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ANÁLISE DO CONTO ESTORIA DO LADRÃO E DO PAPAGAIO DE LUANDINO

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Academic year: 2021

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ANÁLISE DO CONTO “ESTORIA DO LADRÃO E DO PAPAGAIO” DE

LUANDINO

Por: Zenildo Santos Silva

(zomocara@hotmail.com) graduando em Letras e licenciado em História.

A literatura é a arte do encanto, consegue seduzir e aproximar o leitor de outras realidades, sendo assim um objeto de reflexão do mundo e das mazelas que o cerca. É na ficção que sonhos e vontades não alcançáveis no mundo “real” podem acontecer, ou seja, o texto fictício nos proporciona uma viagem por um mundo fantástico. Ela também é a representação de identidades, a manifestação de culturas, enfim a Literatura é a construção de outros mundos, com outras possibilidades e outras formas de viver, baseado é claro, no mundo que vivemos.

Dentro desta perspectiva literária Luandino Vieira, autor angolano escreve textos de denúncia, encantamento e representação cultural do seu povo. Nas obras de literatura africana, de língua portuguesa, é nítida a função do engajamento, já que os negros foram extremamente explorados e oprimidos enquanto cidadãos, principalmente pelo advento do colonialismo. Aqui conheceremos como a obra “A estória do ladrão e do Papagaio” retrata uma sociedade “massacrada” pela colonização e como ela busca estratégias de sobrevivência e “auto-estima” mesmo em um ambiente que contrapõe a “felicidade”.

Pertencente á geração de Cultura, comprometido com a luta de libertação nacional, Luandino Vieira é preso na década de 60, só regressando a Luanda em 1974. Quase toda a sua produção literária nasce no cárcere, funcionando como sustentadora de seus ideais e sonhos. A configuração de sua obra permite uma discussão a respeito da literatura enquanto instrumento de mudança bem como construção narrativa da modernidade. O texto aqui trabalhado foi escrito justamente quando Luandino estava preso.

A “Estória do Ladrão e do Papagaio” tem a seguinte temática: Lomelino, um caboverdiano, chamado Dos Reis, é preso por roubar patos e culpa, seu amigo de quadrilha, Garrido Fernandes. Depois se arrepende por ter entregado o amigo a polícia. O arrependimento ocorre principalmente por que seu amigo é deficiente (coxo). Esse sofre com o preconceito de todos, inclusive da mulher que o ama, se esquecer do papagaio que também o vê com desprezo. Garrido, para se vingar de todo esse preconceito, resolve roubar o papagaio de Inácia, sua paixão, para que o animal não ganhasse mais o carinho da dona, e para que não mais fosse

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desrespeitado pelo animal e pela sociedade. Com isso Garrido é preso e tem de encarar Dos Reis, que o havia traído. Nesse momento, há uma situação de revolta por parte de Garrido que é acalmado e aconselhado por Xico Futa. No encontro entre Dos Reis e Garrido, sente-se um estranhamento em ambos, Lomelino envergonhado pela traição e Garrido preocupado e ao mesmo tempo triste pela traição do amigo.

O conto apresenta uma simplicidade aparente, porém ao conhecer o enredo percebemos que ele é um instrumento de denúncia da realidade. São diversas inovações presentes no texto, a principio a narrativa não segue o formato “tradicional”, divisão por capítulos, o autor organiza a obra em blocos, cada um com uma história que se entrelaça e se tornam coeso quando é analisado no conjunto.

É narrado por um narrador onisciente que tudo sabe, observando e comentando a respeito de tudo e todos, traço comum no narrador Heterodiegético. O espaço em que ocorre o fato é apresentado enfatizando a confusão, desorganização e miséria que envolve o musseque, um ambiente pobre do país, o retrato cultural de um povo. Em relação ao tempo a narrativa tem início no final da história, pois começa já com Dos Reis sendo preso pelo roubo. Outra situação que marca o tempo da história e a quebra da linearidade, já que o texto não possui a estrutura comum de início, meio e fim. Luandino também inova quando utiliza de digressões para conversar com o leitor, ou seja, na obra o autor dá pausas na história para falar de elementos culturais do país ou de símbolos do movimento de libertação, como ocorre no momento em que ele faz a metáfora do caju, a fruta é o símbolo do MPLA.

O texto apresenta diversas temáticas sociais do povo angolano, Luandino procurou de forma implícita e explicita destacar diversos elementos que angustia esse país. A discriminação no ponto de vista de muitos críticos literários é o ponto chave, pois a deficiência de Garrido é motivo de afastamento, de exclusão e de baixo estima do personagem. O fato de Garrido ser coxo é visto como anormalidade, pois ele não é aceito pelos amigos, a pessoa que ama e até um animal “o papagaio” o trata com discriminação, com isso o autor quis apresentar que a não aceitação é uma atitude que parte do irracionalismo, sem razões significativas.

Outras temáticas como a pobreza, o roubo, a sexualidade e a subordinação dos negros colonizados são patentes na obra. O autor nos faz perceber que as peripécias da quadrilha é uma necessidade, ou seja, eles roubam porque precisam se alimentar, o desemprego e a falta de alimentação fazem com que eles procurem estratégias de sobrevivência.

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A sensualidade tem presença marcante em parte da narrativa. Inácia, assimilada, que se sente superior aos outros negros, inclusive a Garrido, discriminando-o de uma forma cruel, sempre usando „máscaras‟, pois no fundo, gostaria de poder aceitar o amor do "coxo", sem se importar com a sociedade, mas o jogo de preconceitos é tão forte em África que ela prefere se manter fria e inferiorizar Garrido.

O texto também pode ser visto como um documento histórico, pois o tempo todo o autor menciona situações históricas do período colonial daquele país. Uma das situações narradas é a dos homens brancos que engravidavam as negras e na maioria das vezes, sumiam, não se importando com os filhos que deixavam à mercê da sociedade opressora. Ou os abandonavam por não darem importância ao ser humano negro, e, além disso, mulher, ou por terem que retornar ao seu país, através do mar, o que simboliza abandono, morte ou riqueza.

A ruptura é apresentada no texto nos momentos em que os colonizados começam a perceber a opressão do colonizador e buscam mudanças tanto nos aspectos culturais quanto nos políticos. A língua portuguesa era obrigatoriedade na sociedade angolana, pois era a língua do colonizador, mesmo assim os angolanos buscavam uma nova forma de comunicação, criavam novas palavras e buscavam criar uma linguagem própria, rompendo assim com o modelo predisposto pelos “brancos”.

Nesse sentido, Guadalupe Salves apud Tânia C. Macedo ressalta que:

No conto analisado, A Estória do Ladrão e do Papagaio, José Luandino Vieira, trabalha com a temática cidade/ complexo colonial/ resistência, conferindo à narrativa, o sinete da "angolanidade". Utiliza-se uma linguagem baUtiliza-seada na fala bilíngüe dos habitantes do musseque e a oralidade, expondo a carência da população marginalizada e sua procura por uma forma própria de expressão, pelo conflito gerado pelo colonialismo, além de obedecer a uma proposta de caracterização cultural da população marginalizada (o que implica uma postura política), reafirma o valor crítico da invenção literária ( 1990: 18).

Outra ruptura é apresentada com a presença do jovem como esperança de paz e de mudança está em Xico Futa que, desde o início dos acontecimentos, ele procura acalmar e aconselhar os que o rodeia, parece ter domínio sobre todos, inclusive sobre a autoridade, representante dos portugueses, dominadores e opressores. Este quadro pode ser considerado como símbolo das mudanças que os jovens intelectuais, defensores de sua causa, iriam conquistar com o

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passar do tempo, através de movimentos como a Negritude, Vamos Descobrir Angola e outros.

A ficção de Luandino é muito parecida com a brasileira, primeiro porque ele teve acesso a diversos autores do nosso país, pesquisadores da literatura angolana nos mostram que entre os autores brasileiros lidos na África, Jorge Amado é o mais conhecido. As temáticas discutidas por Luandino se aproximam muito do estilo amadiano, ao analisar a “Estória do ladrão e do papagaio” conseguimos perceber muitas situações em comum com “Capitães de Areia”, as temáticas, personagens e até mesmo alguns aspectos estilísticos.

As duas obras são organizadas em blocos, em ambas encontramos um personagem coxo, na de Amado o personagem é mais poetizado, tem vantagens com a situação física, em Luandino percebemos justamente o contrário, ele fala da realidade da forma que se apresenta, não romantiza as situações. A sensualidade, o roubo, a sobrevivência e a vontade de transformação da sociedade são características comuns nos dois autores.

Outra singularidade entre as obras é que assim como em “Estória do ladrão e do papagaio” a justiça se mostrava indiferente aos Capitães da Areia só se preocupando com eles quando roubavam alguém importante! Aí eles eram perseguidos. Em ambos os textos os excluídos só existem quando fazem algo de ruim, ou seja, quando roubam. “Capitães da Areia” assim como “Estória do ladrão e do papagaio” podem ser considerados "um daqueles livros que se lê de uma sentada só". Os romances elucidam a importância da luta pela sobrevivência e aponta a certeza de que só a luta revolucionária muda à vida, mesmo que para isso se use estratégias consideras “errônea” do ponto de vista da ética.

Aproveitando que os estudos literários contemporâneos são marcados, cada vez mais, pela ruptura do estético e cultural, é possível contemplar uma historiografia literária que destaque as diferentes formas de escrita e que autores de paises considerados subalternos possam ser valorizados. A partir dessa ampliação dos horizontes, poder-se perceber os diversos matizes culturais relegados ao obscurecimento por conta de uma estética clássica, de feição acadêmica e enrijecida.

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AMADO, Jorge. Capitães da areia. Salvador: FCJA, 2004.

SALVES, Guadalupe Estrelita dos Santos Menta. O engajamento no conto africano. Santa Catarina. UNED-CP, 2002.

Referências

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