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VULNERABILIDADE DE MULHERES SOROPOSITIVAS FRENTE A REINFECÇÃO PELO HIV E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AIDS

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VULNERABILIDADE DE MULHERES SOROPOSITIVAS FRENTE A REINFECÇÃO PELO HIV E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AIDS

MIRIAN SANTOS PAIVA-UFBA1 JEANE FREITAS DE OLIVEIRA-UFBA2 DEBORAH SAMPAIO PASSOS-UFBA3 RESUMO

O não estabelecimento de práticas preventivas têm tornado as mulheres HIV positivas vulneráveis à reinfecção. Neste sentido, realizamos este estudo com objetivo de apreender as representações sociais da aids de mulheres soropositivas para o HIV e identificar, na perspectiva de gênero, sua vulnerabilidade à reinfeçção diante da adoção ou não de medidas preventivas. Foram sujeitos da pesquisa 50 mulheres soropositivas atendidas em duas instituições públicas de Salvador-Ba. Utilizou-se a associação livre de palavras para apreensão das representações da aids e o software Tri-deux-mots para processar a análise fatorial de correspondência. As mulheres do estudo, embora soropositivas, apresentam características individuais e sociais que as colocam em situação de vulnerabilidade à reinfecção pelo vírus Hiv, o que demonstra que, mesmo vivenciando a soropositividade e conhecendo o risco de reinfecção, as entrevistadas não cumprem eficazmente as ações de prevenção. Entre as entrevistadas que afirmam usar constantemente o preservativo o fizeram por ordem médica para prevenção, as demais apresentaram como motivo para usar eventualmente ou não usar, a falta de informação e de confiança e o desconhecimento da camisinha feminina. Esta desinformação deixa a mulher sem argumentos para negociação de medidas preventivas, colocando-a em situação de subordinação. A aids embora tenha sido representada de forma negativa a partir das palavras sofrimento, ruim, problema, morte, possui representações positivas como lutar, medicamento, cuidado, normal e Deus. As representações deste grupo sobre a aids, mostram-na como um problema de grande impacto e que as relações assimétricas de gênero contribuem para a vulnerabilidade das mulheres à reinfecção. Os dados apontam para a necessidade de adoção de medidas que instrumentalizem as mulheres para enfrentarem situações de subordinação e dominação na esfera da sexualidade e, para exercerem o diálogo e a negociação de práticas sexuais seguras. Do mesmo modo, faz-se necessário incorporar os homens nas discussões sobre saúde sexual e reprodutiva e sua articulação com a vulnerabilidade à infecção pelo Hiv, desconstruindo comportamentos que são por eles adotados e que perpetuam o contexto do risco a que estão submetidas as mulheres, tais como, a infidelidade, a omissão ou retardamento na informação

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Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Comunitária da Universidade Federal da Bahia. Doutora em Enfermagem Pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Saúde da Mulher-GEM/EEUFBA. End.: Rua Pará 446 apto 201 – Pituba – Salvador – Ba. Brasil. CEP: 41927-000. mirian@svn.com.br

2Profª Assistente da Escola de Enfermagem da UFBa. Mestra em Enfermagem. Pesquisadora do

GEM-EEUFBa.End.: Rua Minas Gerais, nº 295. Ed. Primus, Ap. 401-Pituba –Salvador- Ba. CEP: 41830-020. jeanefo@ufba.br

3Graduanda da Escola de Enfermagem da UFBa, Bolsista PIBIC/CNPq e do GEM-EEUFBa. End.: Rua Ala. Carrara, nº 257,

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sobre dst/aids que por ventura possam estar sendo acometidos e a dificuldade na aceitação do uso do preservativo.

Palavras-Chave: Mulher, soropositividade, reinfecção; gênero.

INTRODUÇÃO

Ao se tornar uma doença da contemporaneidade a aids constrói, desde o seu surgimento, uma forte representação presente nos mais variados grupos de pertença que tem escamoteado a vulnerabilidade destes grupos, ou seja, aquela de que é a “doença do outro”, um “outro” que tem práticas, saberes e comportamentos diferentes do seu próprio e, portanto, os distingue. Com as mulheres não foi diferente, a representação de que este “outro” era do sexo masculino e homossexual, afastou a possibilidade delas sentirem-se vulneráveis, não só por serem mulheres, mas por serem heterossexuais e monogâmicas.

O estado atual das doenças sexualmente transmissíveis-dst/aids no país requer a implementação de um conjunto de ações de intervenção que possam reduzir seu impacto na população em geral e sobre os segmentos mais vulneráveis e, conseqüentemente, mais excluídos. Estas ações devem ser orientadas tomando os critérios de abrangência populacional, epidemiológicos e de focalização, priorizando aquelas dirigidas para as populações de risco acrescido e, portanto, mais vulneráveis.

A vivência da soropositividade para o Hiv tem levado as mulheres a não estabelecer práticas preventivas e, deste modo, a se tornarem vulneráveis à reinfecção, dado que permanecem expostas aos aliados das dst, destacando-se entre eles o silêncio e a negação de sua existência e os tabus religiosos e culturais que interferem fortemente na possibilidade de uma discussão aberta sobre a negociação das práticas e preferências sexuais com o

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companheiro.

Pode-se dizer que a reinfecção se constitui num risco para quem é soropositivo, uma vez que cada reinfecção é uma nova descarga viral no organismo, o que vai significar um maior número de vírus Hiv em ação para atacar e destruir as células de defesa e, por conseqüência, maiores chances para o desenvolvimento da aids (SANT’ANNA, 1997).

Apesar disso, poucos estudos relatam a possibilidade da reinfecção, o que reflete na abordagem dos profissionais de saúde ao se direcionarem ao público soropositivo, na explicação do uso de medidas de prevenção e, conseqüentemente, à não aderência e à falta de compreensão por parte destas pessoas da importância do uso do preservativo.

Este estudo ganhou relevância por permitir a discussão sobre o quotidiano das vidas de mulheres soropositivas, detectando, a partir de suas parcerias, práticas e comportamentos individuais e sociais que as deixaram mais vulneráveis à reinfecção pelo Hiv, bem como, as diferentes chances que elas têm de se proteger não só da reinfecção, como das outras doenças sexualmente transmissíveis. Para tanto, foram traçados os seguintes objetivos:

• Discutir a sexualidade e as práticas sexuais a partir das relações de gênero que circundam o enfrentamento das infecções sexualmente transmissíveis e a aids e que são determinantes da vulnerabilidade;

• Identificar o conjunto de características individuais e sociais presentes no quotidiano das mulheres soropositivas que as tornam mais vulneráveis à reinfecção pelo Hiv ou a outras doenças sexualmente transmissíveis;

• Discutir estratégias de enfrentamento da infecção pelo Hiv e medidas de prevenção da reinfecção a serem adotadas pelas mulheres soropositivas.

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CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO

APROXIMAÇÕES TEÓRICAS

A Teoria das Representações Sociais se aplica perfeitamente a este estudo dado que elas têm um papel importante no modo como os grupos/indivíduos agem diante da infecção pelo Hiv e de sua prevenção. Para tanto, concordamos com a visão de Jodelet (1998), para quem as representações sociais permitem aos sujeitos uma orientação diante de um objeto socialmente relevante, constituindo-se em uma forma especial de conhecimento compartilhado no seu grupo de pertença ou como uma categoria socialmente elaborada e dirigida à vida prática.

Moscovici (1978) ressalta que as Representações Sociais têm como foco a maneira pela qual os seres humanos buscam compreender as coisas que o cercam. Portanto, estudá-las é considerar que os seres humanos pensam e não apenas manipulam informações ou agem sem explicações. A partir destas concepções, ele as considera como verdadeiras teorias do senso comum, conformadas a partir de um conjunto de conceitos e afirmações, ou seja, ciências coletivas, pelas quais se procede à interpretação e à construção das realidades sociais.

Por estas características, e por ser capaz de identificar vários aspectos importantes envolvidos na vulnerabilidade de gênero, nas vivências psicossociais das mulheres soropositivas, como fenômenos de produção de conhecimentos de sujeitos sociais particulares.

Este referencial permite, pois, pontuar as características e modos de expressão da experiência-subjetividade das mulheres soropositivas e as categorias que possibilitam organizar e analisar as representações sociais como conhecimentos latentes, resultantes do modo de atuar socialmente em realidades singulares compartilhadas, assinalando

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aproximações ou afastamentos de definições científicas sobre sexo, sexualidade, práticas sexuais, aids e reinfecção, bem como a concepção do conhecimento prático nestes campos.

Este estudo tomou como referencial teórico gênero, pois tratar do tema sexualidade e aids é reportá-lo à discussão de gênero, que além de ser uma categoria que representa uma elaboração cultural sobre sexo, é utilizada na perspectiva relacional, explicando as relações de poder entre os sexos e evidenciando as desigualdades presentes nas sociedades e, portanto, não há como prescindi-la nas questões relativas à sexualidade, à vulnerabilidade e às relações de poder entre homens e mulheres e, também, porque há uma íntima associação entre esta abordagem e as medidas preventivas da infecção pelo Hiv.

Deste modo, o estudo partiu do pressuposto de que a condição de gênero implica na existência de diferentes elementos sobre as doenças sexualmente transmissíveis e, em particular, a aids que repercutem na vulnerabilidade de mulheres soropositivas à infecção/reinfecção.

Foi feita, também, uma articulação com o conceito de vulnerabilidade que vem sendo desenvolvido por AYRES et al. (1999) que busca fornecer elementos para avaliar objetivamente as diferentes chances que um indivíduo ou grupo tem de se contaminar pelas doenças sexualmente transmissíveis/aids, dado o conjunto de características individuais e sociais de seu quotidiano, para que se possa discutir a adoção de estratégias de enfrentamento e medidas de prevenção.

TRAJETO METODOLÓGICO

Esta pesquisa trata de um estudo descritivo exploratório, de caráter qualitativo, com abordagem multimétodos, que apreendeu os fenômenos em seus cenários naturais, a partir das representações sociais e práticas construídas pelos sujeitos que o integraram, centrado nas variáveis: sexo, sexualidade, práticas sexuais, aids e reinfecção.

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Foram pesquisados os conhecimentos e crenças, difundidas coletivamente no quotidiano dessas mulheres, sobre a aids, a partir da perspectiva de gênero e foi realizado em duas unidades de atendimento a pessoas portadoras de Hiv, do município de Salvador- Bahia - Brasil.

A primeira delas, se constituiu numa casa de apoio e assistência às pessoas portadoras do vírus Hiv/aids, que nasceu de um movimento social para defender as pessoas portadoras do Hiv e, posteriormente, tornou-se uma Organização Não Governamental (ONG) que tem hoje reconhecimento em âmbito nacional, estadual e municipal, recebendo recursos através de projetos. Não tem ligação com o Sistema Único de Saúde (SUS), porém mantém convênios com as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, do Trabalho e Ação Social e com as Voluntárias Sociais da Bahia. Há parceria junto às Universidades para a realização de campanhas e palestras. Se constitui num suporte básico para atendimento ao portador do Hiv e aids, sendo a única casa que abriga o doente de aids no Estado da Bahia, tendo como suporte avançado, no âmbito da assistência os hospitais de referência de Salvador e o centro de referência estadual de aids para atenção ambulatorial.

A outra unidade foi o ambulatório de um hospital universitário que é uma das instituições da cidade de Salvador que presta assistência às pessoas portadoras do Hiv/aids. Pertence à rede de Hospitais próprios do Ministério da Educação-MEC. Foi criado em 1948 passando a funcionar em 1949 e, a partir de 1988, passou a integrar o Sistema Único de Saúde. Os pacientes de hiv, que necessitam de internamento são admitidos na enfermaria da Unidade Docente-Assistencial em Infectologia-UDAI, unidade que é responsável, não apenas pelo internamento de casos de aids, mas também por outros casos de doenças infecciosas e parasitárias. Como o serviço possui apenas uma enfermaria com 15 leitos, isso implica que a internação de portadores(as) de infecção pelo Hiv fique limitada àqueles existentes,

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entretanto, ao longo de vários anos, pelo menos 50 a 70% dos leitos são ocupados por pacientes com hiv/aids.

Esta unidade assistencial, também, dispõe de atendimento ambulatorial (duas tardes) e de um serviço de hospital-dia. No entanto, não possui unidade para atendimento de emergência, o que vale dizer, que tanto os internamentos quanto os atendimentos ambulatoriais, limitam-se, em geral, a pacientes que não se encontram em situação de risco de vida imediato.

Constituíram-se sujeitos do estudo 50 mulheres soropositivas para o Hiv, com idades entre 18 e 62 anos, sendo que 46 possuíam filhos, 32 tinham parceiros fixos, dos quais 17 tinham o diagnóstico comprovado de soropositividade, 05 não sabiam sua condição sorológica e 10 eram soronegativos. A escolaridade variou entre nunca ter estudado (2) e o nível superior (3), tendo a maioria delas concluído o nível médio (45).

A coleta dos dados se deu por meio associação livre de palavras e da entrevista semiestruturada. O teste de associação livre de palavras foi construído a partir das palavras -estímulos: sexo, sexualidade, práticas sexuais, aids e reinfecção. Esta é uma técnica que permite às pessoas entrevistadas, a partir dos estímulos indutores, evocar respostas de conteúdos afetivos e cognitivo-avaliativos. Ela é amplamente utilizada nas investigações que buscam apreender as representações sociais, pois possibilita, simultaneamente, uma análise qualitativa de dados que foram processados quantitativamente, a partir de softwares que façam a análise fatorial de correspondência.

A associação livre ou evocação livre a partir de palavras, de acordo com Jung (1990) apud Coutinho (2001, p. 89-90), “é um tipo de investigação aberta que se estrutura na evocação de respostas dadas a partir de um estímulo indutor”.

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Sá (1998) refere que o teste de associação livre, como técnica de coleta de dados para apreensão dos elementos constitutivos de uma representação, implica em instigar os participantes para que digam o que pensam ao serem estimulados por um termo que caracteriza o objeto da representação em estudo.

O instrumento utilizado para coleta de dados foi um formulário construído a partir da técnica de associação livre de palavras com questões abertas relativas aos objetivos da pesquisa, a partir dos estímulos indutores, contendo, na parte introdutória, os dados sócio-demográficos que caracterizam os sujeitos da pesquisa.

Por ocasião da aplicação do formulário de associação livre de palavras, foram selecionadas as mulheres que aceitaram participarem da entrevista semi-estruturada, a partir de questões norteadoras que articulavam o objeto de estudo aos referenciais teóricos utilizados e aos objetivos traçados para apreensão da realidade das mulheres estudadas. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Vale ressaltar que de acordo com os critérios éticos estabelecidos para pesquisa com seres humanos pela Resolução 196/96 foi oferecido para todas entrevistadas o termo de consentimento livre e informado (BRASIL, 1996).

Para a análise dos dados apreendidos a partir da associação livre de palavras foi feita a Análise Fatorial de Correspondência (AFC) através do Software Tri-deux-Mots. Este Software, na forma como foi programado, realiza o processamento dos dados coletados - construídos a partir das respostas aos formulários aplicados às mulheres soropositivas. A AFC revela o jogo de oposições que são evidenciadas pelos sujeitos nas respostas aos estímulos indutores, favorecendo à identificação das representações sociais nele contido.

Segundo Coutinho (2001, p. 183) o princípio básico da AFC “consiste em destacar eixos que explicam as modalidades de respostas, mostrando as estruturas constituídas de elementos do campo representacional ou gráfico”.

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A partir das respostas utilizadas pelos sujeitos, foram construídos dicionários de vocábulos adjetivos para cada estímulo indutor. Em seguida, procedeu-se a uma análise semântica de conteúdos para codificação e introdução dos dados no Software “Tri-Deux Mots” (CIBOIS, 1983).

Os resultados permitiram uma avaliação estatística dos dados no que concerne à frequência (importância de contribuição das modalidades na construção dos fatores), e representam graficamente as variações semânticas na organização do campo espacial.

Desse modo, configuraram-se graficamente as representações psicossociais relativas aos estímulos indutores, revelando aproximações e oposições das modalidades na construção dos fatores analisadas através da Análise Fatorial de Correspondência – AFC. De posse desta representação gráfica, foi possível realizar uma análise qualitativa dos resultados fundamentada na Teoria das Representações Sociais, no conceito de vulnerabilidade e a partir da perspectiva de gênero.

Os dados apreendidos na entrevista foram analisados à luz da técnica de análise temática de conteúdo proposta por Bardin (1977), de acordo com a organização dos temas que se evidenciaram, preservando o critério de conteúdos excludentes relativos às categorias.

5- ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O software Tri-deux-Mots processou os dados coletados e os interpretou a partir da análise fatorial de correspondência (AFC). Segundo Coutinho (2001, p. 183) o princípio básico da AFC “consiste em destacar eixos que explicam as modalidades de respostas, mostrando as estruturas constituídas de elementos do campo representacional ou gráfico”.

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Neste estudo, tomou-se como referência a freqüência igual ou superior a 4 (quatro) para cada estímulo indutor, para efetuar o tratamento dos dados obtidos através do teste de associação livre.

A análise do plano fatorial dos dados feita a partir do jogo de oposições evidenciadas nas respostas aos estímulos indutores, que foram responsáveis pelas três variáveis fixas do banco de dados Tri-deux Mots – idade, escolaridade e estado civil – demonstrou que a escolaridade não apresentou significância diante do percentual total das respostas. Constata-se com este resultado que, possivelmente por ter a população em sua maioria cursado o nível médio (90%), não foram detectadas oposições significativas para a variável escolaridade.

Figura1: Representação Gráfica dos Planos Fatoriais 1 e 2

F2+ ___________________________________________________________________________ ! ! prevenção4 ! cuidado4 ruim4 camisinha4 ! sofrer1

idade fértil ! cuidado com

parceiro3

! lutar1 prazer2

medicamentos1 ! prevenção3 ! ruim1

não se precaver4 normal1 prevenção2 ! infecção

oportunista4 F1- ! com companheiro ---+--- F1+ ! ! ! doença1 ser infectada4 problema1 cuidado1 ! morte1 bom2 medicamentos4

sem companheiro epidemia1

!

companheiro3 Deus1

____________________________________________________idade não fértil____ F2-

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Legenda

F1 (eixo negativo ou lado esquerdo) = idade fértil (18 a 49 anos) F1 (eixo positivo ou lado direito) = idade não fértil (50 a 62 anos)

F2 (eixo negativo) = sem companheiro F2 (eixo positivo) = com companheiro

A Figura 1 descreve os achados para os primeiros fatores F1 e F2. O mapa fatorial é determinado pelas respostas aos quatro estímulos indutores (aids, sexualidade, práticas

sexuais e reinfecção) para os dois grupos – mulheres em idade fértil e mulheres em idade não

fértil, mais relevantes na formação dos eixos. O fator 1 (F1), em vermelho, linha horizontal, traduz as mais fortes representações ou modalidades e explica 33,3% de variância, aos quais foi somado o percentual de 26,9 % relativo ao fator 2 (F2) em azul, linha vertical do gráfico, alcançando 60,2% da variância total das respostas. As 50 mulheres entrevistadas evocaram 592 palavras, das quais 242 foram diferentes.

Destacam-se no primeiro fator as modalidades relativas às respostas evocadas pelas mulheres em idade fértil, elas se encontram do lado positivo do eixo um (1) e são representadas pelas palavras: ruim, infecção oportunista, prazer, prevenção, ser infectada e medicamentos, cada uma delas com um número correspondente ao estímulo, conforme demonstra o Quadro 1.

As modalidades correspondentes às respostas do grupo de mulheres em idade não fértil, são apresentadas no gráfico do lado negativo do eixo um ou primeiro fator e estão representadas pelas seguintes palavras evocadas: camisinha, não se precaver, normal,

prevenção e cuidado que estão igualmente sinalizadas com um número referente ao estímulo

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Quadro – 1 Classificação ordinária dos estímulos indutores.

Estímulo indutor Número do estímulo

O que é aids para você? 01

O que é sexualidade? 02

O que vem a sua cabeça quando falo a expressão práticas sexuais ?

03

O que é re-infecção para você? 04

As oposições entre as modalidades de respostas evocadas pelas mulheres do em idade fértil e das mulheres em idade não fértil podem ser visualizadas através das representações distribuídas ao longo do eixo um, que na Figura 1, estão situadas no lado direito e esquerdo respectivamente. Já para o segundo fator (F2) ou eixo 2, linha vertical azul, ocorre uma oposição entre o grupo de mulheres que possuem companheiros e aquelas que não possuem companheiros (parte superior e inferior do gráfico).

Adquirir confiança e respeitar as entrevistadas foram condições indispensáveis para a compreensão dos discursos e de suas representações. Com base nesta perspectiva e, sempre atenta aos compromissos éticos assumidos com as entrevistadas, é que os conteúdos resultantes da transcrição das entrevistas foram trabalhados, tendo como finalidade revelar as várias faces do objeto de estudo, tornando possível a apreensão e a compreensão da realidade estudada, o que permitiu extrair as categorias que são descritas a seguir:

Vulnerabilidade e Fidelidade

Das mulheres entrevistadas foi possível inferir uma noção muito forte de fidelidade, para a qual elas analisam sob a perspectiva dos homens e das mulheres. Para elas, a principal justificativa relacionada à fidelidade diz respeito ao amor e ao envolvimento com outras

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pessoas. Nesta perspectiva, Martin (1995, p. 111), salienta que “o amor, categoria definida em função da afetividade, vivida de diversas maneiras, ofusca o contexto do risco e da contaminação” e, conseqüentemente, o risco de reinfecção. Isso decorre do estabelecimento da confiança no parceiro que passa a integrar o relacionamento e que acaba por se tornar um empecilho para elas negociarem o uso do preservativo.

A noção de fidelidade das mulheres está ligada à educação sexual por elas vivida, que se arrasta nos tempos e se perpetua na contemporaneidade. Corrobora com esta afirmação o descrito por O’leary e Cheney (1993), no dossiê do Panos Institute, quando ratifica que as mulheres são alvo preferencial e grande parte das coerções culturais relacionadas às opções e posturas sexuais.

As mulheres, por não quererem colocar em dúvida uma relação estável e conveniente para elas, ainda hoje, se preocupam em serem taxadas como infiéis por quererem usar o preservativo que, historicamente, está vinculado à idéia da infidelidade e às chamadas “mulheres de rua”, aquelas que têm vários parceiros. Por esta razão, seu uso se torna vergonhoso para as “mulheres de família”. Para Guimarães (1992), culturalmente, o condom masculino não corresponde aos valores e às atitudes pautadas no modelo conjugal monogâmico, sustentados pelos pilares de fidelidade e de confiança mútua e está muito mais associado à idéia de comportamentos sexuais promíscuos, irregulares ou desviantes do padrão monogâmico e, é claro, isso assusta as mulheres.

No entanto, ao assumirem esta perspectiva de fidelidade, conseqüentemente, as mulheres estão revestidas do papel de boas esposas e, esquecem ou se negam a pensar na possibilidade dos homens terem outros relacionamentos, o que as deixa em risco para a infecção/ reinfecção.

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“... eu olho pelo meu lado, mesmo que na época meu marido estava na penitenciária, ele ficou, mas saiu logo, mas só que ele estava lá quando eu peguei o Hiv. Ele lá e eu na rua não me envolvi com ninguém. Eu amo ele, então não me envolvia com ninguém, era só ele, e desde quando ele estava lá naquele lugar... Eu nunca imaginava que ele ia pegar outra mulher lá dentro, apesar de ser um presídio, né?” (ACAS, 30anos).

“A mulher é mais sensual, mais ligada a coisa de compromisso ao homem. O homem faz sexo por fazer...” (MGSC, 43 anos).

No que diz respeito aos homens sabe-se que desde sua infância são socializados para o exercício de sua sexualidade. Desde cedo são cobrados da sociedade a firmar sua virilidade e masculinidade. As mulheres afirmam isso em suas falas, e os consideram como seres sexuais, ou seja, fazem sexo sem envolvimento.

“...o homem é mais sexual. A mulher é mais sensual, mais ligada a coisa de compromisso ao homem. O homem faz sexo por fazer” (MGSC, 43 anos).

A infidelidade do homem é colocada em questão em contraposição com o

sentimentalismo e o comprometimento com o parceiro que a mulher sempre apresenta, o que a tem tornado a parte vulnerável da relação no que respeita à aids. Vermelho et. al. (1999) chamam atenção para o fato de que a vulnerabilidade das mulheres guarda relação com o comportamento sexual do companheiro, no que são corroborados por Paiva (2000), Simões Barbosa (1995) e Martin (1995).

As mulheres entrevistadas afirmam, ainda, que os homens, além de serem infiéis, não revelam sua soropositividade e acabam por contamina-las irresponsavelmente, como se pode apreender do depoimento abaixo:

“...tem homem que sabe e se faz que não sabe e passa para a mulher. Já a mulher é difícil ter e passar para o parceiro. É mais fácil chegar e normalizar, contar para ele” (MLO, 52 anos).

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Nesta perspectiva, Paiva (2000, p.133) chama atenção de que esse é um outro problema que a aids em mulheres vêm desnudando, ou seja, “a dupla traição da confiança, onde a segunda, vem se respaldando na dificuldade que os homens dizem ter, para falar sobre os problemas de saúde que envolvem a sexualidade, principalmente, das doenças sexualmente transmissíveis”.

Segue esta mesma autora explicitando, que o fato dos homens retardarem ou omitirem seu resultado positivo para o Hiv tem aumentado sobremaneira a vulnerabilidade das mulheres e, as tem levado a serem diagnosticadas e tratadas tardiamente fazendo com que os sintomas progridam muito mais rapidamente. Em seu estudo os homens justificaram tal atitude, pelo medo do abandono por parte da mulher e dos filhos e da discriminação que possam vir a sofrer. Enquanto que as mulheres tendem a ser menos egoístas, expressam sua raiva em terem sido contaminadas, mas dividem seu diagnóstico com o parceiro, com familiares e amigos e se solidarizam com o resultado dos seus companheiros.

Vulnerabilidade e Anatomia

Para as mulheres entrevistadas existe divergência na possibilidade de homens e mulheres adquirirem aids porque, diferentemente do homem, a mulher “é um espaço aberto e é um depósito” e, isto para elas tem explicação na anatomia de cada um deles, como está disposto nos relatos que se seguem:

“Quando o homem e a mulher têm relação, o líquido dele fica lá na mulher um tempão, e geralmente tem um problema, e o líquido da mulher geralmente não fica no homem, entendeu?! Tem possibilidade dele pegar também, mas eu acho que é muito mais fácil para a mulher pegar do homem” (LRS, 25 anos).

“A mulher é mais propícia, não é? Eu acredito que a mulher seja mais propícia. A mulher é um depósito não é? ” (SCSS, 35 anos).

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É certo que no ato sexual o sêmen masculino é depositado no canal cervical feminino, e isso contribui com a possibilidade das mulheres adquirirem o Hiv mais rapidamente que os homens. Sabe-se, também, que o sêmen contém maior número de vírus comparado com o muco cervical feminino, que seu tempo de contato com a vagina é muito maior se comparado com aquele entre o muco cervical e o pênis, além do que, acresce-se a constatação de que no ato sexual ocorrem microferimentos na vagina e, deste modo, a mulher torna-se mais vulnerável ao contato com o Hiv (BRASÍLÍA, 2003).

O’leary e Cheney (1993) ratificam estes dados quando afirmam que a vulnerabilidade de homens e mulheres, no contexto da transmissão heterossexual, guarda uma estreita relação com a conformação biológica, pois as chances de contaminação de um homem, para se infectar com uma mulher infectada, são muito menores que ao contrário.

Vulnerabilidade e Cuidado

A mulher tem sido socializada e educada a partir de valores morais em torno do casamento, da maternidade e da família e, historicamente, a ela tem sido conferido o papel de cuidadora. Por esta razão, lhe tem sido reservado o espaço privado e, conseqüentemente, a responsabilidade com o cuidado e a manutenção da harmonia no lar.

Nas últimas décadas as mulheres têm expandido seu papel para o mundo público, porém, mesmo trabalhando fora de seus lares, a função de cuidadora da família ainda se mantém sob sua responsabilidade. As mulheres entrevistadas mostram isso de forma sutil, focalizando que mesmo doentes têm que cuidar dos filhos e marido que também já está doente e, além disso, se preocupam em não contaminar as outras pessoas com o Hiv.

O cuidado se mostra como mais uma dificuldade que a mulher tem para se ver como vulnerável, dado que a preocupação com as pessoas do seu convívio social é mais forte quando comparada com o cuidado consigo mesmo e com o seu corpo. Para O’leary e Cheney (1993) a

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aids representa uma tripla ameaça para as mulheres pois elas podem se contaminar, podem transmitir para o bebe e se soropositivas, doentes ou sadias, serão elas as responsáveis por cuidar daqueles que estão sadios ou doentes. Assim falam as mulheres do estudo:

“Eu acho que sim, porque no momento, a mulher pelo fato dela ter filho, dela gerar um filho, ela tem mais atenção na vida, sabe. Tem mais cuidado. O homem não tem esse cuidado. O homem pensa muito em si” (ISS, 30 anos)

“Tomo a medicação, às vezes tomo, às vezes não tomo. Tem hora que dá um tédio de tomar, dá uma agonia. Ai vai vivendo ai pedindo força a Deus para criar meus filhos. Um tem 10 o outro tem 12. Meu marido ficou logo impossibilitado”(MSS, 35 anos)

Como se pode perceber as mulheres sentem-se responsáveis pelo cuidado da família, entretanto, esta atividade é normalmente subestimada, particularmente pelas próprias mulheres. Parece-lhes - como a todo mundo - natural que sejam elas a assumir uma série de responsabilidades na casa, no local de trabalho e na comunidade. Fazem isso como parte de seu papel de mães, esposas, companheiras, avós e irmãs e como profissionais de saúde.

Vulnerabilidade e Uso do preservativo por mulheres

Sabe-se que práticas educativas e práticas de sexo seguro são as únicas armas disponíveis para a prevenção da infecção/ reinfecção pelo Hiv. Entretanto, não se pode perder a perspectiva de que por estarem relacionadas ao controle do comportamento sexual se tornam ações complexas e difíceis. Isto porque, implicam em influir em hábitos, representações e atitudes que estão na esfera privada, relacionadas à reprodução e aos papéis de gênero, nas quais, as mulheres estão quase sempre em situação de desigualdade.

Kalichman (1993), chama atenção para o fato de que numa cultura heterossexual machista as possibilidades de serem incorporadas práticas de sexo seguro no exercício da

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sexualidade se tornam mais restritas, dado que o poder de negociação entre os parceiros não é igual.

Apreende-se dos discursos das entrevistadas, três comportamentos relacionados ao uso do preservativo, quais sejam, as que não usam nunca, as que não usam freqüentemente e as que usam sempre.

Na primeira perspectiva, foi possível observar que o não uso do preservativo se deu por duas causas. A principal delas, porque não mantêm mais relação sexual com os seus ou com novos parceiros. A confirmação do diagnóstico de soropositividade parece recair sobre elas em particular e, sobre as mulheres em geral, como uma espécie de trauma que as amedronta e as envergonha, já que revelar a soropositividade seria se expor ao sofrimento da discriminação, o que leva à dificuldade das mulheres em exercer sua sexualidade com um parceiro.

“Eu não tenho vida sexual porque eu acho complicado. Não vou ter nenhuma situação afetiva onde eu tivesse que me expor, colocar esse problema para ver o que é que vai dar” (MGSC, 43 anos).

“ Quando eu descobri que estava com Hiv, eu não fiquei mais com ninguém. Depois eu conheci um rapaz soropositivo, logo depois, só que eu não consegui ter sexo normal com ele não. A gente ia de camisinha, só que eu ficava com medo dele não colocar direito, sei lá, eu não consegui” (LRS 45 anos).

“Eu me isolei. Eu não tenho mais relação com ele. De cinco anos para cá que eu estou em tratamento eu não tive mais relação com ele. Eu me revoltei, ai eu fiquei com medo” ( JLS 53 anos).

Os depoimentos das mulheres demonstram que há que se considerar a necessidade de investir em estratégias que possam transformar qualitativamente as relações entre homens e mulheres, proporcionando a estas maiores poder de negociação e de diálogo com seu companheiro e, não apenas, a reprodução do discurso da prevenção a partir do sexo seguro, dada a complexidade que ele encerra.

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A falta de informação também foi relatada, principalmente, em relação ao preservativo feminino, desnudando, inclusive, a não ou má informação dada pelos(as) profissionais de saúde. Isso mostra uma deficiência dos programas e dos serviços de saúde, bem como, a falta de profissionais capacitados para tal.

Dentre as entrevistadas nota-se também a dificuldade de buscar a informação. Algumas mulheres ainda hoje se vestem de um pudor que significa a vergonha de se despir de pré-conceitos sócio-culturais e religiosos que envolvem o tema sexualidade.

As sociedades ainda ditam o que é vergonhoso ou não saber. A camisinha é uma delas, é uma vergonha expor os órgãos sexuais para discussão do que se deve ou não fazer com eles. Bologne (1990) afirma que é indecente exibir dignidade. A dignidade a que o autor remete é o modelo social no qual, as pessoas, em especial a mulher, não podem expor, ou fazer se expor o corpo. Isso pode ser detectado na fala de uma das entrevistadas, que nos mostra a dificuldade em ultrapassar os limites da educação recebida:

“ Essas coisas assim eu não conheço bem não, porque eu não tenho movimento com as pessoas não, nem para fazer pergunta nem nada. Nunca fumei na minha vida, nunca bebi, nunca andei com ninguém. Você pode mostrar, trazer ai, que eu não sei o que é. Não é porque eu queira ser a melhor, não, entendeu, porque minha família é uma família direita e eu nunca quis dá desgosto a meu pai. Até hoje, nunca pisei meu pé fora do limite porque eu sempre carreguei isso na minha cabeça” ( JLS, 35 anos).

Para aquelas que relataram que não usam freqüentemente o preservativo as justificativas se devem não só à deficiência de informação sobre a importância do preservativo para a reinfecção ou adoecimento, mas também à dificuldade de negociação com o parceiro. A submissão à vontade do parceiro ainda é marcante, isso porque a sugestão do uso do preservativo, especialmente em parcerias estáveis, pode trazer conseqüências imprevisíveis, pois significa, implicitamente ou explicitamente, um questionamento da fidelidade e da confiança mútuas (VERMELHO et. al., 1999).

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A dificuldade em negociar o uso do preservativo, entre outras explicações, advém, segundo Guerreiro et al. (2002), da compreensão de que a solicitação para o uso da camisinha parece cabível apenas ao homem, se esta proposta partir da mulher, só é considerada justa se for para evitar uma gravidez.

Portanto, quando perguntadas sobre o uso da camisinha estas entrevistadas responderam assim:

“Não. Só em alguns momentos. No período menstrual, no período fértil. Na menstruação por causa dele, não é? Porque como minha taxa é muito imune, minha carga viral é indetectável, de três em três meses ele também faz porque ele não tem o (Hiv). No começo eu queria usar, mas ele mesmo que não quis” (LCGD, 37 anos).

“...Ele não usa. A médica falou: “diga a ele que...” mas ele vem e diz “ah, eu não uso, eu não gosto, ora eu estou doente mesmo para quê eu vou usar? Mas eu digo “mas é melhor, a médica disse que mesmo... que é mais fácil a gente passar mais para o homem, do que o homem passar para a mulher, então eu mando ele se prevenir. De vez em quando eu digo “cadê a camisinha? “ah, eu não quero não, deixa lá”. A gente pega a camisinha e fica guardada. Se eu falar mais é pior, porque se eu falar ai tem discussão, ai eu paro. Logo, quando ele diz assim, vamos para o quarto... então eu digo “pega a camisinha! –“ah, eu não quero!” Se eu disser não, “se eu não quero, é melhor ainda porque você não vai usar camisinha. Ai ele diz: “isso é porque você já pegou homem na rua, por isso que você não quer.” Ai rapaz, que mente! Porque tanto que eu disse a ele que sem camisinha eu não vou. Eu não estou me protegendo, eu estou protegendo mais ele, porque eu seu que a minha infecção é mais forte e a dele é mais fraca, então, é para a dele não aumentar. Eu quero usar, mas ele não quer” (MOS, 31 anos)

Estes depoimentos conduzem a uma reflexão sobre as relações de poder presentes no relacionamento de homens e mulheres, que levam a situações de subordinação e dominação na esfera da sexualidade. Sendo a transmissão sexual da aids dependente de medidas preventivas que requerem mudanças no comportamento sexual, ela acaba por se converter em mais um instrumento de dominação para as mulheres que se submetem aos comportamentos dos homens, mesmo quando estão conscientes dos riscos que correm e/ou que os fazem

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correr. Vale salientar que estes depoimentos expressam que não há diferenças no comportamento preventivo de casais sejam eles soropositivos ou sorodiscordantes, o que os leva a aumentar a vulnerabilidade à reinfecção.

Uma grande parcela das entrevistadas (27), afirma sempre usar o preservativo, seja por ordem médica, para sua própria proteção ou para proteger o parceiro soronegativo. O medo de ter relação sem preservativo e prejudicar sua recuperação é citado por algumas mulheres para justificar o uso do condom. Todavia, o fato de estarem com um parceiro soronegativo para o Hiv, aguça ainda mais a preocupação com o outro, levando-a muitas vezes a se preocupar mais em não contaminar o seu parceiro ou não recontaminá-lo do que propriamente em proteger a si própria.

“ Eu faço tudo assim, na ordem do médico... se tiver relação eu uso camisinha...” (JRS 25 A 36)

“Eu uso preservativo. Sempre uso. Principalmente com meu namorado. Ele não é soropositivo, e ai agente usa. Mas ele sabe, entendeu?” (ACN, 22 anos)

“Camisinha. Uso camisinha. Tenho medo, a médica fala muito para usar. Porque pode ser que eu pegue outras, não é! Hepatite B, sei lá, ou C e outras coisas aí que acontecem, inflamações. Ele tem que usar porque ele não tem (Hiv) não. Ele tem que usar” (MAR, 53 anos) Os depoimentos apontam para a necessidade de instrumentalizar as mulheres para além do sexo seguro, ou seja encontrando formas mais seguras de educá-las sobre a infecção pelo Hiv. Para tanto, se faz necessário que as campanhas e as práticas educativas adotadas partam do conhecimento dos hábitos, das atitudes e das práticas sexuais de homens e mulheres utilizando um discurso sobre sexo seguro que seja desgenitalizado, que permita a informação sobre medidas e formas seguras para o exercício da sexualidade, sem criar novas disfunções e que promova mudanças comportamentais.

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A vulnerabilidade das mulheres à aids é uma realidade e para tanto é preciso enfrentá-la. Muitas são as iniciativas para o seu enfrentamento, entretanto, elas ainda não conseguiram a eficiência necessária para conter a epidemia nesta população.

Os resultados deste estudo mostram que faz-se necessário serem repensados o modo como são desenvolvidas as práticas educativas, pois é preciso encontrar formas mais eficazes de educar sobre a redução do risco, para que as mulheres se instrumentalizem e possam aderir às estratégias que buscam mudanças de comportamento.

As mulheres do estudo embora soropositivas apresentam características individuais e sociais que as colocam em situação de vulnerabilidade à reinfecção pelo vírus Hiv, o que demonstra que, mesmo vivenciando a soropositividade e conhecendo o risco de reinfecção, as entrevistadas não cumprem eficazmente as ações de prevenção. Por esta razão, há que se compreender que as medidas preventivas são cercadas de códigos, relações e interpretações sócio-culturais inseridos no quotidiano das pessoas, que não são desconstruídas/reconstruídas facilmente e em decorrência de informações ou de regras prescritas para serem seguidas.

A conformação biológica e o processo de socialização das mulheres apresentam características que as colocam em situação de vulnerabilidade ao Hiv. Os depoimentos das entrevistadas apontam para a necessidade de adoção de medidas que instrumentalizem as mulheres para enfrentarem situações de subordinação e dominação na esfera da sexualidade e, para exercerem o diálogo e a negociação de práticas sexuais seguras. Entretanto, é preciso ficar atenta ao fato de que as mulheres não constituem um grupo homogêneo, portanto as singularidades devem ser consideradas.

Do mesmo modo, faz-se necessário incorporar os homens nas discussões sobre saúde sexual e reprodutiva e sua articulação com a vulnerabilidade à infecção pelo Hiv,

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desconstruindo comportamentos que são por eles adotados e que perpetuam o contexto do risco a que estão submetidas às mulheres, tais como, a infidelidade, a omissão ou retardamento na informação sobre dst/aids que por ventura possam estar sendo acometidos e a dificuldade na aceitação do uso do preservativo.

Considerando a ausência no repertório destas mulheres do uso do preservativo feminino e a pequena ou quase ausente participação dos profissionais de saúde no processo educativo identifica-se a necessidade de maior envolvimento para a instrumentalização da população soropositiva.

REFERÊNCIAS

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83.

VERMELHO, Leticia Legay, BARBOSA, Regina Helena Simões e NOGUEIRA, Susie Andries. Mulheres com Aids: desvendando histórias de risco. Cad. Saúde Pública, abr./jun. 1999, vol.15, no.2, p.369-379. ISSN 0102-311X. Disponível em

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