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Novos biomarcadores de lesão renal aguda em envenenamento humano por serpentes do gênero bothrops

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO FACULDADE DE MEDICINA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS

POLIANNA LEMOS MOURA MOREIRA ALBUQUERQUE

NOVOS BIOMARCADORES DE LESÃO RENAL AGUDA EM ENVENENAMENTO HUMANO POR SERPENTES DO GÊNERO BOTHROPS

FORTALEZA 2019

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POLIANNA LEMOS MOURA MOREIRA ALBUQUERQUE

NOVOS BIOMARCADORES DE LESÃO RENAL AGUDA EM ENVENENAMENTO HUMANO POR SERPENTES DO GÊNERO BOTHROPS

Tese apresentada à Coordenação do Curso de Doutorado em Ciências Médicas, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor. Área de concentração: Medicina

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elizabeth De Francesco Daher

FORTALEZA 2019

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POLIANNA LEMOS MOURA MOREIRA ALBUQUERQUE

NOVOS BIOMARCADORES DE LESÃO RENAL AGUDA EM ENVENENAMENTO HUMANO POR SERPENTES DO GÊNERO BOTHROPS

Tese apresentada à Coordenação do Curso de Doutorado em Ciências Médicas, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor. Área de concentração: Medicina

Aprovada em _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Elizabeth De Francesco Daher (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará - UFC

__________________________________________________ Prof. Dr. Geraldo Bezerra da Silva Junior

Universidade de Fortaleza - UNIFOR

__________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Alice Maria Costa Martins

Universidade Federal do Ceará - UFC

__________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Adriana Rolim Campos Barros

Universidade de Fortaleza - UNIFOR

__________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Oscar de Siqueira Franca

(5)

AGRADECIMENTOS

Chegou o dia de eu me despedir deste trabalho e de mais uma etapa concluída.

O meu mais sincero obrigada a todos que contribuíram das mais diversas formas para concretização deste sonho.

Família, amigos das horas vagas, de perto, de longe e quão longe! Amigos de jornada de trabalho, mestres (eternas inspirações para mim) e pacientes recebam minha gratidão.

Obrigada especialmente a Deus que sempre esteve atento às minhas lutas, sendo minha força quando já não podia seguir em frente.

(6)

Foco

Força

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RESUMO

ALBUQUERQUE, P.L.M.M. NOVOS BIOMARCADORES DE LESÃO RENAL AGUDA EM

ENVENENAMENTO HUMANO POR SERPENTES DO GÊNERO BOTHROPS. Fortaleza

(2019) Tese de Doutorado – Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Ceará.

Introdução: Lesão Renal Aguda (LRA) é uma complicação grave e precoce associada à mordedura de serpentes do gênero Bothrops. O objetivo deste estudo é investigar a função de biomarcadores como: NGAL (neutrophil gelatinase-associated lipocalin), MCP-1 humano (human monocyte chemotactic

peptide- 1), KIM-1 (kidney injury molecule-1), VCAM-1 (vascular cell adhesion molecule 1) e IL-6

(interleukin-6) no diagnóstico precoce da LRA causada por serpentes venenosas.

Métodos: Estudo prospectivo no qual foram analisadas amostras seriadas de sangue e urina de 58 pacientes hospitalizados por mordedura de Bothrops sp., após assinatura de consentimento informado. Os novos biomarcadores renais foram quantificados por imunoensaio (ELISA) durante admissão hospitalar. Curvas ROC (Receiver Operating Characteristic) foram construídas durante admissão hospitalar. Foram analisados fatores de risco para o desenvolvimento da LRA e funções tubulares -frações de excreção de [Na]+ (FE

Na), [K]+ (FEK) e uréia (FEUr). Os pacientes foram divididos em grupos

LRA e Não-LRA de acordo com os critérios da KDIGO (Kidney Disease Improving Global Outcomes). Um grupo controle foi constituído de 12 voluntarios sadios. Variáveis com distribuição não-normal foram expressas como mediana e percentil 25° - 75°. Fatores de risco para LRA foram determinados através da análise multivariada, incluindo variáveis significantes estatisticamente na análise univariada. Análise estatística foi realizada através dos programas GraphPad Prism v.8 (GraphPad Software, San Diego, CA, EUA) e SAS/Stat v.13.2 – (Sistema para Windows).

Resultados: Os grupos LRA e Não-LRA consistiram igualmente de adultos jovens (mediana 42,5 (10 – 65) vs 39 (12 – 64) anos; P=0,39), da área rural, sexo masculino, com tempo decorrido entre mordedura e administração do soro antiofídico prolongado (mediana 9 (1 – 76,2) vs 10,5 (4 – 157) horas; P=0,64). O grupo LRA apresentou altos níveis de MCP-1 urinário (mediana 547,5 (334,6 – 986,6) vs 274,1 (112 – 675,9) pg/mgCr; P=0,01) e NGAL urinário (mediana 21,28 (12,08 – 41,67) vs 12,73 (4,5 – 24,9) ng/mgCr; P=0,03). NGAL sérico, VCAM-1, KIM-1 e IL-6 urinários na admissão foram semelhantes entre os grupos LRA e não-LRA. O modelo da análise multivariada incluiu [Na]+ sérico mínimo

(mEq/L), hemoglobina minima (g/dl), proteinúria (mg/gCr) e tempo de tromboplastina parcialmente ativada (TTPa) admissional. [Na]+ sérico mínimo (P=0,01, OR=0.73, 95% CI: 0.57–0.94) e TTPa

(P=0,031, OR=26,27, 95% CI: 1.34–512.11) estavam independentemente associadas com LRA. Proteinúria apresentou correlação positiva com uMCP-1 (r=0,70, P<0.0001) e uNGAL (r=0,47,

P=0,001). Fração de excreção de [Na]+ (FE

Na) correlacionou com uMCP-1 (r=0,47, P=0,001) and

uNGAL (r=0,56, P<0,0001). A comparação entre os níveis de uMCP-1 e uNGAL apresentados pelo grupo controle e LRA revelaram aumento significativo e gradual destes biomarcadores (P<0,0001). Mesmas comparações entre grupo controle e não-LRA apresentaram significativo aumento (P<0,05). Creatinina sérica (sCr) apresentou o melhor desempenho (AUC=0,85) em comparação com novos biomarcadores e a fração de excreção de [K]+ (FE

K) apresentou alta acurária em predizer LRA em

comparação com as FE de [Na]+ e uréia (AUC=0,92).

Conclusão: Anormalidade de coagulação, caracterizada por TTPa anormal foi associada com o desenvolvimento de LRA relacionada ao veneno botrópico, sugerindo importante mecanismo fisiopatológico. NGAL e MCP-1 urinários foram bons preditores do desenvolvimento da LRA. A sCr apresentou melhor desempenho em diagnosticar LRA à admissão hospitalar. FEK emergiu como uma

outra ferramenta diagnóstica precoce da LRA. Correlações positivas entre uNGAL e uMCP-1 com proteinúria e FENa devem sinalizar dano glomerular e tubular.

Palavras chaves: Bothrops. Envenamento. Lesão renal aguda. Disfunção tubular renal. Coagulopatia. Novos biomarcadores.

(8)

ABSTRACT

ALBUQUERQUE, P.L.M.M. NOVEL BIOMARKERS OF THE ACUTE KIDNEY INJURY IN

HUMAN ENVENOMATION BY SNAKES FROM BOTHROPS GENERA. Fortaleza (2019)

Doctorate Thesis – Medicine Faculty, Federal University of Ceara, Brazil.

Introduction: Acute kidney injury (AKI) is a severe and early complication due to snakebite from Bothrops genera. The aim of the study is the investigation of novel biomarkers - NGAL (neutrophil gelatinase-associated lipocalin), MCP-1 humano (human monocyte chemotactic peptide-

1), KIM-1 (kidney injury molecule-1), VCAM-1 (vascular cell adhesion molecule 1) and IL-6

(interleukin-6) - in providing early diagnosis of AKI following venomous snakebites.

Methods: Prospective study which analysed serial blood and urinary samples of 58 patients during hospital stay with diagnosis of Bothrops sp. envenomation after signature of consent informed document. Novel renal biomarkers were quantified through ELISA assay after admission. Receiver operating characteristic (ROC) curves were constructed to display true positive and false positive rates of renal on admission. Risk factors for AKI development and tubular functions -fractional excretion of ion sodium (FENa), ion potassium (FEK) and urea (FEUr) -were analysed. Patients

were divided into AKI and No-AKI groups, according to KDIGO criteria (Kidney Disease Improving

Global Outcomes). Control group was represented by 12 healthy volunteers. Risk factors for AKI were determined by multivariate analysis with logistic regression. Non- normally distributed continuos variables were reported as median and percentile 25th-75th. Analyses were performed using

GraphPad Prism v. 7 (Graph Pad Software, San Diego, CA, USA) and SAS/Stat v. 13.2 of the SAS system for Windows.

Results: The epidemiologic profile was similar in both groups and consisted in young adults (median 42.5 (10 – 65) vs 39 (12 – 64) years; P=0.39), from rural areas, male gender, long time elapsed between snakebite and antivenon (median 9 (1 – 76.2) vs 10.5 (4 – 157) hours; P=0.64). AKI group presented higher levels of urinary MCP-1 (median 547.5 (334.6 – 986.6) vs 274.1

(112 – 675.9) pg/mgCr; P=0.01) and urinary NGAL (median 21.28 (12.08 – 41.67) vs 12.73 (4,5 – 24.9) ng/mgCr; P=0.03). Serum NGAL, urinary KIM-1, VCAM-1 and IL-6 on admission were similar between AKI and No-AKI groups. The unadjusted model included lowest serum sodium (mEq/L), lowest haemoglobin (g/dl), proteinuria (mg/gCr) and aPTT on admission (normal vs abnormal/incoagulable) and revealed lowest serum sodium (P=0.01, OR=0.73, 95% CI: 0.57– 0.94) and aPTT (P=0.031, OR=26.27, 95% CI: 1.34–512.11) as independent factors associated with AKI. Proteinuria normalised per urinary creatinine presented positive correlation with uMCP-1 (r=0.70, P<0.0001) and uNGAL (r=0.47, P=0.001). FENa correlated with uMCP-1 (r=0.47, P=0.001) and uNGAL (r=0.56, P<.0001). The comparison between the levels of uMCP-1 and uNGAL presented by control, AKI and No-AKI groups normalised and not per urinary creatinine revealed significant and gradual increase of these biomarkers (P<0.0001). Same comparisons between control and No-AKI group presented significant increase (P<0.05). sCr presented better performance (AUC=0.85) in comparison with new biomarkers. FEK presented fair accuracy in predicting AKI (AUC=0.92) in comparison with FENa and FEUr. Conclusions: Coagulation abnormalities, characterised by abnormal was strongly associated with Bothrops venom related AKI, suggesting important mechanistic pathway. Urinary NGAL and MCP-1 were good biomarkers in predicting AKI. The sCr remained the best biomarker on admission. FEK emerged as another diagnostic tool in predict early AKI. Positive correlations between uNGAL and uMCP-1 with proteinuria and FENa may signal glomerular and tubular injury.

Key words: Bothrops. Envenomation. Acute kidney injury. Renal tubular dysfunction. Coagulopathy. Novel biomarkers

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGPT2 Angiopoietina 2 AKI Acute Kidney Injury

AKIN Acute Kidney Injury Network

ANOVA Analysis of Variance

AST Aspartato Aminotransferase

AUC Area under curve

BPP Bradykinin-potentiating peptides

BV Veneno da Bothrops jararaca [Ca]++ Íon cálcio

CCIV Coagulopatia de consumo induzida pelo veneno CCL-2 CC chemokine ligand 2

CIVD Coagulação intravascular disseminada [Cl]2- Íon cloro

COX Ciclooxigenase

CRISP Snake venom cysteine-rich secretory proteins

CK Creatinoquinase

Cr Creatinina

sCr Creatinina sérica

DNA Desoxyribonucleic acid

DP Desvio-Padrão

DRC Doença Renal Crônica

EROs Espécies Reativas de Oxigênio ELISA Enzyme-linked immunosorbent assay

Fab Fragment antigen-binding

FC Frequência Cardíaca FR Frequência Respiratória FECl Fração de Excreção de [Cl]

2-FENa Fração de Excreção de [Na]+

(10)

FEUr Fração de Excreção de Uréia

FGF23 Fator de crescimento de fibroblastos 23

FKn Fractalquine

GMPc Guanosina mono-fosfato cíclico HAS Hipertensão arterial sistêmica

Hb Hemoglobina

HCO3 Bicarbonato

Ht Hematócrito

ICAM Intercellular Adhesion Molecule IFN-γ Interferon gama

IL-1 Interleucina-1

I/R Isquemia/reperfusão

INR International Normalized Ratio

ICAM Intercellular Adhesion Molecule

[K]+ Ìon potássio

KIM-1 Kidney injury molecule-1

uKIM-1 Kidney injury molecule-1 urinária

LRA Lesão Renal Aguda L-AAOs L-amino acid oxidases

LDH Lactato desidrogenase

MCP-1 Monocyte chemoattractant protein-1

uMCP-1 Monocyte chemoattractant protein-1 urinária

MDCK Madin-Darby Canine Kidney

MooA Moojenactivase

MyD88 Myeloid differentiation primary response 88

[Na]+ Íon sódio

NAG N-acetyl-β-D- glycosaminidase

NGAL Neutrophil gelatinase- associated lipocalin

uNGAL Neutrophil gelatinase- associated lipocalin urinária

sNGAL Neutrophil gelatinase- associated lipocalin sérica

(11)

NIA Nefrite intersticial aguda

NO Nitric oxide

iNOS Inducible nitric oxide synthase

NTA Necrose Tubular Aguda

OR Odds ratio

PARs Receptores proteinase-activados

PLA2 Fosfolipase A2

PLB Fosfolipase B

PGI2 Prostaciclina

Posm Osmolalidade plasmática

RAGE Receptor para produtos finais da glicação avançada RIFLE Risk, Injury, Failure, Loss, End-stage renal disease

RNAm RNA mensageiro

ROC Receiver Operating Characteristic

RR Risco Relativo

RVR Resistência vascular renal SAB Soro-antibotrópico

SABC Soro antibotrópico-crotálico SABL Soro antibotrópico-laquético

SLED Diálise de Baixa- Eficiência Sustentada SVMPs Metaloproteinases do veneno de serpentes SVSPs Serino-proteinase do veneno de serpentes SPs Serino-proteinase

TC Tempo de Coagulação

TLEs Enzimas trombina símile TMB Tetrametilbenzidina TP Tempo de protrombina TFG Taxa de filtração glomerular

eTFG Taxa de filtração glomerular estimada TNF-α Fator de necrose tumoral alfa

(12)

TXA2 Tromboxano A2 Uosm Osmolalidade da urina

Ur Uréia

V Fluxo urinário

VCAM-1 Vascular cell adhesion protein 1

VEGF Vascular endothelial growth factor

VU Volume urinário

VSH Veneno de Serpente Habu ZO-1 Zônula occludens-1

(13)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Distribuição geográfica das principais espécies do gênero Bothrops e respectiva

incidência de LRA relatada em estudos epidemiológicos ...26

Figura 2 Abundância relativa das principais classes de toxinas em alguns venenos botrópicos determinada por análise proteômica ...28

Figura 3 Representação esquemática da fisiopatologia da LRA relacionada ao veneno botrópico ...50

Figura 4 Coleta e processamento de amostras para o estudo de biomarcadores renais ...72

Figura 5 Fórmula CKD-EPI, estimativa da taxa de filtração glomerular em adultos ...73

Figura 6 Fórmula de Schwartz, estimativa da taxa de filtração glomerular em crianças ...73

Figura 7 Fração de excreção de eletrólitos (íons sódio de potássio) e uréia ...75

Figura 8 Cálculo da Osmolalidade da urina (Uosm) (mOsm / kgH2O) ...75

Figura 9 Cálculo da Osmolalidade plasmática (Posm) (mOsm / kgH2O) ...76

Figura 10 Cálculo do Déficit de concentração urinária ...76

Figura 11 Gradiente de Concentração do íon potássio [K]+ transtubular (TTKG) ...76

Figura 12 Fluxograma de recrutamento dos pacientes ...81

Figura 13 Concentração sérica de creatinina sérica até 120 horas pós-mordedura no grupo sem LRA (a) e grupo com LRA (b). A área cinza sombreada ilustra a faixa normal de creatinina sérica...89

Figura 14 (a) Níveis de NGAL urinária não normalizada por creatinina urinária, (b) Níveis MCP-1 urinário não normalizados por creatinina urinária, (c) Níveis de NGAL urinária normalizada por creatinina urinária, (d) Níveis de MCP-1 urinário normalizados por creatinina urinária...89

Figura 15 a) Níveis de KIM-1 urinário normalizado por creatinina urinária, (b) Níveis de VCAM-1 sérico, (c) Níveis de IL-6 sérico em pacientes vítimas de mordedura de serpentes do gènero Bothrops. Pontos vermelhos- grupo LRA, pontos azuis- grupo Não-LRA, área sombreada- faixa de normalidade de acordo com os níveis medidos em voluntários sadios....90

Figura 16 Curvas ROC da creatinina sérica e biomarcadores urinários (a) e excreção fracionada de uréia, [K]+ e [Na]+, na internação hospitalar no envenenamento por Bothrops como preditores LRA, segundo os critérios do KDIGO ...91

Figura 17 Modelo proposto dos mecanismos fisiopatogênicos da lesão renal aguda em envenenamento por Bothrops ...92

(14)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Notificações registradas de acidentes por serpentes do gênero Bothrops no Brasil e grandes regiões, de 2014 a 2017 ...24 Tabela 2 Incidência de LRA nefrotóxica após envenenamento botrópico ...37 Tabela 3 Alterações hemodinâmicas renais em estudos experimentais com veneno botrópico ...47 Tabela 4 Classificação da Lesão Renal Aguda segundo os critérios da KDIGO, 2012 ...74 Tabela 5 Classificação do Acidente botrópico: classificação quanto à gravidade e soroterapia recomendada...77 Tabela 6 Características demográficas e clínicas dos pacientes admitidos após envenenamento botrópico de acordo com desenvolvimento de LRA ...81 Tabela 7 Parâmetros laboratoriais gerais de pacientes admitidos após envenenamento por

Bothrops de acordo com o desenvolvimento de LRA ...83

Tabela 8 - Parâmetros renais de pacientes admitidos após envenenamento por Bothrops de acordo com o desenvolvimento de LRA ...84 Tabela 9 - Testes de coagulação em envenenamento por Bothrops, à admissão, de acordo com o desenvolvimento de LRA ...86 Tabela 10 - Variáveis independentes associadas ao desenvolvimento de LRA em envenenamento por Bothrops ...87 Tabela 11 - Correlação entre novos biomarcadores renais e parâmetros renais ...90

(15)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...18

2 REVISÃO DE LITERATURA ...22

2.1 Serpentes Bothrops: Variabilidade e Distribuição ...23

2.2 Veneno Botrópico ...27

2.3 Envenenamento Botrópico: Incidência e Implicações ...32

2.3.1 Manifestações clínicas ...32

2.3.2 Mortalidade por Envenenamento Botrópico ...34

2.4 LRA Relacionada ao Envenenamento por Bothrops: Ônus para os Países em Desenvolvimento...35

2.4.1 Incidência da LRA Relacionada ao Envenenamento Botrópico ...35

2.4.2 Características da LRA Relacionada ao Envenenamento Botrópico...38

2.4.3 Fatores de Risco Associados à LRA Relacionada ao Envenenamento Botrópico...39

2.4.4 Novos biomarcadores precoces de LRA...40

2.4.4.5 NGAL (neutrophil gelatinase-associated lipocalin) ...42

2.4.4.6 MCP-1 humano (human monocyte chemotactic peptide- 1) ...43

2.4.4.7 KIM-1 (kidney injury molecule-1) ...44

2.4.4.8 VCAM-1 (vascular cell adhesion molecule 1) ...44

2.4.4.9 Interleucina -6 (IL-6) ...45

2.5 Fisiopatologia ...46

2.5.1 O Papel dos Estudos Experimentais para as Evidências Científicas ...46

2.5.2 Vias Principais ...49

2.5.3 Nefrotoxicidade Direta ...51

2.5.4 Mioglobinúria ...54

(16)

2.5.6 Coagulopatia de Consumo Induzida por Veneno (CCIV) ...56

2.5.7 Mecanismos Imunológicos ...57

2.6 Manejo ...59

2.6.1 Estratégias Farmacológicas e Não-Farmacológicas ...59

2.6.2 Perspectivas Atuais e Futuras ...60

3 OBJETIVOS ...64 3.1 Objetivo Geral ...65 3.2 Objetivos Específicos ...65 4 METODOLOGIA ...68 4.1 Tipo de estudo ...68 4.2 Local do Estudo ...69

4.3 Definição da População do Estudo ...70

4.3.1 Critérios de Inclusão ...70

4.3.2 Critério de exclusão ...70

4.4 Métodos ...71

4.4.1 Coleta de amostras e exames laboratoriais ...73

4.4.2 Protocolo de tratamento ...77

4.4.3 Análise Estatística ...78

4.4.4 Doutorado Sanduíche no Exterior ...78

5 RESULTADOS ...81

5.1 Características demográficas e clínicas ...81

5.2 Parâmetros laboratoriais ...83

5.3 Testes de Coagulação ...86

5.4 Novos Biomarcadores e Fatores de Risco para LRA ...88

6 DISCUSSÃO ...94

(17)

6.2 Perspectivas Futuras ...102

6.3 Considerações Finais ...103

7 CONCLUSÕES ...105

8 REFERÊNCIAS ...107

(18)
(19)

1 INTRODUÇÃO

O envenenamento por serpentes peçonhentas constitui um agravo de notificação compulsória no Brasil, sendo considerada uma doença tropical negligenciada pela Organização Mundial de Saúde em 2009 (DATASUS, 2019).

As toxinas animais desencadeiam diversos danos ao organismo por mecanismos patogênicos diretos (toxicidade celular direta e modificação de canais iônicos) ou indiretos (reações imunológicas, resposta inflamatória, liberação de citocinas e mediadores relacionados a mudanças hemodinâmicas) (SITPRIJA, 2019). A interação entre os componentes do veneno e organismo levam a complicações hematológicas, gástricas, neurológicas, renais, respiratórias entre outras. Essas disfunções, principalmente as renais, neurológicas e hematológicas levam ao aumento da morbi-mortalidade destes envenenamentos (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2019).

A lesão renal aguda (LRA) é uma complicação comum e potencialmente grave após o envenenamento por serpentes (SITPRIJA; SITPRIJA, 2012). Na América Latina destaca-se o gênero Bothrops (latu sensu), família Viperidae, responsável por mais de 90% dos acidentes por mordedura de serpentes peçonhentas no Brasil (FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, 2001; CARDOSO; FRANCA, 2009). A incidência de LRA em estudos retrospectivos pode variar entre 1,4-38,5%, dependendo das diferentes espécies de Bothrops (PACHECO; ZORTÉA, 2008; EVANGELISTA et al., 2010; ALBUQUERQUE et al., 2014).

A fisiopatologia multifatorial da LRA associada a toxinas animais foi descrita por alguns estudos (SITPRIJA; SITPRIJA, 2016). Experimentos animais apontaram modificações renais hemodinâmicas após a exposição ao veneno de Bothrops, revelando importantes descobertas dentro da patogênese da LRA relacionada ao veneno (DANTAS et al., 2015; MARINHO et al., 2015; JORGE et al., 2017). Entretanto, faltam estudos prospectivos e ensaios clínicos acerca dos múltiplos mecanismos de LRA desenvolvidas neste contexto.

Os diversos componentes da toxina do veneno botrópico são responsáveis pela bioatividade funcional em contato com o organismo (SLAGBOOM et al., 2017). A hematotoxicidade é um dos sinais clínicos mais comuns em mordeduras de serpentes, particularmente quando a família Viperidae é responsável pelo envenenamento (SLAGBOOM et al., 2017). Metaloproteinases (SVMPs) e serino-proteases de veneno de serpentes (SVSPs)

(20)

são as principais toxinas com propriedades hematotóxicas (SLAGBOOM et al., 2017). SVMPs, classe P-III, são as mais hemorrágicas, levando ao dano da membrana basal capilar e, finalmente, a ruptura da parede do vaso e hemorragia (SLAGBOOM et al., 2017). As SVSPs são, muitas vezes, referidas como enzimas “trombina-símile” (TLEs- thrombin-like enzymes), levando a atividades fibrinogenolíticas (SLAGBOOM et al., 2017).

Os efeitos hematotóxicos podem causar hemorragia local ou sistêmica, anormalidades na pressão sanguínea, nos fatores de coagulação e nas plaquetas (SLAGBOOM et al., 2017; PANDEY et al., 2019). Hemólise intravascular, acompanhada por hemoglobinúria, é comum em serpentes da família Viperidae, a qual inclui o gênero Bothrops (SITPRIJA, 2006). Lesão tubular renal, relatada em alguns estudos animais (REZENDE et al., 1989; HROVAT et al., 2013), pode ser atribuída a mecanismos obstrutivos pelos cilindros hemáticos e efeitos citotóxicos do estresse oxidativo induzido pelo ferro ou grupo heme provenientes da hemoglobina das hemácias (MORENO et al., 2012).

O envenenamento por serpentes do gênero Bothrops associa-se a prolongamnto do tempo de coagulação total, consumo de fibrinogênio e fatores X, V e VIII plasmáticos. A coagulopatia de consumo induzida pelo veneno (CCIV) é a coagulopatia mais comum resultante da mordedura de serpente e ocorre em envenenamentos por serpentes da família Viperidae. Apesar de incomum, a microangiopatia trombótica foi descrita como uma complicação grave acompanhando envenenamentos por Bothrops assemelhando-se à síndrome hemolítico- urêmica e associada ao desenvolvimento de LRA (BUCARETCHI et al., 2018; MALAQUE et al., 2018). CCIV fornece uma descrição geral da coagulopatia, a qual poderia ser seguida por coagulação intravascular disseminada, síndrome de desfibrilação e coagulopatia procoagulante (MADUWAGE; ISBISTER, 2014). Jorge et al. (1995) relataram deficiência de fatores em envenenamentos botrópicos, tais como fibrinogênio, produtos da degradação do fibrinogênio, D-dímero e α-2 antiplasmina. Entretanto, a correlação entre anormalidades na coagulação e o desenvolvimento de LRA não é bem estabelecida.

A LRA no envenenamento por Bothrops é comumente oligúrica, grave e uma complicação usualmente precoce (AMARAL et al., 1986; RIBEIRO; JORGE, 1997; RIBEIRO et al., 1998; PINHO et al., 2008; CRUZ et al., 2009; GUTIÉRREZ et al., 2009; OTERO-PATIÑO, 2009; SGRIGNOLLI et al., 2011). O estado de hipervolemia e a ampla gama de anormalidades laboratoriais podem interferir no sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), embora a associação entre a LRA relacionada ao veneno de Bothrops e a disfunção tubular ainda permaneça incerta.

(21)

Existem poucos estudos em relação a novos biomarcadores renais em mordeduras de serpentes Viperidae e nenhum relacionado a serpentes Bothrops (WIN AUNG et al.(1996; 1997; 1998); KUBO et al., 2002). Os estudos existentes relataram a associação entre N-acetil-β-D-glicosaminidase (NAG- N-acetyl-β-D-glycosaminidase), o dano renal precoce na mordedura de víbora de Russell (WIN AUNG et al.(1996; 1997; 1998), e o aumento dos níveis de RNA mensageiro da proteína quimioatraente de monócitos-1 (MCP-1 - Monocyte

chemoattractant protein-1) no glomérulo in vitro. Recentemente descreveu-se a presença do

biomarcador KIM-1 em tecidos de rins de ratos que haviam recebido veneno da Bothrops

insularis (DANTAS et al., 2018). O melhor entendimento dos novos biomarcadores renais e do

dano renal pode permitir um diagnóstico precoce e manejo da LRA subsequente ao envenenamento botrópico, podendo trazer benefícios incalculáveis aos pacientes e evitar complicações adicionais, tais como diálise e perda permanente da função renal, a qual é ainda vista em um considerável número de casos em nossa região (ALBUQUERQUE et al., 2014).

Este estudo explora a LRA relacionada ao veneno botrópico e os principais mecanismos fisiopatológicos baseados nos achados de distúrbios da coagulação, novos biomarcadores e distúrbio tubular renal. A melhor compreensão dos mecanismos envolvidos nesse tipo de LRA pode fornecer novas perspectivas a respeito de LRA em geral e o seu manejo clínico.

(22)
(23)

2 REVISÃO DE LITERATURA

O envenenamento por mordedura de serpentes é considerado uma das doenças tropicais mais comuns negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e representa um grande ônus para os países em desenvolvimento (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2019). A incidência anual média é de cerca de 57.500 acidentes ofídicos (6,2 por 100.000 habitantes) nos países Americanos e a mortalidade aproxima-se de 370 mortes por ano (0,04 por 100.000 habitantes) (CHIPPAUX, 2017). Os altos custos financeiros do envenenamento por mordedura de serpentes peçonhentas incluem confirmação e avaliação, aquisição de soro antiofídico, cuidados de rotina, logística de transporte de soro antiofídico e internação hospitalar (HAMZA et al., 2016).

A maioria das mordeduras de serpentes peçonhentas na América Latina é atribuída ao gênero Bothrops, das quais existe uma grande variabilidade dentro das espécies. A lesão renal aguda (LRA) relacionada à mordedura de serpente é uma complicação comum e potencialmente fatal desse envenenamento (PINHO et al., 2008; ALBUQUERQUE et al., 2014; MOHAMED, ENDRE, BUCKLEY, 2015), com implicações de sobrevida a curto e longo prazo, e necessidade de diálise extremamente variável (0,7 a 75,0% dos casos) (AMARAL; RIBEIRO, 1986; VENCIO, 1988; MILANI JR et al., 1997; OTERO et al., 2002; PINHO et al., 2008; ALBUQUERQUE et al., 2014). Atualmente, não está claro se a variabilidade de gêneros afeta a patogênese da LRA.

O tratamento de envenenamento botrópico consiste na administração precoce de soro antiofídico específico. No entanto, o soro antiofídico é derivado de algumas das 30-60 espécies de Bothrops (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017a, SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2019). A segurança e eficácia contra toda a gama de espécies ainda não foram bem estabelecidas em ensaios clínicos (SCHIEMEIER, 2015).

(24)

2.1 SERPENTES BOTHROPS: VARIABILIDADE E DISTRIBUIÇÃO

A maioria das mordeduras de serpentes peçonhentas que ocorre no continente latino-americano é causada por serpentes botrópicas que incluem os gêneros Bothrocophias, Bothrops (incluindo recentemente Rhinocerophis, Bothriopsis, Bothropoides) (BERNARDE, 2011; COSTA; BERNILS, 2018). Serpentes do gênero Bothrops, propriamente dito, são responsáveis por mais mordeduras do que qualquer outro gênero na América Latina (CARRASCO et al., 2012; MALAQUE; GUTIÉRREZ, 2015). A variabilidade de espécies dentro dos gêneros é mais notável do que qualquer outro gênero Pitviper do Novo Mundo, que foi o primeiro grupo a alcançar a América do Sul (SITPRIJA; SITPRIJA, 2012). Essas serpentes pertencem à família

Viperidae e à subfamília Crotalinae e são comumente chamadas de víboras ou “cabeças de

lanças”. Existem mais de 30 espécies endêmicas distribuídas do sul do México para o Brasil e Argentina (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017b). Elas têm caudas que afinam gradativamente na ponta e com cores diferentes, dependendo da espécie e região geográfica. Vivem em ambientes úmidos e possuem hábitos noturnos ou crepusculares (SGRIGNOLLI et al., 2011).

Neste estudo, será reportado como serpentes botrópicas aquelas que pertencem ao gênero Bothrops propriamente dito por constituir o grupo responsável por grande parte dos envenenamentos humanos no Brasil, sendo grupo Bothrocophias representado por duas espécies (Bothrocophias hyoprora e Bothrocophias microphthalmus) (COSTA; BERNILS, 2018).

A incidência e gravidade dos acidentes ofídicos dependem de fatores ambientais e humanos. As espécies de Bothrops são consideradas de importância médica, pois a mordedura causa altos níveis de morbidade, incapacidade e mortalidade (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017b). Clima, altitude e ambientes específicos influenciam a abundância de serpentes em uma área. Além disso, a densidade populacional humana, a acessibilidade a serviços de saúde eficientes, incluindo a disponibilidade de soro antiofídico e espécies de serpentes, podem ser fatores na gravidade de um quadro clínico (JHA; PARAMESWARAN, 2013; CHIPPAUX, 2017). Segundo a OMS (2017a), cerca de 5,4 milhões de acidentes ofídicos ocorrem a cada ano no mundo, resultando em 1,8 a 2,7 milhões de casos de envenenamentos, mais frequentemente na África, Ásia e América Latina. Infelizmente, a maioria dos países onde

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as mordeduras de serpentes são comuns tem infraestrutura deficiente e dados estatísticos não confiáveis sobre esse problema. Portanto, esses números provavelmente subestimam os acidentes com esses animais.

O número de acidentes por animais peçonhentos aumentou nos últimos anos no Brasil (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2019). Vale ressaltar, que, de acordo com o Sistema Nacional de Agravos e Notificações (SINAN), o número de acidentes com animais peçonhentos cresceu de forma importante, passando de 19,0/ 100.000 habitantes (ano 2000), para 55,3/100.000 habitantes (ano 2007) e para 107,3/100.000 habitantes (ano 2017). A região Sudeste apresentou o maior número de notificações seguida da região Nordeste, porém, a região NE apresentou a maior o maior número de óbitos por animais peçonhentos no Brasil (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2019). Os envenenamentos atribuídos a serpentes do gênero Bothrops também apresentaram discreto aumento (Tabela 1). A região Norte apresenta a maior incidência de acidentes pelo gênero Bothrops. Há claramente uma defasagem no número de notificações registradas pelo SINAN, resultado do atraso nas notificações em algumas regiões.

Tabela 1- Notificações registradas de acidentes por serpentes do gênero Bothrops no Brasil e grandes regiões, de 2014 a 2017. Regiões 2014 2015* 2016* 2017* Total Norte 7.518 7.365 7.268 7.528 29.679 Nordeste 3.474 4.091 3.945 4.047 15.557 Sudeste 3.933 3.999 3.504 4.413 15.849 Sul 1.756 1.833 1.781 1.781 7.151 Centro-Oeste 2.026 2.165 2.179 2.324 8.694 Brasil 18.707 19.453 18.677 20.093 76.930

Fonte: SINAN/SVS/Ministério da Saúde do Brasil. Boletim Epidemiológico nO. 11, disponível em Março, 2019.

(26)

O perfil epidemiológico dos pacientes com mordedura de serpentes não mudou nos últimos anos. Os envenenamentos por serpentes peçonhentas são predominantemente um risco ocupacional nas áreas tropicais rurais (CHUGH, 1989). Esses acidentes são mais frequentes durante as estações chuvosas, o grupo mais acometido é de 25 a 49 anos e os membros inferiores são os mais acometidos (ALBUQUERQUE et al., 2014).

Um conhecimento profundo dos aspectos epidemiológicos, como a distribuição de espécies de serpentes, pode melhorar a avaliação e o manejo dos pacientes. Apesar de haver estudos recentes sobre incidência e mortalidade por mordedura de serpentes nas Américas (CHIPPAUX, 2017), muitas discrepâncias nos dados epidemiológicos sobre as mordeduras de serpentes, podem ser percebidas em algumas publicações (BOCHNER, 2013). Desta forma, o ônus real causado por acidentes ofídicos continua a ser subestimado. O presente estudo enfocou as serpentes Bothrops com maior importância médica e sua distribuição na América Latina (Figuras 1ª, 1b, 1c, 1d).

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Figura 1. Distribuição geográfica das principais espécies do gênero Bothrops e respectiva incidência de LRA relatada em estudos epidemiológicos (a) Bothrops asper, cortesia de Livia Correa, Laboratório Especial de Coleções Zoológicas, Instituto Butantan, São Paulo. (a)

Bothrops atrox, (b) B. Alternatus e (c, I) B. Jararaca, cortesia de Marcelo Duarte, Laboratório

de Coleções Zoológicas, Instituto Butantan, São Paulo. (b) B. Erythromelas, cortesia de Bruno Cardi, Universidade Estadual do Ceará. (c, II) Bothrops jararacussu e (d) B. Moojeni, cortesia de Paulo Bernarde. *Fonte: próprio autor.

(28)

2.2 VENENO BOTRÓPICO

A notória variabilidade nos gêneros de Bothrops contribui para a ampla gama de venenos e seus efeitos biológicos. O conhecimento das semelhanças e diferenças entre as toxinas botrópicas torna o tratamento específico viável. Além disso, algumas toxinas atuam sinergicamente, aumentando os efeitos clínicos.

Vários estudos compararam diferentes características entre o veneno das espécies

Bothrops (SCHENBERG, 1963; JIMÉNEZ-PORRAS, (1964; 1966); ARAGON; GUBENSEK,

1981; MORENO et al., 1988; MANDELBAUM et al, 1989; GENE et al., 1989; SOUSA et al., 2013; ESTEVAO-COSTA et al., 2016; JORGE et al., 2017). Estudos transcriptômicos e proteômicos para examinar a composição do veneno de espécies Bothrops são ferramentas importantes para entender essa variabilidade (CARDOSO, VIDAL; 2010). Esses estudos não apenas melhoram as classificações taxonômicas, mas também melhoram o diagnóstico clínico e o tratamento. Eles compararam a composição de venenos em diferentes espécies de Bothrops e apontaram diferenças mesmo em animais híbridas (derivadas do cruzamento de animais de duas populações, ou grupos de populações, que são distinguíveis com base em caracteres hereditários) (SANTORO et al., 2015) e em serpentes de distintas regiões geográficas (SCHENBERG, 1963; JIMÉNEZ-PORRAS, 1964; JIMÉNEZ-PORRAS, 1966; ARAGON, 1981; EDGARDO MORENO, 1988; SOUSA et al., 2013; DANTAS et al., 2015; JORGE et al., 2017). Eles destacaram diferenças em serpentes geneticamente controladas durante o desenvolvimento ontogenético. Relacionamentos sistemáticos e filogenéticos dentro das serpentes botrópicas não são claros e mudanças em diferentes gêneros são frequentemente sugeridas (SOUSA et al., 2013).

Existem várias famílias bioquímicas de toxinas patogênicas no veneno de espécies de

Bothrops: SVMs classes PI e P-III, SVSPs ,chamadas de famílias de toxinas “auxiliares”,

L-aminoácido oxidases (L-AAOs-L-amino acid oxidases) e fosfolipases A2 (PLA2s-

phospholipases A2) (SOUSA et al., 2013). Os venenos animais são uma mistura complexa de

componentes com diversas ações sobre as presas e vítimas humanas. Apresentam várias atividades biológicas: ação miotóxica, coagulante (anticoagulante), hemostática (ativadora ou inibidora), hemorrágica, neurotóxica (pré e pós-sináptica), nefrotóxica direta e possivelmente

(29)

hepatotóxica (CHIPPAUX, 1991). A variabilidade na abundância das principais classes de toxinas em algumas espécies de Bothrops está resumida na Figura 2.

Figura 2. Abundância relativa das principais classes de toxinas em alguns venenos botrópicos determinada por análise proteômica

*Fonte: modificado de CARDOSO et al., copyright BMC Genomics 11:605, 2010.

A abundância é expressa como uma porcentagem do número total de toxinas identificadas em cada análise. PLA2: Fosfolipase A2; BPP: peptideos potenciadores de bradiquinina; LAO: L-aminoácido oxidase; CRISP: proteínas secretoras ricas em veneno de cisteína (CARDOSO; VIDAL, 2010). Metaloproteinases (SVMs): Degradam todos os tipos de proteínas da matriz extracelular, interrompem a matriz celular e a adesão, quimiocinas e citocinas ativas, clivam os receptores da superfície celular e induzem apoptose de células de adesão vascular. Classe P-III: induz hemorragia, ativação de fatores de coagulação, inibição da agregação plaquetária e sintomas locais. Exemplo: ação jararagina e toxicidade renal (GUTIERREZ et al., 2005; SCHATTNER et al., 2005; FERNANDES et al., 2006; MOURA-DA-SILVA; BALDO, 2012; SITPRIJA; SITPRIJA, 2012; SOUSA et al., 2013; MARINHO et al., 2015). PLA2: papel fundamental na inflamação, ativando o ácido araquidônico, levando à geração de eicosanóides (prostaglandinas e leucotrienos); estimula o eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal a produzir hormônio adrenocorticotrófico, corticosteróides, vasopressina e proteínas de fase aguda; manifestações locais na mordedura e alterações hemodinâmicas (CHISARI et al., 1998; MODESTO et al., 2006; BRAGA et al., 2008; EVANGELISTA et al., 2010; SITPRIJA, SITPRIJA, 2012). Serina proteinases (SPs): Altamente expressas nos rins. Ação semelhante à trombina, com atividade fibrinolítica levando a distúrbios da coagulação sanguínea, vasodilatação e hipotensão através da guanilil ciclase dependente de NO; converte cininogênio em cinina, após relaxamento do músculo liso vascular e aumenta a reabsorção tubular de Na no ducto coletor (GUI et al., 2003; ROSSIER, STUTTS, 2009; SITPRIJA, SITPRIJA, 2012). LAO: lesão endotelial, agregação plaquetária, apoptose celular a danos no DNA e nefrotoxicidade. Citotoxicidade em células MDCK (CARDOSO et al., 1999; XIAO-YAN DU, CLEMETSON, 2002 et al., DANTAS et al., 2015).

As metaloproteinases derivadas do veneno de serpentes são endopeptidases dependentes de zinco, pertencentes à família das proteases, que podem degradar todos os tipos

* Toxicidade Renal

*

*

*

*

% T o x in as d o s v e n en o s

(30)

de proteínas da matriz extracelular, romper a matriz celular e adesão celular, clivar receptores de superfície celular (SITPRIJA, SITPRIJA, 2012), ativar quimiocinas e citocinas (FERNANDES et al., 2006) e induzir apoptose de células de adesão vascular (GUTIERREZ et al., 2005; MARINHO et al., 2015). Além disso, a classe P-III pode ativar fatores de coagulação, inibir a agregação plaquetária e induzir sintomas locais no local da mordedura (SCHATTNER et al., 2005; MOURA-DA-SILVA, BALDO, 2012).

As serinoproteinases do veneno de serpentes, também chamadas de endopeptidases de serina, ativam os receptores ativados pela proteinase (PARs- proteinase-activated receptors), altamente expressos no rim. Essas enzimas têm ação semelhante à trombina e atividade fibrinolítica (SITPRIJA, SITPRIJA, 2012). Além disso, enquanto a ativação do PAR1 leva à vasoconstrição renal e à acentuada redução na taxa de filtração glomerular, a ativação do PAR2 apresenta ação antagônica, tanto por mecanismos independentes do óxido nítrico. Em suma, PAR1 e PAR2 desempenham papéis bidirecionais na regulação da hemodinâmica renal Alguns estudos mostraram que as SVSPs podem converter cininogênio em cinina, o que causa o relaxamento do músculo liso vascular e pode levar à reabsorção tubular de [Na]+ no ducto coletor através do canal de [Na]+ epitelial (ENaC- epithelial sodium channel) (ROSSIER, STUTTS, 2009).

L-Amino oxidases derivadas do veneno de serpentes são o outro componente importante dos venenos de serpentes (XIAO-YAN DU, CLEMETSON, 2002). O peróxido de hidrogênio gerado pode induzir lesão endotelial, agregação plaquetária e apoptose celular devido a danos no DNA. Algumas alterações renais, como diminuição da pressão de perfusão, resistência vascular renal, fluxo urinário, taxa de filtração glomerular, percentual de [Na]+ e transporte tubular de cloreto foram associadas aos efeitos do L-AAO do veneno de Bothrops

marajoensis em modelo de rim perfundido isolado, bem como a citotoxicidade em células

MDCK (Madin-Darby Canine Kidney) (DANTAS et al., 2015).

As fosfolipases A2 podem contribuir para a toxicidade renal, ativam o ácido araquidônico, levam à geração de eicosanóides (prostaglandinas e leucotrienos), estimulam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal a produzir hormônio adrenocorticotrófico, corticosteroides, vasopressina, proteínas de fase aguda e contribuem para manifestações no local da mordedura e modificações hemodinâmicas (CHISARI et al., 1998; BRAGA et al., 2008; EVANGELISTA et al., 2010). O endotélio é responsável por manter a fluidez do sangue, produzindo inibidores da agregação plaquetária e da coagulação sanguínea, modulando o tônus vascular e a permeabilidade e fornecendo um envelope protetor que separa os componentes hemostáticos

(31)

do sangue das estruturas subendoteliais reativas (MODESTO et al., 2006). Portanto, toda alteração nessa homeostase poderia causar importantes alterações sistêmicas, como inibição da agregação plaquetária e liberação de prostaciclina (PGI2) (MODESTO et al., 2006).

A correlação entre venenos de diferentes espécies e seus principais compostos tóxicos são os pilares do tratamento específico de acidentes ofídicos botrópicos. Sousa et al. (2013) compararam a composição e a reatividade do soro antibotrópico coletado de seis espécies de serpentes. Eles também avaliaram a neutralização do veneno de B. atrox, que é a espécie responsável por mais envenenamentos na região amazônica e não está incluída na tradicional mistura de antígenos de imunização utilizada no Brasil. As SVMs P-III apresentaram antígenos de reação cruzada reconhecidos nos venenos, independentemente de sua inclusão no pool de imunização (SOUSA et al., 2013). Por outro lado, o antídoto neutralizou adequadamente a maioria das SVSPs, que são enzimas semelhantes à trombina, envolvidas nos distúrbios de coagulação sanguínea induzidos pelo veneno botrópico.

Ainda no intuito de avaliar a capacidade de neutralização de soros antiofídicos produzidos a partir de diferentes espécies estudos foram conduzidos por diferentes países. O soro antibotrópico do Brasil, derivado dos venenos de B. jararaca (50 %), B. jararacussu (12,5 %), B. moojeni (12,5 %), B. alternatus (12,5 %) e B. neuwiedi (12,5 %), e o da Costa Rica, produzido com uma mistura de quantidades iguais de venenos de B. asper, Crotalus simus simus e Lachesis stenophrys, foram comparados (GONCALVES-MACHADO et al., 2016). Esses soros exibiram padrões semelhantes de imuno reconhecimento de proteínas avaliadas por

Western blotting, embora os proteomas e transcriptomas de veneno de serpente tenham revelado

perfis distintos de bioatividade. Em outros estudos, o soro antiofídico fabricado na Costa Rica foi eficaz na neutralização das atividades tóxicas do veneno botrópico do Equador (LAINES et al., 2014) e do B. asper do Panamá (VELEZ et al., 2017). Portanto, proteínas homólogas presentes em diferentes venenos podem ter ampla imunorreatividade cruzada e a neutralização das principais atividades toxicológicas (letalidade e hemorragia) induzidas por venenos medicamente relevantes de serpentes do gênero Bothrops é possível (LAINES et al., 2014; ESTEVAO-COSTA et al., 2016; VELEZ et al., 2017).

As semelhanças entre as proteínas presentes em venenos botrópicos distintos poderiam sugerir a criação de um soro antibotrópico de amplo espectro (talvez um tipo pan-americano), que poderia melhorar o manejo dos pacientes, mas estaria associado a limitações importantes. Este soro antiofídico seria composto de menos anticorpos específicos para as espécies de serpentes, tornando-se mais diluído e exigindo doses terapêuticas maiores - aumentando

(32)

potencialmente o risco de complicações anafiláticas e os custos do tratamento (SLAGBOOM et al., 2017).

A fim de comparar os efeitos locais causados por venenos de B. alternatus e B. moojeni por meio de funções enzimáticas e modulação inflamatória, Mamede et al. (2016) realizaram um estudo experimental em animais. SVMs e PLA2s apresentaram um papel central no dano local induzido pelos venenos botrópicos. Além disso, os autores observaram que drogas antiinflamatórias específicas foram capazes de reduzir o edema, a dor e o dano muscular de ambos os venenos. No entanto, os efeitos locais causados pelo veneno de B. moojeni foram consideravelmente mais potentes que o B. alternatus neste estudo (MAMEDE et al., 2016).

Deve-se notar que diferentes toxinas podem agir sinergicamente para causar alguns efeitos (PINHO et al., 2008; MOREIRA et al., 2016). Por exemplo, respostas inflamatórias provavelmente são desencadeadas por múltiplos componentes. O veneno de B. atrox aumentou a permeabilidade vascular e o influxo de leucócitos no local, associado à produção de citocinas (quimiocina CCL-2-CC chemokine ligand 2- e eicosanóides derivados de COX-Cicloxigenase- 1 e 2), consistindo principalmente de leucócitos mononucleares, inicialmente, e polimorfonucleares em fases posteriores (MOREIRA et al., 2012). Da mesma forma, o efeito quimiotático direto do veneno de Bothrops jararacussu levou a uma resposta edematogênica com aumento da produção local de TNF-α (Fator de necrose tumoral alfa) e IL-1(Interleucina 1), bem como expressão de COX-2, que foram prevenidas pelo pré-tratamento com indometacina, celecoxib e fucoidan (WANDERLEY et al., 2014). Além disso, o veneno de B.

jararacussu induziu uma quimiotaxia direta de neutrófilos in vitro, aumentando o [Ca]++

intracelular (WANDERLEY et al., 2014). De forma interesante, a participação do óxido nítrico (NO) no veneno do Bothropoides insularis interferiu nos macrófagos de camundongos in vitro. Os efeitos citotóxicos e proliferativos do veneno de B. insularis ocorreram por via necrótica (MENEZES et al., 2016). O veneno de B. insularis causou indução da expressão de óxido nítrico sintase induzível (iNOS) e o NO foi parcialmente responsável pelas atividades proteolíticas e fosfolipásicas.

(33)

2.3 ENVENENAMENTO BOTRÓPICO: INCIDÊNCIA E IMPLICAÇÕES

2.3.1 Manifestações clínicas

O termo “Síndrome Botrópica ou Bothrops síndrome” pode ser usado para descrever a variedade de manifestações causadas pelo envenenamento botrópico, uma vez que há muitas serpentes incluídas nesse grupo que levam a manifestações semelhantes (MALAQUE, GUTIÉRREZ, 2015). No entanto, as variações ontogenéticas na composição do veneno podem ter implicações nas manifestações clínicas, justificando algumas particularidades em quadros clínicos resultantes de espécies diferentes (HARDY, 1994; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2017b).

O quadro clínico representa a ação direta e indireta das enzimas e proteínas previamente reconhecidas. Desse modo, uma das características mais importantes do envenenamento botrópico é o efeito local das toxinas proteolíticas causadas pela mordedura de serpentes latino-americanas. As características no local da mordedura permitem a diferenciação entre uma mordedura de serpente crotálica, que não apresenta atividade inflamatória local (CARDOSO; FRANCA, 2009). Após a mordedura, um sangramento discreto é comum no local de inoculação do veneno, onde também pode ser observado edema, dor, vermelhidão e ecmozes. A extensão do edema pode aumentar durante as primeiras 24 horas após a mordedura, envolvendo todo o membro do paciente afetado (MALAQUE, GUTIÉRREZ, 2015) e é usado como um critério de gravidade (KOUYOUMDJIAN, POLIZELLI, 1988). Kouyoumdjian e Polizelli relataram a associação entre o comprimento mais longo de Bothrops moojeni com pior lesão local (edema, necrose e infecção secundária) e com anormalidades de coagulação mais leves (KOUYOUMDJIAN, POLIZELLI, 1989; MINISTERIO DA SAÚDE DO BRASIL, 2005). Curiosamente, em acidentes por serpentes juvenis a lesão local é leve, pois seu veneno é predominantemente pró-coagulante (MILANI JR et al., 1997). Às vezes, a inflamação local pode levar à amputação. O risco de amputação é maior em pacientes mordidos nos dedos, durante os meses mais frios, entre as primeiras 12 horas do dia, por serpentes com mais de 60 cm de comprimento e entre aqueles que desenvolveram bolhas e abscessos no local da mordedura, sangramento sistêmico e insuficiência renal (JORGE et al., 1999).

(34)

Os venenos botrópicos ativam, isoladamente ou simultaneamente, o fator X, V e a protrombina. Eles também têm atividade semelhante à trombina, convertendo o fibrinogênio em fibrina (PINHO et al., 2008). A hemorragia pode ocorrer em cerca de 65 % dos pacientes e é um sinal sistêmico importante do envenenamento por Viperidae (CHUGH, 1989). O veneno de serpentes pode destruir o fibrinogênio tão rapidamente quanto o fígado. Além disso, há uma ativação contínua do fibrinogênio, produzindo uma frágil fibrina que é mais suscetível à lise do que a fibrina comum (CHUGH, 1989). Pinho e Burdmann (PINHO, BURDMANN, 2009) relataram um caso fatal de hemorragia intracerebral após mordedura de serpente (Bothrops

jararacussu) após múltiplas manifestações de coagulopatia e LRA. Ribeiro et al. (1998)

relataram cerca de 100 % de anormalidades da coagulação em 23 necropsias devido a envenenamentos botrópicos. Pode haver equimoses e sangramento espontâneo (como gengivorragia, epistaxe e hematúria) (MALAQUE, GUTIÉRREZ, 2015). Hipotensão e choque são atribuídos à liberação de bradicinina ou serotonina pelas enzimas do veneno, mas são raros (AZEVEDO-MARQUES, CUPO, HERING, 2003).

Para entender os fatores associados com graves distúrbios de coagulação (incoagulabilidade do sangue) em envenenamentos botrópicos, Oliveira et al. (2003) realizaram um grande estudo retrospectivo, com 2.991 pacientes. Os fatores positivamente associados à incoagulabilidade sanguínea (p <0,05) foram: mordedura de serpente nos últimos meses do ano, mordedura nos segmentos distais dos membros inferiores, dor, edema e hematoma no local da mordedura, sangramento sistêmico, choque, dose de soro antiofídico administrado e tempo entre a mordedura e a internação hospitalar. (OLIVEIRA et al., 2003).

A progressão, extensão do edema e presença de necrose definem a gravidade da inflamação local. Distúrbios de coagulação, sangramento e a presença de complicações que ameaçam a vida, como choque e lesão órgãos vitais definem o envenenamento sistêmico (OTERO-PATINO, 2009). No entanto, destaca a ocorrência isolada de sangue incoagulável e não classifica por si só o envenenamento como grave. A gradação clínica do envenenamento define o número de frascos de soro específico que devem ser usados no tratamento (SGRIGNOLLI et al., 2011).

Recentemente, investigou-se a associação entre a antigenemia do veneno na admissão com variáveis clínicas, laboratoriais e epidemiológicas após mordeduras por Bothrops na América do Sul. França et al. (2003) realizaram uma pesquisa com 137 pacientes. A evolução inicial e o tratamento dos pacientes foram baseados no quadro clínico. Notavelmente, apenas a gravidade do envenenamento e as concentrações plasmáticas de fibrinogênio foram associadas

(35)

à antigenemia do veneno sérico na admissão hospitalar. No entanto, o valor da antigenemia antes do tratamento com soro foi limitado em pacientes admitidos tardiamente. Esses autores sugeriram, na época, que uma grande quantidade de veneno já havia deixado o espaço intravascular e a correlação entre a gravidade e a antigenemia do veneno diminuía progressivamente (FRANCA et al., 2003).

2.3.2 Mortalidade por Envenenamento Botrópico

Complicações graves após acidentes ofídicos podem levar a morte, apesar de ser um evento raro (LIMA et al., 2010). A taxa de letalidade devido ao envenenamento botrópico é muito variável de acordo com os países e regiões dentro de um país (OTERO-PATINO, 2009). No Brasil, de acordo com o Sistema Nacional de Informação do Ministério da Saúde (“Sistema de Informação de Agravos e Notificação”), houve 202.288 casos de acidentes botrópicos entre 2004 e 2016, e apenas 752 mortes, resultando em uma letalidade da doença de 0,37% (SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE AGRAVOS DE NOTIFICAÇÃO, 2018). Da mesma forma, os dados publicados por Otero-Patino (2009) descreveram a taxa de letalidade em envenenamento botrópico no Brasil de 0,3-0,4 % devido a Bothrops spp, na Costa Rica e Panamá menos de 1 % e na Colômbia de 3-5 %. Brasil, a Costa Rica e o Panamá distribuem soros antiofídicos gratuitamente para pacientes em todos os hospitais de referência e centros de saúde (OTERO-PATINO, 2009), o que provou ser eficaz na redução da mortalidade. Malaque et al. (MALAQUE, GUTIÉRREZ, 2015) descreveram as características de envenenamentos induzidos por várias espécies botrópicas e revelaram a ocorrência de LRA entre 12-40% dos casos com óbitos.

(36)

2.4 LESÃO RENAL AGUDA RELACIONADA AO ENVENENAMENTO POR

BOTHROPS: “ÔNUS” PARA OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

2.4.1 Incidência da LRA Relacionada ao Envenenamento Botrópico

Bothrocophias, Bothrops e Crotalus na América do Sul e Vipera russelli na Ásia são

as principais causas de LRA relacionada à mordedura dentre as serpentes mais venenosas (CHUGH, 1989). No entanto, o diagnóstico correto e precoce da LRA continua sendo um desafio, devido às diferentes definições aplicadas nos estudos. Além disso, o acompanhamento do paciente é essencial para relatar a completa recuperação da função renal ou da doença renal crônica (DRC) associada à LRA relacionada ao veneno botrópico.

O desenvolvimento de definições padrão de LRA foi fundamental para a compreensão dessa entidade em diferentes contextos, inclusive no envenenamento por acidentes ofídicos. A utilização dos critérios RIFLE (BELLOMO et al., 2004; LAMEIRE et al., 2005), AKI Network (AKIN) (MEHTA et al., 2007) e KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes. 2012) possibilitou a análise de diferentes casos clínicos de forma mais confiável em diferentes contextos e regiões. Curiosamente, estudos recentes destacaram a alta incidência de LRA em pacientes graves e seu impacto no desfecho clínico, fazendo comparações com a linha de base do próprio paciente (HOLMES et al., 2018). No entanto, os pacientes que sofreram mordeduras de serpentes em países em desenvolvimento, onde não há um fácil acesso aos serviços de saúde, geralmente chegam ao hospital muito tempo após a mordedura (OTERO et al., 2002; ALBUQUERQUE et al., 2014) e sua creatinina basal é desconhecida. O diagnóstico clínico e o manejo tardios contribuem para a alta incidência de LRA relacionada ao veneno botrópico (ALBUQUERQUE et al., 2014). Portanto, muitas medidas são necessárias para mudar esse cenário, como a educação da população- para usar equipamentos de proteção pessoal na agricultura e buscar cuidados médicos mais cedo em caso de mordedura de serpente, melhorar a distribuição estratégica de soro antiofídico (mesmo para áreas rurais remotas, prover hospitais com oferta de soro), e uma equipe qualificada de profissionais de saúde (educação continuada em saúde).

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Existem vários estudos epidemiológicos publicados com o intuito de descrever a LRA, mas poucos desses relatos descrevem claramente a definição de LRA empregada (ACOSTA et al., 2000; BUCARETCHI et al., 2001; OTERO, 2002; ALBUQUERQUE et al., 2014). A descrição de hematúria isolada e oligúria foi utilizada como diagnóstico definitivo de LRA em alguns estudos, embora a sedimento urinário anormal possa não representar necessariamente esta entidade clínica.

Dados de séries retrospectivas descreveram incidência de LRA de 1,4 a 44,4% (ACOSTA et al., 2000; BUCARETCHI et al., 2001; OTERO, 2002; ALBUQUERQUE et al., 2014; ALVES et al., 2018). No entanto, outros não encontraram LRA relacionado ao veneno botrópico (KOUYOUMDJIAN, POLIZELLI, 1988; PACHECO, ZORTÉA, 2008). Portanto, a real incidência de LRA por gêneros botrópicos é variável e subestimada, não apenas pela ambiguidade das definições, mas também pela ausência de notificação em algumas áreas rurais (SGRIGNOLLI et al., 2011). (Tabela 2)

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Tabela 2. Incidência de LRA nefrotóxica após envenenamento botrópico. Definição LRA Spécies* N LRA % Diálise % Referências

** Bothrops sp. 67 10,5 - (Cupo et al., 1985)

- Bothrops moojeni 37 0 - (Kouyoumdjian, Polizelli,

1988) - Bothrops jararaca, B.

jararacussu 27 44,4 33,3 (Vencio, 1988)

- Bothrops sp. 114 6 - (Queiroz et al., 1989)

** Bothrops sp. 57 6 - (Kouyoumdjian, Polizelli,

Lobo, 1990) ** Bothrops moojeni, and

B.neuwiedi 292 5 - (Silveira et al, 1992)

- Bothrops jararacussu 29 13,7 7,0 (Milani Jr et al., 1997)

**

Bothrops jararaca (97.5%), B.jararacussu, B.neuwiedi, B.moojeni, B.alternatus and

B.pradoi.

3.139 1,6 0,7 (Jorge et al., 1997)

- Bothrops lanceolatus,

B.venezuelensis and B.atrox 60 6,0 - (Acosta et al., 2000)

** Bothrops jararaca,

B.alternatus and B.neuwiedi 73*** 1,4 - (Bucaretchi et al., 2001)

- Bothrops asper 39 38,5 33,3 (Otero, 2002)

- Bothrops sp. 165 0 - (Pacheco, Zortéa, 2008)

RIFLE and

AKIN Bothrops erythromelas. 276 10,8 30,6**** (Albuquerque et al., 2014) AKIN Bothrops sp. 186 12,9 16,7% (Alves et al., 2018) *: A identificação da espécie da serpente Botrópica ocorreu em alguns casos, **: Níveis elevados de creatinina sérica que mais tarde retornaram à faixa normal, ***: menores de 15 anos; (-): Não descrito, ****: Esta incidência representa a porcentagem de diálise em acidentes com serpentes Crotálicas juntas.

Fonte: próprio autor.

O risco de DRC após uma LRA é outra questão importante no envenenamento por mordedura de serpentes peçonhentas. O tratamento de substituição renal implica despesas elevadas em tratamentos médicos. Além disso, os países em desenvolvimento precisam lidar com gastos catastróficos em problemas de saúde pública e altas taxas de pobreza (XU et al., 2003; JHA, PARAMESWARAN, 2013). Por outro lado, a LRA pode aumentar o risco de DRC

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e doença renal em estágio terminal, necessitando de diálise. É importante destacar o aumento de pacientes sobreviventes após um episódio de LRA (COCA et al., 2012). Então, doenças cardiovasculares, minerais, ósseas e neurológicas associadas à DRC aumentam também.

O estudo de biomarcadores precoces do diagnóstico da lesão renal aguda, bem como da recuperação da função renal a médio prazo e do prognóstico a longo prazo é extremamente útil, porém, ainda pouco conhecido. A escolha de biomarcadores capazes de descrever a relação entre a LRA e doença renal crônica requer análise cuidadosa (ENDRE, 2018). Poucos estudos relataram uma função tubular renal comprometida em pacientes caracterizados como função renal normal que sofreram mordeduras de serpentes Viperid (AYE et al., 2017). Muitas perguntas sobre as complicações a longo prazo após a LRA relacionada ao veneno botrópico permanecem sem resposta.

2.4.2 Características da LRA Relacionada ao Envenenamento Botrópico

Os rins são vitais para manter a homeostase do corpo e exigem alto gasto de energia. Eles têm um sistema vascular rico e são uma rota importante de eliminação do veneno do corpo através do processo de filtração, excreção e concentração (MORAIS et al., 2013). Assim, a diminuição da TFG leva a um estado de hipervolemia que desencadeia muitas respostas hormonais sistêmicas no envenenamento botrópico, o que pode interferir na hemodinâmica renal.

A LRA após um acidente botrópico é uma entidade comum em casos graves e pode levar à morte e à DRC. Ribeiro et al. (1998) realizaram um estudo com 12639 casos de notificações de mordedura de serpentes no Brasil e detalharam os achados em 43 casos. Curiosamente, o envenenamento botrópico causou a maior parte dessas mortes, nos membros inferiores, em pessoas com mais de 50 anos e a complicação mais frequente foi a LRA. No entanto, envenenamento crotálico parecia ser mais letal.

A LRA em acidentes botrópicos é comumente oligúrica, grave e precoce, ocorrendo logo após a mordedura (AMARAL, RIBEIRO, 1986; JORGE et al., 1997; RIBEIRO, JORGE, 1998; PINHO et al., 2008; GUTIERREZ et al., 2009; OTERO-PATINO et al., 2009; VARGAS,

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LOPES, 2009; SGRIGNOLLI et al., 2011). Da Silva et al. (1979) realizaram um estudo em pacientes com LRA após mordedura de serpentes, em tratamento em unidade de terapia intensiva no Brasil e detalharam o aparecimento de oligúria ou anúria em cada caso. Este estudo apresentou 29 pacientes com LRA devido a acidentes botrópicos e crotálicos. Vale ressaltar a diferença entre os grupos, com acidentes crotálicos comumente desenvolvendo oligúria ou anúria mais tardiamente do que em acidentes botrópicos. Por outro lado, relataram a necessidade de diálise (diálise peritoneal ou hemodiálise) em 72,5% dos casos, o que evidencia a gravidade da LRA. Lima et al. (2010) relataram um caso devido a envenenamento botrópico com falência de múltiplos órgãos. Curiosamente, o paciente era jovem e chegou cedo ao hospital. No entanto, ele desenvolveu várias complicações clínicas, incluindo LRA grave com necessidade de diálise até 18 dias após o acidente. O episódio de síncope e as alterações iniciais nos testes de coagulação podem ser pistas para o quadro grave. Sessenta dias após a mordedura, o paciente ainda apresentava perda de função renal leve, indicando necessidade de seguimento em longo prazo nessas condições (LIMA et al., 2010). O risco de complicações a médio e longo prazo, como déficit renal permanente, ulcerações crônicas cicatriciais merecem atenção e a necessidade de “follow-up” deste grupo de pacientes deve ser realizada (WAIDDYANATHA et al., 2019).

2.4.3 Fatores de Risco Associados à LRA Relacionada ao Envenenamento Botrópico

Vários estudos descrevem os fatores de risco associados ao desenvolvimento de LRA após acidentes ofídicos botrópicos (SGRIGNOLLI et al., 2011; ALBUQUERQUE et al., 2014; ALVES et al., 2018). Alguns dados sugerem uma correlação positiva entre a idade do paciente e o desenvolvimento de LRA, a área de superfície corporal, o longo tempo até o tratamento com soro antiofídico, o local da mordedura, o longo tempo de hospitalização, a idade da serpente e a quantidade de veneno inoculado. Curiosamente, um estudo realizado na Colômbia descreveu um importante fator de risco para a LRA relacionada ao veneno botrópico: o atraso na administração do soro antibotróico em mais de 2 horas após a mordedura de serpente (OTERO, 2002). Alto nível de lactato desidrogenase (LDH) e sangramento local foram recentemente associados independentemente ao desenvolvimento de LRA (ALVES et al.,

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2018). Além disso, a coagulação intravascular disseminada (CIVD), a leucocitose e a albumina sérica baixa foram associadas à LRA em um estudo retrospectivo realizado em uma região da Turquia, onde as serpentes Viperidae são as mais comuns (DANIS et al., 2008).

Além disso, é importante buscar outras variáveis associadas à gênese da LRA, como hipovolemia, hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes prévia, doenças cardíacas ou mesmo doenças renais prévias. Investigar os hábitos dos pacientes, como tabagismo, abuso crônico de álcool, medicamentos e uso de drogas ilegais é fundamental e pode influenciar o desenvolvimento de LRA. A análise multivariada mostrou forte associação entre comorbidades (diabetes e HAS) e LRA [OR ajustado = 60,96 (IC95% = 9,69-383,30; p <0,000)] em estudo recente (ALVES et al., 2018).

2.4.4 Novos biomarcadores precoces de LRA

Na lesão renal aguda por envenenamento botrópico, como em outros cenários clínicos, o diagnóstico precoce está diretamente associado a melhor resposta terapêutica. O conceito de intervenções com base na “janela de oportunidades” reforça a importância da precocidade das intervenções (WAIKAR, BONVENTRE, 2008; SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA, 2011; ABASSI et al., 2019). Semelhantemente, a inexistência de um biomarcador renal precoce, sensível e acessível levou a considerável aumento de pesquisas nesta área na última década.

A lesão renal aguda é um processo dinâmico, constituído de fases que vão desde o aumento do risco de LRA propriamente dita, a instalação do dano renal, a queda de filtração glomerular e desfechos (falência renal e morte) (BELLOMO et al., 2012). Estudos proteômicos têm sido empregados para identificar novos biomarcadores de LRA em diversos contextos clínicos, pois a creatinina sérica como ferramenta para estimar alterações na taxa de filtração glomerular (TFG) atua em fases tardias da LRA.

Diversos novos biomarcadores renais têm sido investigados em diferentes contextos clínicos e evidenciam diferentes etapas na instalação da LRA (BELLOMO et al., 2012; MARTENSSON, BELLOMO, 2014). Dentre estes, o NGAL foi por muitos anos considerado

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