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Economia solidária: união de esforços por princípios e valores da solidariedade

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

JAQUELINE SCHIMANOSKI MACHADO ROBERTO

ECONOMIA SOLIDÁRIA:

união de esforços por princípios e valores da solidariedade

Ijuí (RS) 2014

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JAQUELINE SCHIMANOSKI MACHADO ROBERTO

ECONOMIA SOLIDÁRIA:

união de esforços por princípios e valores da solidariedade

Monografia final apresentada ao curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Ms. Eloísa Nair de Andrade Argerich

Ijuí (RS) 2014

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é a fusão de gestos que simbolizam saberes, afetos, sorrisos, críticas e sugestões. São muitos os que contribuíram para esta materialidade. Neste caso, agradeço:

em primeiro lugar a Deus, a quem atribuo a minha existência, e em cujas mãos entrego todos os dias a minha caminhada;

à professora mestre Eloísa Argerich, pelo poder-saber, pelos caminhos apontados como orientadora deste estudo. Pela grandeza na sua bondade.

à professora doutora Noélle Marie Paule Lechat, com quem muito aprendi, pelo desbravamento da Economia Solidária, pelos muitos estudos, buscas que resultaram em subsídios para dar materialidade à forma. Ao agradecer a professora Noélle agradeço também a todos os colegas com os quais compartilhei experiências na Itecsol/Unijuí – Incubadora de Economia Solidária, Desenvolvimento e Tecnologia Social da Unijuí. Não citarei nomes, pois foram mais de sete anos de trabalho com diferentes equipes que resultaram em muitos trabalhos realizados coletivamente;

aos membros dos empreendimentos, que permitiram abrir horizontes, partilhar e transmitir seus conhecimentos;

ao Roger e à Duda, pela história de amor que estamos construindo;

à minha mãe, grande guerreira da vida, pelos gestos de amor e de sabedoria.

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“Não basta ter sido bom quando deixar o mundo. É preciso deixar um mundo melhor.”

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RESUMO

O presente estudo constitui-se em pesquisa bibliográfica e estudo de caso, a fim de conhecer os aportes teóricos que embasam a Economia Solidária (ES), enquanto alternativa de geração de trabalho e renda. Busca, portanto, analisar a Economia Solidária sob o viés constitucional, destacando as práticas desenvolvidas nas feiras de Economia Solidária em Ijuí, RS, especialmente os princípios que perpassam os empreendimentos. Com isso, visa compreender se a prática de organização social contribui para a formação/constituição humana e cidadã. O aporte teórico do estudo está centrado em autores como Lechat (2006), Bonavides (1997, 2011), Ávila (2007), Gaiger (2006), e Irion (1997), entre outros. O estudo aborda a evolução histórica da ES, refletindo sobre o momento em que se vive, e no qual se encontram práticas sociais antagônicas, instituintes de uma nova ordem social. Apresenta, também, reflexões sobre princípios, valores e normas, muito importantes para o entendimento do significado de Economia Solidária. Finalmente, enfatiza a necessidade de observância de um padrão de atividades a serem desenvolvidas e voltadas aos interesses dos grupos envolvidos. E conclui que as feiras de Economia Solidária em Ijuí, com o respaldo da Unijuí, apresentam-se como uma das soluções viáveis e sustentáveis que têm como mote demonstrar e comercializar produtos fabricados na comunidade local.

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ABSTRACT

This study is a literature survey and case study, to understand the theoretical contributions that support the Solidary Economy (SE) as an alternative source of employment and rent. Search, therefore, to analyze the Solidary Economy under the constitutional bias, detaching the developed practices in the markets of Solidary Economy in Ijuí, RS, especially the principles that underlie the developments. With this, it aims to understand the practice of social organization contributes to the training/human constitution and citizen. The theoretical contribution of the study focuses on authors like Lechat (2006), Bonavides (1997, 2011), Avila (2007), Gaiger (2006), and Irion (1997), among others. The study shows the historical evolution of SE, reflecting on the moment in which we live and in which they are antagonistic, social instituting practices of a new social order. It also presents reflections about principles, values and norms, very important for understanding the meaning of Solidary Economy standards. Finally, it emphasizes the need for observing activities pattern to be developed and came back to the interests of the involved groups. He concludes that the Solidary Economy fairs in Ijuí, with the support of Unijuí, present themselves as one of the viable and sustainable solutions that have as the motto demonstrate and sell manufactured products in the local community.

Key words: Solidary Economy. Generation of employment and rent. Social organization.

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LISTA DE SIGLAS

AGIT – Agência de Inovação e Tecnologia

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CNES – Conselho Nacional de Economia Solidária

EES – Empreendimentos Econômicos Solidários

ES – Economia Solidária

FECONSOL – Feira de Economia Solidária em Ijuí

IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil

ITECSOL – Incubadora de Economia Solidária, Desenvolvimento e Tecnologia Social

MTE – Ministério de Trabalho e Emprego

PROINC – Programa de Investimentos Coletivos Produtivos SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 ECONOMIA SOLIDÁRIA, HISTÓRICO E DESAFIOS ... 11

1.1 A propósito de Economia Solidária ... 11

1.2 Um pouco de história da Economia Solidária ... 13

1.3 Desafios da Economia Solidária ... 15

1.4 Por uma Economia Solidária viável ... 16

2 OS VALORES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS X PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA: CONFRONTO NECESSÁRIO ... 19

2.1 Princípios Constitucionais ... 20

2.1.1 O jusnaturalismo, o positivismo e o pós-positivismo ... 21

2.1.2 Normas, Regras, Princípios e Valores ... 22

2.2 Princípios do Cooperativismo: base dos princípios da Economia Solidária ... 25

2.3 Economia Solidária e sua vinculação com o Direito ... 31

2.4 Estabelecendo o paralelo ... 34

3 AS FEIRAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: ESPAÇOS QUE SE EXPRESSAM ALÉM DA COMERCIALIZAÇÃO ... 37

3.1 As Feiras de Economia Solidária na Unijuí ... 37

3.2 A relevância desses espaços que vão além da mera comercialização... 40

3.3 Utilização da moeda social ... 43

CONCLUSÃO ... 47

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INTRODUÇÃO

Sempre que se reflete a respeito da sociedade encontra-se uma história em processo, pois os acontecimentos demandam leis, que organizam os sujeitos na formação da malha social. De certa forma, a investigação desses processos remete a histórias de vida, nas quais o aprendido e o experimentado fazem sentido. Em parte, essa reflexão deve-se a estudos acadêmicos realizados na UNIJUÍ, como graduada em História e bacharelanda em Direito.

Ao desenvolver este componente curricular, Monografia, compreende-se com maior clareza a égide das inclusões sociais. Nesse contexto, a busca pela humanização constitui-se cláusula pétrea. Já humanização implica valorizar o ser humano, centrando sua práxis na dignidade que deve, necessariamente, ser intrínseca. Desse modo, há que referir que o homem, “animal político”, segundo Aristóteles, vive em uma sociedade que lhe precede e lhe impõe adaptação.

Em Ijuí defende-se as culturas diversificadas, é reconhecido como “Colmeia do Trabalho”. Isso pressupõe relações entre as pessoas, entre as etnias, entre as religiões, entre os seres vivos e as coisas. É mister evidenciar, portanto, as relações econômicas que, por sua vez, consideraram o trabalho determinante na dinâmica do homem, ser social, sujeito que tem deveres e direitos. E é nas relações político-sociais que, hodiernamente, os homens se organizam em redes que transcendem a significação de “redes sociais”, para implicar interdependência e ajuda mútua. Essas premissas contribuem para a melhoria da qualidade de vida de populações, concorrendo para a inclusão social, elemento este crucial na sociedade globalizada, capitalista e excludente.

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A Academia tem ditames que norteiam um estudo. E para cumprir com o instituído, procurou-se respostas a questões do tipo: o que se busca? Com que objetivos? Que aporte teórico se utiliza? Qual o porquê deste estudo? Que questões instigam a busca?

Na verdade, busca-se conhecer os aportes teóricos que embasam a Economia Solidária (ES), enquanto alternativa de geração de trabalho e renda. Busca-se, ainda, retribuir as experiências empíricas e aprendizagens significantes adquiridas com os empreendimentos solidários que estão presentes nas trocas solidárias acompanhadas nas Feiras de Economia Solidária. Pretende-se, agora, contribuir para com este projeto econômico-social que se justifica, ainda, por atender aos desafios da contemporaneidade.

Os objetivos deste estudo visam a analisar a Economia Solidária sob o viés constitucional, verificando as práticas desenvolvidas nas feiras de Economia Solidária em Ijuí, RS, especialmente, os princípios que perpassam os empreendimentos. Compreender que os princípios para além de ditarem regras e preceitos estruturam a Economia Solidária, assim como, no Direito Constitucional os princípios são de suma importância, colocando ponto final nas antinomias, contradições e lacunas das leis. Por fim, compreender se esta prática de organização social contribui para a formação/constituição humana, cidadã.

O aporte teórico buscado centra-se em autores que vêm desenvolvendo conhecimento e serviram de base a este estudo, principalmente Lechat (2006), Bonavides (1997, 2011), Ávila (2007), Gaiger (2006), e Irion (1997).

A justificativa para a realização deste estudo se deve a constatação de que nossa sociedade é excludente e injusta e muitas pessoas, se deparam sem alternativas quando o assunto é geração de trabalho e renda, para tanto, buscam soluções no trabalho associativo e cooperativo. O trabalho realizado coletivamente apresenta-se como um resultado concreto. O pressuposto é que há outras formas de produzir e de organizar a produção, através de princípios e valores da solidariedade, contrapondo à competição, amplamente aceita, inquestionável e imutável. Aliado a isso, a certeza de que não se detém o conhecimento, ele está sempre em curso. Procura-se, então, aliar a teoria à prática. Esse desafio adveio da atuação, enquanto acadêmica, exercida no projeto de extensão Incubadora de Economia Solidária, Desenvolvimento e Tecnologia Social da UNIJUÍ, por um período de quatro anos.

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A questão norteadora deste estudo pode ser resumida da seguinte forma. A Economia Solidária é uma das formas de produção não capitalista. De que maneira as garantias constitucionais e os princípios econômicos solidários convergem para que se solidifiquem no contexto prático?

Revisão bibliográfica será a metodologia utilizada nos dois primeiros capítulos, no primeiro para rever a conceituação da Economia Solidária e no segundo, para trabalhar a predisposição dos princípios, tanto constitucionais, como das cooperativas e associações. Já o terceiro capítulo, será um relato de experiência com base bibliográfica sobre o surgimento das feiras de economia solidária em Ijuí e sua importância que vai além de simples espaços de comercialização.

O primeiro capítulo busca um conceito para Economia Solidária, historia o percurso realizado desde o seu surgimento e relata alternativas para a implantação desta modalidade de produção de renda na sociedade brasileira.

A seguir, no segundo capítulo, a partir de uma abordagem dedutiva, analisam-se a função dos princípios constitucionais e da mesma maneira a finalidade e alguns dos princípios cooperativos e da Economia Solidária. A partir dessa pesquisa o foco será o de estabelecer uma análise entre valores e princípios constitucionais e os da Economia Solidária, cuja metodologia vale-se da Lógica.

Por fim, no terceiro capítulo, faz-se um relato das feiras de Economia Solidária realizadas em Ijuí, RS, enquanto grupos organizados que sentiram a necessidade de disponibilizar seus produtos ao mercado, divulgando-os e criando um espaço concreto para a inserção da sua atividade produtiva na comunidade local. Na realidade, este capítulo é a tradução dos princípios e valores da Economia Solidária, pois sem eles as feiras de Economia Solidária, a moeda social e as demais atividades desenvolvidas nos empreendimentos não se concretizariam.

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1 ECONOMIA SOLIDÁRIA, HISTÓRICO E DESAFIOS

“A inteligência irmanada com a força de vontade e com a esperança produz uma ideia.”

(Clóvis Bevilácqua).

Acompanhar o desenvolvimento do homo sapiens e sua diferenciação dos demais seres vivos tem sido tarefa de todas as áreas do conhecimento. Cabe ao Direito apurar a forma de organização da sociedade contemporânea, que vem buscando resguardar a vida em todos os sentidos que comporta uma democracia. Há, no entanto, um paradoxo ao refletir os modos de produção, pois o homem busca ser solidário com tudo o que o rodeia. Logo, humaniza-se, mas, também, individualiza-se para atender os ditames do capitalismo que impõe o consumismo. O cerne da questão chama-se trabalho.

Pensar uma sociedade centrada na cooperação exige “inteligência irmanada com a força de vontade”, como enuncia Bevilácqua na epígrafe deste capítulo. E o homo sapiens produz ideias, é capaz de colocá-las em prática. Articula, debate, contesta. Esse embate resulta no veio para pensar a Economia Solidária e sua vinculação com o Direito.

Partindo dessa ideia, desenvolvem-se, neste capítulo, aspectos referentes à Economia Solidária (ES) com o intuito de compreender a sua importância a partir de sua origem histórica, sua relação com a cidadania e os desafios que impõe à sociedade, que visa à construção de outro conceito de desenvolvimento. Ainda, sem perder de vista o enfoque analítico dessa nova proposta de trabalho solidário, propõe-se realizar uma abordagem voltada à verificação da viabilidade da manutenção dos direitos do trabalhador nesse tipo de organização e sua capacidade de articulação cooperativa e autogestionária dos empreendimentos.

1.1 A propósito da Economia Solidária

Pensar Economia Solidária (ES) implica centrar o trabalho na solidariedade e na ajuda mútua. Ou seja, acreditar que por meio da organização de grupos formam-se Empreendimentos Econômicos Solidários (EES). Vale destacar que o termo Economia

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Há que se destacar, portanto, a relação de causalidade existente entre desemprego estrutural e crise econômica com a formação de redes de empreendimentos que contam, necessariamente, com organizações de apoio. Isso significa que em seus primeiros passos a Economia Solidária precisou articular-se a entidades, principalmente, comunitárias. Para Lechat (2006, p. 10),

numerosos pesquisadores, principalmente, economistas e sociólogos, entusiasmados com esta nova realidade, produziram novas teorias para estudar estes fenômenos. Uma série de economistas passou pela escola de Cornell nos Estados Unidos e para alguns foi lá que tudo começou. Nesta escola, YaroslavVaneck, um pensador checo tinha desenvolvido uma teoria econômica da autogestão.

A pesquisadora acrescenta, ainda, que economistas observaram a transformação positiva ocorrida em empresas falidas quando geridas pelos operários. E não só, mas, também, chamou atenção o surgimento de cooperativas de trabalho. A partir dessas constatações, uma série de economistas do mundo inteiro passou a estudar o associacionismo. A proposta de Economia Solidária renasce na França e nutre o desejo de democracia social, mas desencadeou uma “outra maneira de fazer economia política.” (LECHAT, 2006, p. 11). O notável de tudo isso foi a adesão de outras tendências políticas à nova proposta, fazendo surgir escolas de economia social (socialista, liberal, social-cristã, entre outras). Essa disciplina, no entanto, tinha dificuldade de constituir-se como ciência. A teoria foi evoluindo e hoje, valendo-se do estudo de Guelin (apud LECHAT, 2006, p. 2), é “composta de organismos produtores de bens e serviços, colocados em condições jurídicas diversas.” A autora destaca, ainda, que a livre vontade do trabalhador determina que o poder não tem origem na detenção do capital. Outro aspecto a ser destacado por ela é que a “detenção do capital não fundamenta a aplicação do lucro.”

Para Lechat (2006), anteriormente referida, a Economia Solidária deriva da concepção de economia social que, ao lado das associações sem fins lucrativos, inclui as cooperativas, difundidas no mundo inteiro. Estas cooperativas, há mais de 150 anos, buscam “uma terceira via entre o capitalismo e o centralismo de Estado.” (LECHAT, 2006, p. 11). O terceiro setor pode ser representado por três componentes: cooperativas, organizações mutualistas e organizações sem fins lucrativos.

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Por várias razões, Economia Solidária abriga heterogeneidade e o seu objeto de estudo precisa de maior delimitação. A principal razão é o fato de o setor ir crescendo e as fronteiras ficarem mais movediças, ou seja, “diluídas entre o setor público, capitalista e doméstico” (LECHAT, 2006, p. 11). Desta forma, uma definição pronta e acabada de Economia Solidária não existe, mas pode ser entendida como a inter-relação existente entre associados e empreendimento, ou seja, uma pluralidade de ações articuladas entre si, que demandam a colaboração de entidades. Esta mesma inter-relação suscita questões de direito e de cidadania. Este implica deveres do cidadão com vistas à coletividade. Aquele, o fundamento da organização e o funcionamento do Estado.

O acesso à cidadania entra em pauta com o advento da Economia Solidária. Segundo Gaiger (2006, p. 10), a democracia econômica, o direito ao trabalho e as possibilidades de converter o trabalho numa fonte de renda, de segurança, de liberdade e de realização são possíveis de serem alcançadas por intermédio de organizações associativas e cooperadas.

Mas, qual a definição de cidadania? Em Corrêa (2006, p. 217), este conceito está ligado ao direito, “como regra, cidadãos são portadores de direitos”. É confundida, porém, com os direitos humanos, apesar de ter significado mais amplo. Sustenta o referido autor que

a cidadania, pois, significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor a plenitude da vida. Isso exige organização e articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente. (CORRÊA, 2006, p. 217).

Observa-se, portanto, que não há um conceito fechado ou delimitado para a Economia Solidária, uma vez que a cidadania é um pilar que a sustenta. Observa-se in loco a geração de trabalho e renda, que ocorre de maneira organizada e articulada, e que estabelece relações democráticas, interesses e ideias, pois os empreendedores procuram sobreviver de maneira digna e viver plenamente. E isso é cidadania!

Para compreender as implicações existentes entre a organização de empreendimentos pautados pelas relações dos atores que dela participam e a cidadania, há necessidade de se conhecer um pouco da evolução da Economia Solidária.

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A Economia Solidária (ES), para Lechat (2006, p. 13), enquanto proposta, nasceu na Europa na busca por democracia e justiça social. Já no Brasil, embora o termo exista desde 1993, surge em decorrência das condições socioeconômicas e políticas das últimas décadas. Assim,

para a economia solidária tornar-se uma problemática, ela teve que aparecer como um setor próprio e digno de interesse específico. Essa decisão é, ao nosso ver, de ordem teórico-político-ideológico. O que hoje é denominado de Economia Solidária ficou por décadas imerso, e ainda o é em muitos casos no que a literatura científica chama de autogestão, cooperativismo, economia informal ou economia popular. (LECHAT, 2006, p. 16).

A pesquisadora ressalta que na década de 60 foi criado o termo economia informal, considerado pelos analistas portador de status transitório, ligado ao subdesenvolvimento dos países dependentes. O fenômeno informal, no entanto, “não pode ser corretamente representado por um setor ou um continuum, mas por setores qualitativamente distintos.” (LECHAT, 2006, p. 17).

Quanto à origem da Economia Solidária, pode-se afirmar, no entendimento de Lechat (2006), que é oriunda da crise econômica e do desemprego estrutural das últimas décadas. A junção do mundo acadêmico e do trabalho originou experiências solidárias centradas na autogestão e inclinadas a regimes políticos de esquerda. A partir dessa aliança, surgiram ONGs, igrejas, feiras, fóruns, redes e tantas outras iniciativas que se tornaram objeto de estudo nas pesquisas acadêmicas, ganhando cunho científico.

A autora relata ainda que, para a Economia Solidária ser problematizada precisou surgir como “setor próprio e digno de interesse específico” (LECHAT, 2006, p. 16). Em vista disso, o olhar acadêmico passou a dar mais visibilidade a empreendimentos solidários, de cujo olhar advém o atual status quo. Por exemplo, em 1997, os professores Cândido Vieitez, da Unesp; Newton Brian, da Unicamp; e Paul Singer, da USP, coordenaram o trabalho de fundação de um grupo de pesquisadores universitários de todo o Brasil. Em janeiro de 1999 surgiu um projeto de pesquisa de âmbito nacional, denominado Economia Solidária e Autogestionária, que serviu de aporte teórico a estudos de caso. Para Lechat (2006, p. 22), “o século XX viu nascer um novo paradigma socioeconômico, político e cultural”.

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Por sua vez, Gaiger (2006) remete ao ano de 1986 a identificação dos primeiros projetos comunitários de geração de trabalho e renda no Rio Grande do Sul, apoiados pela Cáritas RS (organismo da Igreja Católica ligado à Pastoral Social da Conferência Nacional de Bispos do Brasil). Na década de 90, ocorreram as primeiras movimentações das entidades de apoio, como o Projeto Coo Esperança, de Santa Maria, RS. A partir daí, “as teses predominantes, de que essas iniciativas não passariam de um paliativo, úteis unicamente para responder situações emergenciais, vão sendo suplantadas.” (GAIGER, 2006, p. 9).

O autor acrescenta, ainda, que o ano de 1996 foi um marco importante para a Economia Solidária no Rio Grande do Sul. O movimento ganhou status na realização do “1º Encontrão de Experiências Alternativas de Organização Popular e Geração de Renda” (GAIGER, 2006, p. 20). O evento teve como tema principal a política neoliberal e a inserção da Economia Solidária. Em 1998, universidades como UFRGS, Unisinos, Unijuí e outras, articulavam feiras e fomentavam a pesquisa.

Continua o autor referindo que em 2001, Porto Alegre sediou o primeiro Fórum Social Mundial. A partir daí, segundo Gaiger (2006, p. 21), os Fóruns proporcionaram avanço qualitativo à Economia Solidária do Estado. Tomando o seu texto, pode-se exemplificar que as experiências dos Fóruns Sociais Mundiais tornaram possível a promoção de um ambiente que articule, em uma relação direta, o conjunto de redes, movimentos, ONGs e indivíduos em torno do mesmo objetivo, de construir outra economia possível, trazendo suas experiências dos meios mais diversos.

Em suma, despontam novos modelos de organizações que valorizam a vida, a partir da união social e econômica dos trabalhadores, que se colocam como protagonistas de direitos e cidadania. Isso impõe desafios à construção de um novo modelo de divisão do trabalho, possibilitando a emancipação social.

1.3 Desafios da Economia Solidária

Paul Singer é referência quando o assunto é Economia Solidária. Ele é um dos maiores teóricos do Brasil a estudar o modo de produção conduzido e administrado pelos próprios trabalhadores. Para o autor, há muitas coisas positivas para relatar, pois houve um avanço qualitativo na construção de outro conceito de desenvolvimento. Pensar Economia Solidária,

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porém, é ter um enfoque comunitário e não se restringir a grupos isolados. Na visão do autor, as soluções precisam ser amplas, em um processo contínuo de desenvolvimento local, comunitário, democrático, cujo processo deve ser inclusivo, contrariando o desenvolvimento capitalista, que promove exclusão (SINGER, 2006, p. 19).

Singer (2006) diferencia Economia Solidária rica da pobre, inclusive da miserável. A primeira compreende os empreendimentos recuperados, já nascem com capital, mesmo que pequeno, entretanto, é exceção na região Noroeste do Rio Grande do Sul. Já a segunda, por ele chamada de pobre ou carente, possui dificuldades em se viabilizar economicamente e depende de subsídios e apoio. Nestes empreendimentos, o fluxo de entrada e saída de associados é grande, enfatizando o autor supracitado que “é heroica a busca por se abandonar a pobreza. Se não podem fazer dessa maneira, cada um vai saltando aos poucos do navio para se virar de outra maneira.” (SINGER, 2006, p. 20).

É indiscutível que a Economia Solidária precisa de financiamento, capital de giro e investimentos e que os bancos não estão dispostos a investir em uma pequena cooperativa, sendo ela de Economia Solidária ou não. Essa é uma realidade que desafia os atuais governos.

Não resta dúvida que a Economia Solidária está se desenvolvendo no Brasil, de desafio em desafio, com apoio do Governo Federal, dos estados e municípios. O desafio do acesso ao capital, ao mercado e à educação está sendo enfrentado, principalmente, pelo empenho dos associados dos empreendimentos e pelos militantes das entidades de apoio. Com o tempo ela irá se consolidar e tornar-se uma Economia Solidária viável e reconhecida como uma nova forma de organização ressaltando o cooperativismo, a solidariedade e a autogestão.

1.4 Por uma Economia Solidária viável

A busca por uma Economia Solidária visível e reconhecida é o propósito dos esforços encetados por pesquisadores. Uma luz é vislumbrada pela leitura que Asseburg e Ogando (2006) fizeram do Mapeamento Nacional. Este estudo constitui uma cartilha, cujo viés informativo e político focaliza os Direitos Humanos e discute medidas e ações para a Economia Solidária como forma de viabilizar os direitos do trabalhador. Os apresentadores

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admitem a vitalidade do trabalho solidário, quando o valor do trabalho é colocado acima do dinheiro e do capital. A capacidade de organização cooperativa e o estabelecimento de redes constituíram-se em cidadania substantiva a todos os envolvidos.

Não se pode deixar de mencionar que o Mapeamento Nacional é uma coleta de dados, desenvolvida pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), que criou o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES). O SIES é um banco de dados composto por informações dos empreendimentos, das entidades de apoio e demais órgãos incentivadores. O Mapeamento é um dos mecanismos utilizados pelo Governo que tem o objetivo de proporcionar visibilidade, articulação e oferecer subsídios para a Economia Solidária no Brasil.

Asseburg e Ogando (2006, p. 11) identificam Economia Solidária como um movimento que “visa através da construção coletiva e da solidariedade, desenvolver algo maior, que não abranja somente seu trabalho, sua família e seu empreendimento, mas que tenha um objetivo além, a formação de uma outra economia possível para todos.”

O Fórum Social Mundial, evento que tem como objetivo transformações sociais globais é baseado no slogan – “um outro mundo é possível”. Para Flores (2009), são evidentes os indícios de que algo está mudando, que se está assistindo o surgimento de novas práticas sociais. Essas novas práticas ainda têm muito a resolver e muito que lutar para poder construir uma nova ordem social. Este autor, por conseguinte, enfatiza que é urgente um pensamento afirmativo que mostre as contradições e as fissuras da ordem hegemônica, pois se vive em um mundo subsumido no capital e suas justificações ideológicas.

É importante destacar que Flores (2009), ao refletir sobre o momento em que se vive, encontra-se na presença de práticas sociais antagônicas, instituintes de uma nova ordem social. A Economia Solidária é uma destas práticas. Em vista disso, é um pensamento e uma forma de organização que promove mudanças de mentalidades e potencializa modos de resistência.

O autor adverte que se deve fomentar a construção de novas teorias. Sendo assim, ele conclama que

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sejamos atrevidos e redefinamos o mundo valentemente, afirmando nossas diferenças e nossos valores, articulando as ilhotas de resistência que estão proliferando por todos os lados [...], sempre impulsionando a tendência à articulação e à cooperação. (FLORES, 2009, p. 9).

Isto é, há que se propor teorias que intensifiquem o desejo latente da capacidade humana de transformar o mundo e instituir novas formas de relações. E, ainda mais, que sejam indispensáveis para articular a cooperação.

De tudo isso, é importante destacar que esse novo paradigma é alicerçado na solidariedade e projetado, principalmente, por meio de valores e princípios que embasam as práticas solidárias e a construção social do trabalhador cidadão. O próximo capítulo deste estudo aborda mais precisamente esta problemática.

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2 OS VALORES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS X PRINCÍPIOS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA: CONFRONTO NECESSÁRIO

“Era ele que erguia casas Onde antes só havia chão. Como um pássaro sem asas Ele subia com as casas Que lhe brotavam da mão. Mas tudo desconhecia De sua grande missão: Não sabia, por exemplo Que a casa de um homem é um templo Um templo sem religião Como tampouco sabia Que a casa que ele fazia Sendo a sua liberdade Era a sua escravidão.” (Vinícius de Moraes)

No poema O Operário em Construção, Vinícius de Moraes (1991) critica a alienação do trabalhador frente à divisão do trabalho. Ora, em uma sociedade organizada, todo o trabalho deve ser imprescindível, logo, valorizado. Isso significa que em uma sociedade complexa (humana) o trabalho passa por várias etapas que, via de regra, se articulam. A sociedade busca um ideal que contemple direitos e deveres, que seja compatível com a justiça e que satisfaça os anseios da cidadania em sua totalidade. Platônica, ideal, porque só existe no plano das ideias? Necessária, na visão desta pesquisa. E, como operacionalizar essa sociedade? Articulando os fazeres, cujo enlace se chama cooperação, como será discutido neste capítulo.

Além dessa discussão, pretende-se abordar o significado dos princípios constitucionais, sua evolução enquanto valores ou normas, bem como os princípios que sustentam a Economia Solidária, traçando um paralelo entre ambos para melhor compreender sua vinculação com o Direito.

Já para operacionalizar o estudo, este capítulo é dividido em quatro itens, subdivididos assim, para uma melhor organização das ideias. Usa-se, para tanto, o método dedutivo, ou seja, parte-se da ideia de que os Princípios Constitucionais são a base do ordenamento jurídico. Discorre-se a respeito dos Princípios do Cooperativismo, chegando finalmente à

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Economia Solidária. No final do capítulo, estabelece-se um paralelo para encontrar vínculos entre Economia Solidária e Direito.

2.1 Princípios constitucionais

Pensar princípio, enquanto afirmação ligada ao Direito, implica, a priori, referir que o termo, além de multidisciplinar, possui vários sentidos. Os teóricos têm desenvolvido significações variadas, muitas vezes subjetivas. Para Espíndola (2002), por exemplo, está em todos os campos do saber. Na esteira do autor, vem à mente o Princípio de Arquimedes, o Princípio de Avogadro, o Princípio é o Verbo, e o Princípio Fundamental da Contagem. O princípio significa a origem do mundo, da razão e de tantos outros fenômenos. Origina-se, conforme o autor, do latim para, entre outras designações, apontar a causa primeira, o preceito, a regra, a lei.

Importante reforçar nessa reflexão, que Princípios (com letra maiúscula), remetem ao plural para fazer jus à cientificidade de que é investido. Sendo assim, ainda com base em Espíndola (2002, p. 52), é “a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, de onde todas as demais ideias ou pensamentos derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.”

Em parte, Espíndola (2002) remete sua tese a Bonavides (1997), apontando uma trilha para esta caminhada acadêmica. Por conseguinte, para esse autor, o traço fundamental com que a doutrina contemporânea caracteriza princípios é a normatividade. Por intermédio da ab-rogacão1 doutrinária que o traço impõe, ultrapassa a hermenêutica2, mas é insuficiente para caracterizar a normatividade dos princípios.

Bonavides (1997) relata que, em 1952, Crisafulli considera que Princípio é toda a norma jurídica determinante a qual subordinam-se outras normas. Pressupõe, assim, que a normatividade condensa o conteúdo (resumo em potencial), seja quando efetivamente postas tanto quando dedutíveis do respectivo princípio que as contém. Para Bonavides (2011, p. 259), normatividade é traço comum e, ao tomar suas palavras, tem-se que:

1 Ab-rogação: revogação total de uma lei pela edição de uma nova.

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Todo o discurso normativo tem que colocar, portanto, em seu raio de abrangência, os princípios, aos quais as regras se vinculam. Os princípios espargem

claridade sobre o entendimento das questões jurídicas, por mais complicadas que estas sejam no interior de um sistema de normas.

O passo seguinte, para o pesquisador supracitado, é rever a doutrina dos princípios gerais do Direito e sua penetração na Lei das Leis, à luz das esferas contemporâneas da Ciência Constitucional. É válido acrescentar que a Constituição Federal – conjunto de normas do Estado, que pode ser ou não codificada como um documento escrito – enumera e limita os poderes e funções de uma entidade política. Essas regras constituem o que a entidade é, admitindo várias denominações, entre elas a Lei das Leis.

Há necessidade de explicitar as fases pelas quais os princípios encontraram o seu desenvolvimento, a fim de que se possa, a partir disso, traçar, mais adiante, um paralelo entre os princípios constitucionais e os da Economia Solidária, e verificar qual a sua relação com o direito e a cidadania.

2.1.1 O jusnaturalismo, o positivismo e o pós-positivismo

Inicialmente cabe informar, seguindo os estudos efetuados por Bonavides (2011), que a juridicidade dos princípios passa por três fases distintas: a jusnaturalista, a positivista e a pós-positiva. Na jusnaturalista, fase mais antiga, os princípios são abstratos e metafísicos. Nesta fase a normatividade praticamente inexiste. Os princípios gerais do Direito são concebidos em forma de axiomas jurídicos – proposições óbvias, consideradas verdades que dispensam questionamento. Centra seus postulados de justiça na dimensão ético-valorativa de ideia; há uma concepção platônica, ideal, derivada da lei divina e humana; exerceu seu domínio dogmático por um longo período, “até o advento da Escola Histórica do Direito.” (BONAVIDES, 2011, p. 260).

A segunda fase, positivista, muito forte, suplantou a anterior considerada obsoleta “velha metafísica” – ramo da Filosofia que estuda a essência do mundo (BONAVIDES, 2011, p. 260). É o advento do Direito posto pelo Estado, cuja tese é de que o Direito se constitui produto da ação e da vontade humana. Assim, os domínios dos princípios jurídicos positivistas eram imprescindíveis a juristas e aos juízes, pois as regras particulares eram, a

priori, inteligíveis, e a generalização passou a ser o norte. Dado ao exposto, entende-se que a

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jurídico e filosófico é o positivismo. Esta corrente, que marcou uma era de ligação entre a Ciência e o Direito, foi seguida por uma série de doutrinadores.

A terceira fase é a do pós-positivismo e corresponde às últimas décadas do século XX, quando foram promulgadas novas constituições, centradas nos princípios que dela advêm. Essa fase denominada Neopositivista critica o velho positivismo ortodoxo e o Direito Natural. Nesta fase, os princípios jurídicos conquistaram o status de normas jurídicas vigentes.

É imperioso entender que os princípios assumem um papel preponderante na medida em que são considerados “proposições normativas e não declarações descritivas” e, assim, apresentam superioridade e um “sentido axiológico, de valoração, de espírito [...].” (BONAVIDES, 2011, p. 287).

Na realidade, os princípios são as diretrizes mais importantes do texto constitucional, pois conquistam a unidade necessária e possuem normatividade em função de sua constitucionalização.

2.1.2 Normas, regras, princípios e valores

Necessário se faz indagar se realmente há distinção entre normas, regras, princípios e valores, pois certamente isso possibilitará o entendimento do significado de se ter princípios como sustentáculo, a despeito da base de todo o sistema jurídico-constitucional e legal.

A semântica, no que tange a escolhas lexicais, é importante para a compreensão da terminologia jurídica, pois os vocábulos se revestem de significados que são próprios do Direito, enquanto as teorias de análise do discurso modalizam os enunciados. Em seu texto, Espíndola (2002, p. 52) discute escolhas lexicais que a metodologia jurídica elege. Sendo assim, discussões são travadas e argumentos levantados. Em meio a essa polêmica, ocorrem os acréscimos analíticos dos pensadores Dworkin e Alexy que, por sua vez, consideraram “a distinção entre regras e princípio como espécies do gênero norma de direito.” Espíndola (2002, p. 52).

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Sustenta Alexy (apud BONAVIDES, 2011, p. 277), que “tanto as regras como os princípios também são normas, porquanto ambos se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição.”

Assevera Ávila (2007, p. 30) que “normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos a partir da interpretação sistemática dos textos normativos.” Sendo assim, os dispositivos se constituem no objeto de sua interpretação, enquanto as normas no resultado dessas interpretações.

Para compreender a interpretação enquanto processo, Ávila (2007, p. 31) recorre a teóricos que estudam a semântica (sentido) de um enunciado. Dessa maneira, vale-se dos estudos elaborados por Wittgenstein (para quem há sentidos que preexistem ao processo particular da interpretação) e de Heidegger (para quem ocorrem estruturas de compreensão a

priori ao enunciado). Entende-se, a partir das considerações registradas, que o intérprete deve

atentar também para o uso comum da linguagem, para construir e reconstruir sentidos, a partir de conhecimentos partilhados. Em suma, para interpretar um dispositivo deve estabelecer conexões entre as normas e os fins a que se destinam.

O estudo das Regras possibilita a compreensão de seu significado e, dessa forma, o termo multidisciplinar e polissêmico requer contextualização para a sua interpretação. Em tratados jurídicos serve para colocar em comum o que pode e deve ser dito, o que pode e deve ser feito.

Conforme se verifica, Regras são normas, ambas formuladas com a ajuda de expressões deontológicas (que seguem a um tratado). Logo, estão sujeitas à permissão, tratado, proibição. Princípios também são normas. Entretanto, há diferença entre os dois termos, pois cada uma dessas expressões pertence a uma determinada norma. A diferença, portanto, é entre duas espécies de normas. Para Bonavides (2011, p. 279), “uma regra vale ou não vale, e, quando vale, e é aplicável a um caso, isto significa que suas consequências jurídicas também valem.”

Para corroborar tal entendimento as lições de Alexy (apud BONAVIDES, 2011, p. 279) são elucidativas quando afirma que “um conflito entre regras somente pode ser resolvido

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se uma cláusula de exceção que remova o conflito, for introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula.”

Quando, porém, a colisão ocorre entre princípios, o tratamento é indiscutivelmente distinto. Adverte Bonavides (2011, pp. 279-280) que “a colisão ocorre, por exemplo, se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar.” De certo que nesse caso se impõe um juízo de valor, necessitando a realização de um sopesamento entre eles, e “o princípio de maior peso é o que prepondera.”

Na mesma linha de entendimento, Ávila (2007, p. 51) argumenta que:

Os princípios poderiam ser distinguidos das regras pelo modo como funcionam em caso de conflito normativo, pois para eles, a antinomia entre as regras

consubstancia verdadeiro conflito, a ser solucionado com a declaração de invalidade de uma das regras ou com a criação de uma exceção, ao passo que o relacionamento entre os princípios consiste num imbricamento, a ser decidido mediante uma ponderação que atribuiu uma dimensão de peso a cada um deles.

Vale acrescentar que o conflito entre regras é abstrato. Quando duas regras entram em conflito, declara-se a invalidade de uma delas.

Sobre Valores é necessário afirmar que, enquanto conceito, estes têm sido investigados em diferentes áreas do conhecimento. A abordagem filosófica os descreve como nem totalmente subjetivo, nem totalmente objetivo, mas como algo determinado pela interação entre o sujeito e o objeto. Especificamente há uma jurisprudência dos valores que é a mesma dos princípios, interpretada como “a jurisprudência dos problemas.” (BONAVIDES, 2011, p. 284).

Acrescenta-se, ainda que, ao trabalhar com valores não se pode deixar de ressaltar que eles formam a espinha dorsal da nova hermenêutica no pós-positivismo e da teoria material da Constituição. A partir daí, forma-se a tríade normativa: regra-princípio-valor. Essa tríade é muito importante para direcionar a aplicabilidade imediata dos preceitos do Direito Constitucional face aos casos concretos.

Significa que por meio de um sistema de valores a jurisprudência dos interesses procura “uma unidade integrante e ordenadora”, enquanto que a jurisprudência tópica procura

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“medidas de relevância capazes de estabelecer uma certa unidade sistemática.” (BONAVIDES, 2011, p. 285, grifos do autor).

Tudo isso passa a ideia de que a Constituição é um sistema aberto de normas e princípios e que o sistema de valores domina de forma contundente a interpretação constitucional, demonstrando a sua superioridade normativa.

A proclamação da normatividade dos princípios constitucionais exige que se faça uma reflexão e abordagem sobre o reconhecimento dos princípios do cooperativismo e sua inter-relação com o Direito, implicando um consenso social sobre os valores básicos inseridos no ordenamento jurídico constitucional.

2.2 Princípios do cooperativismo: base dos princípios da Economia Solidária

São dignas de reflexão as questões que envolvem os princípios do cooperativismo, pelo fato de que estes estão a serviço da Economia Solidária e expressam a imediata valoração que designam os fundamentos de sua sustentação.

Em verdade, valores e princípios orientam a Economia Solidária, funcionam como atributos morais e éticos e pautam a conduta e as práticas dos membros dos empreendimentos, como se fossem linhas mestras dentro das quais alguém se move. Os princípios têm uma importante função na vida em sociedade, bem como na organização dos empreendimentos econômicos solidários. A Cooperativa de Consumo de Rochdale levantou princípios que hoje são a base do Cooperativismo e também da Economia Solidária. Rochdale era uma pequena cidade, localizada no distrito de Lancashire (Manchester), na Inglaterra, que passava por problemas com a industrialização. Vinte e oito pessoas foram idealizadoras da cooperativa, que iniciou com um pequeno capital, mas que cresceu rapidamente.

Conforme exemplifica Costa (2007), a partir de Rochdale, valores sociais foram incorporados aos empreendimentos sociais, como: solidariedade, igualdade, fraternidade, democracia, equidade, responsabilidade social e transparência. Ainda, o referido autor enumera os seguintes princípios: livre adesão, controle democrático, participação econômica dos sócios, autonomia e independência, educação (treinamento e informação), cooperação entre cooperativas, preocupação com a comunidade, entre outros.

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Afirma o mesmo autor que os pioneiros de Rochdale, inspirados em Robert Owen, teórico do cooperativismo e do trabalho associado, se reuniram e elaboraram oito princípios fundamentais para seu empreendimento. Cornelian (2006) os sintetizou da seguinte maneira: (01) Princípio do controle democrático pelos sócios; (02) Princípio da adesão livre e voluntária, com porta aberta a novos membros, em condições de igualdade com os demais; (03) O excedente convertido em favor dos trabalhadores, as sobras beneficiando a todos os sócios; (04) Incentivo aos que compram na própria cooperativa; (05) Venda à vista para evitar o endividamento dos sócios; (06) Apenas fornecimento de produtos de boa qualidade; (07) Princípio da Educação Cooperativa; (08) Neutralidade religiosa e política para não dividir o grupo.

A questão em si precisa ser esclarecida, pois esses princípios, segundo Souza (2009, p. 4), “nem sempre são ideais fáceis de atingir ou sequer almejados pelas pessoas, que veem na relação empregatícia com direitos sociais a forma ideal de trabalho, optando muitas vezes por este ou outros tipos de empreendimento apenas em função da necessidade.”

A importância que os princípios e valores assumem se torna cada vez mais evidente. Irion (1997) enuncia que valores, princípios e ideias gerais constituem a base do cooperativismo, pois os princípios têm caráter abrangente e perene, enquanto que os valores interpretam os princípios, ou seja, “o valor dá origem e precede o princípio.” (IRION, 1997, p. 47). Os valores estariam em posição superior, enquanto os princípios têm o papel de transformar ideias em ações. O autor distingue cinco valores básicos do cooperativismo: a democracia, a liberdade, a equidade, a solidariedade e a justiça social, os quais necessitam ser explicitados.

Ao falar em democracia, Irion (1997) não a refere como forma de governo. Em sua reflexão, democracia significa a participação nas reuniões, o direito de opinião, a oportunidade no exercício de funções diretivas. Para ele, uma questão essencial no âmbito da Economia Solidária é a rotatividade em todos os postos de trabalho do empreendimento. Democracia no respeito ao direito das pessoas, a possibilidade do voto e as discussões quanto aos documentos estatutários e legais. Democracia, nesse tipo de empreendimento, é a manifestação da vontade coletiva, que expressa a vontade das pessoas e não do capital. Sendo assim,

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o ideal democrático do cooperativismo, mais importante que o simples direito de voto é que nele não existem grupos, facções, correntes, nem vencidos e vencedores. Nesse ideal está a disposição de que todas as decisões de escolha dos melhores caminhos para a cooperativa cumprir sua missão resultem do convencimento e do consenso entre os participantes. (IRION, 1997, p. 49).

A liberdade, enquanto valor, não se restringe ao ingresso e à saída da cooperativa, mas vai muito além, salienta Irion (1997). É preciso que se observem os valores, princípios e potencialidades do empreendimento.

Já a equidade deve ser entendida sob três aspectos: associativa, econômica e social. Para Irion (1997), em resumo, a vertente associativa estabelece direitos e deveres para todos, os quais são especificados nos estatutos ou decisões de assembleias. Já a vertente econômica defende a participação dos sócios nos negócios e na sustentação do empreendimento, chegando à distribuição nos resultados econômicos, conforme esta participação. E, a vertente social é o atendimento dos associados de forma equânime, isto é, com constância e justiça.

A partir desse ponto, Irion (1997) trata a solidariedade enquanto valor do Cooperativismo e da Economia Solidária, sendo compreendida como basilar. Implica a existência de pessoas com capacidade de estabelecer vínculos, que se apoiam mutualmente e que compreendem o significado da união. Solidariedade deriva de sólido, que remete à solidez.

Pode-se, então, afirmar que a justiça social é também um dos valores da Economia Solidária, e que valores como democracia, equidade e liberdade acabam remetendo à justiça e ao direito. Neste estudo, entretanto, a justiça social se faz promovendo as pessoas, pois “a promoção econômica não é o único objetivo cooperativista.” (IRION, 1997, p. 49). Junto com ela, entre outros benefícios, estão a promoção pela educação, cultura, qualidade de vida, oportunidades de trabalho e realização pessoal.

Os princípios interpretam as linhas gerais e os valores do cooperativismo. Entre os princípios fundadores de Rochdale, sete permaneceram e servem de inspiração às organizações associativas e cooperativas: (01) Princípio da adesão livre e voluntária; (02) Princípio pelo controle democrático pelos sócios; (03) Princípio da participação econômica dos sócios; (04) Princípio da independência e autonomia das cooperativas; (05) Princípio da

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educação, treinamento e formação; (06) Princípio da cooperação entre cooperativa; e, finalmente, (07) Princípio da preocupação com a comunidade. O autor metaforiza um arco-íris para simbolizar os princípios cooperativistas, sendo a luz branca – resultado da fusão de todas as cores – a soma dos esforços, “a união e cooperação” (IRION, 1997, p. 51). A seguir, analisa-se cada um desses princípios:

O princípio da adesão livre e voluntária incorporou o oitavo princípio da Cooperativa de Consumo de Rochdale. Cooperativas, segundo o novo enunciado, são organizações voluntárias, formadas pela iniciativa dos interessados que devem utilizá-las para “a promoção econômica do bem-estar do quadro de associados” (IRION, 1997, p. 58). Já a livre adesão, incorporada do antigo princípio, deve ser vista sob a ótica da liberdade de ingresso e de respeito ao pacto que se forma a partir desse ato. Em outras palavras, o ingresso implica compromisso de cooperação que acarreta obrigações e direitos, que não cessam automaticamente após transcorridos os trâmites de seu desligamento. A cooperativa representa seus cooperados perante o mercado e os compromissos são assumidos em nome deles. Tais compromissos perduram depois da saída do associado, e o vínculo do cooperado só cessará quando extinto o compromisso para com terceiros. Nas assembleias de prestação e aprovação de contas da cooperativa é constatado se há sobras a receber ou se ela necessita participar do rateio para cobertura de eventuais insuficiências. Esse procedimento evita que maus cooperados usufruam dos bons momentos e fujam nos períodos de crises.

O segundo princípio, explicado por Irion (1997), conhecido como controle democrático pelos sócios, admite que cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos sócios que têm participação ativa e livre nas tomadas de decisões. Na Carta Magna e nas leis brasileiras, o direito de voto é intransferível. Ou seja, apenas o cooperado pode votar. Esta é a democracia direta, caracterizada pelo voto individual, pessoalmente exercido pelo cooperado. Democracia é governo exercido pelo povo (demo). Logo, o essencial é a vontade das pessoas e não do capital. O estatuto é a lei que determina o voto.

Já o princípio da participação econômica dos sócios, terceiro princípio, centra-se no capital, cuja definição é, neste estudo, feita por Pasqualini (apud IRION, 1997, p. 73):

O capital é um conjunto de meios destinados à produção, à circulação e à troca. A função do capital deve ser o desenvolvimento da economia, a multiplicação

e o aperfeiçoamento dos meios de produção, a fim de que possam atender cada vez melhor às necessidades humanas.

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Nessa perspectiva, o capital visa ao atendimento das demandas sociais, mas a distinção entre capital e dinheiro se faz necessária, pois não significam a mesma coisa. Pasqualini destaca ainda que,

Na prática, dinheiro é confundido com capital, como se fossem expressões sinônimas. Dinheiro, segundo o Aurélio ‘é mercadoria representada por moedas ou notas de determinado valor, usado para facilitar trocas’. Portanto é algo que se consome. Quando o dinheiro é aplicado em um empreendimento junta-se a outros meios para se chegar a determinados fins e passa a ter sentido de capital. Nesse caso, dinheiro é um dos componentes do capital. (apud IRION, 1997, p. 73).

Capital, nas cooperativas, integra empreendimentos, distinguindo-se em capital-fim e capital-meio. Este, sem fins lucrativos, apenas cria condições para viabilizar os serviços da instituição. Aquele existe para explorar um negócio e ser remunerado, tem caráter de investimento. Neste estudo, a denominação é simplificada à capital social, que designa os recursos financeiros das empresas.

Já o quarto princípio, para Irion (1997), é denominado princípio da autonomia e independência das cooperativas, e define cooperativas como organizações autônomas que visam à ajuda mútua de seus membros. Autonomia e independência formam um binômio. Esta significa rejeitar submissão, assegurando o controle democrático pelos sócios. Aquela significa capacidade de autogoverno, de estabelecer leis, regras e garantir autossustentação. Tanto a autonomia como a independência, contudo, sofrem influência do meio externo, pois as leis são maiores que os princípios. Por conseguinte, há que haver equilíbrio dinâmico entre influências externas e decisões internas, pois a legalidade é fator preponderante para garantir legitimidade.

O quinto princípio – educação, treinamento e formação – centra seus postulados no ensino, na educação. No dizer do supracitado autor, este princípio reza que as cooperativas e associações devem criar formadores de opinião sobre a natureza e os benefícios da cooperação para a humanidade. A palavra educação aparece na origem do cooperativismo em Rochdale, e é recomendada em todos os níveis, contribuindo para o próprio desenvolvimento do cooperativismo. Não se limita, entretanto, apenas à doutrina cooperativista e, por isso, a abordagem realizada a seguir mostra a relação existente entre trabalho e educação.

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Faz-se mister, por conseguinte, informar, mais do que nunca, que a Lei 9.394, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996, no seu art. 1º, § 2º, determina que “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.” Já o art. 1º versa que “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.” Ou seja, o trabalho se relaciona com a educação, não apenas na formação e preparação básica para o trabalho, mas acima de tudo, a educação abrange outros processos formativos. Já a educação formal prepara o cidadão para competir, e não para cooperar. Os empreendimentos enfrentam problemas culturais e precisam nortear seu trabalho para mudar esse perfil.

No sexto princípio, cooperação entre cooperativas, Irion (1997) constata que o movimento cooperativo de trabalhar juntas, por intermédio de estruturas locais, regionais e internacionais, concretiza com mais justeza os seus objetivos. Essa cooperação se dá por meio do apoio mútuo, do trabalho em conjunto e até mesmo da criação de estruturas especializadas e suplementares. Dado ao exposto, pode-se inferir que a solidariedade é o norte para o desenvolvimento das cooperativas e empreendimentos solidários.

Por fim, o princípio da preocupação com a comunidade centra-se na sustentabilidade social. Aduz Irion (1997, p. 49) que isso pressupõe gestos políticos, relações humanitárias e éticas. Cooperativa e sociedade devem estar relacionadas. Esse processo já passou por três fases: preocupação interna, intermediária ou reguladora e integração com a comunidade. Percebe-se que na primeira fase, a cooperativa está preocupada consigo mesmo; na segunda, há uma aproximação com efeitos comunitários indiretos; e, na terceira fase, ocorre a preocupação com a malha social, e a cooperativa passa a visar o bem-estar social.

Irion (1997, p. 151) completa afirmando que:

[...] o cooperativismo, por intermédio da Aliança Cooperativa Internacional ao formular ‘o Princípio da preocupação com a comunidade’ declara com ênfase a visão ética e holística e não a postura cooperativista do movimento cooperativo. Este princípio completa o princípio estudado no capítulo anterior, caracterizando a integração externa das cooperativas com a visão de que são integrantes do meio socioeconômico de uma região e do mundo.

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É importante ressaltar que, segundo Irion (1997), os princípios foram gradativamente aperfeiçoando o modus operandi das cooperativas que se completam com a preocupação com moradia, saúde, saneamento, meio ambiente. A educação é o eixo que conduz as reflexões para novos gestos de pensar o trabalho e o homem dentro de uma perspectiva humanista, logo solidária. Não se pode esquecer, portanto, a dimensão jurídica dessa nova forma de organização de trabalho, baseada no trabalho associado, na propriedade coletiva e não privada, e que, necessariamente, se apresenta vinculada ao Direito.

2.3 Economia Solidária e sua vinculação com o Direito

É de assinalar que, naquilo que interessa mais diretamente ao presente estudo – a Economia solidária e sua vinculação com o Direito, como elemento de organização e estruturação – há necessidade de diretrizes para que essas novas formas de organização econômica baseadas no trabalho associado, na propriedade coletiva, na cooperação, na autogestão, na sustentabilidade e na solidariedade possam ser consolidadas.

Com efeito, para o pleno exercício da Economia Solidária (ES), urge que os poderes públicos (governos federal, estadual e municipal) apresentem um aparato legal, capaz de desenvolver políticas públicas que reconheçam a legitimidade de articulação dos sujeitos e organizações que constroem a ES.

Há que referir que a dimensão jurídica se faz necessária para a estruturação das organizações, mas além dessa dimensão, a ES apresenta a dimensão comunitária. Há que referir, ainda, que o ser humano está intrinsicamente ligado à comunidade em que vive. Essa relação deve assegurar o exercício da cidadania a todos que congrega. Por isso, os poderes públicos precisam dirigir um olhar mais acurado sobre essas organizações, a fim de não perder de vista os elementos essenciais que fazem parte dessa estrutura cooperativa, solidária e sustentável. Nesse sentido, Economia Solidária é uma rede de integração e implica somatório de esforços.

Sobre a importância do sujeito como protagonista da ES, Gonçalves (2007, p. 4) afirma que o homem está no princípio central no que tange ao direito ao desenvolvimento. Por ser um direito que impõe a participação e contribuição da pessoa, esta estaria obrigada por esse direito a promover em sua própria comunidade ações para seu próprio desenvolvimento.

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Por esse prisma, a implementação de políticas públicas para promover e reconhecer a ES é um desafio do Governo brasileiro que tem apresentado um conjunto de ações que visam ao desenvolvimento dessa nova forma de combate à exclusão, à desigualdade, criando novas frentes de trabalho e de renda.

Nesse sentido caminham as políticas governamentais, podendo-se afirmar que:

O Brasil nos últimos anos tem implementado políticas públicas na via do associativismo e cooperativismo. O Governo atuante no período 2002-2010 acrescentou relevantemente ações para promoção da economia solidária, e um importante feito deu-se com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, que foi criada no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego com a publicação da Lei nº 10 da Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003 e instituída pelo Decreto n° 4.764, de 24 de junho de 2003.

É bem verdade que houve a valorização dessa área a partir do ano 2002, quando o Governo Federal implementou políticas cujas metas visaram à transformação da organização do trabalho com ênfase no associativismo e cooperativismo.

Outro aspecto relevante para a implementação da ES foi, sem dúvida nenhuma, a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), em 2003, traçando diretrizes fundamentais para o desenvolvimento de ações voltadas aos atores da ES, pois essa área ainda necessita de incentivos para sua consolidação.

A Economia Solidária como implementação do Direito Humano ao Desenvolvimento foi tema do V Encontro Internacional de Economia Solidária, em 2007. Na oportunidade, Cinthya Andrade de Paiva Gonçalves valeu-se dos estudos de Arjunn Sengupta, de Amartya Sen e das concepções doutrinárias da Economia Solidária de Singer e Mance. A autora assevera que a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, proclamada em 1986, foi aprovada pela Resolução 41/128 da Assembleia Geral da ONU, em 04 de dezembro de 1986. Logo, houve adoção do Direito Internacional, mas a sua aplicabilidade foi controvertida. Assegura, inclusive, que a Declaração sobre o Direito Humano ao Desenvolvimento não encontrou espaço no campo jurídico. Seu estudo coloca o homem como princípio central no que tange ao direito ao desenvolvimento e, por ser um direito que impõe a sua participação e contribuição, ele estaria obrigado a promover ações em sua própria comunidade, visando ao seu próprio desenvolvimento.

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Entretanto, apesar de suas vantagens comparativas em relação ao capitalismo, para se tornar efetivamente um modelo de desenvolvimento justo, sustentável e democrático, a economia solidária ainda carece de instrumentos públicos de reconhecimento, apoio e fomento, que historicamente os empreendimentos capitalistas tiveram. Sem as condições fundamentais de acesso diferenciado ao financiamento, infraestrutura, incentivos tributários e fiscais, assessoria técnica adaptada às suas especificidades e ao conhecimento e tecnologia, os empreendi-mentos de economia solidária estão fragilizados e impossibilitados de manifestar plenamente estas vantagens comparativas, que implicam em perspectivas diferenciadas de desenvolvimento. (GONÇALVES, 2007, p. 4).

A autora complementa que direito humano ao desenvolvimento é um processo particular, mas impõe ações conjuntas. Além disso, implica livre adesão, transparência e é passível de avaliação. Ademais, os sujeitos têm as mesmas oportunidades de acesso e recebem distribuição justa dos benefícios e renda.

Quanto aos princípios norteadores da Economia Solidária, Gonçalves (2007, pp. 6-7) encabeça a lista com o diálogo “primordial não só para o processo de desenvolvimento, mas para a realização do direito ao desenvolvimento em si.” A ideia contém, ainda, o plano macro de desenvolvimento, que impõe não violar direitos, orientando para uma “prática ambiental sustentável e socialmente justa.” O plano de desenvolvimento, segundo Gonçalves (2007), orientado segundo os ditames dos direitos individuais, deve ter como características básicas, a transparência, a responsabilidade e a não discriminação, mediante participação com equidade e justiça.

Para Gonçalves (2007), a Economia Solidária é um movimento da Sociedade Civil, cuja mobilização possibilitou a interação com o Estado, inclusive com a implantação da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), ligada ao Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), e a criação do Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES) e da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES). A criação da Rede Nacional de Gestores Públicos em Economia Solidária veio a somar. A partir de então, muitos municípios implantaram projetos, enquanto Bancos populares reconheceram a sua viabilidade e possibilitaram microcréditos. O Estado brasileiro acenou com a possibilidade de criar um sistema financeiro para camadas de baixa renda. Também foi criado o Programa de Investimentos Coletivos Produtivos (PROINC) pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o qual, infelizmente, não conseguiu atender à grande massa em suas necessidades básicas.

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Um dos pilares da Economia Solidária, assegura Gonçalves (2007), é a participação por meio da autogestão, o que significa que o empreendimento deve ser administrado democraticamente. “Quando o empreendimento é pequeno, todas as decisões devem ser tomadas em assembleias, que podem ocorrer em curtos intervalos.” Já grandes empreendimentos exigem assembleias gerais e, nesse caso, são mais raras devido a sua operacionalização ser mais complexa.

2.4 Estabelecendo o paralelo

Enfatiza-se que neste estudo foram buscados os parâmetros pelos quais se estruturam cooperativas solidárias e que serviram de norte para a estruturação da Economia Solidária como um todo, bem como, os princípios constitucionais, relacionando norma, regra e valores à luz da Constituição. Esse estudo, portanto, abriga um desafio: estabelecer um paralelo entre princípios constitucionais e Economia Solidária. Para isso, selecionam-se os aspectos que possibilitam relações e/ou contradições entre os objetos pesquisados.

E, para completar a reflexão supra, a partir do presente estudo pretende-se estabelecer quatro premissas. Esclarece-se que na ótica deste estudo, a Lógica, enquanto ciência, necessita ser utilizada para a condução do paralelo. Desse modo, premissa é uma fórmula considerada hipoteticamente verdadeira, dentro de uma dada inferência que se constitui de duas partes: uma coleção de premissas e uma conclusão. Sendo assim, as quatro premissas, a seguir, são acompanhadas de uma conclusão - percurso determinado pela Lógica.

Na primeira premissa há dificuldades para atingir a participação necessária dos sujeitos em empreendimentos autogestionários porque a cultura brasileira motiva o paternalismo e o assistencialismo. As pessoas, enquanto partícipes de uma nova forma de gerir seu sustento, qual seja, a Encomia Solidária, são acostumadas a obedecer e não se constituir sujeitos de autodemanda.

Em segundo lugar os sujeitos que devem assumir a Economia Solidária, abraçar o coletivo, mas, não estão acostumados com este princípio fundamental que integra o processo solidário. O ser humano ainda não se acostumou com a divisão de trabalho e admite a existência de patrões e empregados. O sujeito, empreendedor comunitário, desconhece que

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