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Expressões de caso em Tembé

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Academic year: 2021

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Expressões de caso em Tembé

Profª Drª Ana Suelly Arruda Câmara Cabral

Centro de Língua e Literatura Vernáculas, UFPA, orientadora e coordenadora do projeto Pesquisa e Descrição da Língua Jo’é

66110-000, Belém-PA tel: (091)223-8783 e-mail: asacc@amazon.com.br Genne Eunice da Silva Carreira

Centro de Língua e Literatura Vernáculas, UFPA, bolsista PIBIC-CNPq 66110-000, Belém-PA tel: (091)257-2301 e-mail: gennecarreira@hotmail.com

RESUMO

O presente artigo trata das expressões de caso na língua Tembé, uma das línguas Tupí-Guaraní do subconjunto IV [1] dessa família lingüística. A língua Tembé é hoje falada como primeira língua por aproximadamente 60 pessoas, segundo informações fornecidas por índios Tembé da aldeia Tekoháw, situada na Reserva Indígena do Alto Turiaçu, na fronteira entre os estados do Pará e do Maranhão. As considerações sobre as expressões de caso em Tembé, aqui apresentadas, foram fundamentadas nos ensinamentos sobre a teoria dos casos encontrados em [2] Jakobson (1990), assim como nos trabalhos específicos sobre caso na família Tupí-Guaraní, da qual o Tembé faz parte [3] [4].

ABSTRACT

This article deals with the expressions of case in the Tembé language, one of the Tupí Guaraní languages classified by [1] Rodrigues as belonging to the subgroup IV of this linguistic family. The Tembé is at present spoken as first language by aproximately 60 individuals, according to information given by some Tembé Indians living in the Tekoháw village located at the Alto Turiaçu reservation, at the Pará and Maranhão boundaries. The present considerations about the expressions of case in Tembé were based on what we can learn about the general theory of case from [2] Jakobson (1990), as well as on specific works about case in the Tupí-Guaraní family [3] [4].

PALAVRAS CHAVES: caso, Tembé e Tupí-Guaraní. 1. INTRODUÇÃO

O presente artigo trata das expressões de caso na língua Tembé1, uma das línguas Tupí-Guaraní do subconjunto IV [1] dessa família lingüística. A língua Tembé é hoje falada como primeira língua por aproximadamente 60 pessoas, segundo informações fornecidas por índios Tembé da aldeia Tekoháw, situada na Reserva Indígena do Alto Turiaçu, na fronteira entre os estados do Pará e do Maranhão. As considerações sobre as expressões de caso em Tembé aqui apresentadas foram fundamentadas nos ensinamentos sobre a teoria dos casos

1 Serviram de base para este estudo dados pertencentes ao acervo do projeto Pesquisa e descrição da

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encontrados em [2] Jakobson (1990), assim como nos trabalhos específicos sobre caso na família Tupí-Guaraní, da qual o Tembé faz parte [3] [4].

2. AS EXPRESSÕES DE CASO EM LÍNGUAS TUPÍ-GUARANÍ MAIS CONSERVADORAS

Segundo [3] Aryon Dall´Igna Rodrigues, caso pode ser definido como “um sistema de marcação de nomes para indicar o tipo de relação que estes têm para com os núcleos dos sintagmas em que ocorrem.” De acordo com Rodrigues, tradicionalmente, os casos ocorrem por meio de afixos, como os observáveis nas declinações do Latim. Contudo, atualmente é feita a distinção entre caso morfológico e caso semântico. Casos morfológicos são expressos por meio de morfologia flexional e os casos semânticos podem se associar a partículas ou a raízes adposicionais (preposições e posposições), assim como podem estar associados a elementos pronominais diferenciados.

Rodrigues observa que o sistema casual das línguas Tupí-Guaraní mais conservadoras, como é o caso do Tupinambá, marca os nomes dependentes por meio de sufixos e/ou posposições. Uma característica desse sistema é a presença de um caso morfológico que abrange várias relações, incluindo todas as relações nucleares (S – sujeito de intransitivos; A – agente, sujeito de transitivos; P – paciente, objeto de transitivos; G – genitivo; OP – objeto de posposição). Trata-se do caso argumentativo, o qual marca todos os argumentos principais dos verbos, além do objeto de posposição. Há quatro casos de natureza locativa:

- caso translativo – marca um estado atingido por um processo e também os complementos predicativos;

- caso locativo pontual e caso locativo difuso – indicam lugar ou tempo definido e lugar ou tempo não definido, respectivamente;

- caso locativo situacional – indica situação em referência a uma parte de um todo. As demais relações de dependência são realizadas por meio de posposições. [4] Cabral identifica, no Asuriní do Tocantins, a existência de cinco casos morfológicos, que correspondem aos casos morfológicos do Tupinambá descritos por [3] Rodrigues. Cabral distingue os casos nucleares, marcados por sufixos, dos casos periféricos, que são marcados por posposição.Segundo essa autora, as posposições do Asuriní do Tocantins podem se associar a diferentes casos da mesma forma que um mesmo caso pode ser expresso por mais de uma posposição. Eis alguns exemplos que ilustram essas particularidades das posposições em Asuriní do Tocantins:

ehé ~ -hé caso relativo

[e-esák=kato kosó-a r-ehé] ‘tome cuidado com as mulheres’

ehé ~ -hé caso dativo

[o-se/eΝán sekwehé o-óp-a o-se-hé] ‘estava cantando deitada para ela mesma’ -pé / -hé caso dativo

[a-se/éΝ we-sá we-se-pé] ‘eu disse pensando para mim mesmo’

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3. CASO E POSPOSIÇÃO EM TEMBÉ

Em Tembé, como em Tupinambá e em Asuriní do Tocantins, relações de dependência podem ser expressas por elementos pronominais diferenciados, por casos morfológicos e por posposições.

Neste estudo, descrevem-se as relações de dependência expressas por sufixos e posposições, tendo como referência os estudos sobre caso em Tupinambá [3] e em Asuriní do Tocantins [4].

3.1. Caso morfológico -ramu caso translativo

O caso translativo em Tembé é expresso pelo sufixo - ramu, que, como em Tupinambá e em Asuriní do Tocantins marca um estado atingido por um processo e também os complementos predicativos:

1) u-dapó dakaré ¢-pirér ¢-popyhá-ramu

3-fazer jacaré CNT-pele NCNT-pulseira-TRANS

‘ele transformou couro de jacaré em pulseira’

2) u-dapó mar-awér ¢-k1ehá-ramu 3-fazer bicho CNT-pena HG-chapéu-TRANS

‘ele transformou as penas em cocar’ -pe (~ -me) locativo geral

O caso locativo geral é, segundo Carvalho [5] o único sobrevivente dos três outros casos propriamente locativos que são reconstruíveis para o proto-Tupí-Guaraní: o locativo

pontual *-pe ~ * -

situacional *-i ~ *-j.2 Como mostra Carvalho [5], os alomorfes do caso locativo em Tembé têm distribuição idiossincrática, uma vez que, apesar de temas terminados por consoante nasal recebam o alomorfe -me e os temas terminados por consoante oral recebam o alomorfe

-pe, ambos os alomorfes ocorrem em temas terminados por segmentos vocálicos, que no

Tembé são todos orais. Nos dados da variedade do Tembé focalizada neste estudo ocorre apenas o alomorfe -pe. Exemplos de nomes flexionados por esse alomorfe do caso locativo são:

3) Dané da-ekó ý-pe

12(3) 12(3)-estar.em.mov. Água-Loc

2 Segundo RODRIGUES [3], no Tupinambá, os casos locativos têm por função indicar a “locação

tanto no espaço quanto no tempo”. O locativo pontual “indica um lugar ou um momento delimitado”, enquanto que o locativo difuso “indica um lugar ou um tempo não delimitado”. O caso locativo situacional “indica situação em referência a uma parte de um todo (como ‘veio nos meus calcanhares’ ou ‘está em baixo do banco’).” Ainda segundo RODRIGUES [3], um outro caso locativo, o caso translativo, “expressa uma mudança de estado físico ou social”.

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'nós estamos na água’

4) uré r-ekó-háw-pe

13 R1-estar.em.mov-Nom-Loc

‘é no nosso lugar’ 3.2. Posposições

O Tembé possui as posposições: -owaké ‘perto de, em presença de’, -enoné ‘na frente de’, -pÏri ‘adessivo’, -kupé ‘atrás’, porupí ‘com gente’, -ehé ‘a respeito de’, -rupí

‘perlativo’, ‘adessivo’ e ‘locativo difuso’, e +wi (clítico) caso ablativo. 5) ihé r-owaké

1 CNT-em.presença.de

‘em minha presença’

6) uré r-enoné

13 R1-em.frente.de ‘em minha frente’

7) hé r-erúri sé hé ¢-nm- wá ¢-pýri

1 R1-trazer aqui 1 R1 -parente-Arg eles R2-com

‘eu já estava aqui em Canindé, eu já estava voltando, faz tempo (com) minha esposa me trouxe para junto de meus parentes’(Carvalho 2001, p. 94)

8) kwehé amó Tenetehár- w

 ro-hó sé Belém ¢-kupé-kutýri Atest-rem outro Tenetehár-Arg Pl 13-ir aqui Belém R1

-costas-outro.lado

‘faz tempo, outros Tenetehára, nós fomos para o outro lado de trás de Belém’

(Carvalho 2001, p. 84)

9) o-hó kwéj Porupí

3-ir Perf com.gente

‘ele foi com a gente’(Cabral 2001, p.137)

10) hé r-azýr- r-ehé hé

r-emininó-

1 R1 -filha.de.homem-Arg R1-a.respeito.de 1 R1-neto-Arg

‘eu penso neles, em meu filho, em minha filha, em meu neto’ (Carvalho 2001, p. 96)

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esse 3-vir Belém+abl 1 CNT-com

‘ele veio de Belém comigo’

12) aé mujté h-ekó ín sé+wi

esse longe NCNT-estar.em.movimento progress aqui+abl

‘ele está bem longe daqui’

Dessas posposições, a posposição -rupi pode ser associada a três diferentes casos semânticos, o locativo difuso, o adessivo e o perlativo. Exemplos disso são dados a seguir: a) -rupí caso locativo

13) ihé a-de-r-ekó=ahý kaá r-upí

1

1-REF-CCM-estar.em.movimento=Ter.dor

mato CNT-no

‘eu me bati no mato’

14) aé ¢-de-r-ekó=ahý ka r-upí esse

3-REF-CCM-estar.em.movimento=Ter.do r

mato CNT-no

‘ele se machucou no mato’

b) -rupí caso adessivo

15) aé u-úr Belém+wi Hé r-upí

esse 3-vir Belém+wi 1 CNT-no

‘ele veio de Belém comigo’

c) -rupí caso perlativo 16) a

é

hé r-eikwár r-upí h-ekó ín

esse 1 CNT-parte.de.trás CNT-por NCNT-estar.em.movimento progress.

‘ele está pelas minhas costas, ou seja, ele está atrás de mim’ 4. CONCLUSÃO

Como mostrado neste trabalho, o sistema casual do Tembé é bastante reduzido, sendo as posposições não apenas o meio através do qual casos periféricos são expressos, mas também, pelo menos algumas delas, começam a se associar a casos semânticos que em um

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estágio anterior da língua eram expressos por meio de caso morfológico, como deveria ser o caso ‘locativo difuso’. Em Tupinambá, assim como nas línguas mais conservadoras da família, esse caso é reflexo do morfema de caso morfológico do proto-Tupí-Guaraní *-%o. Finalmente, o presente estudo mostra que o Tembé, como o Asuriní do Tocantins, possuem posposições que se associam a mais de um caso semântico, fato já observado com respeito ao Russo por Jakobson [2].

5. REFERÊNCIAS

[1] RODRIGUES, A. D. Relações internas na família lingüística Tupí-Guaraní. Revista de

Antropologia. São Paulo, n. 27/28, p. 33-53, 1985.

[2] JAKOBSON, R. On language. Waugh, Linda R. e Monville-Burston, Mônica. (orgs.), Cambridge, Havard University Press. 1990.

[3] RODRIGUES, A. D. Caso em Tupí-Guaraní, particularmente Tupinambá. In Anais do

XIII Congresso da Abralin, CDROOM. 2000.

[4] CABRAL, A. S. A. C. Aspectos da marcação de caso no Asuriní do Tocantins. In Anais

do XIII Congresso da Abralin, CDROOM.2000.

[5] CARVALHO, M. G. Sinais de morte ou de vitalidade na Língua Tembé?

Contribuição ao estudo do contato lingüístico na Amazônia Oriental, 2001. Dissertação

(Mestrado), Letras (Lingüística e Teoria Literária), UFPA - Universidade Federal do Pará, Ana Suelly Arruda Câmara Cabral

BOUDIN, M. H. Dicionário de Tupí-Moderno (dialeto Tembé-Ténêtéhar do alto rio

Gurupi), 2 vols. São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas. 1978.

CABRAL, A. S. A. C. O desenvolvimento da marca de objeto de segunda pessoa plural em Tupí-Guaraní. In: Cabral, A. S. A. C; Rodrigues, A. D. (orgs.). Estudos sobre línguas

indígenas. Belém: Gráfica da UFPA, 2001a. p.117-146.

DIETRICH, W. El idioma chiriguano. Gramática, textos, vocabulario. Madrid: Instituto de Cooperación Ibeoamericana. 1986.

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