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Um livro com 200 anos: a Farmacopeia Portuguesa (edição oficial): a publicação da primeira farmacopeia oficial: Pharmacopeia Geral (1794)

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Autor(es):

Pita, João Rui

Publicado por:

Imprensa da Universidade de Coimbra

URL

persistente:

URI:http://hdl.handle.net/10316.2/41812

DOI:

DOI:http://dx.doi.org/10.14195/2183-8925_20_3

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UM LIVRO COM 200 ANOS: A FARMACOPEIA PORTUGUESA (Edição oficial)

A publicação da primeira farmacopeia oficial:

Pharmacopeia Geral (1794) **

1. Introdução

Em 1997 foi publicada a última farmacopeia oficial portuguesa: a Farmacopeia Portuguesa VI - edição oficial - (*), constituída por um único e grosso volume e editada pelo Ministério da Saúde/Infarmed.

* Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX.

** Este trabalho resulta do aproveitamento de alguns elementos incluídos na nossa dissertação de doutoramento intitulada A Farmácia na Universidade de Coimbra (1772-1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos no Dispensatorio Farmacêutico, 2 vols.+anexos, Coimbra, Tese de doutoramento, 1995, 624 PP-+265 pp.. O estudo relativo à primeira farmacopeia oficial portuguesa corresponde à segunda parte do vol. 1. Recomendamos a sua leitura aos interessados num estudo mais pormenorizado do tema, bem como a consulta dos anexos que constituem o voi. 3 da nossa dissertação. Este trabalho foi adaptado em livro, pelo que se recomenda, também, a sua leitura: João Rui Pita, Farmácia, medicina e saúde pública em Portugal (1772-1836), Coimbra, Minerva (Colecção Minerva História), 1996, 574 pp.. Esta obra foi, como referimos, o resultado da adaptação de um trabalho académico; por isso, foi aliviada nas notas de rodapé, o texto foi trabalhado de modo a torná-lo mais acessível ao público e de mais fácil leitura e manuseamento, tendo sido apenas publicada uma pequena parte dos anexos.

(’) Farmacopeia Portuguesa VI, Edição oficial, Lisboa, Ministério da Saúde/ Infarmed, 1997.

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Revista de Historia das Ideias

Trata-se da sexta farmacopeia oficial portuguesa, redigida por uma comissão oficial nomeada especificamente para essa função. De acordo com o Conselho de Administração do Infarmed(2), na introdução da

obra, "a publicação da Farmacopeia Portuguesa VI marca uma fase nova nas actividades da Comissão da Farmacopeia Portuguesa, sendo a primeira a ser editada, na totalidade, sob a responsabilidade do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed)(3). Mais

adiante, na mencionada introdução, o mesmo Conselho de Administração refere o seguinte: "cabe à Farmacopeia Portuguesa um papel de enorme importância no complexo sistema de garantia de qualidade do medicamento, ao estabelecer, através das suas monografias, os requisitos a que devem obedecer fármacos, matérias- primas, outras substâncias de uso farmacêutico, métodos analíticos"(4).

A nova Farmacopeia Portuguesa, na senda dos objectivos propostos na primeira farmacopeia oficial portuguesa, pretende ser um livro fundamental na normalização da produção medicamentosa em Portugal. De facto, uma farmacopeia é, precisamente, isto: um livro oficial que normaliza os diversos aspectos relacionados com a produção medicamentosa, as matérias-primas necessárias a essa produção bem como um conjunto de ensaios diversos fundamentais na dinâmica da produção de medicamentos. Na esteira das primeiras farmacopeias oficiais surgidas no mundo, na continuação das farmacopeias contemporâneas, bem como da própria definição de farmacopeia, esta é editada para servir num país ou numa zona territorial. Por isso se pode falar de Farmacopeia Portuguesa, de Farmacopeia Britânica, de Farmacopeia Francesa, de Farmacopeia Helvética e, também, de Farmacopeia Europeia. Uma outra característica fundamental das farmacopeias oficiais é a sua revisão periódica. Por isso se define, então, farmacopeia como "compilação oficial (revista e actualizada periodicamente) que contém a

(2) Sigla do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento que é

um serviço personalizado do Ministério da Saúde cujas "atribuições[...] prosseguem-se nos domínios da disciplina e controlo da produção, distribuição, comercialização e utilização de medicamentos de uso humano e veterinário e de produtos sanitários" (Decreto-Lei n° 353/93, de 7 de Outubro, Artigo 2°).

(3) Farmacopeia Portuguesa VI, ob. cit., p. V.

(5)

nomenclatura dos medicamentos, a sua composição, os seus efeitos, etc."(5). As primeiras farmacopeias surgidas nas comunidades

profissional e científica não eram obras de cariz oficial. Isto é: eram obras redigidas por sujeitos individuais que, entendendo que os seus conhecimentos e as suas compilações científicas eram úteis, publicavam os trabalhos. Estes eram, posteriormente, adoptados ou não pelos diversos médicos e boticários. Ficaram famosas, na Europa, algumas farmacopeias como, por exemplo, a Pharmacopoeia Londinensis, a Pharmacopoea Wirtenbergica, a Pharmacopoea Borussica, a Pharmacopoea

Edimburgensium, a Pharmacopoeia Matritensis, a Pharmacopoeia

Augustana, etc.

A nova farmacopeia oficial portuguesa tem a sua origem na

Pharmacopeia Geral publicada em 1794, editada em Lisboa e redigida

por Francisco Tavares, médico e lente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Esta farmacopeia, enquanto livro oficial, foi a única a ser publicada no século XVIII(6). No decurso do século

XIX publicaram-se duas novas farmacopeias: o Codigo Pharmaceutico

Lusitano, cuja primeira edição teve lugar em 1835, sendo seu autor o

médico Agostinho Albano da Silveira Pinto. A outra farmacopeia

(5) Nova Enciclopédia Larousse, vol. 10., s.l., Círculo de Leitores, 1997, p.

2924.

(6) Sobre as farmacopeias oficiais portuguesas, de 1772 a 1935 vide o

artigo de J.P. Sousa Dias, "De Pombal ao Estado Novo: a Farmacopeia Portuguesa e a história (1772-1935)", Medicamento, história e sociedade, nova série, Lisboa, 4(6), Jul. 1995, pp. 1-8. Neste artigo, em nota, é feita uma revisão sobre a bibliografia mais relevante sobre as farmacopeias portuguesas. Sobre as farmacopeias portuguesas, em geral, vide os trabalhos de F. Carvalho Guerra; A. Correia Alves, "Breve notícia histórica sobre as farmacopeias portuguesas até ao século XIX", in História e Desenvolvimento da Ciência em Portugal, voi. 2, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1986, pp. 815-834 e o clássico trabalho de R. Folch y Andreu, "As farmacopeias portuguesas", Notícias Farmacêuticas, Coimbra, 10(3-4), 1943, pp. 201-253. Sobre as farmacopeias portuguesas, em geral, podem consultar-se, ainda, outros trabalhos, embora de menor dimensão do que os já referidos como, por exemplo, os seguintes: Joaquim Rosendo, Farmacopeias portuguesas, Lisboa, Ed. Lab. Vicente Ribeiro & C., 1952; José A. Damas Mora, "Breve nota sobre as farmacopeias escritas em português", Revista Portuguesa de Farmácia, Lisboa, 29(4), 1979, pp. 358-363. Sobre outros trabalhos respeitantes à história da literatura farmacêutica portuguesa em finais do século XVIII, inclusivamente farmacopeias, vide a bibliografia anexa à nossa dissertação de doutoramento.

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Revista de Historia das Ideias

oficial portuguesa publicada no decurso do século XIX - a Farmacopèa

Portugueza - foi editada em Lisboa no ano de 1876. Esta obra foi

redigida por uma comissão, o que foi inovador numa farmacopeia oficial portuguesa. Esta farmacopeia manteve-se em vigor durante mais de meio século, até à publicação da quarta farmacopeia oficial portuguesa, cuja primeira edição data de 1935(7). Esta farmacopeia

(que teve edições em 1936 e um suplemento em 1961) foi substituída pela quinta farmacopeia oficial portuguesa, obra em vários volumes (primeiro volume publicado em 1986)(8), de muito difícil consulta e

manuseamento, que resultou, tal como a farmacopeia de 1997, de uma adaptação para Portugal da congénere europeia.

2. Século XVIII: um século de farmacopeias

Foi no decurso do século XVIII que a literatura farmacêutica portuguesa, especificamente a edição de farmacopeias, atingiu um regime editorial até então nunca conseguido. Esta proliferação de literatura técnico-científica destinada à aprendizagem da arte de boticário bem como à execução prática dos medicamentos e estudo, colheita e conservação das matérias-primas, bem como à prescrição medicamentosa, não só se revelou mais intensa durante o século XVIII como se mostrou mais articulada com o exercício da profissão farmacêutica e com os avanços operados na terapêutica medica­ mentosa.

As farmacopeias escritas em português datam precisamente do princípio do século XVIII. Em 1704, D. Caetano de Santo António, cónego regrante de Santo Agostinho, radicado no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, publicou nesta cidade a primeira edição da sua

Pharmacopea Lusitana(9), obra que abriu uma nova página na história da farmácia portuguesa e, num sentido mais amplo, na própria história da medicina portuguesa. Foram remetidos, então, para plano secundário os textos publicados até então por Zacuto Lusitano e

(7) Farmacopeia Portuguesa IV, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional

de Lisboa, 1935.

(8) Farmacopeia Portuguesa V, Edição oficial, Lisboa, Imprensa Nacional-

Casa da Moeda, 1986 (Io volume).

(9) Cf. Caetano de Santo António, Pharmacopea Lusitana, Coimbra,

(7)

Francisco Sanches(10), e que nunca assumiram no decurso do século

XVIII a relevância dos textos que se lhes seguiram.

De 1704 a 1785 foram publicadas em Portugal diversas farmacopeias. O que se passou em Portugal estava em sintonia com o que vinha acontecendo nos países europeus cientificamente mais avançados que Portugal(n). Retenhamo-nos, como exemplo, na

Espanha, nação geograficamente próxima de Portugal. Deve dizer- se, desde logo, que a Espanha teve, também, tradições nas descobertas marítimas e significativas tradições na produção de obras no domínio da história natural nos séculos XVI e XVII. Foi, também, no decurso do século XVIII que se deu nesse país a grande explosão de edições de farmacopeias(12). Inicialmente essas obras tiveram uma orientação

regional e, mais tarde, no decurso do século XVIII surgiu a vulgarização das farmacopeias oficiais.

Em Portugal, as farmacopeias publicadas entre 1704 e 1785 não conseguiram o estatuto de texto oficial. Foi em 1794 que teve lugar a publicação da primeira farmacopeia oficial portuguesa. Foi editada para cumprir o que estava determinado nos Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772(13). Assim, no decurso dos noventa

anos que medeiam entre a publicação da primeira farmacopeia portuguesa, a referida Pharmacopea Lusitana(14), e a publicação da

(,0) Cf. J.P. Sousa Dias, Inovação técnica e sociedade na farmácia da Lisboa

setecentista, Lisboa, Tese de doutoramento, 1991, p. 93.

(n) Cf. Glenn Sonnedecker, "The founding period of the U.S.

Pharmacopeia. I. European Antecedents", Pharmacy in History, Madison, 35(4), 1993, pp. 151-162. Sobre a origem da farmacopeia americana, vide do mesmo historiador da farmácia, Glenn Sonnedecker, "The founding period of the U.S. Pharmacopeia. II. A National Movement Emerges", Pharmacy in History, 36(1), 1994, pp. 3-25 e "The founding period of the U.S. Pharmacopeia. III. The first edition", Pharmacy in History, 36(3), 1994, pp. 103-122.

(12) Cf. Juan Esteva, "Las Farmacopeas Hispanas", in Jose Luis Gomez

Caamaño, Professor de Historia de la Farmacia de Barcelona, Barcelona, Facultad de Farmacia, 1980, pp. 103-138.

(13) Cf. Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), voi. 3, Coimbra,

Universidade, 1972, pp. 133-134.

(u) Cf. R. Folch y Andreu, "As farmacopeias portuguesas", art. cit., pp.

204-206; Inocencio Francisco da Silva, Diccionario Bibliographico Portuguez, voi. 9, Lisboa, Imprensa Nacional, 1870, p. 2.

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Revista de História das Ideias

primeira farmacopeia oficial foram publicadas diversas farmacopeias diferentes, tendo algumas dessas obras diferentes edições(15).

Assim, em 1704 foi publicada a referida Pharmacopea Lusitana. Esta obra teve edições posteriores em 1711, 1725 e 1754. A primeira foi editada em Coimbra e impressa por Joam Antunes. A farmacopeia de 1711 foi editada em Lisboa depois do religioso ter trocado Santa Cruz de Coimbra pelo Mosteiro de São Vicente de Fora; foi impressa em Lisboa no Real Mosteiro de São Vicente de Fora. A edição de 1725 foi impressa, igualmente, em Lisboa, na Officina de Francisco Xavier de Andrade. A partir da segunda edição da obra apercebemo-nos duma maior sensibilidade do autor para as questões químicas, relativamente à primeira edição. Tanto assim é que no rosto da obra de 1704 indica-se como sub-título "método prático de preparar e compor os medicamentos na forma galénica com todas as receitas mais usuais", enquanto que na edição de 1711 se refere "método prático de preparar os medicamentos na forma galénica e química". A edição de 1754 teve lugar em Lisboa no Mosteiro de S. Vicente de Fora(16).

Em 1713 foi publicada a Pharmacopea Bateana da autoria do médico da família real inglesa Jorge Bateo(17). Esta obra foi traduzida

do latim para português pelo referido Caetano de Santo António. De acordo com o tradutor, era urgente a divulgação em língua portuguesa daquele texto para que a utilização e o acesso à produção de determinados medicamentos fosse mais fácil. E, assim, inscreveu na farmacopeia que: "lendo-a achei nela tão excelentes receitas que as comuniquei a alguns sapientíssimos professores assim da medicina, como da farmacêutica, os quais me pediram as mandasse imprimir. E como a farmacopeia é escrita em latim [...] me resolvi em fazer a tradução em idioma pátrio, porque se a mandasse imprimir em Latim,

(15) Cf. R. Folch y Andreu, "As farmacopeias portuguesas", art. cit., pp.

201-253.

(16) Sobre a botica do Mosteiro de S. Vicente de Fora vide: João Rui Pita;

J.P. Sousa Dias, "A Botica de S. Vicente e a Farmácia nos mosteiros e conventos da Lisboa setecentista", in A Botica de S.Vicente de Fora, Lisboa, Associação Nacional das Farmácias, 1994, pp. 19-25.

(17) Jorge Bateo, Pharmacopea Bateana, Lisboa, Officina Real Deslandesiana,

(9)

nada fazia de novo, nem utilizava tanto aos naturais, a quem desejo servir" (18).

Em 1716, João Vigier faz publicar a Pharmacopea Ulyssiponense "obra onde, pela primeira vez, se ensina de forma sistemática a preparar medicamentos químicos"(19). Trata-se de uma das

farmacopeias mais significativas da história da farmácia portuguesa uma vez que marca a introdução nestas obras, de um modo criterioso, da medicação química. Atendendo à importância e ao significado dos medicamentos químicos, deve realçar-se o significado da edição desta obra.

No ano de 1735, o boticário Manuel Rodrigues Coelho publicou a primeira edição da Pharmacopea Tubalense(20). Tudo parece indicar que esta farmacopeia foi a que maior divulgação teve no nosso país no regime das farmacopeias não oficiais(21). Esta obra encerra um

vasto e completo inventário de matéria médica e, ainda, um completo formulário. Neste formulário as preparações farmacêuticas encontram- se divididas por grupos tendo a classificação por base a forma farmacêutica.

Em 1766 foi publicada a Pharmacopea Portuense(22). Foi seu autor

o cirurgião António Rodrigues Portugal. A obra tem a sua base,

(18) Jorge Bateo, Pharmacopea Bateana, ob. cit., (Prólogo, páginas não numeradas). Confrontámo-nos, ainda, com uma outra edição da Farmacopeia Bateana: a Farmacopea Batearía, augmentada com os segredos Goddardianos de Jonathan Goddardo, Medico celeberrimo Londinense [...], Pamplona, Por los Herederos de Martinez y à su Costa, 1763.

(19) Cf. J.P. Sousa Dias, "João Vigier e a introdução da química farmacêutica em Portugal", Medicamento, História e Sociedade, Lisboa, 2(5), 1987, p. 1.

(20) Cf. Manuel Rodrigues Coelho, Pharmacopea Tubalense, Lisboa, Of. António de Sousa da Silva, 1735.

(21) Cf. João Rui Pita; J.P. Sousa Dias, "L'influence de la pharmacie et de la chimie françaises au Portugal au XVIIIe siècle: Nicolas Lémery", Revue d'Histoire de la Pharmacie, Paris, 41(300), 1994, pp. 84-90. Esta obra surge posteriormente em 1751 e em 1760. Cf. J.P. Sousa Dias, Inovação técnica e sociedade na farmácia da Lisboa setecentista, ob. cit., p. 127 ss.

(22) Cf. António Rodrigues Portugal, Pharmacopea Portuense, Porto, Officina de Francisco Mendes Lima, 1766. Sobre esta farmacopeia vide o artigo de Luís de Pina, No segundo centenário da primeira farmacopeia portuense, de António Rodrigues Portugal (1766-1966), Sep. O Médico, n° 847,1967.

(10)

Revista de Historia das Ideias

fundamentalmente, em fórmulas inscritas em farmacopeias estrangeiras como, por exemplo, as farmacopeias de Londres, de Edimburgo e de Paris. O autor não fez nenhum inventário das drogas iniciando, desde logo, por ordem alfabética, a descrição das diferentes formas farmacêuticas. A última parte da farmacopeia inscreve um "Index das doenças". Este não é mais do que um inventário de diversas patologias com a respectiva terapêutica, tendo por base os medicamentos referidos na primeira parte da farmacopeia.

Em 1768 foi publicada a Pharmacopea MeadianaÇ23). Foi seu autor o médico inglês Ricardo Mead. Nesta obra, com apenas setenta e duas páginas, as fórmulas estão agrupadas de acordo com a função terapêutica e não com a forma farmacêutica, como acontecia na maioria dos outros textos semelhantes.

O boticário beneditino João de Jesus Maria publicou em 1772, a Pharmacopea Dogmática(24). Esta obra é constituída por dois tomos

onde se trata com pormenor das matérias-primas úteis à produção medicamentosa, bem como das próprias preparações farmacêuticas.

Em 1785, o médico e boticário Manuel Joaquim Henriques de Paiva, publicou a Farmacopèa Lisbonense(25), obra que teve uma segunda

edição modificada em 1802(26). Refira-se que em 1791 Henriques de

Paiva traduziu e adaptou a Pharmacopoeia collegii regalis medicorum

londinensis(27). A propósito das obras de Henriques de Paiva convirá salientar que a Farmacopèa Lisbonense, juntamente com a obra do médico e lente de Matéria Médica e Farmácia da Universidade de Coimbra, José Francisco Leal, Instituições ou Elementos de Farmácia(28),

(23) Cf. Ricardo Mead, Pharmacopea Meadiana, Porto, Officina de Francisco

Mendes Lima, 1768.

(24) Cf. João de Jesus Maria, Pharmacopea dogmatica medico-chimica, e

theorico-pratica, Porto, Officina de Antonio Alvares Ribeiro Guimar, 1772. Sobre esta farmacopeia veja-se o estudo de A.C. Correia da Silva, "Frei João de Jesus Maria e a Farmacopeia Dogmática", Revista Portuguesa de Farmácia, Lisboa, 29(3), 1979, pp. 272-279

(25) Manuel Joaquim Henriques de Paiva, Farmacopèa Lisbonense, Officina

de Filipe da Silva e Azevedo, 1785.

(26) A segunda edição da obra foi publicada em Lisboa, impressa na

Officina Patriarcal de João Procopio Correa da Silva, em 1802.

(27) Pharmacopoeia collegii regalis medicorum londinensis, Olisipone, Ex

Typograf. Regalis Academiae Scientiarum Olisiponensis, 1791.

(28) Cf. José Francisco Leal, Instituições ou Elementos de Farmácia, Lisboa,

(11)

constituem autênticos precursores da farmacopeia de Tavares. Estas duas obras constituem, em conjunto, uma verdadeira farmacopeia, a última, pode dizer-se assim, publicada antes da edição da farmacopeia oficial de 1794 - a Pharmacopeia Geral(29). A farmacopeia de Paiva constitui o formulário medicamentoso e o inventário das drogas, enquanto que a obra de José Francisco Leal constitui o tratado de técnica farmacêutica inerente a qualquer farmacopeia. Daí o interesse de Henriques de Paiva em fazer publicar a obra de Leal após o falecimento do lente de Coimbra. Havia a garantia de que a obra completava a que ele havia lançado ao público em 1785, prestándo­ se, assim, um serviço à saúde pública do nosso país.

Nestes textos encontram-se plasmados dois aspectos que, do ponto de vista institucional, merecem a nossa atenção: em primeiro lugar a tomada de consciência por parte dos autores da necessidade de existência de uma farmacopeia oficial; em segundo lugar, a tomada de consciência de que a publicação de uma farmacopeia ultrapassava os limites da farmácia e da terapêutica: era declaradamente um assunto de interesse sanitário público, não sendo nossa intenção neste trabalho realizar um estudo sobre a farmacopeia de Paiva e as modificações que foram operadas na obra, na passagem da primeira para a segunda ediçãoí30).

Todas estas obras surgem num período de notável significado na história da farmácia e na história da medicina, muito em particular na história das ciências e das profissões sanitárias em Portugal(31),

designadamente para a farmácia, para a produção medicamentosa e para o conhecimento das matérias-primas utilizadas na sua preparação. Na realidade, a introdução da química na preparação de

(29) Assim o entendemos e provámos na nossa dissertação de

doutoramento: João Rui Pita, A Farmácia na Universidade de Coimbra (1772- 1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos no Dispensatorio Farmacêutico, voi. 1, ob. cit., Parte II, p. 194 ss.

(30) Sobre este assunto vide João Rui Pita, A Farmácia na Universidade de

Coimbra (1772-1836). Ciência, ensino e produção de medicamentos no Dispensatorio Farmacêutico, ob. cit., sobretudo p. 194 ss. e os anexos.

(31) Sobre a farmácia em Portugal nos finais do século XVIII vide João

Rui Pita, “La farmacia en Portugal a finales del siglo XVIII", in Patricia Aceves Pastrana, La química en Europa y America (siglos XVIII y XIX) - Estudios de historia social de las ciencias químicas y biológicas, México, Universidad Autónoma Metropolitana, 1994, pp. 69-92.

(12)

Revista de Historia das Ideias

medicamentos e a utilização de um arsenal terapêutico cada vez mais enriquecido com os novos fármacos provenientes dos continentes descobertos pelos europeus, com especial destaque para as drogas americanas, davam oportunidade a que as farmacopeias se tornassem, sucessivamente, mais completas, mais rigorosas e, por conseguinte, de maior facilidade de utilização. A polifarmácia, característica do galenismo mais genuíno, tinha tendência a ser arredada das preparações medicamentosas e da própria literatura farmacêutica e terapêutica. A tendência era para que as fórmulas medicamentosas se tomassem cada vez mais simples no que respeita ao número de constituintes e, simultaneamente, mais específicas e eficazes no que dizia respeito à sua actuação no organismo. Mas, para isto, era, obviamente, fundamental o abandono gradual da tradição galénica polifarmacèutica que, em Portugal, na segunda metade do século XVIII ainda se encontrava declaradamente vigente.

A tradição química e à influência lemeriana que, entretanto, tivera o seu ascendente na ciência farmacêutica, sucedeu-se, em Portugal, a linha do boticário francês Baumé, sem dúvida um dos nomes que mais terá influenciado a escassa literatura farmacêutica portuguesa de finais do século XVIII e, necessariamente, o ensino de farmácia. A tradicional polifarmácia galénica confrontada com o advento e a utilização sistemática de novas drogas e com a medicação química, via-se tendencial e gradualmente arredada dos mais prestimosos, úteis e formativos livros médico-farmacêuticos - as farmacopeias. Com os Estatutos pombalinos da Universidade de Coimbra, em 1772, o galenismo médico-farmacêutico ficava oficialmente arredado do ensino universitário(32).

A este propósito, convirá salientar que o culminar do século XVIII e os inícios do século XIX vieram a revelar-se extremamente férteis e de grande desafio à ciência e à doutrina farmacêutica, pese embora a pouca inovação proveniente do interior da própria ciência farmacêutica. A fertilidade apontada foi, notoriamente, muito superior

(32)A este propósito vide o que nos é transmitido nos Estatutos

pombalinos da Universidade de Coimbra no que respeita ao "Curso médico". Aqui temos como denominador comum esse sentido de afastamento sistemático de toda a tradição médico-farmacêutica galénica. Cf. Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), voi. 3, ob. eit., pp. 6-140.

(13)

àquela que se verificou na primeira metade do século XVIII(33). Deve

lembrar-se que a revolução química lavoisieriana teve consequências únicas no progresso da farmácia. Recorde-se, também, que o isolamento dos princípios activos a partir de substâncias naturais, no início do século XIX, teve, igualmente, uma importância extrema na farmácia e na terapêutica. Saliente-se, ainda, que na primeira metade do século XIX as grandes doutrinas médicas que sucederam ao tradicional galenismo, nomeadamente as de Cullen, de Brown e de Broussais, necessitavam, também, de inovadoras orientações científicas. Todos estes desafios científicos tiveram, sem dúvida, reflexos directos ao nível da nomenclatura farmacêutica e da introdução de novas matérias-primas para a preparação de medicamentos, repercutindo-se, em última instância, também, na resolução de problemas terapêuticos.

Se no decurso do século XVIII algumas das principais questões das farmacopeias se colocavam em redor de uma maior ou menor adesão a uma química farmacêutica ou a uma tradição galénica, no virar do século e início do século seguinte os problemas que se equacionavam prendiam-se, por exemplo, com uma nova concepção química e com um novo conceito de doença.

A nosso ver foi fundamental para a publicação das farmacopeias portuguesas não oficiais, desde 1704 a 1794, a necessidade de se normalizar o conhecimento dos simplices e de se definirem regras claras para a produção e conservação medicamentosa. Na verdade, as diversas farmacopeias atrás referidas pretendiam satisfazer as necessidades terapêuticas. Pretendiam fazê-lo dando a conhecer algumas das fórmulas mais recentes e mais utilizadas no estrangeiro e divulgando pelas comunidades médica e farmacêutica os mais actualizados conceitos relativos aos medicamentos e à produção medicamentosa. Mas, atendendo a que estas farmacopeias não eram oficiais, essa divulgação era feita de acordo com um critério pessoal, o do autor, e não em função de uma tendência normalizadora por parte do Estado, como é inerente a uma farmacopeia oficial.

Ora, o terreno científico existente nos finais do século XVIII, fundamentalmente o que era proporcionado pelas ciências de fronteira com a farmácia, era, na verdade, propício a um investimento numa

(33)Cf. G. Folch Jou, Historia de la Farmacia, 2a ed., Madrid, 1957, pp. 271

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Revista de Historia das Ideias

obra de carácter geral e oficial - uma farmacopeia oficial. O terreno social e, sobretudo, o tecido sanitário público carcaterístico de finais do século XVIII, e que teve no português Ribeiro Sanches(34) figura

pioneira, era, igualmente, propício ao aparecimento de uma farmacopeia oficial. Isto é: de uma farmacopeia que, em última instância se deveria assumir como uma "tendência normalizadora da prática higienista"(35). Se voltarmos ao exemplo espanhol, verificamos

que foi em pleno século XVIII, ainda na sua primeira metade, que se publicaram as primeiras farmacopeias oficiais: em 1739 a primeira edição da Pharmacopeia Matritensis(36) e, mais tarde, em 1794, a primeira

edição da Pharmacopoea Hispana(37), precisamente no mesmo ano em

que foi publicada a primeira farmacopeia oficial portuguesa: a

Pharmacopea Geral.

(34) Cf. Maximiano Lemos, Ribeiro Sanches. A sua vida e a sua obra, Porto,

Eduardo Tavares Martins, 1911; Luís de Pina, A marca setecentista de Ribeiro Sanches na história da higiene político-social portuguesa, Sep. de O Médico, voi. 283,1953.

(35) João Rui Pita; Ana Leonor Pereira, "Liturgia higienista no século

XIX. Pistas para um estudo", Revista de História das Ideias, Coimbra, 15, 1993, p. 460.

f36) Consultámos a segunda edição desta farmacopeia: Pharmacopeia

Matritensis, 2a ed., Matriti, Typis Antonii Perez de Soto, 1762. Nesta edição

refere-se de modo inequívoco que a obra tinha como destinatários todos os boticários de Espanha que a partir daquele momento deveriam segui-la como livro oficial na preparação de medicamentos galénicos e químicos (Cf. Auxiliatoria del Real, y Supremo Consejo de Castilla; para que todos los Professores Boticarios se arreglen en la composición de los Medicamentos, por lo dispuesto en la Pharmacopea Matritense, & c., páginas não numeradas).

(37)Vide: Juan Esteva, "Las farmacopeas Hispanas", in Jose Luiz Gomez

Caamaño, Professor de Historia de la Farmacia en la Facidtad de Farmacia de Barcelona, ob. cit., pp. 103-138. Sobre o contexto da historia da farmácia espanhola veja-se a recente obra de F.J. Puerto Sarmiento, El mito de Pamaceia - Compendio de Historia de la Terapéutica y de la Farmacia, Madrid, Ediciones Doce Calles, 1997.

3. A sugestão de Manuel Joaquim Henriques de Paiva

Na parte preliminar da edição de 1785 da sua farmacopeia -

Farmacopèa Lisbonense - Manuel Joaquim Henriques de Paiva realça,

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considerando, também, que tal importância ultrapassava o domínio exclusivamente científico. Era, também, uma questão do campo da medicina social e política. Assim, refere: "A grande importância das farmacopeias nacionais para a medicina, e os benefícios, que delas percebe o Estado são tão conhecidos, e indubitáveis, que julgo supérfluo demorar-me em os mostrar"(38). Certamente que Henriques

de Paiva se reportava ao binómio robustez física de uma população como sinónimo da pujança sócio-económica de um povo. De resto, esta posição que é característica do iluminismo médico está, igual­ mente, patente em diversos textos médicos, nomeadamente nos grandes domínios da medicina preventiva da primeira metade do século XIX como, por exemplo, nalguns trabalhos de Bernardino António Gomes ou de Inácio António da Fonseca Benevides sobre a vacinação. Para Henriques de Paiva, quanto mais normalizada estivesse a produção medicamentosa, mais razoável seria, natural­ mente, a cobertura sanitária da população, com melhores rendimen­ tos e, certamente, com mais baixos custos no que concerne ao dispêndio com as matérias-primas necessárias à preparação dos medicamentos.

De acordo com Henriques de Paiva era dever dos "colégios" e das "faculdades", bem como dos professores de medicina e de farmácia a elaboração de um texto oficial deste tipo sempre devidamente corrigido e aumentado nas suas sucessivas edições. Para Henriques de Paiva a execução de uma "farmacopeia nacional", para utilizar as suas palavras, obedecia, precisamente, aos propósitos de uma adequada e actual política sanitária. Neste particular, Henriques de Paiva mostrava-se extremamente cáustico em relação à Universidade de Coimbra. Para ele, o terem passado treze anos sobre a publicação dos Estatutos da Universidade que estipulavam a execução de uma farmacopeia oficial para todo o Portugal e o facto de ainda não ter tido lugar a publicação de qualquer texto, tinha consequências funestas para a saúde em Portugal, pese embora a existência, como dizia o autor, de "motivos talvez justos, os quais me não importa averiguar"(39). Nesta sequência, Henriques de Paiva foi

mais longe dizendo que até ao momento nenhum médico havia escrito

(38) Manuel Joaquim Henriques de Paiva, Farmacopèa Lisbonense, ob. cit., 1785, "Prefação" (páginas não numeradas).

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Revista de Historia das Ideias

alguma obra que: "coopere para se atalharem ou diminuirem os funestos efeitos, que se originam dos abusos a que anda sujeita a farmácia praticada por imperitos, ou por pessoas que se regulam pelas farmacopeias reprovadas pela mente dos Estatutos já citados, concorrendo pouco para os fazer mais gerais, o desconhecimento das línguas latina, francesa, e outras vivas, em que se acham escritas algumas obras deste género; as quais, posto que não satisfaçam inteiramente ao que requerem as desta natureza, são contudo muito menos defeituosas, que as consultadas nestes reinos pelos nossos boticários, e até pelos médicos menos hábeis'^40).

A nosso ver, o que o autor nos pretende transmitir é, na verdade, a importância de uma obra deste tipo enquanto instância normalizadora de determinada área do saber médico - a conservação das matérias-primas e a produção medicamentosa e, simultaneamente, enquanto referente acessível, do ponto de vista da língua, aos utilizadores. O que Paiva nos quer transmitir, em última instância, é que uma obra daquele género, para poder ser apreendida na sua totalidade, devia ser escrita numa língua que todos dominassem - neste caso, a portuguesa. E, por isso mesmo, adianta que este motivo constituiu uma das linhas orientadoras da elaboração da sua obra

Elementos de Chimica e Pharmacia "nos quais se contêm não só os

princípios, as regras, e os preceitos gerais de ambas as ciências, mas também as experiências, e operações respectivas com os seus usos, e explicações"(41). Para o autor, a Farmacopèa Lisbonense, sendo "uma

colecção dos Simplices, Preparações, e Composições as mais eficazes, e de maior uso na Medicina"(42) correspondia a uma farmacopeia de

cariz fundamentalmente prático em que não se abdica do rigor que deveria ser colocado numa obra daquela natureza.

Na primeira edição desta farmacopeia, tendo em conta as palavras finais de Manuel Joaquim Henriques de Paiva, apercebemo- nos da sua moderna perspectiva no que concerne à elaboração de um tratado farmacêutico. Paiva é defensor de uma redução substancial do arsenal terapêutico e, por conseguinte, da diminuição da complexidade das preparações farmacêuticas, em oposição à

í40) Idem, ibidem, "Prefação" (página não numerada)

(41)Manuel Joaquim Henriques de Paiva, Farmacopèa Lisbonense, ob. cit., 1785 "Prefação" (página não numerada).

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polifarmácia galénica. Deste modo, no que respeita especificamente ás formas medicamentosas, que estão agrupadas por formas farmacéuticas, o autor, inclui fórmulas com reduzido número de componentes, pormenorizando o modo operatorio, em contraste com o nulo ou quase inexistente capítulo das indicações terapêuticas.

4. Os Estatutos da Universidade de 1772 e a instituição da primeira

farmacopeia oficial portuguesa

Nos Estatutos pombalinos da Universidade de Coimbra concernentes à Faculdade de Medicina, especificamente no Título VII, capítulo I, parágrafo 9 inscreve-se, a propósito da Congregação da Faculdade de Medicina, o seguinte: "Também pertencerá à sobre­ dita Congregação a composição da Farmacopeia Geral do Reino; e as adições, e reformações futuras. E, conforme a dita farmacopeia, serão instruídos, examinados, governados, e visitados, por quem Eu for servido ordenar, todos os boticários de qualquer estado, e condição que sejam. Ficando proibidas, depois da publicação dela, todas e quaisquer outras Farmacopeias compostas por Colégios, Faculdades, ou professores de medicina, e farmácia; ou sejam nacionais, ou sejam estrangeiros, para que nenhuma delas possa mais servir de regimento aos boticários; sendo todos obrigados a praticar segundo o método estabelecido na Farmacopeia do reino ordenada pela Congregação da Faculdade"(43).

Deste modo, ficavam lançados os alicerces institucionais para a publicação da primeira farmacopeia oficial portuguesa, isto é, de uma obra que, no domínio específico da farmácia e, em sentido mais lato, no terreno da saúde pública, regulasse o exercício profissional e normalizasse tecnicamente determinada área médica - a produção medicamentosa - conferindo-se, assim, à Universidade poderes para regular determinadas áreas da saúde pública.

A publicação deste texto revela-se como um dos sinais de maior expressão da tutela do Estado na resolução de problemas sanitários, de resto uma das facetas mais significativas do iluminismo médico. Subjacente à publicação daquele texto havia, precisamente, a intenção de regular ou normalizar tanto o ensino como as práticas técnica e profissional e, por isso mesmo, se afirma, expressamente, nos Estatutos

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Revista de História das Ideias

pombalinos que "esta obra é de grandes consequências, como base da Medicina prática"(44) o que se articula com o sentido dinamizador

do espírito experimental na Universidade de Coimbra preconizado pela reforma pombalina da Universidade(45), muito particularmente

dos estudos médicos^*6).

O que se encontrava projectado nos Estatutos pombalinos(47)

sobre a execução da farmacopeia oficial é, na verdade, indicador da relevância que os legisladores davam à publicação oficial deste texto, havendo sinais inequívocos do rigor normalizante que os mentores da reforma achavam que devia ser dado a uma obra daquele género. Antes de mais, indicava-se que a discussão em torno da obra seria imprescindível, tornando-se indispensável não só a atenção de todos os membros da Congregação mas, também, o empenho de outras pessoas que estivessem em posição de poder contribuir para a

(44) Idem, ibidem, p. 133.

(45) Sobre as ciências exactas na reforma pombalina da Universidade

veja-se, por exemplo, Rómulo de Carvalho, "As ciências exactas no tempo de Pombal", in Como interpretar Pombal? No bicentenário da sua morte, Lisboa, Edições Brotéria, 1983, pp. 215-232.

C6) Sobre a reforma pombalina dos estudos médicos e farmacêuticos

veja-se: João Rui Pita, Farmácia, medicina e saiide piiblica em Portugal (1772- 1836), ob. cit., pp. 37-168. Sobre o ensino farmacêutico e médico na Universidade de Coimbra em tempo anterior à reforma pombalina da Universidade vejam-se os trabalhos seguintes: Guilherme de Barros e Cunha, "O ensino farmacêutico na Universidade de Coimbra. Sua criação e evolução até à reforma de Hintze Ribeiro (1902)", Notícias Farmacêuticas, Coimbra, 4(1- 2), 1937, pp.67-89; João Rui Pita, "Farmácia", in História da Universidade em Portugal, voi. 1, tomo II (1537-1771), Capítulo V - "O saber: dos aspectos aos resultados", Coimbra, Universidade de Coimbra/Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 875-882; Fernando Taveira da Fonseca, "A medicina", in História da Universidade em Portugal, voi. 1, tomo II (1537-1771), Capítulo V - "O saber: dos aspectos aos resultados", Coimbra, Universidade de Coimbra/ Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 835-873.

(47) Sobre a relação dos Estatutos pombalinos da Universidade de

Coimbra com a publicação da primeira farmacopeia oficial portuguesa, veja­ se o estudo de João Rui Pita, "The first official Portuguese pharmacopeia and the University statutes 1772", in John Hyacinth de Magellan Conference - On physical sciences in the XVIII century, Coimbra, Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, 1994, pp. 199-205.

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execução daquela obra que se queria prática e rigorosa. Só depois de todas estas etapas terem sido ultrapassadas, só depois de ouvidos todos os intervenientes ou, como se indica nos Estatutos, “pela confe­ rencia de todos"(48), seria possível elaborar uma conclusão sobre o

grande plano para a construção e publicação da farmacopeia; e, uma vez aprovado o plano da obra, a Congregação deveria acompanhar intensamente os trabalhos de redacção do texto. Por isso se escrevia nos Estatutos pombalinos que "assim que na Congregação da Facul­ dade se forem executando as partes da dita Obra, se irão lendo nas Juntas da Congregação Geral; e emendando onde for necessário, segundo as reflexões, e avisos, que fizeram os Deputados dela; e forem julgados dignos de atenção. O mesmo se praticará com quaisquer adições, e reformações, que para o futuro se houverem de fazer" (49).

Os Estatutos preconizavam um plano de revisão e correcção da obra, um projecto tendente a actualizar a farmacopeia, sem dúvida reflexo da dinâmica própria do mais genuíno espírito científico experimental que, de facto, foi denominador comum em toda a reforma pombalina; revisões e correcções que não abrangessem apenas aquela edição que se encontrava em vias de concretização mas também, todas as suas "adições"(50). De resto, a nosso ver, este espírito

de actualização da farmacopeia portuguesa é, certamente, a base pioneira do aparecimento da Comissão Permanente da Farmacopeia Portuguesa, actualmente em vigor.

5. A dupla face da farmacopeia: ensino e saúde pública

Além deste sentido de actualização sistemática da obra, o legislador foi igualmente determinado ao declarar a obrigatoriedade da farmacopeia para o exercício da profissão farmacêutica. Assim, o objectivo de normalização e de organização de um sector da saúde relacionado com a saúde pública - as boticas - e da produção medicamentosa traduz, na verdade, o grande sentido inovador da farmacopeia não só do ponto de vista médico-farmacêutico, mas, igualmente, do ponto de vista político. Apercebemo-nos, pois,

(4H) Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), vol. 3, ob. cit., p. 133.

(49) Idem, ibidem, p. 133.

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claramente, do interesse do Estado na resolução de determinados problemas sanitários e do poder que neste particular foi atribuído à instituição universitária como órgão tutelar na dinâmica da saúde das populações. Aliás, os Estatutos de 1772 adiantavam ainda que "nenhum boticário poderá usar de outra alguma edição, que não seja feita pela mesma Faculdade. E para isso assim constar; todos os exemplares, que se venderem, serão assinados pelo Director; e todos aqueles, que usarem de algum exemplar, sem a dita assinatura, terão as mesmas penas, que são estabelecidas contra os charlatães, e falsificadores de remédios"(51).

Esta posição normalizadora da Pharmacopeia Geral(52) ficou ainda mais acentuada no Alvará(53) que autorizou a sua publicação, o que

só veio a acontecer passados vinte e dois anos. Esta perspectiva que é visível no texto oficial reflecte, aliás, toda a dinâmica que se pretendia imprimir, em termos político-sanitários, à actividade médico- farmacêutica.

Com efeito, o sentido da medicina política, que teve em Johann Peter Frank o grande impulsionador nos finais do século XVIII, pode também ser identificável em toda a preocupação tutelar do Estado na resolução de problemas farmacêuticos directamente relacionados com a saúde pública. E é lícito dizer que o racionalismo setecentista se fazia sentir em toda a dinâmica médico-farmacêutica, em toda a problemática em tomo da questão das farmacopeias e que apresenta a marca da articulação do poder político com o poder médico, em sentido amplo. Não admira, pois, que o sentido normalizador anunciado pelos Estatutos da Universidade de 1772 se encontre muito mais incisivamente explícito no texto daquele Alvará, no qual se protesta e denuncia com grande veemência a falta de organização que reinava nas boticas portuguesas: "sendo-me presente a desordem, com que nas boticas de meus reinos, e domínios se fazem as preparações, e composições, por falta de uma farmacopeia, que sirva

(51) Idem, ibidem, p. 134.

(52) Pharmacopeia Geral para o reino, e domínios de Portugal, 2 vols., Lisboa,

Regia Officina Typografica, 1794.

(53) Alvará de 7 de Janeiro de 1794. Vide, também, sobre a primeira farmacopeia oficial portuguesa o trabalho de Ana Luísa Janeira; Ana Maria Carneiro, "Quando uma rainha regulamenta o bem-estar dos seus fiéis vassalos", Prelo, Lisboa, 6,1985, pp. 95-103.

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para regular a necessária uniformidade, das ditas preparações, e composições; sendo certo, que sem que haja esta uniformidade, é impossível que a medicina se pratique sem riscos de vida, e saúde de meus fiéis vassalos, deixando-se à vontade, e capricho de cada um dos boticários adoptar diferentes métodos de compor, e preparar os remédios de toda, e qualquer farmacopeia, ou ela seja de Universidades, Colégios Médicos, ou de pessoas particulares"(54).

O Alvará de 7 de Janeiro de 1794 é, também, inequívoco quanto a um outro dos objectivos imediatos da edição da farmacopeia - o da normalização do ensino farmacêutico em Portugal: "que esta mesma farmacopeia seja para instrução de todos os que aprenderem a Arte Farmacêutica, dos quais nenhum poderá examinar-se, depois do tempo competente de prática, sem que seja segundo os Elementos de Farmácia, e segundo o método de preparar, e compor cada um dos medicamentos conteúdos na dita Farmacopeia Geral, mostrando um perfeito conhecimento de uma, e outra coisa, assim como dos simples, pelo modo, que nela se descrevem" (55).

Ao referir-se ao "tempo competente de prática", certamente que o legislador não distinguia entre o ensino integrado na Universidade e o que era ministrado fora dela. Indica-se apenas o tempo de prática. Ora, nesta perspectiva, a farmacopeia oficial não só pretendia servir de livro base para o bom ensino dos estudantes do curso universitário, mas pretendia, também, servir de suporte para a aprendizagem feita em boticas particulares; neste sentido, ela pode assumir-se como um denominador comum nas duas estruturas de ensino farmacêutico e, portanto, como um elo de articulação entre os dois regimes de acesso profissional até então vigentes.

No que respeita a outro dos seus objectivos - o da norma­ lização da produção medicamentosa, o que se encontrava subjacente à lei era, precisamente, a uniformização de conceitos não apenas ao nível científico mas também no terreno da prática profissional. Por isso, se determinava que, após a publicação daquele Alvará "todos os boticários serão obrigados a ter um exemplar da farmacopeia, o qual deverão apresentar tanto nas visitas gerais, como nas particulares,

í54) Alvará de 7 de Janeiro de 1794.

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Revista de História das Ideias

debaixo das penas, que em outro lugar sou servida declarar"(56). Deste

modo, a partir de então, não só o preçário dos medicamentos ficava sujeito às normas de regimentos apropriados, mas também, a produção medicamentosa passava a ser regulamentada, do ponto de vista técnico e científico. Se esta perspectiva teve, por um lado, consequências económicas, pois somente poderia ser vendido aquilo que era produzido de acordo com a farmacopeia, por outro lado, exigiu um maior rigor científico na produção medicamentosa e na conservação dos símplices. Pensamos, pois, que a publicação deste texto valorizou cientificamente a profissão farmacêutica.

Mas, o Alvará de 1794 ainda se mostrou mais exigente quanto ao sentido de obrigatoriedade da obra: não só exigia a existência de um exemplar em todas as boticas portuguesas como também proibia a preparação de medicamentos por outras farmacopeias. E não era só aos boticários que estava legalmente vedado o acesso a outras farmaco­ peias; também os médicos eram obrigados a prescrever, exclusiva­ mente, pela Pharmacopeia Geral: "depois da publicação desta farmaco­ peia, proibo não somente que os boticários preparem, e componham medicamentos por outra alguma farmacopeia, mas também que nenhum médico, ou cirurgião possa receitar qualquer preparação, ou composição debaixo de títulos gerais, que nela se não contenham"(57).

Do ponto de vista científico, sendo a farmácia e a matéria médica domínios específicos da medicina, o facto de se proibir a prescrição médica de acordo com outros textos que não o da farmaco­ peia oficial, veio contribuir, ainda mais, para a valorização científica da farmácia. Não se tratava, pois, de um simples livro de base para os boticários, considerados como profissionais de uma arte subalterna. Pretendia-se, também, dirigir uma obra para os profissinais de uma arte doutrinal - a medicina - que conferia graus e títulos académicos e que estava incomparavelmente mais dignificada que a de boticário. Ao vocacionar um texto deste género para médicos e ao impor determinadas condições à prescrição dos medicamentos, valorizava- se, de facto, a farmácia enquanto ciência e consequentemente, também, a própria arte de preparar os medicamentos. l

l56) Idem.

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6. A autoria da farmacopeia. Um problema resolvido

Na escassa bibliografia da história da farmácia portuguesa algo se tem escrito sobre a autoria da primeira farmacopeia oficial portuguesa - a Pharmacopeia Geral. Pelo facto de esta obra não vir assinada, algumas especulações sobre a responsabilidade da sua execução têm sido avançadas, algumas das quais sem qualquer fundamento cientificamente válido. Com frequência se admite a probabilidade da sua autoria pertencer ao lente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra - Francisco Tavares - mas sempre em termos que colocam em dúvida a certeza de tal atribuição. Expressões como "parece ter sido o seu autor"(58), "se indica ter sido

seu autor"(59), "um professor benemérito se deu ao trabalho de

coordenar uma Farmacopeia'^60) e "passa por autor da farmaco­

peia"^1) são na verdade equívocas. Coloca-se em causa a autoria da

obra. Julgamos que os argumentos utilizados podem resultar, em parte, de uma visão apaixonada e nem sempre esclarecida do historial da profissão farmacêutica, bem como da ausência de investigações profundas e rigorosas sobre a história da farmácia. Mais: neste particular, a voz de Pedro José da Silva parece-nos ter dado o mote para que se tenha levantado a desconfiança sobre a autoria da obra. Julgamos, contudo, que o posicionamento deste primeiro historiador da farmácia portuguesa emerge de um duro campo de batalha resultante do conflito profissional entre farmácia e medicina e que norteava, de facto, visões apaixonadas e parciais(62) sobre a profissão

(58) Cf. José Ramos Bandeira, "Bosquejo histórico do ensino de farmácia

em Portugal", Boletim da Faculdade de Farmácia, Coimbra, 33,1973, p. 35. (5y) Cf. Guilherme de Barros e Cunha, "O ensino farmacêutico na

Universidade de Coimbra. Sua criação e evolução até à reforma de Hintze Ribeiro (1902)", art. cit., p. 84.

(“) Cf. Cândido Joaquim Xavier Cordeiro, Elementos de Pharmacia, vol. 1, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1859, p. XXIII.

(61) Cf. Pedro José da Silva, Historia da Pharmacia Portugueza desde os primeiros séculos da monarchia até ao presente, terceira memória, Lisboa, Typographia Franco-Portugueza, 1868, pp. 47-48.

(62) A obra de Pedro José da Silva, História da Pharmacia Portugueza desde os primeiros séculos da monarchia até ao presente, 3 memórias, Lisboa, Tip. Franco-Portugueza, 1866-1868 é o primeiro grande texto histórico sobre a farmácia portuguesa. Trata-se de uma obra completa, vasta e minuciosa. Contudo, o contexto que envolveu a sua publicação era, na verdade, propício

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Revista de História das Ideias

e ciência farmacêuticas elaboradas na segunda metade do século XIX. Para nós, depois de nos termos debruçado sobre o assunto, não resta qualquer dúvida de que foi Francisco Tavares(63) o autor da primeira

farmacopeia oficial portuguesa, editada em 1794.

Com efeito, na Congregação da Faculdade de Medicina de 23 de Julho de 1790 determinou-se que deviam ficar encarregados da elaboração da primeira farmacopeia oficial portuguesa dois lentes de medicina, Francisco Tavares e Joaquim de Azevedo, sendo esclarecedoras as palavras nela exaradas: "Resolveu-se mais, que a Farmacopea Universal da Nação recomendada pelos novos Estatutos desta Universidade fosse feita pelo Doutor Francisco Tavares e o Doutor Joaquim de Azevedo; os quais se encarregarão deste trabalho'^64).

O lente da cátedra de Matéria Médica e Farmácia era, então, Joaquim de Azevedo enquanto que Francisco Tavares já havia passado pela disciplina, encontrando-se, naquele ano, a reger a cadeira de Instituições Médico-Cirúrgicas. Uma das primeiras questões que se poderá colocar será a de se saber porquê a atribuição da execução daquele trabalho aos dois referidos lentes? Joaquim de Azevedo foi um professor que não publicou e do qual não se conhecem trabalhos de investigação ou didácticos, embora tivesse permanecido longo tempo em funções administrativas ligadas ao hospital e à Faculdade

a todo um tipo de análises e comentários onde empoladamente se fazia uma defesa dos ideais da profissão farmacêutica. Vivia-se um tempo em que a tentativa de afirmação da classe farmacêutica era, na verdade, mote em todo o texto histórico e doutrinal que se publicasse neste domínio. Por isso mesmo, neste desenrolar de afirmação da farmácia e da sua autonomia relativamente à medicina, encontramos como denominador comum em toda a obra de Pedro José da Silva, precisamente esta ideia de distinção e de separação entre medicina e a farmácia com a elevação desta, tanto científica como profissionalmente.

(63) Vide uma biografia de Francisco Tavares em: João Rui Pita, Farmácia, medicina e saúde pública em Portugal, ob. cit., pp. 531-544. Sobre Francisco Tavares enquanto hidrologista, vide o estudo de Feliciano Guimarães, "Francisco Tavares, hidrologista", Publicações do Instituto de Climatologia e Hidrologia da Universidade de Coimbra, 9, 1947, pp. 5-53. Veja-se, também, o seu processo de professor no Arquivo da Universidade de Coimbra - A.U.C. TAVARES, Doutor Francisco. IV - 1°D- 9 - 2 .

(64) Cf. Actas das Congregações da Faculdade de Medicina (1772-1820), vol.

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de Medicina(65). Do ponto de vista científico tudo parece indicar que

se integrava na mediania dos lentes. Tavares foi, pelo contrário, um dos lentes universitários mais prestigiados do seu tempo; a sua obra científica é, na verdade, de grande valor, fundamentalmente pela sua capacidade de síntese e de organização situando-se com grande incidência nos campos da matéria-médica e da farmácia. Além disto, Tavares movia-se bem dentro do aparelho da administração sanitária portuguesa e do poder políticoí66).

Porquê, então, atribuir uma obra de tão grande responsabi­ lidade a duas figuras tão distintas? Parece-nos que a obra foi atribuída em conjunto aos dois professores referidos pelo seguinte motivo: a Azevedo porque ele era, oficialmente, o proprietário, em 1790, da cátedra da Faculdade de Medicina que mais directamente se relacionava com a problemática farmacêutica - a Matéria Médica e Farmácia; a Francisco Tavares, porque ele era o lente com maiores provas científicas dadas no domínio da matéria médica e da farmácia e, teoricamente, a maior autoridade para dar prosseguimento a tal projecto. Assim, se as razões que levaram a incluir Azevedo no projecto de execução da obra foram meramente de política institucional, as que determinaram a inclusão de Tavares foram não só de política universitária mas, fundamentalmente, de índole científica. Assim, se justifica, pois, que não tenhamos encontrado qualquer outra referência a Azevedo enquanto autor da obra e a bibliografia subsidiária a este respeito não confere a Azevedo qualquer responsabilidade na autoria do texto(67). Todas as menções à autoria

da farmacopeia de 1794 são, igualmente, significativas no sentido da

(65)Cf. a biografia de Joaquim de Azevedo em João Rui Pita, Farmácia, medicina e saiide pública em Portugal, ob. cit., pp. 511-513. Vide o seu processo de professor no Arquivo da Universidade de Coimbra em A.U.C. - AZEVEDO, Doutor Joaquim de. IV - 1°D- 6 - 1 .

J66) Cf. João Rui Pita, Farmácia, medicina e saúde pública em Portugal, ob. cit., pp. 531-544.

(67) Sobre este assunto são, também, esclarecedoras as palavras de B.A.S.

Mirabeau ao referir-se a Joaquim de Azevedo: "não consta que tivesse coadjuvado o dr. Francisco Tavares na composição da Pharmacopeia, para trabalhar na qual fora nomeado em congregação de 23 de Julho de 1790" (Cf. Bernardo António Serra de Mirabeau, Memória histórica e commemorativa da Faculdade de Medicina nos cem anos decorridos desde a reforma da Universidade em 1772 até ao presente, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1872, p. 265).

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Revista de História das Ideias

atribuição da responsabilidade do texto a Francisco Tavares cujo original da segunda parte ou cópia manuscrita se encontra na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbraí68).

Algumas dessas referências mais declaradas são dos próprios inventários da biblioteca do Dispensatório Farmacêutico do Hospital

C®) B.G.U.C. - Ms. 1227. A propósito deste manuscrito foi publicado no

Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, 41, 1992, pp. 265-348, um artigo da autoria de Emília Gouveia Mariano intitulado "'Pharmacopea Geral' Segunda parte. Dos medicamentos preparados e compostos". Este artigo foi prefaciado por Tice Macedo, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Neste trabalho coloca-se a hipótese do manuscrito ser contemporâneo da Pharmacopeia Geral (1794), podendo, eventualmente, tratar-se de uma compilação da referida farmacopeia. Adianta-se ainda que, de facto, se reveste da maior utilidade a transcrição do documento pelo facto do manuscrito se encontrar degradado e, por conseguinte, se preservar através da sua transcrição. As considerações feitas a propósito deste manuscrito sugerem-nos alguns comentários. Em primeiro lugar, refira-se que uma confrontação do manuscrito com a Pharmacopeia Geral pode dar indicadores sobre a relação existente entre o manuscrito e a obra impressa. Fizemos esse trabalho e concluímos que o manuscrito corresponde à segunda parte da farmacopeia editada em 1794. Não se trata pois de uma compilação mas da própria obra manuscrita podendo ter sido copiada por alguém ou podendo ser o próprio original de Francisco Tavares (não temos dados que nos permitam optar por uma destas duas hipóteses). Em segundo lugar, se a obra se encontra impressa há duzentos anos, e sendo a farmacopeia uma obra relativamente fácil de encontrar em bibliotecas especializadas de livro antigo, a transcrição do manuscrito terá sido em vão pois já se encontra impresso desde 1794. Em terceiro lugar, pensamos que a transcrição de documentos de grande especificidade como o documento presente exige cuidados especiais na sua leitura. Encontrámos no presente artigo denominações inexistentes do ponto de vista médico-farmacêutico que resultam de leituras pouco acertadas feitas no manuscrito. Vejamos alguns casos, colocando-se de imediato o nome transcrito e entre parêntesis o nome correcto: água estética (água estítica - fl. 5); emplastro de lodano (emplastro de ladano - fl. 29 v°-30); espírito de coalharia (espírito de coqueleária - fl. 34vH); infuzão fria de guapia (infusão fria de quassia - fl. 45 v°); linimento

andino (linimento anódino - fl. 49 v°); oleo purificado (ópio purificado - fl. 66-66v°); orxatel simples (oximel simples - fl. 67); pilulas ethiossiras (pílulas etiópicas - fl. 70 v°); pós estéticos (pós estíticos - fl. 76); trocissos brancos de rosas (trociscos brancos de Rhazés - fl. 94v°); trocissos de magnoria (trociscos de magnésia - fl. 94v°); xarope de ática (xarope de alteia - fl. 105 v°-106); xarope de colahico (xarope de cólquico - fl. 107), etc..

(27)

Escolar de 1798, de 1819 e de 1834 onde é referida a Phcirmacopeia

Geral como a "Farmacopea Geral do Reino de Tavares" (69) e o próprio

Agostinho Albano da Silveira Pinto(70), o autor da segunda

farmacopeia oficial portuguesa, ao falar da obra que antecedeu a sua, indica que o autor da farmacopeia é o mesmo da Pharmacologia publicada em 1809, isto é, Francisco Tavares.

Portanto, pode afirmar-se que o autor da obra é, na verdade, Francisco Tavares. Mesmo os argumento invocados por Pedro José da Silva são insuficientes e em nada contradizem tal conclusão. Para aquele historiador da farmácia portuguesa, seria prematuro atribuí- la a Francisco Tavares pois a minúcia com que se encontra escrita, bem como todos os pormenores relacionados com o formulário, demonstravam que a obra deveria ter sido elaborada por alguém que dominasse, na prática, os conhecimentos farmacêuticos. Ora, como o Pai de Francisco Tavares era um credenciado boticário da cidade de Coimbra, Pedro José da Silva inclinava-se para que a obra tivesse sido escrita pelo Pai e não pelo filho(71).

Julgamos, porém, que a hipótese de Pedro José da Silva deve ser posta de lado na medida em que Francisco Tavares foi dos lentes universitários que mais trabalhou e que mais publicou nos domínios da matéria-médica e da farmácia, tendo sido demonstrador da cadeira. E a demonstração era a parte prática da disciplina, isto é, o contacto com as matérias-primas, com a manipulação dos medicamentos, com os utensílios necessários à preparação medicamentosa, com toda a dinâmica do laboratório e da botica(72). De acordo com estas funções

Tavares conhecia, de facto, a realidade prática da botica. E, não

(6y) Cf. A.U.C. - Dispensatório Farmacêutico-Inventário, 1783 - IV-2"E-7-4-

40. (Pasta); Dispensatório Farmacêutico-Inventário, utensílios, drogas e livros do Dispensatório Farmacêutico e do Armazém, Casa das Ervas e Cozinha anexas, 1819 - IV-2°E-7-4-45 (Livro); Dispensatório Farmacêutico - Folhas de Receita e Despesa. Despesa com obras. Guias de remessa de dinheiro para o cofre académico de géneros. Requisição de verbas (1784-1881) - IV-2HE-7-4-41 (Caixa).

(70) Cf. Agostinho Albano da Silveira Pinto, Codigo Pharmaceutico Lusitano,

Coimbra, Imprensa da Universidade, 1835, pp. V-VI.

(71) Cf. Pedro José da Silva, Historia da Pharmacia Portugueza desde os

primeiros séculos da monarchia até ao presente, terceira memória, ob. cit., pp. 48- 49.

(72) Cf. Estatutos da Universidade de Coimbra (1772), vol. 3, ob. cit., pp. 122-

Referências

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