UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
... Por amor de Deus
Representação das Obras de Misericórdia, em painéis de azulejo, nos
espaços das confrarias da Misericórdia, no Portugal setecentista
Maria do Rosário Salema Cordeiro Correia de Carvalho
Dissertação orientada pelo Professor Doutor Vítor Serrão
MESTRADO EM ARTE, PATRIMÓNIO E RESTAURO
2007
Resumo
Pretendeu-se, com a presente dissertação, estudar a representação das obras de
misericórdia em painéis de azulejo do século XVIII, do ponto de vista da sua iconografia e
integração no espaço das Misericórdias portuguesas. Partindo da doutrina destas catorze
acções caritativas e das imagens conhecidas na Europa, e em Portugal, procurou-se inscrever
a sua representação, particularmente divulgada entre nós no século XVIII, num quadro bem
mais complexo que é o da história das próprias Misericórdias, implantadas em território
nacional a partir de 1498.
À compreensão da representação das obras de misericórdia na sua totalidade, e
integradas no contexto das confrarias que fizeram destas acções caritativas a base das suas
atribuições, correspondeu a confirmação da unidade conceptual e, também, plástica, dos
vastos programas azulejares do século XVIII. Estes, tirando partido das suas potencialidades
narrativas, e apesar das diferenças de erudição entre si, souberam revestir os templos, e outros
espaços, de imagens doutrinais de grande significado.
Da ideia que presidiu à fundação da Misericórdia de Lisboa até ao século XVIII, um
longo caminho foi trilhado. Uma componente espiritual de grande peso, observada
originalmente, foi cedendo a uma crescente especialização de tarefas, e determinadas obras
foram privilegiadas em detrimento de outras.
Paralelamente, verificou-se uma tendência de crise e decadência na vida das
Misericórdias durante a centúria de Setecentos, período ao qual se reporta o maior número de
representações de obras de misericórdia. Facto que se prende, quanto a nós, com uma questão
de promoção e legitimação institucional, relacionada com o próprio enquadramento da
assistência, que caminhava no sentido da lenta secularização, ainda que apenas consumada
muito mais tarde. Legitimação essa que procurou, até ao terceiro quartel da centúria de
Setecentos, fazer face à crescente corrupção e falência das Misericórdias e manter-se dentro
dos moldes tradicionais de ajuda ao próximo, com base em fundamentos religiosos.
Abstract
I intended to study the representation of the works of mercy in the 18
thcentury tile
(azulejo) panels, from the double point of view of their iconography, and their integration in
the context of the Portuguese Misericórdias. Starting with the doctrinal analysis of these
fourteen charitative actions, and the related images known both in Europe and in Portugal, I
essayed to inscribe these representations, particularly disseminated among us in the 18
thcentury, in a much more complex context, that of the history of the Misericórdias, established
in Portugal from 1498.
To the understanding the works of mercy representation in its totality, and in the
context of confraternities that had in those charitative actions the bases of their attributions, it
will correspond the confirmation of both conceptual and plastic unity of the vast 18
thcentury
programs of azulejo. Taking advantage from their narrative potential, they successfully
covered entire walls, in temples and other buildings, with images of great doctrinal meaning,
even if displaying distinct grades of erudition.
From the initial idea that leads to the foundation of the Misericórdia of Lisboa to the
18
thcentury, there goes a long distance. The heavy spiritual component originally present
gave way, progressively, to a crescent specialization of tasks, with certain works being
privileged in detriment of others.
At the same time, a tendency of crises and decay occurred in the life of the
Misericórdias during the 18
thcentury, period to which most of the representations of the
works of mercy date back. In my opinion, this correlation is linked to the crescent need for
institutional promotion and legitimation, due to the reforming of the notion of social
assistance, slowly evolving to secularisation, not consummated until much latter. This search
for legitimating was, at least until the third quarter of the 18
thcentury, a way of facing the
growing corruption and bankruptcy of the Misericórdias, and also of keeping the assistance
activity within traditional religious grounds.
Índice
Introdução
...
8Parte I
Contextualização
1. Evolução das obras de misericórdia até ao século XVIII. História e doutrina ...
141.1 O conceito de Misericórdia ... 15
1.2 As obras de misericórdia na Bíblia ... 17
1.3 Os primeiros passos para a definição de uma doutrina ... ... 21
1.4 O édito de Milão e a patrística ... ... 23
1.5 A definição do enunciado das obras de misericórdia ... ... 26
1.6 Os primeiros exemplos de obras de misericórdia na arte ... 29
1.7 Outros textos significativos ... 33
1.8 A fixação do enunciado das obras de misericórdia reflecte-se na arte? ... 34
1.9 Os primeiros textos portugueses e as confrarias que antecederam as Misericórdias ... 41
1.10 A espiritualidade de D. Leonor e as primeiras Misericórdias: as obras nos Compromissos ... 45
1.11 Sob o signo do Concílio de Trento - os catecismos do século XVI ... 48
1.12 Entre protestantes e católicos – a indefinição de uma iconografia ... 54
1.13 Os exemplos portugueses pós Trento - O século XVI ... 64
a) O século XVI ... 64
b) O século XVII e a iconografia da Nossa Senhora da Misericórdia ... 66
c) O grande impulso do século XVIII em Portugal ... 73
1.14 As bandeiras das Misericórdias como exemplos de obras de misericórdia ... 77
1.15 Síntese sobre a iconografia ... 78
1.16 A literatura de espiritualidade dos séculos XVII e XVIII ... 79
2. As misericórdias portuguesas ...
832.1 A pobreza nos alvores da Idade Moderna, a fundação da Misericórdia de Lisboa e a tendência para a secularização da assistência ... 84
2.2 As obras nos Compromissos ... 86
2.3 Sete obras espirituais e sete obras corporais – quais e como eram praticadas as obras eleitas pelas Misericórdias? ... 88
2.4 As obras espirituais ... 92
2.6 As outras obras de misericórdia ... 104
2.7 A visibilidade das Misericórdias: Uma evolução no sentido da caridade-espectáculo? ... 105
2.8 A arquitectura e as campanhas artísticas das Misericórdias ... 108
2.9 Assistência ou propaganda? ... 109
2.10 Quem pratica as obras e beneficia da sua prática ... 112
2.11 As Misericórdias no século XVIII ... 113
Parte II
A representação, em azulejo, das obras de misericórdia no Portugal
setecentista
1. Os programas iconográficos alusivos às obras de misericórdia, nos espaços das
Misericórdias portuguesas de Setecentos ...
1161.1 Pintura a fresco e azulejo – uma continuidade ... 118
1.2 Os espaços das confrarias ... 119
1.3 As opções programáticas de cada confraria ... 122
1.4 A imagem e as palavras ... 129
1.5 Os programas bíblicos - inspirados no Antigo Testamento, na vida de Cristo, e mistos ... 133
1.6 Um retrato das actividades contemporâneas ... 139
1.7 Contributos para uma leitura orientada no espaço ... 141
1.8 As fontes escritas ... 148
1.9 As fontes gráficas e a repetição de modelos ... 155
1.10 Símbolos pluri-significantes de referência às obras ... 157
1.11 Associação a outras temáticas ... 160
1.12 A organização do trabalho: a omnipresença dos azulejadores ... 174
1.13 O processo criativo dos pintores e os encomendadores ... 181
1.14 Os painéis com representações de obras de misericórdia isolados ... 187
1.15 Os programas com representações de obras de misericórdia menos imediatas ... 191
1.16 O azulejo português no Brasil ... 194
Conclusão
Para uma leitura iconológica: A crise das Misericórdias no século XVIII e a
representação das obras de misericórdia como imagem de propaganda e credibilização
das confrarias ...
1971. A ideia de caridade presente na representação das obras de misericórdia ... 198
2. Hierarquias sociais, representatividade dos irmãos, e relação entre a prática das confrarias e a imagem das obras de misericórdia ... 199
3. As obras como iconografia cristológica ... 204
4. A situação das Misericórdia no século XVIII e a sua relação com a representação das obras de misericórdia... 206
5. As representação das obras de misericórdia: promoção, legitimação e purificação das confrarias ... 210
Bibliografia
...
213Índice das imagens ... 243
Apêndice 1
Elenco dos programas azulejares com representação de obras de misericórdia
Igreja da Misericórdia de Estremoz ... 8Igreja da Misericórdia de Évora ... 26
Igreja da Misericórdia de Viana do Castelo ... 53
Igreja da Misericórdia de Grândola ... 88
Igreja da Misericórdia de Olivença ... 94
Igreja da Misericórdia de Mangualde ... 115
Igreja da Misericórdia do Redondo ... 123
Sala do Definitório da Misericórdia de Abrantes ... 133
Igreja da Misericórdia de Arraiolos ... 145
Igreja da Misericórdia de Évoramonte ... 171
Igreja da Misericórdia de Tavira ... 187
Igreja da Misericórdia de Vila Franca de Xira ... 205
Sala do Definitório da Misericórdia de Estremoz (sala de ensaios da banda) ... 223
Igreja da Misericórdia de Alhos Vedros ... 229
Capela do Paço de Cardido – Ponte de Lima ... 237
Sala do Definitório da Misericórdia de Santarém ... 246
Apêndice 2
Fichas biográficas dos pintores de azulejo referidos no texto
António de Oliveira Bernardes ... 256Domingos de Almeida ... 268
Manuel dos Santos ... 270
Policarpo de Oliveira Bernardes ... 273