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Negócio Jurídico de sobrelevação em direito de superfície

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Academic year: 2021

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Recife 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – UFPE CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – PPGD

RENATA PERCÍLIO RODRIGUES

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Recife 2017

RENATA PERCÍLIO RODRIGUES

NEGÓCIO JURÍDICO DE SOBRELEVAÇÃO EM DIREITO DE SUPERFÍCIE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito.

Área de concentração: Direito Privado.

Linha de Pesquisa: Transformação das relações

jurídicas privadas.

Orientador: Professor Dr. Roberto Paulino de

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Catalogação na fonte

Bibliotecário Josias Machado da Silva Jr. CRB/4-1601

R696n Rodrigues, Renata Percílio

Negócio Jurídico de sobrelevação em direito de superfície. – Recife: O Autor, 2017.

135 f.

Orientador: Roberto Paulino de Albuquerque Júnior.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2017.

Inclui bibliografia.

1. Superfície (Direito). 2. Negócio jurídico. 3. Ordenamento jurídico. 4. Direito civil. I. Albuquerque Júnior, Roberto Paulino de. II. Título.

346.81043 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2017-12)

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RENATA PERCÍLIO RODRIGUES

NEGÓCIO JURÍDICO DE SOBRELEVAÇÃO EM DIREITO DE SUPERFÍCIE

Data da aprovação: 17 de fevereiro de 2017 Examinadores:

____________________________________________________________ Professor Doutor Roberto Paulino de Albuquerque Júnior

Orientador-Presidente

____________________________________________________________ Professora Doutora Larissa Maria de Moraes Leal

1ª Examinadora (Interna/UFPE)

____________________________________________________________ Professora Doutora Maria Vital da Rocha

2ª Examinadora (Externa/UFC)

____________________________________________________________ Professor Doutor Venceslau Tavares Costa Filho

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À Benjamin, meu filho querido, com esperanças de que os momentos privados da atenção, se convertam em motivo de alegria com a chegada da sua compreensão.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, o professor Roberto Paulino, pela atenção prestada e orientação tão significativa ao desenvolvimento deste trabalho, assim como a contribuição ao meu amadurecimento com as responsabilidades derivadas do estágio de docência.

A minha eterna orientadora, a professora Alessandra Macedo Asfora, que não só me orientou no trabalho de conclusão de curso, mas na vida; me deu coragem e apoio para seguir por este caminho e por isso lhe sou grata.

Ao meu esposo, Pablo de Sousa, pela compreensão nos momentos de dedicação exclusiva ao trabalho e também pela incompreensão, que me ajudou a encontrar o equilíbrio entre o trabalho e a família.

Aos meus pais, Cláudia Percílio e Roberto Rodrigues, pelo apoio sempre prestado, pelo carinho e cuidado.

Aos meus pares de sogros, Veronika Zydowicz e Paulo Oliva; José Wilson Sousa e Rita de Cássia, que estiveram tão presentes nesta caminhada e que tanto me ajudaram, especialmente com Benjamin.

A Cora e Jonas, pela amizade terna desenvolvida ao longo do Mestrado, cujos momentos de descontração conferiram maior leveza à nossa trajetória.

A todos os professores do PPGD da UFPE, que de alguma forma contribuíram para o meu desenvolvimento como pesquisadora, bem como a todos os funcionários e estagiários, sempre dispostos a ajudar.

As funcionárias da Bibilioteca do CCJ, especialmente a sra. Marinês, da Seção de Obras Raras, pela atenção dispensada e simpatia.

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“Como é fecunda a mais ínfima propriedade, quando se sabe cultivá-la bem”.

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RESUMO

O direito de superfície comporta modalidades de concessão que ultrapassam a noção de superfície. O Estatuto da Cidade facultou, ao proprietário do domínio, realizar a concessão não só do solo, mas também do subsolo e do espaço aéreo. A modalidade da sobrelevação apresenta a possibilidade de utilizar o instituto para a concessão do espaço aéreo ou volume vertical remanescente de um edifício para que este seja base de nova edificação, que será independente da primeira. A falta de menção expressa à figura da sobreelevação em direito de superfície não impediu a doutrina de interpretar sistematicamente o art. 21 do Estatuto da Cidade, que prevê a concessão do espaço aéreo em direito de superfície, e o art. 1229 do Código Civil que determina que a propriedade abrange os três níveis, solo, subsolo e espaço aéreo, admitindo como possível a constituição do direito de superfície através de tal modalidade derivada de concessão. Uma vez admitida como possível a sobreelevação no regime do direito de superfície, surgem questionamentos acerca da natureza desta concessão, suas características distintivas, bem como da determinação da sua finalidade e por fim, dos aspectos e contornos negociais da concessão do espaço aéreo, que são respondidos através da constatação da abertura da tipologia do direito de superfície à autonomia negocial, cuja determinação do conteúdo é essencial à produção dos efeitos visados para o negócio jurídico de sobrelevação, desde que respeitados os elementos essenciais do tipo superficiário e atendidos os requisitos impostos pelo ordenamento jurídico para existência, validade e eficácia do negócio.

Palavras-chave: Direito de superfície. Superfície por sobrelevação. Negócio jurídico real.

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ABSTRACT

The superficies right includes concession arrangements, which go beyond the concept of surface. The City Statute provided the property owner with the concession not only of the land, but also of the subsoil and airspace. The overelevation modality presents the possibility of using the institute for the concession of the airspace or vertical volume remaining of a building that could support a new building base, which will be independent of the first. The lack of express mention of the figure of overelevation in superficies right did not avoid the doctrine from apply

the systematic interpretation to the 21st article of the City Statute, which provides for the

concession of airspace in superficies right, and 1229th article of the Civil Code that determines

that the property covers the three levels, soil, subsoil and airspace admitting as possible the constitution of the superficies right through such derivative concession. As soon as it is accepted that overelevation is possible under the superficies right rule, questions arise about the nature of this concession, its distinctive characteristics, as well as the determination of its purpose and, finally, the negotiating aspects of airspace concession. The answer, comes by establishing the typology of the superficies right to the negotiating autonomy, whose determination of content is essential to the production of the effects aimed at the legal business of overelevation, provided that the essential elements of the superficies type are respected and the requirements imposed for the existence, validity and effectiveness of the business by the regulations are respected. Keywords: Superfícies right. Superfícies by overelevation. Superfícies contract. Overelevation

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 TEORIA DO DIREITO DE SUPERFÍCIE ... 11

1.1 Acessão ... 11

1.2 Noções preliminares do direito de superfície: direito romano ... 13

1.3 Idade Média: Aperfeiçoamento do instituto ... 18

1.4 Construção da Superfície nos Ordenamentos históricos ... 20

1.5 A Superfície no direito luso-brasileiro ... 24

1.6 Relação Jurídica superficiária... 30

2 DIREITO DE SUPERFÍCIE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .. 38

2.1 Conceito de superfície e modalidades... 38

2.2 Coexistência dos Ordenamentos ... 40

2.3 Procedimento: formas de constituição ... 40

2.3.1 Constituição por cisão ... 42

2.3.2 Concessão do subsolo ... 45

2.4 Aspectos negociais da concessão... 46

2.4.1 Transmissibilidade ... 48 2.4.2 Limite temporal ... 50 2.4.3 Exercício ... 51 2.5 Formas de extinção ... 53 2.6 Função Social ... 56 2.7 Propriedade Superficiária ... 58

3 SOBRELEVAÇÃO EM DIREITO DE SUPERFÍCIE ... 64

(11)

3.1.1 Sobrelevação e cisão ... 64

3.1.2 Sobrelevação e subsuperfície ... 66

3.1.3 Sobrelevação positivada ... 69

3.2 Sobrelevação e condomínio edilício ... 73

3.3 Superfície e condomínio edilício no Brasil ... 76

3.4 Sobrelevação e a transferência de volume ... 81

3.4.1 Transferência do espaço volumétrico em direito de superfície e servidão... 82

3.4.2 Transferência de volume, sobreelevação e organização do espaço urbano ... 85

4 NEGÓCIO JURÍDICO DE SOBRELEVAÇÃO EM DIREITO DE SUPERFÍCIE 91 4.1 NEGÓCIO JURÍDICO REAL ... 91

4.2. ERRO E INTERPRETAÇÃO DO NEGOCIO JURIDICO REAL ... 99

4.2 Tipicidade e autonomia da vontade ... 101

4.3 Negócio jurídico de sobrelevação ... 109

4.3.1 Aspectos constitutivos ... 109

4.3.2 Disciplina negocial da constituição de superfície por sobrelevação ... 112

CONCLUSÃO ... 119

(12)

INTRODUÇÃO

O direito de superfície é um direito real que foi recentemente reintroduzido no ordenamento jurídico brasileiro e está disciplinado na Lei 10.257 de 2001, Estatuto da Cidade, e no Código Civil de 2002. O objetivo do legislador ao reavivar este instituto, que chegou ao Brasil através das Ordenações Portuguesas, tendo sido deixado de lado mais tarde pelo Código Civil de 1916, foi permitir uma maior dinamização da propriedade privada.

O instituto, que tem suas origens no direito romano, evoluiu e sofreu desdobramentos à medida em que foi sendo incorporado aos ordenamentos de diversos países, se tornando um direito extremamente dinâmico e permitindo o melhor aproveitamento da propriedade. Por esta razão, foi ganhando relevância no cenário urbanístico, por ser um instituto apto a regularizar situações fáticas.

No Brasil, das leis que preveem o direito de superfície, a que primeiro entrou em vigor foi o Estatuto da Cidade, um diploma de cunho urbanístico, que estabelece diretrizes de planejamento do espaço urbano e as competências das esferas de poder, sendo de grande, senão de maior importância a implementação de políticas pelo Poder Municipal, através da elaboração do Plano Diretor. No ano seguinte, o Código Civil, seguindo a mesma tendência, também trouxe, dentre os seus artigos, o direito de superfície, contendo dispositivos que confrontam diretamente o disposto na lei urbanística.

Instaurou-se, então, a discussão acerca da possível revogação do Estatuto. Um dos argumentos para defender a revogação foi que o Código Civil, sendo lei posterior, derrogaria o Estatuto da Cidade. Entretanto, a lei 10.257/2001, em relação ao Código Civil, que aborda a superfície de maneira genérica, é considerada lei especial, porque trata da aplicação do direito exclusivamente em solo urbano.

Importa ressaltar a diferença entre as finalidades do Estatuto da Cidade e do Código Civil. O primeiro estabelece normas de ordem pública e interesse social, administrando a execução das políticas urbanas, com plena atuação da Municipalidade. Já o direito de superfície no Código Civil possui um enfoque mais direcionado ao direito privado, sendo mais adequado à regulação de negócios jurídicos que permitam um melhor aproveitamento da propriedade, seja a destinação urbana ou rural.

(13)

Desta forma, restou, pacificado na doutrina, que o direito de superfície é regido por ambos os diplomas; exclusivamente pelo Código Civil no que tange à superfície no âmbito rural, e pelo Estatuto da Cidade, quando em âmbito urbano, aplicando-se, no silêncio da norma urbanística, o disposto na norma geral.

Não obstante, o direito de superfície admite modalidades de concessão que vão além da própria noção de superfície. O Estatuto da Cidade disponibiliza ao proprietário do domínio, conceder não só o solo, mas o subsolo e o espaço aéreo. Desta determinação legal, surgem novas possibilidades de aplicação do direito de superfície.

A concessão do subsolo é importante elemento de planejamento e organização do espaço urbano, não só em conjunto com a concessão do solo, como dispõe o Código Civil, mas destacadamente deste, de forma independente, como pressupõe a interpretação do dispositivo presente no Estatuto da Cidade.

A concessão por meio de cisão, outra modalidade de aplicação do direito de superfície, consiste em dispor, por meio de contrato de concessão de superfície, de implante preexistente no terreno, aplicando a este a suspensão do princípio da acessão. Neste formato, o direito de superfície se destaca da definição de direito de construir ou plantar determinada pelo Código Civil e assume uma nova feição no âmbito urbano, atuando como instrumento de planejamento deste espaço.

O “direito de laje” é uma prática muito comum nos subúrbios brasileiros, principalmente nas favelas, onde a superpopulação dos morros, o terreno acidentado e a dificuldade financeira em adquirir um domínio, ensejam a sobreposição de casas, muitas vezes de entes da mesma família, como forma de aproveitar o mesmo espaço.

Em direito de superfície, a modalidade da sobreelevação surge como meio de regulamentação de situações preexistentes, bem como da constituição de novo direito com finalidade de edificação. Objeto do presente estudo, apresenta a possibilidade de utilizar o instituto para a concessão do espaço aéreo ou volume vertical remanescente de um edifício para que este seja base de nova edificação, que será independente da primeira.

A falta de menção expressa à figura da sobreelevação em direito de superfície não impediu a doutrina de interpretar sistematicamente o art. 21 do Estatuto da Cidade, que prevê a concessão do espaço aéreo em direito de superfície, e o art. 1229 do Código Civil que determina

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que a propriedade abrange os três níveis, solo, subsolo e espaço aéreo, admitindo como possível a constituição do direito de superfície através de tal modalidade derivada de concessão.

Uma vez admitida por parte da doutrina como possível a sobreelevação no regime do direito de superfície, surgem questionamentos acerca da natureza desta concessão e suas características distintivas, que direciona ao problema da sua relação com o princípio da tipicidade dos direitos reais e o sistema do numerus clausus adotado pelo ordenamento brasileiro.

O papel da autonomia negocial, portanto, se apresenta como de suma importância para determinar os contornos de uma modalidade derivada de direito de superfície, cujo objeto da concessão limita-se ao espaço aéreo de edifício preexistente, mas também para identificar os limites do auto regramento desta vontade no enquadramento do tipo superficiário.

Pode-se considerar como problema central da presente investigação a definição dos contornos negociais do contrato apto a ter por objeto a concessão do espaço aéreo em direito de superfície para fins de sobreelevação.

Na sua órbita, tem-se a ausência de regulação expressa do direito de sobrelevar por parte da legislação brasileira, a falta de rigor técnico na sua abordagem por parte da doutrina, bem como os aspectos relacionais do direito de superfície e a aproximação, ocasionado pela sobreelevação, dos regimes jurídicos da superfície e do condomínio.

Pode-se elencar como objetivos genéricos o estudo do direito de superfície desde a sua concepção no direito romano até o seu desenvolvimento nos ordenamentos legais para delinear os parâmetros do instituto moderno e as características da relação jurídica superficiária, bem como a revisão bibliográfica acerca do modelo de direito de superfície existente no Brasil e seus meios legais de utilização, como forma de constituição, exercício e extinção.

Como objetivos principais, investigar a presença da sobreelevação em outros ordenamentos jurídicos que preveem o direito de superfície, analisar os argumentos que validam sua admissão no direito brasileiro por meio da interpretação sistemática dos dispositivos que disciplinam o direito de superfície, delinear a utilização da concessão para fins de sobreelevação através da aplicação da teoria do negócio jurídico e especificamente dos regramentos do negócio jurídico real.

O estudo se inicia, no primeiro capítulo, com a abordagem da teoria do direito de superfície. Os aspectos históricos e teóricos acerca do instituto se fazem de importância ímpar

(15)

à compreensão da própria natureza do direito de superfície que, desde os seus primórdios, surge como um instituto dotado de elasticidade e de caráter regulador de situações fáticas não abrangidas pelo direito, podendo-se, inclusive, aplicar esta premissa à própria modalidade de sobrelevação. É, ainda, neste capítulo, que se apresenta o percurso realizado pelo direito de superfície através do direito luso, que durante o Império e até após a proclamação da República, ainda era a legislação civil aplicada no Brasil.

Não obstante, ainda no supracitado capítulo, tem-se como objeto de reflexão, a relação jurídica superficiária, cujo molde se desprende da noção tradicional de relação de direito absoluto, onde figura o titular do direito no polo ativo e no polo oposto o sujeito passivo universal com dever de abstenção, para dar lugar à uma concepção mais adequada à própria dinamicidade do direito de superfície.

O capítulo segundo traz, a também indispensável revisão bibliográfica sobre a dogmática do direito de superfície no Brasil; um instituto reintroduzido no ordenamento jurídico brasileiro, disciplinado em dois diferentes diplomas e com divergências e, ainda, de disposição de baixa técnica legislativa, exigiu da doutrina a própria operacionalização do direito de superfície.

Por tais razões, o estudo da doutrina em direito de superfície tem o papel de viabilizar a visualização de um instituto concreto, para, desta forma, possibilitar o desdobramento do estudo da matéria superficiária para a modalidade da sobrelevação no imóvel urbano, sem suscitar dúvidas elementares à compreensão do tipo específico.

No capítulo terceiro, finalmente, é realizada a abordagem aprofundada da sobrelevação em direito de superfície. Concessão de natureza ad aedificandum, a sobrelevação se destaca das demais modalidades de superfície por ter como objeto apenas o espaço aéreo de edifício com a finalidade de edifica-lo.

Neste capítulo, a sobrelevação é posta em confronto com figuras com as quais guarda algumas semelhanças, como a superfície por cisão, o condomínio edilício e a servidão, como forma de determinar o seu cerne e identificar a sua particularidade como modalidade de superfície sem que cometa equívocos na sua caracterização em relação a outros institutos.

O quarto capítulo, por fim, é o que aborda a matéria negocial da concessão de sobrelevação em direito de superfície. O estudo se inicia pela teoria geral do negócio jurídico, como meio de absorção dos elementos básicos pertinentes à declaração de vontade do negócio

(16)

in abstrato de tal maneira que, entrando na seara do negócio jurídico na esfera categorial, qual seja, o negócio jurídico real, seja possível identificar as particularidades da declaração de vontade constitutiva de direito das coisas.

Também são abordados no capítulo em comento, as hipóteses de erro na interpretação do negócio jurídico, bem como a relação da autonomia negocial com a o princípio da tipicidade, onde se realiza uma análise do tipo superficiário e o seu grau de abertura ao auto regramento da configuração do negócio jurídico de sobrelevação.

Por último, chega-se ao ponto onde o negócio jurídico constitutivo de superfície por sobrelevação é abordado no âmago dos seus aspectos constitutivos e da sua disciplina negocial; são examinados os elementos essenciais à existência, os pactos acessórios, seus pressupostos de validade, bem como a sua entrada no plano da eficácia.

Imprescindível alertar, entretanto, que a matéria negocial em termos de sobrelevação não dispõe de parâmetros disponíveis na doutrina superficiária, motivo pelo qual as referências lhe são escassas, tendo se conformado a sua disciplina a partir do regramento geral da superfície.

(17)

1 TEORIA DO DIREITO DE SUPERFÍCIE

1.1 ACESSÃO

O direito de superfície surge no Período Clássico romano para atender ao crescimento urbano experimentado pelo Império e solucionar o problema da concentração de terras1. Regia

o direito romano de propriedade, o princípio superfícies solo cedit, traduzido na expressão “superfície segue o solo”, que, em poucas palavras, denota o caráter absoluto e individual da propriedade.

Neste sentido, tudo o que fosse vinculado ao solo seria revertido em favor do proprietário deste, não havendo a possibilidade de transferência de domínio da superfície senão em conjunto com o solo, devido à natureza indivisível conferida à propriedade por este princípio2.

Tal inferência, apesar de lógica, tinha caráter muito mais prático no direito romano. Com base na antiga distinção entre res mancipi e res nec mancipi, o fundus já figurava como item de grande valor patrimonial, conjuntamente com animais de tração e escravos.

Compreende-se, por conseguinte, que tanto o material empregado na construção ou sementes plantadas no solo, ainda que pertencentes a outrem, eram incorporadas ao bem de mais valia, ainda que houvesse reparação do terceiro.

A acessão é uma forma de aquisição da propriedade, assim como a ocupação e a tradição. Há aquisição por acessão quando uma coisa acessória é incorporada a uma coisa principal. A coisa acessória deixa de existir juridicamente, sendo o proprietário dono do conjunto ou totalidade.

Na definição de Eugene Petit, acessão, no direito romano, seria “um modo natural de adquirir, que dava direito ao proprietário de uma coisa sobre tudo que a incorpora, formando parte integrante dela, e sobre tudo que se desprende da mesma para formar um corpo novo”.3

1 ANDRADE, Margarida Costa. Observações ao regime jurídico do direito de superfície (e dúvidas que daí

resultaram). Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.34, n.71, p. 93-138, jul./dez. 2011. p. 96.

2 SILVA, Américo Luís Martins. Do regime de concessão ao direito de superfície. Revista da AGU. Brasília:

AGU, v.8, n.20, p. 43-77, abr./jun. 2009. p. 45.

3 PETIT, Eugene. Tratado Elemental de Derecho Romano. DF, México: Editorial Porrúa, 23 ed., 2007. p.

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No direito romano, o imóvel é sempre coisa principal4 em relação a uma coisa móvel. Quanto às coisas móveis, os jurisconsultos consideravam como principal aquela que, após a união, conservava seu nome e sua individualidade e como acessória, a que está unida à outra para adorná-la ou completá-la.5

Para haver aquisição por acessão, é necessário que o bem seja um composto de partes aderentes entre elas, necessitando haver uma homogeneidade da coisa principal6. Chamoun, ao tratar da acessão, expõe no mesmo sentido quando diz que “ela ocorre, por conseguinte, quando uma coisa acessória adere a uma principal, perdendo sua individualidade e tornando-se uma parte constitutiva desta”.7

Há acessão definitiva quando a incorporação da coisa acessória à principal tem caráter indestrutível ou, mesmo quando é possível realizar a separação, o proprietário da coisa acessória prefere ser indenizado8.

Discute-se, entretanto, se a acessão seria uma forma de aquisição originária da propriedade ou consequência do poder exercido sobre o direito de propriedade preexistente. Petit admite que a acessão é base de algumas aquisições, mas que o alcance no direito romano era menor do que no direito moderno9. Segundo este, em grande número de casos, o princípio da acessão é estranho às soluções dos jurisconsultos.10

Para Trabucchi, o conceito amplo de acessão pode ser entendido como uma forma de expansão da propriedade, isto é, tudo aquilo que venha a se unir materialmente à propriedade,

4 Pelo princípio superfícies solo cedit, o solo é considerado coisa principal à qual aderem construções como coisas

acessórias podendo ser mais valiosas que ele. BEVILAQUA, Clóvis. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Rio, 1976., p. 162

5 Petit., op. cit., p. 252. No mesmo sentido, Chamoun: Ocorre acessão quando é possível determinar qual coisa é a

principal e quando a conjunção das duas coisas for definitiva. CHAMOUN, Ebert Vianna. Instituiçãoes de direito romano. 3.ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 248.

6 PETIT, op. cit. p. 253.

7 CHAMOUN, op. cit. p. 248. No mesmo sentido, PEÑA GUZMÁN, Luis Alberto. Curso de derecho privado

romano: derechos reales.Tucumán: Richardet, Distribuidor exclusivo, 1952. “Los autores llaman accessión al modo de adquisición de la propiedad em virtude del cual lo que es producido por una cosa o lo que acessoriamente se le adjunta de modo que forme parte de ella, pertence a la misma.” P. 145. “Por direito romano, a accessão era o resultado da preponderância da coisa principal chamando a si a de menor valor: mea res prevaletiam alienam rem tratit efficit”. BEVILACQUA, op. cit., p. 156.

8 Sobre a acessão da construção em Gayo, “estando hecha una contrucción sobre algún terreno con materiales no

pertenecientes al propietario del terreno, es este el propietario del edifício, puesto que la tierra es cosa principal con relación a la superfície. Hay que fijarse, sin embargo, em que el propietario del terreno adquiere la construcción y no los materiales”. PETIT, op.cit., p. 254.

9 Compartilha do posicionamento Santo Justo. “Este princípio da acessão corresponde ao caracter orgânico da

propriedade e não a uma disposição legal, como no direito moderno”. JUSTO, A. Santos. Direito Privado Romano – III (Direitos reais). Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 17.

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a ela pertencerá, podendo derivar de ato humano ou natural11. No mesmo sentido, Chamoun afirma que os próprios textos romanos não consideravam a acessão como modo de aquisição, mas como expansão ou alargamento da propriedade existente12.

Quando se supõe incorporada uma coisa acessória à coisa principal, na hipótese em estudo, o solo, o direito exercido pelo proprietário deste não sofre alterações em sua estrutura, isto é, não se funda direito novo sobre a coisa incorporada; esta se dilui no direito exercido pelo fundeiro sobre o solo.

Esta realidade, entretanto, tinha o seu alcance restrito ao direito romano, onde a proteção destinava-se, regra geral, à propriedade individual. Entre os germânicos não havia subordinação ao superfícies solo cedit; o modelo proprietário destes possuía configuração diversa, sendo mais valioso o trabalho realizado sobre a terra do que a própria terra em si13.

O direito dos povos germânicos ignorava a existência da propriedade individual, vigorando entre as tribos, que vivia especialmente da criação de gado e exploração das pradarias, a noção de propriedade do clã. As terras e os cultivos pertenciam à comunidade, não havendo distinção entre superfície e solo. Entretanto, não se conferia ao produto da terra, isto é, às plantações ou às construções de modo geral, a natureza acessória em relação ao solo, podendo ser removidos a qualquer tempo.

1.2 NOÇÕES PRELIMINARES DO DIREITO DE SUPERFÍCIE: DIREITO ROMANO

O direito de superfície nasce por derivação de uma modalidade de arrendamento de natureza obrigacional. Foi com a expansão do Império Romano que se iniciou a prática de ocupação das terras estatais, inicialmente para cultivo, tendo se desenvolvido para outra modalidade de arrendamento, destinada à edificação.

Alguns autores elaboraram teorias que explicam o surgimento da propriedade individual no direito romano14, porém, mais importante é a reflexão acerca da modificação do seu modelo

11 TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni di diritto civile. 10. ed., rev. Padova: CEDAM, 1957. 12 CHAMOUN, op. cit. p. 248.

13 ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à Luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade.

Curitiba: Juruá, 2009. p.38.

14 Bonfante: Antes da propriedade existia propriedade coletiva sobre res mancipi pertencentes às gentes (grupo

anterior à civitas e ao Estado). Outros aspectos que contribuíram foram o soberano e o político. A propriedade fundiária tinha ligação com o território soberano de um grupo, tendo se transmutado em familiar (pater famílias)

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proprietário, que ofereceu as condições para que a superficies adquirisse a posição de direito real, paralelamente ao desenvolvimento deste.

No período pré-clássico, a única forma de propriedade reconhecida pelo ius civile era a propriedade quiritária ou dominium ex iure quiritium, que recaía sobre os fundos itálicos e só podia ser adquirida por cidadãos romanos, desde que cumpridos os requisitos necessários à aquisição das res mancipi: a transmissão por mancipatio15, ou pela iure in cessio16.

Fundo itálico era aquele no território italiano. Enquanto as terras cultivadas podiam ser de propriedade particular, as terras incultas pertenciam ao ager publicus e eram concedidas à população mediante o pagamento de um censo, podendo ser transmitida hereditariamente.

Já os fundos provinciais eram as regiões conquistadas fora da Itália e que também pertenciam ao ager publicus. Os particulares só podiam ser possuidores mediante o pagamento do censo tributum ou stipendium, que seria para o Estado conservar a propriedade dos fundos17.

O direito exercido nos fundos provinciais era similar ao da propriedade, transmitida mortis causa e inter vivos. Era desprovido o seu titular, entretanto, de usucapião e rei vindicatio. Petit fala em propriedade imperfeita18. É nesse contexto que a superfície começa a se estruturar. A superfície surge primeiramente no âmbito público19, quando o Estado, em busca de ocupar terrenos de seus domínios, arrendava-os a longo prazo ou perpetuamente para pessoas que tinham o direito de explorar e realizar construções mediante o pagamento do solarium ou pensio.20

após a configuração em cidades-Estado. Após esse período, teria se individualizado, porém se mantendo estrita às res mancipi até o fim da República. p. 20.

De Visscher: O que havia não era propriedade, mas um poder doméstico exercido pelo pater famílias manifestado nas potestas, manus e mancipium e res adquiridas por mancipatio. Nos últimos tempos da República surge o conceito de dominium, que foi atraindo as res patrimoniais, restando o vocábulo mancipium para designar poder sobre pessoas livres e res mancipi para coisas adquiridas por mancipatio. JUSTO, op. cit. P. 21. Kaser: Não havia propriedade, mas poder sobre a res, poder esse exercido pelo pater famílias. A vindicatio era luta pela própria coisa e quando havia alienação, o que era transmitido era posse material. Dominium surge posteriormente derivado da posse. KASER, Max. Direito privado romano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999. p. 137

15 Ato solene celebrado diante de cinco testemunhas representantes das cinco classes do povo. GUZMAN, op.cit.

p. 102.

16 Ato verificado pelo pretor. GUZMÁN, op.cit., p. 102. 17 PETIT, op. cit, p. 234-235

18 Com o tempo, os imperadores concederam a várias províncias condições similares do terreno de Itália: o jus

italicum era um privilégio que dava ao proprietário o dominium ex iure quiritium que se faziam res mancipi e retirava a obrigação de se pagar o imposto territorial. Idem, p. 236.

19 No mesmo sentido, KASER, op.cit. p.380. CHAMOUN, op.cit. p. 281. 20 PETIT, op.cit. p. 294.

(21)

O ager publicus compreendia o terreno em propriedade do Estado romano apenas para concessão de uso aos particulares. Enquanto o domínio permanecia com o Estado, o particular mantinha a posse que era passível de venda e transmissão hereditária.21

Não tardiamente, torna-se possível a constituição de superfícies particulares. A superfície se instituía entre particulares por via contratual, enquanto a relação com o Estado pautava-se apenas em permissão22. Segundo Kaser, esta migração da superfície para o direito privado ocorre ainda no período clássico23.

A partir deste período, inevitáveis seriam os conflitos que passaram a orbitar o exercício do direito, seja entre proprietário e locatário, ou entre locatário e terceiro. Na locação do terreno, o edifício construído não é propriedade do locatário, o que dificultava a sua defesa frente à terceiros e ao proprietário24. Contra este último, só podia reclamar o dano, por meio de ação actio conducti.25

O pretor, então, utiliza como solução prática, a concessão do interdicto de superfície para garantir a posse do superficiário. Isto é, o superficiário ainda não é possuidor interdital, mas no decorrer da relação contratual tinha seu direito protegido pelo interdictum de superficiebus segundo o modelo uti possidetis.26

É justamente no período clássico que surge uma divisão na propriedade em decorrência da ausência de algum dos requisitos necessários à aquisição da propriedade quiritária, como incapacidade, aquisição por peregrino, aquisição de res mancipi por tradição, dentre outras hipóteses.27

O fato da transmissão do domínio ter se operado de forma imperfeita em relação ao ius civile, não tornava o direito do adquirente desmerecedor de tutela e proteção, tendo em vista que a transmissão era fruto de um acordo de vontades entre as partes, apenas pendente por um vício de forma.

21 COGLIOLO, Pietro. Storia del diritto privato romano: (dalle origini all imperio). Firenze: G. Barbèra, 1889.

p. 52., KASER, op.cit. p. 178.

22 SILVA, 2009. p.45. 23 KASER, op. cit. p. 178.

24 “Probablemente en sús origenes, la concesión de una superfície no estaria assegurada por garantia legal alguna,

fuera de las acciones personales que el superficiario podia tener o bien la acción confesoria cedida por el propietario, pero el pretor no tardó en proteger el goce de la superfície contra atentados exteriores creando um interdicto particular de superficiebus, análogo al uti possidetis (...). GUZMAN, op. cit. p.218.

25 PETIT, op.cit. p.294. CHAMOUN, op.cit. p. 281. 26 KASER, op.cit. p. 178.

(22)

Desta forma, o pretor, aos poucos, foi assegurando ao adquirente vantagens que o aproximavam da figura do proprietário, que conservava o título nudum ius quiritium. O adquirente que tinha a coisa in bonis fe, era um proprietário bonitário.28 A coisa podia fazer

parte do patrimônio; apesar disso, não gozava de toda a defesa de uma propriedade quiritária. Na hipótese de transmissão do terreno apenas por traditio, o dominium ex iure quiritum só poderia ser adquirido mediante usucapio, no prazo de dois anos. Enquanto isso, aquele que transmitiu o bem imóvel, continuava sendo o titular do domínio29.

O proprietário bonitário tinha, a seu favor, a concessão de exceptio doli em caso de perturbação por parte do proprietário quiritário quando sua reivindicação fosse considerada de má fé. Tinha, também, a exceptio rei venditae et traditae, concedida primeiramente para os casos de tradição que, com o tempo, se generalizou para transferências a título gratuito. Era de caráter real, sendo válida contra todos que sucediam com relação ao direito a que se refere.30

Nota-se que as duas exceções serviam para conservar a posse do proprietário bonitário até que este usucapisse a propriedade quiritária. Posteriormente, o bonitário passou a ter em seu favor a publiciana in rem actio, uma ficção jurídica que pressupunha usucapida a propriedade tida in bonis. Tal ação produzia os mesmos efeitos da reivindicação ordinária.31

No final do século II, ainda período clássico, alguns jurisconsultos passam a admitir a transferência da propriedade ad tempus, desfrutando o alienador da rei vindicatio. Ulpiano sugere a possibilidade de doação por causa mortis.32

Quanto à evolução da superficies, concede-se aos arrendamentos perpétuos/a longo prazo após exame dos fatos, actio in rem,33 ação real outorgada por juiz com conhecimento de

causa, pois a possibilidade de concessão da actio poderia rechaçada quando a superfície durasse pouco tempo.34

Segundo Petit, a criação do direito está subordinada à existência de contrato de arrendamento perpétuo/longo prazo e uma quase tradição que permitia ao superficiário o livre

28 PETIT, p. 232.

29 A propriedade das coisas mais valiosas dos cidadãos, entre elas, a propriedade quiritária, só podia ser transmitida

entre particulares sob garantia da autoridade constituída. GUZMAN, op.cit., p. 101.

30 Ibid., p. 106-107. 31 Ibid., p. 108. 32 PETIT, 238. 33 Ibid. p. 294.

(23)

exercício do seu direito. Para o autor, desde essa época tinha o superficiário um direito real transmissível inter vivos, mortis causa, e passível de hipoteca.35

Chamoun, no entanto, não se vê apto a definir se foi ainda no período clássico ou no pós-clássico que a actio in rem análoga à rei vindicatio utilis foi conferida ao superficiário.36

Para Schulz, a actio in rem do superficiarius não remonta ao período clássico. O caráter clássico do interdicto de superficiebus é bastante discutido e, ainda que fosse, não tinha poder de converter o direito vulgar em ius in re.37

Nas palavras do professor Roberto Paulino, “essa conferência de tutela interdital levaria, na fase pós-clássica, à consolidação da superfície como verdadeiro direito real sobre coisa alheia, consistente na possibilidade de ter uso e gozo sobre edifício construído em terreno de outrem38”.

Apesar da dúvida em relação à determinação da superfície como direito real no tempo, não há que se duvidar que a flexibilização do modelo de propriedade romana, com a criação da propriedade bonitária e a admissão da figura da propriedade ad tempus teve papel relevante na evolução da superfície.

Desta forma, é mais seguro afirmar que, no período pós-clássico, aquele que edifica em terreno particular com autorização do dono, torna-se proprietário do edifício a despeito da regra do superfícies solo cedit. O direito é alienável, hereditário, onerável e protegido com actio in rem39.

É também no pós-clássico que Justiniano extingue as distinções entre res mancipi e res nec mancipi. Também desaparece a figura da propriedade quiritária, isto é, qualquer pessoa que fosse proprietária bonitária passou a ter propriedade plena (plenissimus et legitimus dominus).

35 PETIT, op.cit., p. 295.

36 CHAMOUN, op.cit. p. 281.

37 SCHULZ, Fritz; TEIGUEIRO, José Santa Cruz. Derecho romano clásico. Barcelona: Bosch Casa Editorial p.

381. “Aún reconociendo que tuvieron gran importância em la historia agraria de la republica asi como em los períodos clásico e post-clasico, ambos derechos no pueden, em los tempos del classicismo, ser incluídos em aquella esfera que los juristas de entonces, consideraban como Derecho privado y, por ende, no pueden ser objeto de discusión dentro de uma exposición sistemática referente al derecho clássico de seridumbre”.

38 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. Notas Introdutórias sobre superfície e usucapião. Revista de

Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.29, n.60, p. 11-29, jan./jun. 2006. p. 12

39 “En derecho justinianeo hubo dos especies de servidumbres que son evidentemente incompatibles con los

principios fundamentales classicos. Ambos vacian la propiedad exaustivamente de su contenido y asimilan el derecho del titular de la servidumbre a um verdadero domínio”. SCHULZ, op.cit. p. 380. Encontramos opinião similar em CHAMOUN, op.cit., p. 281, quando este descreve o direito do superficiário como quase absoluto no direito justinianeu.

(24)

O surgimento de uma nova classe enriquecida pela guerra impulsiona o surgimento do direito real derivado da locação a longo prazo. Para Chamoun, “a superfície nasce para corrigir determinadas consequências do conceito romano de domínio que as novas transformações do instituto tornaram antieconômicas”.40

Diferentemente do direito germânico, no direito romano não existia propriedade horizontal. O direito de superfície atendeu à esta necessidade prática, tendo em vista que uma vez autorizada a construção pelo próprio dono do terreno, derroga-se o superfícies solo cedit.41

De acordo com Santo Justo, a sociedade evoluiu e a lentidão das fontes impediu o ius civile de disciplinar situações que demandavam proteção jurídica42. Por esta razão, a modificação do modelo de propriedade no direito romano e a transformação da superfícies em direito real deve-se ao poder de tutela exercido pelo pretor, que foi apto a criar as condições necessárias à evolução de ambos os direitos.

1.3 IDADE MÉDIA: APERFEIÇOAMENTO DO INSTITUTO

O direito de superfície, apesar de ter surgido no direito romano, teve amplo desenvolvimento na Idade Média em virtude da necessidade de legitimar construções realizadas em terras eclesiásticas43. Neste período, uma grande parcela das terras pertencia à Igreja e essa

propriedade era inalienável, de modo que a regularização das construções realizadas por terceiros ocorria através da concessão da superfície pela instituição religiosa, que não perdia o domínio da sua propriedade e cobrava o cânon ao superficiário44.

Havia, na Idade Média, o conflito entre a inalienabilidade das terras feudais e eclesiásticas e o crescente desenvolvimento urbano45. Houve, ainda, no delineamento do direito de superfície, influência germânica, que considerava mais relevante o trabalho do construtor, em detrimento da subjetiva titularidade de domínio do solo pelo proprietário46.

40 CHAMOUN, op.cit, p.280. 41 KASER, op.cit., p. 159. 42 JUSTO, op.cit., p. 25. 43 TRABUCCHI, op.cit., p. 430.

44 HORBACH, Carlos Bastide. O direito de superfície sobre propriedade urbana. Revista de Direito Privado. São

Paulo: Revista dos Tribunais, v.10, n,40, p. 110-148, out./dez.p. 115.

45 SILVA, Américo Luís Martins. Do regime de concessão ao direito de superfície. Revista da AGU. Brasília:

AGU, v.8, n.20, p. 43-77, abr./jun. 2009. p. 47.

(25)

Foi com a invasão infligida a outros povos que o direito germânico teve contato com a propriedade particular de cultivo, mas apenas durante o império franco, entretanto, que houveram mudanças significativas no tratamento da propriedade por este direito.

A igualdade na divisão de terras dá lugar à propriedade individual, que concedidas pelo Rei aos senhores feudais, eram concedidas por estes a particulares, configurando uma relação de precarium que, a esta altura, era transmissível por sucessão e onerosa, exigindo-se o pagamento do cânon para utilização da terra47.

A superfície, apesar disso, só vem a ser utilizada no direito germânico por influência do direito romano, posto se tratar de um instituto típico de utilização urbana. Com as relações de precário passa-se a conhecer o direito de desfrute, sendo dividida a propriedade em domínio direto e domínio útil. O domínio útil constitui um direito de propriedade, em coisa alheia, um verdadeiro ius in re aliena da tradição romanística, reconhecido na Prússia, Baviera e Áustria48

Foi ainda neste período que surgiu a noção de fragmentariedade do domínio; dominium directo, referente à nua propriedade e dominium utile, cujo titular é o superficiário. O desenvolvimento desta teoria deve-se ao trabalho dos glosadores e canonistas que impulsionaram o desenvolvimento técnico do instituto. A noção de domínio fragmentado permitiu a constituição da superfície não só para fins de edificação, mas também para plantação, esta última vedada no direito romano49.

Roberto Paulino afirma que a constituição de subenfiteuses e subsuperfícies no direito agrário medieval foi decisiva para o surgimento da classe dos servos escravizados à terra e explorados pelos senhores feudais, titulares do domínio do solo. Explica o professor o porquê de o direito de superfície ter sido conduzido ao ostracismo:

Daí o banimento do direito de superfície dos Códigos de inspiração liberal, como o Código de Napoleão e o Código Civil Brasileiro de 1916, porquanto nada repugna mais à mentalidade liberal típica da Revolução Francesa que a submissão de um indivíduo a outro no gozo de seu patrimônio, ganhando força a propriedade plena e é justo acrescer, hipertrofiada e absoluta. Substitui-se, assim, o absolutismo monárquico pelo absolutismo do indivíduo, intangível que se torna a sua vontade nas relações privadas50

47 LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O Direito de Superfície Como Instrumento de Planificação Urbana.

Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 38-39

48 Ibid., p.40.

49 ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006a. p. 13. 50 Ibid., p. 14.

(26)

No século XI, por intermédio da Escola de Bolonha, ocorre um ressurgimento do direito romanístico, reavivando, em alguns ordenamentos, o princípio da acessão ou superficies solo cedit. Porém, o sistema feudalista foi influência significativa para a construção doutrinária acerca do domínio dividido51.

A concepção da cisão do domínio em direto e útil surge primeiramente na obra Glossa Ordinaria, de 1250, do professor Francesco Acursio, da Universidade de Bolonha. De acordo com essa teoria, "o proprietário preserva um domínio latente, que o autoriza a receber o laudêmio e a, eventualmente, na quebra de algum preceito ajustado, reapossar-se do imóvel, enquanto que, ao vassalo, são conferidos os atributos da propriedade, explorando a terra, plantando e construindo”52.

A dicotomia não indica que a superfície tenha atingido o status de domínio próprio, pelo fato de que propriedade dividida não tem o significado de propriedade separada pois, enquanto a primeira permanece unificada em sua totalidade, a segunda comporta o desmembramento em direitos reais autônomos53.

Conclui Teixeira que "(...)assim concebida, a superfície deixou de ser um ius in re aliena, como era no direito justinianeu, para tornar-se, no direito intermédio, uma verdadeira propriedade paralela à do dominus soli, pois o superficiário passou a ter o domínio útil”54.

1.4 CONSTRUÇÃO DA SUPERFÍCIE NOS ORDENAMENTOS HISTÓRICOS

O direito intermédio italiano não era uniforme em relação à superfície. Vigia, sobre a propriedade urbana, a influência germânica e sobre a propriedade rústica, o princípio romano da acessão. A própria Igreja outorgava em favor do concessionário um direito real para fins de edificação, de caráter perpétuo, mediante pagamento do cânon, admitindo inclusive a alienação.

Porém, esta modalidade de concessão era realizada apenas em relação a solo urbano. Para o solo rústico, a instituição aplicava outro tipo de concessão, o livello, que possuía prazo determinado de 15, 19 ou 29 anos, permitindo ao concessionário o direito à destruição do

51 TEIXEIRA, José Guilherme Braga. O direito real de superfície. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1993. p. 23-24.

52ANDRADE, Marcus Vinícius dos Santos. Superfície à Luz do Código Civil e do Estatuto da Cidade. Curitiba:

Juruá, 2009. p. 40.

53 Ibid., p.40.

(27)

edificado e aproveitamento dos seus materiais ou somente à metade da edificação, incorporando-se a outra metade à propriedade da Igreja55.

A criação dos Estatutos das cidades italianas faz a ressurgência do princípio da acessão, como no Estatuto de Bolonha. Entretanto, alguns Estatutos preservam a influência germânica, como o Estatuto de Milão56.

O Codice Civile de 1865 não previu o direito de superfície, porém, sua existência perdurou na prática, bem como na doutrina, até que, no Codice Civile de 1942, foi contemplado o direito de superfície. Existe menção, entretanto, ao Decreto de 19.08.1917 posterior ao terremoto calábrio-sículo que determinou a aplicação do direito de superfície retroativa às construções realizadas nos terrenos alheios vizinhos às áreas destruídas pelo abalo sísmico57.

O artigo 952 do Codice Civile prevê a constituição do direito de realizar e manter construção no terreno do concedente, em favor de outrem sem que este adquira a sua propriedade, não tendo comtemplado o direito de superfície para fins de plantação. O mesmo artigo 952 prevê, ainda, a alienação da edificação preexistente separada da propriedade do solo, caracterizando a concessão de superfície por cisão58.

O artigo seguinte faz referência à concessão por tempo determinado, que se extingue no seu termo final, incorporando, o concedente, a construção à sua propriedade. Da leitura do dispositivo legal, resta implícita a possibilidade de concessão por prazo indeterminado no direito italiano59. Entretanto, o diploma é omisso quanto à concessão do espaço aéreo ou

subsolo.

O art. 954, disciplina a extinção do direito de superfície e suas consequências práticas para concedente e concessionário. Prevê, inclusive, a extinção do direito de construir por prescrição se este não for exercitado no prazo de vinte anos. Determina, inclusive, que contrato de locação cujo objeto seja a construção terá a duração limitada ao ano em curso em que se extingue a concessão60.

55 LIMA, op.cit. p. 41-42.

56 Ibid., p. 43.

57 BENASSE, Paulo Roberto. O direito de superfície e o novo Código Civil Brasileiro. Campinas: Bookseller,

2002. p. 56.

58 ITÁLIA. Códice Civile, 1942. art. 952. Disponível em:

http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/Codciv.htm. Acesso em: 20/12/2016.

59 Ibid., art. 953. 60 Ibid,, art. 954.

(28)

No momento da extinção da concessão, extingue-se também qualquer direito real imposto à construção pelo concessionário. A partir do momento em que a propriedade do solo absorve a edificação, o direito que grava o solo a esta se estende, com exceção da hipoteca, como disposto no próprio dispositivo.

O Codice Civile, em seu artigo 2.643, item 2, exige a forma contratual escrita para constituição do direito de superfície, sob pena do negócio ser nulo, admitindo as formas particular ou pública. Exige, ainda, a transcrição dos atos que venham a modificar ou transferir o direito61.

O artigo 2.816, no item 3, prevê a possibilidade de hipotecar o objeto do direito de superfície e extingue-se junto com o direito, no momento em que a superfície volta para o proprietário do solo. Também dispõe o dispositivo legal que a hipoteca que grava o solo não se estende à superfície e que, na hipótese de a mesma pessoa se tornar titular de ambos os direitos de propriedade e de superfície, a hipoteca continuará a gravar os dois direitos separadamente62. A doutrina da divisão do domínio consagrou-se na Alemanha através do Bodenleihe, que se caracterizava pela divisão da propriedade em móvel e imóvel e que atendia ao direito senhorial e comunal. A Bondenleihe se subdividia entre Grunderleihe e private Erbleihe.

A Grunderleihe era uma modalidade de concessão coletiva para fins de construção de habitações, mediante pagamento de censo e transmissível hereditariamente. O concedente podia ser laico ou eclesiástico e a concessão era específica da modalidade ad aedificandum e submetia os beneficiários à jurisdição da cidade ou vilarejo63. Por esta razão, considera-se que este modo

de concessão estivesse inserido no direito público.

Já a private Erbleihe, era uma concessão que admitia várias formas, limitando-se à pessoa do concessionário. Recaía não só sobre a terra, mas sobre jardins e moinhos, tendo em vista sua natureza privada. Além de pessoal, a regra era limitar-se à vida do concessionário, tendo adquirido a característica da transmissibilidade hereditária posteriormente64.

Enxerga-se, então, a existência de duas modalidades de concessão de superfície no direito germânico medieval. Uma de caráter público, destinado à construção de habitações, e

61 Códice civile, art. 2.643, §2º. 62 Códice civile, art. 2.816. 63 BENASSE, op.cit. p.31. 64 BENASSE, loc.cit.

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outra de caráter privado, que não eliminava a hipótese de edificação, mas permitia a constituição do direito sobre outras coisas privadas.

O BGB, de 1896, regulamentou o direito perpétuo de superfície, posteriormente revogado em 1919 pela ordenança sobre a Erbbaurecht, que teria disciplinado o direito de superfície com maior propriedade. O direito previsto no Ordenamento alemão é hereditário e hipotecável e admite apenas a concessão para fins de edificação65.

No direito francês, as concessões, denominadas tenures, evoluíram de uma concepção restritiva para o reconhecimento de direitos mais abrangentes aos concessionários, como a alienabilidade e transmissibilidade causa mortis. As prestações pessoais dão lugar ao pagamento do cânon pela utilização da propriedade. Importante destacar que cada região da França possuía sua modalidade de concessão. Na Normandia, vigorava a tenure de bourgage, que se destinava a concessão de imóveis urbanos, não edificados, onde o concessionário deveria construir66.

Sua principal finalidade era estimular a construção de imóveis comerciais. Já na Bretanha, a concessão era denominada bail à domaine congéable ou à convenant, constituída através de contrato, onde o objeto da concessão poderia ser superfície edificada ou a edificar, mediante pagamento de renda.

A concessão era de caráter temporário, de 6 a 9 anos, sendo imbuído o concedente de extingui-la a qualquer tempo, devendo indenizar o concessionário pelas benfeitorias. Tal modalidade admitia a recondução, a alienação e a transferência hereditária. Para a doutrina francesa, trata-se de legítimo direito de superfície67.

A concessão no direito inglês era de natureza pessoal. O rei transferia as terras aos lords que por sua vez as concedia à população. A relação entre os lords e os camponeses era de serviço, isto é, estes possuíam obrigação militar em relação àqueles. Somente no fim do século XIII é que surge o lease, uma concessão destinada a construção ou exploração agrícola, mediante pagamento de renda.

Na esteira do ensinamento de Hill e Redman, Lima afirma que dois fatores influenciaram o surgimento do lease: geração de renda sem caracterizar usura, condenada pela Igreja e retorno da terra para o pleno domínio do proprietário após o término da concessão, pois

65 BENASSE, op.cit. p. 61. 66 LIMA, op.cit. p. 46. 67 Ibid., p.47.

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o lease não funcionava no sistema feudalista, que gerenciava a propriedade por meio de obrigações de natureza pessoal de serviço68.

O direito de superfície na Espanha não possuía regulamentação ou autonomia, aparecendo nas legislações sempre atrelado à enfiteuse e aos arrendamentos. Para a doutrina espanhola, existem dispositivos legais que consagram o direito de superfície, apesar de não vir desta forma denominado69.

As Siete Partidas, seguindo o direito romano dos glosadores, traz o direito de superfície conjugado com outros institutos. É possível encontrar nas Partidas, disposições acerca de arrendamentos e contratos enfitêuticos típicos do direito de superfície, que a estes foram incorporados70.

A Lei 74 de Toro, por sua vez, traz a superfície de forma mais aparente, mas sem evitar as dúvidas acerca de sua autonomia em relação aos outros institutos. A interpretação de Antonio Gomez, da lei, é que possuía o superficiário o domínio útil da superfície por analogia com enfiteuse e censos, existindo, no momento da alienação, o direito de preferência sem ordem definida por lei entre o superficiário, o proprietário do solo e o parente consanguíneo. Já para Llamas e Molina, a própria lei já definia em sua redação a ordem preferencial71.

Em relação ao pagamento do cânon superficiário, Antonio Gomez descarta o pagamento como essencial à caracterização da superfície. Para ele, seria a única forma de diferenciá-lo da enfiteuse. De acordo com o autor, a existência do pagamento periódico impediria o superficiário de alienar a superfície sem a anuência do proprietário do solo. Para Llamas e Molina entretanto, sem o pagamento no cânon não haveria direito de superfície72.

1.5 A SUPERFÍCIE NO DIREITO LUSO-BRASILEIRO

O direito português teve sua estrutura definida no século XII, período em que ocorreu a reconquista da Península Ibérica. Seguindo a tendência de toda Europa, Portugal incorpora o

68 LIMA, loc.cit.

69 LIMA, op. cit. p.51. 70 Ibid., p.51.

71 Ibid., p.53. 72 Ibid.. p.54.

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direito romano justinianeu, baseando seu ordenamento em uma compilação do direito romano, leis esparsas, normas consuetudinárias73.

As Ordenações Afonsinas foram a primeira codificação portuguesa e primeira da Europa após a Idade Média, publicadas entre 1446 e 1447 e vigentes até 1521. Teve como fontes as Leis das Partidas de Castela, os direitos romano, germano e canônico, bem como costumes nacionais, dentre estes os das cidades e das vilas.74

Apesar do movimento da codificação já representar uma transição do direito plural local para o monista, eram utilizadas as glosas de Acúrsio e Bártolo quando havia necessidade de preencher as lacunas do direito privado. De acordo com Pontes de Miranda, “a noção e os direitos de soberania, que eram precisos, foram auto enxertados do direito romano”.75

Neste ordenamento, o direito de superfície vem absorvido pelos institutos do arrendamento e da enfiteuse, desprovido de autonomia, podendo-se responsabilizar o direito difundido pelos glosadores, provenientes de Roma.76

As Ordenações Manuelinas, vigentes de 1521 a 1603, não trouxeram muitas modificações em relação às Afonsinas. Basicamente, a codificação adequou-se às leis posteriores, eliminou a dissimetria social, dentre outras providências.77 Não trouxe, entretanto, qualquer inovação em matéria de direito de superfície78.

Em 1603, entram em vigor as Ordenações Filipinas. Tal codificação também utilizou subsidiariamente os direitos romano e canônico, bem como as opiniões de Acúrsio e Bártolo79.

Sua vigência se estendeu até o início da vigência do Código Civil Brasileiro em 1916, no que diz respeito ao direito das coisas80.

Significa dizer, que o direito de superfície não foi mencionado ou previsto em qualquer dessas Ordenações. O regime de sesmarias81, por sua vez, era utilizado desde o princípio da colonização no Brasil, uma vez que a propriedade das terras pertencia à Coroa Portuguesa.

73 ANDRADE, Marcus.,op.cit.. p. 45.

74 MIRANDA, Pontes de. Fontes e evolução do direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2. ed., 1981.

p. 38.

75 Ibid.p.39.

76 LIMA, op.cit. p.58. 77 MIRANDA, op. cit. p. 40. 78 MAZZEI, op. cit., p. 103. 79 MIRANDA, op.cit. p. 41.

80 ANDRADE, Marcus., op. cit., p. 47.

81 Em relação ao regime das sesmarias no Brasil vide VARELA, Laura Beck. Das Sesmarias à propriedade

(32)

O Direito português foi, sem dúvida, de suma importância para o desenvolvimento do direito brasileiro. As leis portuguesas, no período compreendido entre 1500 e 1822, eram aplicadas no Brasil praticamente da mesma maneira que em Portugal.

Em 9 de julho de 1773, o Marquês de Pombal edita lei que, em virtude da submissão do ordenamento brasileiro ao português, passa a vigorar também no Brasil e, de acordo com Mazzei, a doutrina considera contemplada por esta o direito de superfície, ainda que incipiente e sem denominação específica82.

Para o autor, tal norma foi apta a coibir o comportamento abusivo de proprietários, em relação aos enfiteutas ou superficiários que exploravam suas terras, em especial no que dizia respeito à alta cobrança, e equilibrar a relação existente entre concedente e concessionário83.

Importante frisar que, mesmo com a independência política em 1822, a legislação portuguesa continuou vigente, uma vez ratificada de forma integral. A lei de 20 de outubro de 1823 determinou que as Ordenações Filipinas, leis e decretos promulgados pelos reis, continuariam vigentes no Brasil até que fosse elaborado um novo Código Civil.84 Curiosamente, as Ordenações Filipinas continuaram aqui vigentes, mesmo após Portugal ter seu próprio Código Civil.

Ocorreu que, diante do impasse da ausência de Codificação necessária ao desenvolvimento do direito brasileiro sem as amarras do direito lusitano e perante uma gama de leis esparsas, optou-se pela Consolidação, preliminarmente ao processo de Codificação. Restou Teixeira de Freitas incumbido da tarefa, que elaborou a Consolidação das Leis Civis85.

A Consolidação das Leis Civis, de 1857, em seu art. 52, §2º tratava dos bens de domínio do Estado de madeira reservada. Neste dispositivo havia indicação da aplicação do direito de superfície. Significa dizer que o Estado detinha o direito real de superfície para exploração do pau-brasil, bem como de outros tipos de madeiras, em qualquer imóvel que estivesse destinado à sua extração. Isso porque, independente das árvores estarem em terrenos particulares, faziam parte do domínio estatal, titular do monopólio86.

82 MAZZEI, 2013. p. 107-108. 83 Ibid., p. 108.

84 MIRANDA, 1981. op.cit., p.66 85 Ibid. p. 80.

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Porém, em 1864, a lei 1.237 veio reformar a legislação hipotecária e estabelecer as bases das sociedades de crédito real. O direito de superfície foi tacitamente revogado por não constar no rol de direitos reais definido nesta norma87.

Após a ruptura do vínculo político entre Brasil e Portugal, ambos traçaram caminhos diversos em relação ao direito de superfície, tendo o ordenamento brasileiro banido o instituto enquanto a antiga metrópole adotou-o como instrumento para resolver os problemas habitacionais através da introdução do artigo 2.028 no Código Civil de 1867 e em um segundo momento pela lei n. 2.030 de 22 de junho de 1948.

Ainda segundo o distanciamento dos dois ordenamentos no que tange o direito de superfície, comenta Mazzei que, uma vez aceito o direito de superfície em Portugal através de interpretação ampla do artigo 2.038 do Código de Seabra, “o direito de superfície se moldou para ser peça útil de fomento à construção para habitação urbana, destino diferenciado em nossa nação”88.

Em 1900, Clóvis Beviláqua apresentou o seu Projeto do Código Civil, não tendo sido relacionado nele, o direito de superfície como direito real. A comissão Revisora, apesar disso, resolveu incluí-lo no rol89. Mesmo com a iniciativa de tentar reestabelecer o instituto no ordenamento brasileiro, esta acabou sendo em vão. Durante a tramitação do Projeto no Congresso Nacional, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados não viu necessidade em restaurá-lo, eliminando-o do projeto que se tornou o Código Civil de 191690.

Mazzei se posiciona no sentido de que o Projeto Revisto era muito mais rico que o atual Código Civil no tocante ao direito de superfície:

Vale dizer que o Projeto Revisto se preocupara em regular algumas questões da relação superficiária que não foram abordadas no atual Código Civil [2002] e que, em nossa opinião, poderiam estar previstas na codificação vigente, em vista dos embaraços que o vácuo legislativo pode causar. Nesse sentido, no artigo 827, havia a limitação do prazo de cinquenta anos para a concessão (com renovação de igual prazo); e, nos artigos 830 e 831, fazia previsão quanto aos credores de hipoteca e aos efeitos da servidão.91

87 ANDRADE, Marcus. op.cit. p. 48. 88 MAZZEI, op.cit. p. 111.

89 ANDRADE, Marcus., 2009. p. 49. 90 MAZZEI, op.cit. p. 113.

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Com o decorrer dos anos e após várias alterações no diploma, surgiu a necessidade de elaborar um novo Código Civil. A redação do projeto coube à Orlando Gomes e a sua coordenação a Caio Mário da Silva Pereira. O anteprojeto apresentado previa o direito de superfície elencado entre os direitos reais limitados, porém, acabou recusado pela Comissão Revisora e não foi levado adiante92.

Por sua vez, o Código Civil português de 1966, vigente, previu o direito de superfície com riqueza de detalhes. A disciplina do instituto está presente a partir do artigo 1.524 até o 1.541. O primeiro artigo define o direito de superfície como faculdade de construir ou manter construção ou plantação em terreno alheio e admite as concessões temporária e perpétua93.

Os artigos seguintes, ainda dentro das disposições gerais, preveem: a limitação da utilização do subsolo às obras que da superfície que lhe sejam inerentes (1.525, item 2), a aplicação das regras da propriedade horizontal quando da construção de edifício (1.526) e a concessão de superfície por pessoas públicas, que deve reger-se por legislação especial e subsidiariamente pelas regras do Código Civil (1.527)94.

No capítulo referente à constituição, tem-se que o direito de superfície pode ser constituído por meio de contrato, testamento, usucapião ou cisão de obras ou árvores preexistentes (1.528). Prevê o dispositivo seguinte a constituição de servidões necessárias ao exercício do direito de superfície, que deve ser acordada (1.529)95.

O terceiro capítulo trata dos direitos e deveres do superficiário e do proprietário concedente. Em relação ao pagamento, é permitido às partes convencionar a sua forma, que poderá ser prestação única, anual, perpétua ou temporária (1.530). Limita, porém, o pagamento a ser realizado somente em dinheiro e concede ao proprietário o direito de, no caso de haver mora, a exigência do triplo das prestações (1.531)96.

Prevê, ainda, que o uso e a fruição da superfície serão do proprietário enquanto não sejam iniciadas as obras ou plantação (1.532), bem como o uso e a fruição do subsolo, desde que não causa prejuízo ao superficiário, hipótese em que será responsabilizado (1.533).

92 ANDRADE, Marcus. op.cit. p. 50. 93 Codigo Civil português.

94 Código civil português. 95 Código Civil português 96 Código Civil português

Referências

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