ser feitos entre a conservação ambiental e ecológica (comumente associada à noção de sustentabilidade) e a conservação do patrimônio cultural. Ambos os campos são sistemas comparáveis em complexidade de planejamento e gestão, e em diversidade de valores atribuídos aos recursos a serem conservados, inclusive com diferenças políticas de poder entre as partes interessadas na conservação (THORSBY apud MASON, 2002). Além disso, tais recursos (naturais ou culturais) não podem ser desvinculados de seu contexto físico nem sociocultural, o que demanda uma visão holística para garantir um planejamento de ações eficiente e coerente.

No caso do patrimônio cultural construído, existe um aspecto em comum com às edificações sem valor patrimonial que deve sempre ser considerado: o fato de a indústria da construção civil ser avaliada como uma das atividades humanas de maior impacto ambiental, com grande consumo de água, madeira florestal e energia, além de grande geração de resíduos sólidos (BARBOSA, 2013). Dessa forma, a escolha em manter uma edificação contribui para que a energia incorporada no seu processo de construção, assim

1 Declaração regida pelos ministros da Cultura e chefes de delegações dos Estados signatários da Convenção

Cultural Europeia e dos membros-observadores do Conselho da Europa, representantes da UNESCO, do ICCROM, do Conselho da Europa, da Comissão Europeia, do Conselho dos Arquitetos da Europa, do Conselho Europeu de Urbanistas, do ICOMOS Internacional e da Europa Nostra, reunidos em Davos, na Suíça, de 20 a 22 de Janeiro 2018.

(6)

como a energia de operação e manutenção despendida nos seus anos de existência (incluída a energia a ser gasta na própria demolição) não sejam desperdiçadas.

A contribuição do patrimônio cultural construído para o desenvolvimento sustentável também pode ser percebida na valorização imobiliária, comercial e turística que é gerada no entorno de um patrimônio com seus valores estéticos, históricos e utilitários bem conservados (CABREIRA, BARROSO, TREVISAN, 2009).

Da mesma forma, esse tipo de bem material responde à dimensão sociocultural da sustentabilidade ao reforçar a identidade local de um determinado grupo social em tempos de globalização cultural, e ao agregar valor para o bem-estar e qualidade de vida das comunidades usuárias ou próximas a essas edificações (CABREIRA, BARROSO, TREVISAN, 2009). Por isso, deve-se prezar pela “continuidade cultural e pluralidade das culturas para soluções específicas, própria para cada situação e local” (ISOLDI, 2007, p. 123), pelo equilíbrio entre tradição e inovação e pela recusa de soluções preestabelecidas (ISOLDI, 2007).

A Declaração de Davos (2018) contribui para esse assunto ao propor uma cultura de construção com qualidade, compreendida como essencial para a constituição de uma sociedade sustentável. Coloca o ambiente construído com qualidade como gerador de bem estar dos indivíduos e da comunidade, e como favorável à diversidade cultural, justiça e coesão social. Ainda apresenta o patrimônio cultural como um elemento central dessa cultura da qualidade, onde “o uso contemporâneo do património construído, a sua manutenção e salvaguarda são essenciais para um desenvolvimento com qualidade do ambiente construído.” (DECLARAÇÃO DE DAVOS, 2018, item 9).

Já a questão do valor instrumental na conservação de uma edificação histórica é considerada desde a primeira teoria sobre restauração, de Viollet-le-Duc (2006, apud ANDRADE JUNIOR, 2010), o qual afirma que o uso é condição fundamental para a preservação de um edifício de valor patrimonial. Também aparece na Carta de Veneza (1964), que no seu artigo 5º declara que “a conservação dos monumentos é sempre favorecida por sua destinação a uma função útil à sociedade [...]”.

(7)

De acordo com Lyra (2006), um dos fatores que contribui para a preservação de edifícios antigos é justamente a continuidade de uso. A história da arquitetura é uma história de substituições, e a maioria dos edifícios que sobreviveram às mudanças sociais corresponde àqueles que passaram por adaptações. Os demais foram substituídos ou abandonados.

A permanência do uso original de uma edificação, se bem gerida, ajuda a perseguir a sustentabilidade nas dimensões ambiental e econômica, já que não haverá necessidade de intervenções drásticas em sua arquitetura. Além disso, a sustentabilidade em sua dimensão sociocultural também ocorre, já que a função original marca o edifício e lhe confere um caráter – conjunto de aspectos definidores da família arquitetônica a que pertence (LYRA, 2006). Dessa forma, cada obra arquitetônica possui um caráter, uma história própria e uma relação específica com a comunidade a que pertence.

Em contrapartida, por vezes o uso original de uma obra arquitetônica passa a não existir mais, ou então as caraterísticas espaciais passam a não satisfazerem mais às necessidades da sociedade atual, com seus parâmetros de conforto, tecnologia e segurança. Como o uso é inerente às obras de arquitetura, e as alterações de uso provocam alterações de forma, a escolha de um novo uso para um edifício de valor patrimonial ou a adaptação do uso existente devem ser compatíveis com a essência dos valores culturais do bem patrimonial, de modo a contribuir para a sua preservação (KÜHL, 2009, apud ANDRADE JUNIOR, 2010, p.2), e consequentemente para uma gerência sustentável do bem construído.

Outra circunstância relativa ao uso de uma edificação que necessita ser analisada é a da acessibilidade, uma vez que a satisfação das necessidades e aspirações humanas deve ser o principal objetivo no desenvolvimento sustentável (CMMAD, 1991, p.46), e que o bem-estar e qualidade de vida dos usuários de uma edificação faz parte da dimensão social do desenvolvimento sustentável.

Conforme o inciso I do artigo 8º do Decreto Federal nº 5.296/2004, o termo acessibilidade significa:

[...] condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços

(8)

de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2004)

Como pôde ser visto, o conceito de acessibilidade possui um caráter bastante amplo. De acordo com Sassaki (2009), a acessibilidade possui seis dimensões: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal. Sobretudo no contexto de edificações públicas ou privadas abertas ao público, a melhoria da acessibilidade requer uma frente ampla de ações ao pressupor medidas além da dimensão arquitetônica (CIANTELLI, LEITE, 2016).

Porém, o presente artigo foca na dimensão arquitetônica da acessibilidade em edifícios históricos, e as normas brasileiras podem ser um bom começo para a elaboração de diretrizes para a solução de deficiências referentes a esse aspecto.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), na sua primeira Instrução Normativa (2003), apresenta diretrizes, critérios e recomendações que têm como objetivo equiparar as oportunidades de fruição dos bens culturais imóveis acautelados em nível federal (e outras categorias) pelo conjunto da sociedade, como pode ser visto neste trecho:

[...] as soluções adotadas para a eliminação, redução ou superação de barreiras na promoção da acessibilidade aos bens culturais imóveis devem compatibilizar-se com a sua preservação e, em cada caso específico, assegurar condições de acesso, de trânsito, de orientação e de comunicação, facilitando a utilização desses bens e a compreensão de seus acervos para todo o público [...]. (BRASIL, 2003)

Outra norma a ser citada é a ABNT NBR 9050:2020 Versão Corrigida: 2021 de Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Pode-se dizer que, no Brasil, essa norma é a referência mais importante para a elaboração desde projetos urbanísticos e arquitetônicos até códigos de obra e pesquisas acadêmicas sobre o tema (DUARTE, COHEN E BIOCCA, 2016). Serve como guia para referências de dimensões, símbolos, cores, entre outros parâmetros, com base no conceito de Desenho Universal, o qual se propõe a favorecer o ser humano em toda a sua biodiversidade. Os sete princípios

(9)

do Desenho Universal são: uso equitativo, uso flexível, uso simples e intuitivo, informação de fácil percepção, tolerância ao erro, baixo esforço físico, e dimensão e espaço para aproximação e uso (ABNT, 2021).

De acordo com Duarte, Cohen e Biocca (2016), as leis e normas do Brasil que abordam as questões de acessibilidade no patrimônio construído são comparáveis em qualidade às mais avançadas de outros países. Apesar disso, há um embate entre a teoria e a prática. Os autores afirmam que as medidas adotadas na restauração de um bem de valor patrimonial são geralmente encaradas como uma mera conservação estilística, sem prioridade de implantação de medidas inclusivas para a sociedade de um modo geral.

4. Análise do edifício do IFCS/IH da UFRJ

Posto que o conceito de sustentabilidade pode ser explorado por diversas áreas de conhecimento, o seu entendimento necessita de uma visão holística, ampla, sistêmica e de caráter multidisciplinar.

Neste tópico do presente artigo será feita a contribuição para o tema com uma análise caracterizada pela visão da disciplina de arquitetura, mais especificamente de projeto e patrimônio. Algumas deficiências e potencialidades serão apontadas de forma a auxiliar a tomada de decisões projetuais que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável e para a preservação do bem patrimonial ao mesmo tempo.

Como possibilidades simples de melhoria, esse e qualquer outro prédio poderia ser adaptado e otimizado com sistemas tecnológicos de grande desempenho ecológico e econômico, como por exemplo: reaproveitamento de águas pluviais, torneiras com temporizador, descargas com caixa acoplada, instalação de placas de energia solar, instalação de lâmpadas de LED, etc. Essas medidas geram economia de recursos e podem ser aplicadas de maneira a não prejudicar a imagem e os valores históricos do prédio.

No caso específico do IFCS/IH, deve ser observada a questão da continuidade de uso. Antes desses institutos, o edifício abrigou outras atividades de uso predominantemente educacional, por meio de diversas instituições sucessivas ao longo de sua história: Academia Real Militar (1812), Escola Militar (1851), Escola Central (1858), Escola

(10)

Politécnica (1874), Escola Nacional de Engenharia (1937), e finalmente IFCS/IH a partir de 1969.

O bem patrimonial em questão demonstra seu grande valor na história da educação brasileira, que não pode ser desassociado da importância cultural dos estudos de engenharia nele desenvolvidos durante os séculos XIX e XX (BARATA, 1963).

Com a continuidade do uso educacional no prédio, houve respeito ao seu caráter arquitetônico e à sua relação com a comunidade que dele usufrui. Assim, sua tradição em abrigar atividades de ensino e pesquisa faz parte do valor do prédio enquanto patrimônio.

Por pontuar a cidade, um prédio público não é um símbolo abstrato, mas participa do seu cotidiano. A sua utilização ou o seu reconhecimento não são neutros, pois também participam da “construção” de seus significados urbanos, na medida em que eles são tanto o lugar da vita activa quanto da vita contemplativa. Este aspecto formador da instituição o liga enormemente ao modo patrimônio, pois o edifício institucional referencia o nosso mundo tornando possível a nossa orientação e identificação. (CARSALADE, 2007, p.454)

Ainda, o caráter estudantil do edifício, a sua localização central privilegiada na cidade, de fácil acesso, e o grande espaço do Largo de São Francisco de Paula, propício à reunião de muitas pessoas, influenciaram o papel do edifício como palco para manifestações e grandes eventos ao longo de sua história, até os dias atuais (figuras 01, 02 e 03).

(11)

Figura 01: Protesto de estudantes em escadaria no

interior do IFCS/IH. Fonte:Ocupa IFCS, 2016.

Figura 02: Ato público contra ameaças à democracia no Largo de São Francisco de

Paula, defronte ao IFCS/IH. Fonte:William Santos, 2016.

Figura 03:Ato em defesa da UFRJ, contra cortes no

seu orçamento. Fonte: Stories do Instagram @dceufrj, 2021.

Diante da importância da educação no desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, mostram-se essenciais os esforços para o fortalecimento das instituições educacionais. A sustentabilidade da preservação da matéria física aliada à valorização das memórias do passado e do significado do bem no presente (visando o usufruto das gerações futuras) contribui para esse fortalecimento.

Também foram observadas no IFCS/IH deficiências nas questões de fluxos, circulações e acessibilidade arquitetônica, de impacto direto no bem estar dos usuários do prédio.

O conjunto das circulações verticais e horizontais não possuem legibilidade espacial, e as rotas de fuga precisam ser melhoradas considerando medidas de prevenção e combate a incêndios. Com exceção da escadaria principal em madeira, as circulações verticais não estão dispostas em locais de fácil identificação por novos visitantes do prédio. Já algumas das circulações horizontais não possuem um trajeto com continuidade, e se apresentam como “becos sem saída”. Além disso, existem corredores e halls com iluminação e ventilação naturais precárias ou inexistentes.

Também há muitas barreiras físicas nos percursos dos usuários. Existem degraus isolados, rampas com inclinação inapropriada ou escadas que levam a ambientes que não possuem acesso alternativo por meio de equipamentos eletromecânicos de deslocamento vertical ou por meio de rampa com inclinação adequada (de acordo com a NBR9050).

Verifica-se ainda a problemática dos mezaninos construídos com recursos próprios de diversos departamentos, laboratórios e centros de pesquisa. A maioria desses espaços não se constituem como ambientes de qualidade em relação à espacialidade arquitetônica, nem ao conforto, e tampouco à acessibilidade e à prevenção de incêndio e pânico. As escadas de acesso particular desses mezaninos na maioria dos casos foram construídas fora das normas de segurança e ergonomia (degraus muito estreitos, muito altos ou muito

(12)

curtos, ausência de corrimão, etc.), e, como já dito, não há acesso por equipamentos eletromecânicos a essas áreas.

5. Considerações Finais

A contextualização teórica sobre os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, e sobre como eles podem ser aplicados em relação às edificações históricas, contribuiu para o entendimento da conservação do patrimônio construído (com respeito à memória coletiva e aos valores culturais intrínsecos à edificação) como parte integral da sustentabilidade. Essa relação deveria ser comumente considerada na prática da preservação de edifícios históricos.

Compreendeu-se que a abordagem do tema deve ser holística, pois a sustentabilidade pode ser entendida por diversas dimensões. Exemplos dessa diversidade podem ser percebidos tanto na importância do não desperdício dos recursos implícitos na energia embutida do patrimônio construído existente, quanto no impacto na identidade e pluralidade culturais, bem estar e qualidade de vida das sociedades. No entanto, a dimensão sociocultural pode ser considerada o grande diferencial de um patrimônio construído, em comparação a outras construções comuns, na busca pelo desenvolvimento sustentável.

O exame das deficiências e possibilidades na promoção do desenvolvimento sustentável realizado na edificação do IFCS/IH apontou problemas que nem sempre possuem soluções simples, mas sim intervenções arquitetônicas de maior vulto. É importante salientar que qualquer tipo de solução espacial proposta requer estudo cuidadoso das condições preexistentes antes de ser realizada. Uma edificação é um documento histórico de si mesma, e qualquer intervenção tem consequências na leitura figurativa da obra, por isso deve haver uma ponderação aprofundada das escolhas projetuais.

(13)

ANDRADE JUNIOR, N. V. Ampliación de edificaciones de valor patrimonial:

preservación de la materia... y destricción de imagen? In: Congreso Internacional de

Rehabilitación del Patrimonio Arquitectónico y Edificación, 10, 2010, Santiago-Chile. Anais... Santiago: CICOP Chile, 2010.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 9050:

Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. 2021. Rio

de Janeiro, 2021.

BARATA, Mário. Escola Politécnica do Largo de São Francisco: Berço da

Engenharia Brasileira. Rio de Janeiro: Associação dos Antigos Alunos da Politécnica,

1973.

BARBOSA, R. T. Z. As seis dimensões da sustentabilidade como abordagem para

recomendações para a habitação unifamiliar baseada nas diretrizes do Selo Casa Azul. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2013.

BRASIL. Decreto 5.296 de 02 de dezembro de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm>. Acesso em: 07 de set. de 2020.

BRASIL. Instrução Normativa nº 1 do IPHAN. 2003. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=75637>. Acesso em: 07 de set. de 2020.

CABREIRA, Cristiane V.; BARROSO KRAUSE, Cláudia; TREVISAN, Rosina.

Sustentabilidade no patrimônio construído: ponderações sobre uma restauração ecológica. X Encontro Nacional e VI Encontro Latino Americano de Conforto no

Ambiente Construído. Natal, Rio Grande do Norte: 2009.

CARSALADE, Flávio de Lemos. Desenho contextual: Uma abordagem

fenomenológico-existencial ao problema da intervenção e restauro em lugares especiais feito pelo homem. Tese de Doutorado. Salvador: Faculdade de Arquitetura da

(14)

Carta de Veneza, 1964. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.p df>. Acesso em: 07 de set. de 2020.

CIANTELLI, A. P. C.; LEITE, L. P. Ações Exercidas pelos Núcleos de Acessibilidade

nas Universidades Federais Brasileiras. Revista Brasileira de Educação Especial,

Marília, v. 22, n. 3, p. 413-428, 2016.

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso Futuro Comum. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1991.

Declaração de Davos, 2018. Disponível em:

<http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/cartas_e_convencoes_internacionais/ davos_declaration_2018-23.01.2018.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2020.

DUARTE, Cristiane; COHEN, Regina; BIOCCA, Luigi. Acessibilidade ao patrimônio

no Brasil e na Itália – exemplos, conflitos e reflexões. Riobooks: Rio de Janeiro, 2016.

ISOLDI, R. A. Tradição, inovação e sustentabilidade: desafios e perspectivas do

projeto sustentável em arquitetura e construção. 2007. Tese (Doutorado),

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

LYRA, Cyro Corrêa. A importância do uso na preservação da obra de arquitetura. Revista

do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da EBA – UFRJ. Rio de Janeiro,

2006, p. 53-57.

MASON, Randall. Assessing Values in Conservation Planning: Methodological Issues and Choices. In: THE GETTY CONSERVATION INSTITUTE. Assessing the Values

of Cultural Heritage: Research Report. Los Angeles: 2002, p. 5-30.

NASCIMENTO, Elimar Pinheiro do. Trajetória da sustentabilidade: do ambiental ao social, do social ao econômico. Estudos Avançados, São Paulo, v. 26, n. 74, p. 51-64, 2006.

(15)

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação.

Referências

Documentos relacionados

A fim de atingir tal objetivo geral, os seis objetivos específicos são: (1) compreender as motivações e estruturações sociais, culturais e políticas da colonização

c) Auxílio Financeiro de Apoio Pedagógico para Impressão de Materiais para 26 (vinte e seis) 26 (vinte e seis) estudantes mediante o pagamento de R$ 150,00 (cento e cinquenta

Como a construção de identidades culturais contemporâneas são mediadas pelos meios de comunicação, estes, de acordo com Hall (1982), são ideológicos e operam dentro do campo

Produção de 5 vídeos de divulgação do projeto, divulgação dos artistas e shows em cada uma das cidades em redes sociais e envio para os meios de

Dentre os diversos efeitos do tombamento, apontamos os seguintes: o bem tombado não poderá sair do país sem autorização do órgão competente e, caso seja tentada a exportação

Como no Brasil ainda não se tem tido a consciência da importância e dos benefícios que esta união entre turismo e cultura pode gerar, e diante da diversidade de bens culturais

Nesse sentido, o presente artigo busca discutir as relações que se estabelecem entre o patrimônio histórico através dos bens intangíveis, a identidade cultural e a

O Brasil não favorece, nos foros internacionais, o emprego de expressões como 'bens públicos globais' ou 'águas internacionais' – especialmente quando referida a