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Desordem Social - Revisada

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Academic year: 2021

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Desordem Social

Um bem anômico politicamente protegido

“Anomia significa o estado mental de alguém que foi arrancado por suas raízes morais, que não possui qualquer norma, mas somente premências desconexas, que não mais possui qualquer senso de continuidade do povo, de obrigação. O homem anômico tornou-se espiritualmente estéril, respondendo somente a si mesmo, sem responsabilidade para com ninguém. Ele zomba dos valores de outros homens. Sua única fé é a filosofia da negação. Ele vive na linha estreita da sensação, sem futuro e sem passado... A anomia é um estado mental no qual o sentido individual de coesão social – o cerne de sua moral – está rompido ou fatalmente enfraquecido”.

Não me traz receio ou mossa tratar qualquer assunto, até mesmo pelo fato de que todos, impostergavelmente, clamam sempre a soma de opiniões a seu respeito, dês que alicerçadas em bases sólidas, sejam de cunho social, moral ou legal.

Não pretendo iniciar com excesso de tecnicidade, mas sim com o cerne da desordem como sugestão criminológica, uma vez que seu ponto de partida é o terror em nossas ruas, casas e locais de trabalho, a desorientação da juventude e os desequilíbrios econômicos e sociais, que se instalaram de maneira profunda e que tanto embaciam a ordem e a liberdade.

Os sinais de decomposição são inconfundíveis, pois nossos lares, hoje, representam prisões domiciliares involuntárias. O cidadão brasileiro de bem está condenado à morte e isso porque o maior bem – a vida – está sob ameaça do descaso. Isso me faz recobrar lembranças históricas do Fuehrer pelas ruas de Berlim, na primavera de 1945, tornando-se repentinamente evidente não restar mais qualquer autoridade. As forças que configuram a aplicação do poder de resguardo do lícito e do ilícito se confundem. Polícias envolvidas no crime, políticos, magistrados, empresários, todos partícipes e espécie de pessoas espiritualmente estéreis, que não interessam ao mundo.

Algumas questões merecem revisão, em especial do Poder Judiciário, que, pela capa dos autos e quem nela figura como paciente (e não pelo conteúdo jurídico), abre verdadeiras fendas no Direito. Para exemplificar, o Supremo Tribunal Federal, contrariando súmula que veda a apreciação de recurso antes do julgamento de mérito de tribunal de instância inferior, no caso dos Maluf foi postergada, o que não ocorre, sob hipótese alguma, em qualquer outro caso. Não obstante o flagrante privilégio, o Relator, Ministro Carlos Velloso, consoante noticiado pela imprensa, assim ponderou para liberá-los do cárcere legal: “Imagino o sofrimento de um pai preso na mesma cela que um filho.... Isso me sensibilizou", admitiu. (Tribuna da Imprensa online, 21.09.05).

Esses gestos de desordem legal e processual vêm se tornando tônica acentuada nos tribunais. Ora, se o que sensibilizou o hoje aposentado Ministro Carlos Velloso foi assistir o sofrimento de um pai preso na mesma cela que um filho, bastaria determinar a troca de um deles de cela. A justificativa emocional do julgador, contudo, ao invés do princípio simplista das soluções judiciais, foi o de conferir liberdade a ambos. A Suprema Corte não pode estar vendada aos princípios de Direito. Pelo Brasil, muitos, inúmeros, incontáveis são os casos de pais e filhos presos na mesma cela e, que se levados como argumento a qualquer Ministro, certamente, não receberia a abstrusa resposta nem a consideração carinhosa do Ministro Relator, a permear a sua sensibilidade.

É o conflito de todos contra todos, fazendo recordar a falta de uma autoridade democrática e a certeza lamentosa de que há muito se houve o início de determinado domínio, o qual destruiu os antigos, com imensa ostentação de atos de violência à sociedade organizada.

São as leis absolutas de ontem gerando a injustiça do amanhã. Uma anomia plena, ou seja, sociologicamente tratando a questão, uma situação em que há divergência ou conflito entre normas sociais, tornando-se difícil para o indivíduo respeitá-las igualmente. A atualidade está representada pelas manifestações individuais e por agressões sociais, tais como violações da lei e da ordem pública pelos próprios indivíduos que compõem determinada sociedade, quer na essência dos Poderes legitimamente constituídos quer pelo simples homem civil.

A ordem não mais se vê sob o prisma e conceito de Hans Kelsen, em Teoria Pura do Direito. A ordem reclama, com urgência, ser reconduzida à condição de disciplina e subordinação (autoridade), sem que com isso se recomende o impedimento, a proficuidade ou eficiência da individualidade humana, mas sim que venha a ser a imagem da tranqüilidade pública resultante da conformidade às leis.

A lei penal é frouxa, concessiva em benefícios que em nada reeduca ou ressocializa o infrator e, ao contrário disso, com a orientação paralela da jurisprudência, cada vez mais evidencia a possibilidade de que a desordem é passível de ser construída pelos três Poderes legitimamente constituídos.

Com isso, o Estado mostra-se incapacitado de cuidar da segurança ou mesmo da proteção de nossos bens, lato senso.Tudo aqui leva tempo porque fora feito ao despreparo e a destempo. Montesquieu, em L’esprit de lois, já pregoava:

Queremos todos viver novamente em paz e segurança. Não deveria ser necessário o cidadão viver sob permanente preocupação com seus

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bens. Ou será que queremos um Estado ‘vigia’, que apresente e permita atitudes tolerantes com os criminosos?

O homem, vendo a inexorável ampliação dos atos delinqüenciosos, descrê da finalidade e validade da lei e da ordem, supondo que estas servem para distrair a atenção pública de problemas mais prementes. Não se trata de opinião isolada, solta e perdida em devaneios filosóficos inconseqüentes, mas sim de realidades já analisadas por Michael Zander e Raszinowicz em suas obras The Growth of Crime, ed. 1979, cap. 9 e Criminal Violence, Criminal Justice, ed. 1978, caps. 6 e 10. Portanto, não é tema inusitado ou que se resume a anomalia da atualidade, pois a delinqüência sempre foi atual em todos os tempos. É o homem e sua índole, que ao dirigismo inteligente consegue subverter conceitos, apontando a vítima como culpada, e não o delinqüente, induzindo a recomendações absolutamente antagônicas a uma sociedade organizada, como, por exemplo, “segurem seus veículos; contratem seguranças para suas casas; ponham grades em suas residências; não ostentem riqueza; vamos desarmar o povo etc”.

O temor à desordem e ao vigor das leis deve pesar sobre as cabeças dos delinqüentes, assim como a espada de Dâmocles, a cada segundo de nossos dias. A prevenção ao crime tem de se destacar numa sociedade organizada como ato paralelo, e não principal. Forma contrária é admitir a extrema desorganização, o deslocamento e o colapso virtual da ordem institucional da sociedade como um todo. Nota-se, pois, que se está a falar em revelações terrificantes acerca dos destinos da humanidade, seja na Inglaterra do século XVII ou no século XXI. Onde se esconderam os pensamentos e ponderações de Revel, em Comment lês démocraties finissent, ed. 1983, e Baechler, em Démocraties, ed. 1985, que tão bem retrataram os tempos das instituições e tradições que, por séculos, foram instintivamente obedecidas? Onde estão esses sinais e quem os perverteu?

Weber e sua manifestação sobre Politische Schriften, no “Parlament und Regierung in enugeordneten Deutschland”, no ano de 1958, em nada alterou o panorama quando, em 1984, até mesmo na República Democrática Alemã (Alemanha Oriental) se afirmava: A delinqüência na RDA representa atualmente um fenômeno de magnitude relativamente importante. Isso resulta dos desvios, afastamento da direção ou da posição normal. A sociedade que se dispôs para a sua existência organizada, um plano ou modelo de normas de conduta para a realização de sua ordem, não consegue pressionar os desvios abaixo de determinado nível.

Não podemos crer, tampouco seguir aqueles que pensam como Willian Thacheray, citado por Heinrich Popitz, em The Brixton Disorders, ed. 1981, p. 98, em seu pequeno texto intitulado “On being found out”, para ilustrar que, se todos os crimes fossem descobertos, não somente o imperador, mas também todos os homens mais comuns estariam nus.

Evidente que tal pensamento colocaria a humanidade em posição de inutilidade, inclusive o próprio pensador, revelação essa extremada e imprecisa. Há no controle da ordem três medidas imprescindíveis: a) isolamento do delinqüente; b) combate à causa, com elementos que superem a força do estranho; e, c) prevenção paralela para suportar surtos eventuais e futuros.

A delinqüência, assim, é um estado doentio de parte da sociedade organizada, dentro de um Estado de Direito, que se vê ameaçada à contaminação plena, caso não seja combatido e repelidos os agentes que a causam. Ela sempre existiu e sempre existirá, seja em formas, estágios ou intensidade variados, cuja obrigação do Estado é impedir e prevenir a sua proliferação, buscando impor a ela determinado nível de atuação e influência social, pena de, assim não o fazendo, estar à mercê do descontrole. A doença, por vezes, é mais eficaz que o tratamento, e acaba vencendo o homem e seus estudos, mas, na sua maior grandeza, a busca do homem é para que o tratamento seja mais vigoroso, resistindo e combatendo a existência daquela. Muitas são as oportunidades em que se conhece a causa da doença como um todo; a dificuldade, porém, mais desponta quando se inicia a separação de seus elementos para a identificação direta e imediata da causa. Isso não remove o estímulo do homem na busca de uma solução perpétua, mas o caminho percorrido, inexoravelmente, deixa marcas indeléveis, por vezes com perdas; noutras, com experimentos.

Um corpo impuro imprescinde, muitas vezes, de grande dose de anticorpos que combata a causa de sua perda de vitalidade. Não excluirá essa medida descompassos colaterais. A importância do ato é tentar revitalizar o corpo.

Se a sociedade, a sua ordem e as leis estão sob ameaças vitais, as forças contra esses elementos que as contaminam, num primeiro instante, devem, necessariamente, ser maiores que a ameaça. Depois, por sobre o que sobrou e não soçobrou, restam a manutenção e a prevenção. Com a delinqüência se pode atuar alternativamente, dês que observados os princípios do Estado de Direito, o devido processo legal e a ampla defesa. Seria uma pena de socorro para casos especiais e iminentes a ameaçarem a ordem na aplicação das leis; penas mais severas, como a perda dos benefícios da progressão da pena e até mesmo a pena perpétua. Não se esvaziariam os presídios, tampouco a plenitude do ato delinqüencial do homem. Ao contrário, num primeiro momento seriam necessárias construções de prisões de segurança máxima, mas, isso, por culpa do próprio homem e da inércia ou incompetência do próprio Estado. Ao depois, haveria sobre esses atos um controle, a permissão de determinados níveis da delinqüência humana. Portanto, creio que descartar o controle da delinqüência por meio da pena sem benefícios e suas progressões, ou mesmo a sua perpetuidade, seja tão desastroso quanto admiti-la desregradamente.

Na separação dos elementos que, possivelmente, deram origem à elevada causa da criminalidade, o Ministério da Justiça já elaborava estudos efetuando o levantamento quantitativo e comparativo nos casos de homicídios entre os anos de 1979 a 1998, sempre em curva ascendente, distanciando-se o percentual comparativo populacional para cada cem mil pessoas, de 9,44% para 25,84%, no curso desses 11 anos. A separação do elemento homicídio, com relação à causa do aumento

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da criminalidade, há de ser representada por fatos anteriores a 1979 e os demais, que se possam dar como relevantes, daí para frente até o ano de 1998.

Em 1977, dois dados apontam relevo na história nacional. O primeiro, no que tange ao fechamento do Congresso Nacional por parte do Presidente Ernesto Geisel, cassa a parlamentares e o famoso “pacote de abril”, oportunidade em que mudam as regras eleitorais, dando-se, assim, início à abertura política no Brasil, para beneficiar o partido oficial, a Aliança Renovadora Nacional (Arena). Nos três anos antecedentes a 1977 era grande o número de torturas nos cárceres militares, além das mortes do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho, e da destituição do General Eduardo D’Ávila Mello do comando do 2 Exército. O segundo, ao invés de político, é religioso, pois o ex-funcionário de loteria no Rio de Janeiro, Edir Macedo, funda a Igreja Universal do Reino de Deus, que atualmente se revela em potencial evidente, econômico ou de seguidores.

Em 1979, assume a Presidência da República o General João Baptista Figueiredo, que, em 1980, sanciona a Lei da Anistia, promovendo grande reforma política ao restabelecer o pluripartidarismo. Daí para frente foi uma época marcada por escândalos econômicos, inflação e aumento da dívida externa. Nesse conturbado período, surge, em 1983, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) – primeira organização sindical.

No ano seguinte, 1984, não passa no Congresso Nacional a Emenda Dante de Oliveira para eleições diretas ao cargo de Presidente da República. Em 1985, pelo Colégio Eleitoral é eleito Presidente da República Tancredo Neves, que morre antes de assumir o cargo. Em seguida, o Governo de José Sarney lança o Plano Cruzado. Em 1988, o líder seringueiro e ecologista Chico Mendes é assassinado no Acre, enquanto nesse mesmo ano se dava a promulgação da Constituição Federal vigente.

Em 1989, Fernando Collor de Mello é eleito Presidente da República, por meio do voto direto, o que não ocorria desde 1960, e um de seus primeiros atos foi o confisco dos depósitos bancários e investimentos de poupança acima de 50 mil cruzeiros. Em 1991, dá-se início ao programa de privatização no Brasil, com a Usiminas, e, em 1992, uma sucessão de escândalos no governo, a partir de denúncias de Pedro Collor sobre a corrupção no governo de seu irmão, acaba por culminar, no mesmo ano, com o impeachment do então presidente. Assumindo o governo o seu vice, Itamar Franco, o IBGE divulga que 35 milhões de crianças e adolescentes vivem na miséria.

Em 1993, o então Ministro da Fazenda do Governo Itamar, Fernando Henrique Cardoso, lançava o Plano Real, em combate à inflação, mas em desgoverno ao desemprego, com o que muito colaborou a modernização industrial. Em 1994, o relatório final da CPI pugna pela cassação de 18 parlamentares, ano em que também tinha início a circulação do Real, a nova moeda nacional.

Em 1995, toma posse como Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, oportunidade em que realiza a primeira privatização de seu governo (Escelsa). Em 1996, começam os desmanches dos bancos, sejam pela compra, privatização e seu cancelamento (Banco do Estado do Rio de Janeiro), e os empréstimos fraudulentos de 5 bilhões no Banco Nacional.

Em julho de 1996, enquanto se tinha notícia da morte de Paulo César Farias (esquemas Governo Collor), o Banco do Brasil anunciava o maior prejuízo de sua história (7.780 bilhões de reais).

Façamos uma parada na incursão histórica desses 11 anos, para revelar que o estudo feito pelo Ministério da Justiça demonstra um pérvio salto no índice da delinqüência nacional, sugerindo, pelo que fora até aqui exposto, um dos sub-elementos que pode ser apontado como causa, tal a desestruturação política com grande reflexo no fator econômico.

Resultados econômicos negativos são claros exemplos de desordem política, ausência de direção específica e planos eficientes. Em decorrência disso, a sobrecarga e o flagelo social. Nesse caso, a aplicação da pena sem os benefícios da progressão ou a perpetuidade atuaria sobre o efeito e não sobre a causa, o que é inadmissível. Adentra-se, mais uma vez, no campo do controle da delinqüência e não na sua detenção, pois esta mostra a pretensão de se fazer parar, não deixar ir adiante, enquanto aquela traduz ter-se o domínio, o governo da situação ou de seus níveis. Portanto, é possível haver controle sobre determinados elementos, sem que, contudo, sejam detidas suas causas e efeitos. Isso não é semântica, mas sim teoria.

De nada resolve, porém, o freno pelo controle, se a causa não modificar a ordem que conduz ao efeito nocivo. A aplicação de penas sem benefícios e a perpetualidade, nesse caso, não seria pena de controle da delinqüência, mas sim eliminação estatística, o que deixaria de ser a aplicação da justiça. Dessa maneira, enquanto perdurar adoecida a causa, dificilmente se poderá falar em controle criminal com base na aplicação de pena sem benefícios ou perpetualidade, porque aquela é a única condutora dos efeitos a serem combatidos. É a delinqüência em cadeia.

O Brasil experimentou um péssimo momento político nas suas diversas passagens de cetro e, dentre eles, o pior de todos, diga-se, fora a conduta de governantes que levaram pessoas, através de suposições profundamente enraizadas de sua cultura, a sonhos de oportunidades ilimitadas, a esperar o sucesso pessoal, sem que, contudo, lhes fossem revelados os fatores sociais, políticos e econômicos que as impediria de alcançá-los, fazendo surgir a desorientação e a incerteza. Essa incerteza, em que ninguém sabe qual comportamento esperar do outro, tanto a eficácia social como a moralidade cultural das normas tendem desfechar ao zero. Sanções deixam de ser aplicadas adequadamente ou ao menos com a vitalidade de pena real e, em decorrência disso, a consciência das pessoas se torna incapaz de exercer sua influência no meio.

O sonho, as promessas, as realizações são mal conduzidos, e, por que não dizer, de maneira irresponsável e perigosa, chegando à conscientização da utopia (País imaginário, criação de Thomas Morus [1480-1535], escritor inglês, onde um governo, organizado da melhor maneira, proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e feliz), arrancando aquele interesse-dever de submissão às normas, sanções e autoridade, e alimentando o trapaceamento voltado aos próprios interesses.

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As pessoas não podem mais predizer se o vizinho vai matá-las ou lhes dar um presente. As normas parecem não mais existir ou, quando invocadas, resultam sem efeito. É a re-transformação da autoridade legítima em poder arbitrário.

É, de um lado, com a maioria, a frustração pela não realização das promessas e perspectivas lançadas, e, de outro, a minoria, baseada naqueles temas, consolidando a sua “prosperidade”. Essa relação, portanto, não é de mutação, mas sim de deterioração dos valores. Por aí bem se apercebe que a anomia não é um estado de espírito, mas um estado da sociedade. Essa afirmação fora feita por MacIver, em The parts we guard, Nova York, ed. 1950 p. 84 e seguintes: A anomia significa o estado mental que alguém que foi arrancado por suas raízes morais, que não possui qualquer norma, mas somente premências desconexas, que não mais possui qualquer senso de continuidade do povo, de obrigação. O homem anômico tornou-se espiritualmente estéril, respondendo somente a si mesmo, sem responsabilidade para com ninguém, Ele zomba dos valores de outros homens. Sua única fé é a filosofia da negação. Ele vive na linha estreita da sensação sem futuro e sem passado...A anomia é um estado mental no qual o sentido individual de coesão social – o cerne de sua moral – está rompido ou fatalmente enfraquecido.

Modernamente, o delinqüente vê na aplicação da pena um palrar, que lhe oferece confiança de praticar atos contrários à lei e à ordem e entrar e sair sorrindo de qualquer tribunal. O guardião Lucas dos delinqüentes, no Brasil, é a própria lei e sua aplicação. O primeiro receio do infrator e a primeira segurança da sociedade deverão sempre residir na certeira aplicação da pena e seu cumprimento, e não nas suas mitigações. O Judiciário se abarrota por incompetência de fixar regras claras quanto à aplicação e cumprimento das penas e o Legislativo se desmoraliza, porque essa “valsa das penas” demonstra total insensibilidade e falta de vontade política de resolver determinadas questões relativas à ordem, segurança e firmeza das leis.

Cometer erros provocados parece ser índole dos Poderes do Brasil, ou seja, uma propensão natural, uma tendência característica de se governar e aplicar o direito. A limpeza das mãos, neste país, se faz retirando bolhelhos. Aqui nada se lava ou se passa a limpo. E quando eventualmente isso acontece, e pela metade, é uma façanha de elevada grandeza.

O mundo e os homens que o habitam, há muito, assistem pasmos os horrores causados pelos “sistemas racionais”. Não se vê apenas a luta pela sobrevivência ou equilíbrio entre os seres, mas a disputa vaidosa e desmedida na conquista de interesses e forças que transcendem a razão humana, tornando a espécie a mais nociva, inconseqüente e repugnável dentre tantas que povoam o Planeta Terra. Daí a razão de delinqüir como ato do homem que comete delito ou crime. É o ato anti-social ou, melhor do que isso, a infração às leis moral e penal. Não só a lei penal faz referência à delinqüência, mas, além dela, a econômica, a ecológica, a essencial (psicologia forense), a juvenil, a neurótica, a habitual e a nato. Dentro da sociedade organizada, com estrutura legal (normas de conduta preexistentes), a transgressão a elas resume-se na prática de ato de delinqüência. Por conseguinte, esta pode adotar variadas formas de conduta humana anti-social, seja na esfera civil, penal, fiscal, funcional etc. O homem e sua estrutura primitiva, que ainda permanece no estágio inicial de desenvolvimento social, revela, em sua forma histórica ou dogmática, que esse Ser guarda consigo todos os habitantes, sejam do bem ou do mal, tendo como único mecanismo impedir os atos instituídos como delito ou crime, o que se denomina de freio inibitório. Isso decorre da não permissão do impulso do próprio homem, da lei, da ostensividade, preventividade e repressividade.

O segredo está justamente em conter a maneira de atuar em sociedade – reprimir a ação, o constrangimento físico ou moral – impedindo-os pela formação cultural, ameaça ou castigo (proibir). Nada diverge, contudo, do primórdio – a natureza, os seres que formam o universo, compõe-se com os atos escritos, instintivos ou consuetudinários. O que vem da natureza constrói e destroça. Fixa marcos ou transforma em sulcos pardacentos o que um dia floresceu, ou perpetua aquilo que ela tocou sem alterar sua essência. A mesma natureza que alimenta, mutila, num exemplo flagrante de continuada restauração ou movimento a ilustrar para o futuro os fatos do presente, as suas seqüelas ou sabedoria depositada no passado. Não traça ela diferenciação entre o saudável e o que não mais tem vigor. Purifica o necessário sem inquietar-se com o desnecessário. Apenas cumpre o seu constante movimento de restauração. Renova, recupera, revigora, indistintamente. Em conseqüência disso, resta que a essência do homem não é incrustável, mas sim somente o homem na sua aparência, uma vez que seu íntimo é inabordável ou ao menos tolerante a restaurações tão profundas. Ao proteger essa ordem antinatural, ou seja, mistificando as possibilidades já exauridas, as tentativas infrutíferas, o fracasso das irrealizações, em síntese, o homem nega suas impotências, postergando o sentido de sua figura falível, desforme e inamoldável a certos princípios.

Parafraseando um aforismo de São Paulo: Non sunt facienda mala ut eveniant bona – (Não é necessário fazer um mal, para que resulte um bem). Ora, o bem e o mal são antípodas; se misturam sob ação, mas não reagem em conjunto, sem atividade dinâmica. É a água e o óleo agitados num mesmo recipiente, que se separam espontaneamente, findo o movimento. O legislador, ao organizar normas (leis) para a vida em sociedade, atua sempre em movimentos dinâmicos, esquecendo-se que antípodas são algumas funções dos homens numa mesma sociedade e, em virtude disso, não podem ser materializadas sob a turva reação dos agentes agitados. Ao contrário disso, as normas jurídicas devem estabelecer relação de segurança daqueles que compõem uma sociedade, separados os agentes, e que só se confundem sob a ação dinâmica.

Rui Barbosa, em sua “Oração aos Moços”, ed. 1994, resumia de maneira inconfundível, ampliando os reflexos de sua cultura e sapiência, que a regra de igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei de igualdade. Tratar com

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desigualdade os iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Por isso, a distinção entre o bem e o mal, ou seja, entre os desiguais ou iguais do bem e os desiguais ou iguais do mal.

Numa sociedade organizada, ilógico à compreensão, até mesmo àquela meridiana, que comportamentos que se desigualem à norma jurídica deixem de receber tratamentos desiguais. Isto é, embora haja o comportamento desigual (contrário) à norma jurídica, tenha-se para o ato de desajuste benefícios a suavizar, atenuar o seu cumprimento. Para aqueles que atuam em igualdade (no mesmo sentido) da norma jurídica, inexistem benefícios. Tudo deve resumir-se num só movimento de interesses em prol da sociedade organizada, zelando, desta forma, pela manutenção da ordem, proteção à cidadania e aos deveres individualizados a todos aqueles que compõem um determinado núcleo social, seja ele micro ou macrofuncional. Peca o legislador pátrio, como parecendo já ter se tornado um hábito, em insistir no uso da expressão direitos individuais; estes se compõem da ciência das normas obrigatórias que regem as relações do homem em sociedade. O que revela o exercício das normas obrigatórias é o dever, ou seja, a materialidade da obrigação. Se somente há a preocupação de exteriorização dos direitos, é porque a materialidade do dever está numa relação para com o empírico (experiência e não estudo). As normas de uma ordem jurídica regulam a conduta humana, não descrevendo o que é, mas sim o que deve ser, deixando de localizar-se na norma do ser para instalar-se no dever-ser.

Se o homem sustenta a impossibilidade ou o não aconselhamento da repressão como meio de igualdade na proteção da ordem jurídica, inafastável que nessa prosperante colocação está o reprochamento a substituí-la. Tal censura, assim, está contida na norma jurídica, tornando aquele ato dicotômico de mera repreensão ou, quando não isso, em exprobração (censura violenta), o que nada mais representa a ação da norma em sociedade na mesma medida da desordem.

Ao que se tem aparentado no Brasil, os chamados direitos dos homens, ao invés de legislação positiva dos Estados, normas de direito objetivo, mais convivem com a figura de idéias de direito. Poderosos ideais, com extraordinária força de persuasão, porém idéias, e nada mais. Noutras palavras, sofisticando a questão, são flatus vocis, com a recusa de promoverem os ideais de direito a direitos subjetivos reais e autênticos. Resta no íntimo do povo, diante da atuação do chefe do Executivo, do legislador (Poder Legislativo) e dos aplicadores e controladores das leis (Poder Judiciário), apenas um sonho, uma esperança (ação de esperar – aguardar – o que se deseja). Plagiando o Mestre Goffredo Telles Júnior, em sua obra O Direito Quântico, 5. ed. p. 415: O Direito Objetivo desejado pelos componentes da sociedade é sempre aquele que melhor possa fazer, da sociedade, o ambiente em que todos usufruam de seus bens soberanos.

Daí restarem os atos de inteligência humana, que jamais deveriam deixar de ser solidários com o todo de que é parte. Um perfeito intelectualismo, i.e., um sistema ou tipo de cultura onde o predomínio da inteligência e da razão (direito) é o que se espera dos princípios fundamentais expendidos pelo art. 1 e seus incisos da Constituição Federal. O mesmo se diga quanto aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (arts. 3 e incisos, 5 e 6, da CF).

Nessa ordem, seja nas normas constitucional, federal ou estadual, seja em declaração universal entre povos, a segurança individual e coletiva e a disciplina que torne capaz e efetivo os demais direitos é a essência de uma sociedade em equilíbrio e um governo estável. Sobre tal estrutura se constrói a ordem, onde seu universo, tido como o conjunto de todas as coisas existentes, só pode ser considerado como um todo ordenado.

Se a existência em sociedade se prende à ordem, qual lugar se reserva para a existência da desordem? Sabemos que a ordem, de concepção inveterada, é a disposição conveniente de seres para a consecução de um fim comum. Concluí-se daí que a desordem é a ordem que não queremos. É, pois, a desordem, noutras palavras, a ausência de uma certa ordem e, por conseguinte, a presença de uma outra ordem indesejada. É, numa breve e singela síntese, o desconexo, o desarranjo entre a ordem objetiva e a ordem subjetiva.

Desta forma, para que se haja segurança, imprescindível é o exercício tricotômico constante e pleno entre o dever do Estado e o direito e responsabilidade de todos. Cumpre assim ao Estado o dever de manter a segurança, preservando a ordem pública, a incolumidade do patrimônio, por meio da polícia ostensiva, preventiva e repressiva, se necessária. Aos cidadãos como um todo, o direito de obter o dever do Estado e, ao mesmo tempo, a responsabilidade, ou seja, o dever jurídico de responder pelos atos que impliquem dano a terceiro ou violação de norma jurídica. Presente a ordem indesejada, ou desordem, atuam os três elementos em combate à regra inversa, imputando-se ao Estado e cidadãos, cada um no seu limite, a recomposição das ordens objetiva e subjetiva. Com isso, a satisfação legal e a observância às declarações universais.

Em síntese bem apertada, não será possível a manutenção da ordem onde há conchavos, esquemas, protecionismos, corporativismos, porquanto tais desvios reclamam que os Poderes competentes estendam esses desmandos à sociedade, a fim de que se tenha a aparência de que a impunidade para com os mais abastados pode ser alcançada por qualquer outro cidadão.

Reprimir, portanto, é conter a ação com energia ou força, como medida coercitiva e preventiva para coibir abusos, desde que isso se faça com justiça. É, noutras palavras, a exprobração necessária ao controle de segurança para o convívio em uma sociedade organizada.

A anarquia é o sistema político e social em que se nega o princípio da autoridade, imperando, desta forma, a desordem, a indisciplina. E tal negativa ao princípio da autoridade se dá por duas formas, via de regra: a) por ausência de governo ou falta de um chefe para tanto; ou, b) ação da minoria contra a maioria, ao que se denomina de oposicionismo. Isso muito ocorre nos países onde os Poderes

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constituídos se enfraquecem, seja por incompetência, corrupção, desmandos, intolerância ou inaplicabilidade de preceitos legais.

Não se pode permitir, numa sociedade organizada, que haja um movimento de conseqüências e não de legalidades. Quer isso dizer que a matéria-prima do oposicionista é o efeito, o resultado da ação, desconsiderada a sua legalidade. Se o efeito é danoso, mesmo que a ação seja legal, aquele primeiro será o alvo para ataque. É um raciocínio de procedimento, no mínimo, criminoso... Assim foi a história e assim o será, enquanto não houver conscientização política e social de que a minoria tem a sua importância em destaque, como elemento de controle externo ou interno e fiscalizador, e não oposicionista, dos atos predominantes num dado sistema. Aqueles representam a oposição, enquanto o oposicionismo alimenta a anarquia. Por outro prisma, é a minoria contida na escolha da maioria que deixa, muitas vezes, de praticar atos de governo, corrompendo o sistema e, disso, ocasionando a facilitação deliberada ou não à desordem. Transformam a República num movimento de dependência social, desprezando o exercício da democracia.

A soma daquele primeiro fator mais este último, sendo um exógeno e o outro endógeno, pratica o antigoverno ou um desnorteamento deliberado. Resta ao povo, em decorrência disso, utilizar-se da maior arma que possui, seja pelo número de pessoas seja pela legalidade que repousa em seu favor na Constituição Federal, no seu art. 1°, parágrafo único:

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente...

Por conseguinte, o Poder do Estado Democrático de Direito emana do povo, ou seja, origina-se, nasce do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, para que sejam atingidos os fundamentos da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Qualquer desses fundamentos é antípoda, antagônico, oposto, contrário aos princípios que dão sustentação ao sistema anárquico. Observe-se, ademais, que tais fundamentos constitucionais não são dissociáveis, ou funcionam destacadamente um dos outros, pois o seu conjunto em aplicação e equilíbrio, num mesmo nível de regramento harmônico, é que faz salientar o Estado Democrático de Direito, como vontade nascente de um povo.

Soberania só se exerce e se faz presente com autoridade do conjunto de direitos de um Estado autônomo. Ausente a autoridade, isto é, o direito ou poder de mandar, de impor obediência dentro da esfera dos atos de legalidade, desqualifica os demais fundamentos e o Estado Democrático de Direito. Se este fundamento é postergado, repete-se, faz inapto o exercício da cidadania, ou seja, a qualidade ou condição de cidadão, excluindo ou enfraquecendo o sujeito ou indivíduo do gozo de seus direitos civis e políticos. Abandonados estes fundamentos, não há falar em dignidade da pessoa humana, uma vez que essa qualidade do sujeito, ou atributo que a ele se confere, acaba por traduzir-se em desrespeito à pessoa humana.

Sem a autoridade do conjunto de direitos de um Estado autônomo (soberania), não há como exigir, tampouco prestigiar o indivíduo no gozo de seus direitos civis e políticos (cidadania), lançada, em virtude disso, aos sulcos pardacentos das valas sociais e políticas, a dignidade da pessoa humana. Um é o elo responsável ao exercício do outro, cuja causa vincula-se indistinguivelmente pela soberania, âncora da Democracia e estabilizadora dos valores (qualidade, força, importância) sociais. Tudo que estiver fora disso, endógena ou exogenamente, e articulado por forças deliberadas é Anarquia e, assim o sendo, razão absoluta de repúdio para qualquer sistema Democrático de Direito.

Enfim, só não se resolverá a questão da insegurança, seja ela pública, social, judiciária, legislativa ou executiva, enquanto houver soldados em quaisquer desses estádios a velarem pela desordem como meio de desestabilizar o Estado Democrático de Direito e, mais do que isso, a nutrir provocadamente a queda da soberania, para tornar inapto o exercício da cidadania e da dignidade humana.

Referências

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