• Nenhum resultado encontrado

JOURNAL OF STUDIES ON CITIZENSHIP AND SUSTAINABILITY

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "JOURNAL OF STUDIES ON CITIZENSHIP AND SUSTAINABILITY"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

JOURNAL OF STUDIES ON CITIZENSHIP AND SUSTAINABILITY

ISSN: 2183-7252

Publication edited by Cive Morum (Center of Studies and Civic Intervention) Institute of Sociology, University of Porto

http://civemorum.com.pt

Classificação das moedas sociais e complementares (MSCs) – com

base no lastro

Yasuyuki Hirota

Doutor em economia social na Universidade de Valência (Espanha) e co-fundador do Instituto de la Moneda Social (IMS) em Espanha. miguel@ineval.org

Resumo: O sistema monetário atual tem distintas falhas estruturais que derivam principalmente da criação

monetária como crédito bancário e da cobrança de taxas de juros compostos. As MSCs são meios de intercâmbio concebidos para impulsar transações difíceis em moeda oficial, sobretudo para complementar aquilo que o sistema convencional não satisfaz. Estas moedas podem ser classificadas em seis categorias, ou seja: a) MSCs lastreadas com moeda oficial, b) MSCs lastreadas com outros bens e/ou serviços, c) MSCs emitidas pelas instituições públicas, d) MSCs baseadas no crédito mútuo e) MSCs emitidas como crédito bancário e f) MSCs fiat. Os modelos a) e e) não mudam o próprio processo da criação monetária pela banca enquanto os outros possuem a autonomia de poder criar os seus próprios meios de intercâmbio. Estes distintos lastros têm vantagens e desvantagens em vários aspectos, tais como nível de aceitação, efeitos anti-cíclicos e estabilidade do valor.

Palavras-chave: moedas sociais e complementares, sustentabilidade, lastro.

Título: Clasificación de las monedas sociales y complementarias (MSC) - sobre la base del lastre

Resumen: El sistema monetario actual tiene distintas fallas estructurales que derivan principalmente de la

creación monetaria como crédito bancario y del cobro de tasas de interés compuesto. Las MSC son medios de intercambio diseñados para impulsar transacciones difíciles en moneda oficial, sobre todo para complementar lo que el sistema convencional no satisface. Estas monedas pueden clasificarse en seis categorías, a saber: a) MSC astreadas con moneda oficial, b) MSC respaldadas otros bienes y / o servicios, c) MSC emitidos por las instituciones públicas, d) MSC basadas en el crédito mutuo e) MSC emitidos como crédito bancario y f) MSCs fiat. Los modelos a) y e) no cambian el propio proceso de la creación monetaria por la banca mientras que los demás poseen la autonomía de poder crear sus propios medios de intercambio. Estos distintos lastres tienen ventajas y desventajas en varios aspectos, tales como nivel de aceptación, efectos anticíclicos y estabilidad del valor.

Palabras clave: las monedas sociales y complementarias, sostenibilidad, lastre. Title: Classification of social and complementary currencies (MSCs) - based on ballast

Abstract: The current monetary system has distinct structural flaws that derive mainly from monetary

creation as bank credit and from the collection of compound interest rates. MSCs are means of exchange designed to drive difficult transactions in official currency, especially to complement what the conventional system does not meet. These currencies can be classified into six categories, namely: a) MSCs backed by official currency, b) MSCs backed by other goods and / or services, c) MSCs issued by public institutions, d) MSCs based on mutual credit e) MSCs issued as bank credit and f) MSCs fiat. Models a) and e) do not change the very process of monetary creation by banking while others have the autonomy to be able to create their own means of exchange. These different ballasts have advantages and disadvantages in several aspects, such as acceptance level, anti-cyclical effects and value stability.

(2)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta 1. Introdução

As moedas sociais e complementares (MSCs), espalhadas no mundo inteiro, são meios de intercâmbio que se usam em paralelo com moedas de curso legal (euro, dólar americano, libra esterlina, real brasileiro...) para realizar transações de bens e/ou serviços. Este termo é fruto de combinação da expressão “moeda social”, criada por Primavera (1999, p.1-2) para ressaltar “os seus efeitos de inclusão social”, e da “moeda complementar”, utilizada pela primeira vez por Bernard Lietaer no seu relatório entregue para a Comissão Europeia para ressaltar o seu aspecto cooperativo em comparação com a natureza competitiva do dinheiro convencional (Rizzo, 2003: p.11-12).

Uma característica importante das MSCs é a variedade dos lastros, ao serem emitidas, para garantir o seu valor. Cada MSC circula com base na confiança dos utentes no depósito (moeda oficial, bens, compromissos de alguns utentes da MSC a oferecer serviço...), ou, em alguns casos, até em defeito dele, sempre e quando os receptores tiverem a certeza que essa ferramenta pode ser gasta para adquirir outros bens e/ou serviços. Os distintos níveis de aceitação deste meio de intercâmbio, porém, são um fator significativo que determina o êxito ou o fracasso destes sistemas. De igual modo, alguns modelos têm requisitos para ser implementados (reserva em moeda social, sistema jurídico apropriado e existência prévia de um número significativo de comércios dispostos a aceitá-la) dificultando (ou, até, impossibilitando) a implementação deste instrumento económico.

Neste artigo começa-se por apresentar e analisar os defeitos do sistema monetário vigente, desde o ponto de vista da sustentabilidade, para determinar os papéis que as MSCs podem desempenhar. A palavra “complementar” pressupõe a existência de falhas que devem ser corrigidas por outros meios de intercâmbio que funcionam sob lógicas distintas, o que justifica a sua introdução. Depois, mostra-se a classificação das MSCs por lastro, ou “fonte de valor”, segundo Wild (2011: p.243), seguida pelas descrições sobre os seis tipos de lastros. Por último, comparam-se diferentes lastros para determinar qual lastro é mais eficaz para atingir cada objetivo e também analisa-se em que situação cada lastro é o mais apropriado.

2. Defeitos do sistema monetário atual e papéis das MSCs

O primeiro passo rumo à definição das características das MSCs é pesquisar quais falhas estão dentro do sistema monetário atual que impedem um desenvolvimento sustentável e justo.

O ponto de partida é o reconhecimento do facto que emite-se o dinheiro como crédito bancário (Douthwaite, 1999: p.17-23; Dyson, Ryan-Collins & Werner, 2011, p.18; Lietaer & Belgin, 2012, p.30-34; Galbraith, 1975: p.30; Greco, 1990, p.14; Jackson & Dyson, 2012, p.59-62; King, 2016, p.86-89; McLeay, Radia & Thomas, 2014, p.16; Piketty, 2015, p.754; Schumpeter, 1954, p.1114; Werner, 1997, p.281-283; 2005, p.172; e 2012, p.7), ou seja, como empréstimo. Cada nota, cada moeda ou cada saldo positivo numa conta bancária não pode existir sem o endividamento de algum ator económico e a dívida deve ser paga sempre com taxas de juros, ou seja, sempre há mais dívida que a massa monetária (exemplo: cria-se 15.000 € de dinheiro para o mutuário, sob a condição de devolver 20.000 €, inclusive, taxas de juros), criando uma escassez monetária permanente (Lietaer, 2001, p.47) e comprometendo a sustentabilidade.

Outro problema importante que surge desta realidade é que hoje em dia é a banca privada quem principalmente cria o dinheiro, e esta instituição financeira é atualmente

(3)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

responsável por 97% da libra esterlina e mais do que 90% do euro, graças à reserva fracionária que exige apenas uma pequena porção de dinheiro como reserva, ou a carência total desta reserva em alguns países (EUA, Reino Unido etc.). Até o Banco de Inglaterra admite este facto no seu boletim com as seguintes palavras (McLeay, Radia & Thomas, 2014, p.16):

“Quando um banco cria um empréstimo, por exemplo, a alguém que toma um empréstimo para comprar uma casa, normalmente (o banco) não o faz quando lhe dá notas que valham milhares de libras. Em câmbio, põe na sua conta bancária o tamanho do empréstimo. É neste momento que se cria o novo dinheiro.”

Esta situação permite que a banca privada seja o verdadeiro emissor de dinheiro e nem o banco central pode exercer a sua influência na criação monetária. Este poder da banca privada possibilita um domínio dos credores sobre os devedores que vivem uma escravidão (Amato & Fantacci, 2014, p.2, Lazzarato, 2011, p.11, Greco, 1990, p.16) e também exclui quem não possui conta bancária. É preciso ressaltar que a exclusão financeira continua a ser um grande problema, inclusive alguns países da União Europeia com baixa porcentagem de adultos com conta bancária (78% na Grécia, 74% na Lituánia, 73% na Hungria, 71% na Itália, 70% na Polónia, 53% na Bulgária e 45% na Roménia: Demirguc-Kunt e Klapper, 2012, p. 50-52). Kennedy e Lietaer (2004, p.31-33) e Graeber (2011, p. 50-52) descrevem casos históricos no Gana e em Madagáscar, onde a moeda nacional foi introduzida pelos colonizadores para desmantelar a economia tradicional e criar uma dependência económica das colónias na metrópole. Nem o próprio Estado pode escapar-se deste controle, como descrevem claramente Lietaer, Arnsperger, Goerner e Brunnhuber (2012, p.57):

“(T)ão pronto como os governos tomam estas grandes quantidades emprestadas pelo sistema financeiro para resgatar o próprio sistema da bancarrota, o sistema financeiro conclui que os governos têm agora demais dívida e precisam ser ‘disciplinados’.”

Também é preciso ressaltar as críticas em torno da usura. Apesar do uso contemporâneo deste termo restrito para referir-se a altas taxas de juros, esta palavra em Latim significava qualquer cobrança de juros e esta prática foi proibida pelas três religiões abraâmicas (Velho Testamento: Éxodo, 22:25, Levítico, 25:36, 25:37, Deuteronómio, 23:19, Alcorão: 2:275, 2:276, 2:278, 3:130, 4:161, 30:39). As taxas de juro têm outros efeitos nocivos contra a sustentabilidade que se apresentam de seguida:

 Flutuações pro-cíclicas: Como a banca privada são instituições que procuram lucro, tende a conceder demasiado crédito nas épocas de bosom económico, estimulando ainda mais as atividades económicas e impulsando especulações, pois 98% das transações hoje em dia são especulativas (Lietaer, Arnsperger, Goerner e Brunnhuber, 2012, p. 45-46), enquanto rejeita injetar mais liquidez na recessão, agravando a crise.  Pressão ao crescimento perpétuo e exponencial: Douthwaite (1999, p. 23-25)

explica que o crescimento perpétuo é necessário para evitar deflação ou inflação devido ao próprio sistema monetário em que há mais dívida do que massa monetária em circulação. Para atingir crescimento perpétuo, porém, a banca tem de continuar concedendo créditos para não cessar de aumentar a massa monetária, o que é insustentável.

 Aumento do preço final: Kennedy (1998, p.19) demostra que entre 12 e 77 % do valor que pagam os consumidores para serviços públicos são as taxas de juros compostos.

(4)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

Por exemplo, a água da torneira seria 38% mais barata se não houvesse este custo financeiro e a habitação pública custaria apenas um quarto do valor atual.

 Distribuição injusta da riqueza: Qualquer consumidor paga juros pelo menos indiretamente através do preço final de cada produto ou serviço que ele mesmo consome e Kennedy (1995, p.21) calcula que, mediante este sistema de redistribuição de riqueza, 80% dos alemães mais pobres perdem dinheiro enquanto 10% dos alemães mais ricos ganham.

 Curto-prazismo: As propriedades a formar-se no futuro são descontadas hoje. Lietaer, Arnsperger, Goerner e Brunnhuber (2012, p. 97-98) explicam que, se a taxa é de 5%, um depósito de $ 100 hoje cresce daqui a 10 anos a $ 167,02 (100 x 1,0510), o

que significa que uma propriedade que valerá $ 100 daqui a 10 anos vale atualmente só $ 61,39 (100 / 1,0510). Nesta lógica, os empreendimentos de longo prazo geram

pouco lucro e os investidores preferem emprestar capital para outros projetos de curto prazo porque são mais rentáveis.

3. Classificação das MSCs por lastro

Wild (2011, p.243) mostra diferentes fontes de valor. No Quadro 1 classificam-se as MSCs nas seis categorias com base no lastro, com subcategorias e outra categoria não mencionada por Wild (ibid.):

Quadro 1: Classificação de lastros

Tipo de lastro Subcategoria Exemplos

Bens e/ou serviços

Lastro com dinheiro oficial Chiemgauer, SOL-Violette, Banco Palmas

Lastro com outros bens e/ou

serviços Banco de horas comunitario, Terra

Pagamento de impostos

Moeda nacional oxidável (Gesell, 1916: pp. 179 – 186), moeda pelo Comité de

Criação Monetário (Jackson e Dyson, 2012: pp. 204 – 210)

Transação

(crédito mútuo) Crédito mútuo LETS (CES), Trocobuy Dívida Emissão como crédito Euro, WIR, Chiemgauer

Nenhum Fiat Ithaca Hours, Club de trueque,

Bitcoin Fonte: Wild (2011: p. 243) e elaboração própria pelo autor.

Existem quatro tipos de lastro e um deles consiste em três subcategorias. Em primeiro lugar, as MSCs lastreadas com bens e/ou serviços são divididas entre as lastreadas com dinheiro oficial, as lastreadas com outros bens e/ou serviços depositados e as lastreadas com o pagamento do imposto. Em segundo lugar, existem MSCs que funcionam graças à confiança mútua fomentada entre os utentes. Em terceiro lugar existem moedas que são postas em circulação quando se concedem créditos. E, por último, algumas MSCs nascem sem requerer nenhum lastro.

4. Característica de cada tipo de lastro 4.1. MSCs lastreadas com dinheiro oficial

As MSCs que utilizam o dinheiro oficial de cada país como lastro pertencem a esta categoria. A Europa viveu a emergência deste tipo de MSCs a partir de 2003 quando o

(5)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

Chiemgauer (Alemanha) converteu-se num êxito. Outras MSCs europeias lastreadas com dinheiro oficial incluem SOL-Violette (França), Bristol Pound (Reino Unido), Eusko (França) e Ossetana (Espanha), entre outros. Palma, emitida pelo Banco Palmas em Fortaleza (Brasil), também se situa nesta categoria. Estas moedas põem-se em circulação quando alguém deposita a moeda oficial, garantindo, portanto, a possibilidade de reembolso para os comerciantes locais que precisam de pagar aos fornecedores externos (normalmente, os consumidores podem trocar só de moeda oficial para MSC e não vice-versa). Funciona esta convertibilidade para os negócios locais confiarem e aceitarem este meio de intercâmbio.

Esta vantagem acima mencionada é a outra face da mesma moeda que mostra uma desvantagem: dependência total do sistema monetário oficial. Neste modelo, é obrigatório ter uma reserva em moeda oficial, o que significa que as comunidades carentes da moeda oficial não podem adotar estas MSCs. Embora esteja presente a possibilidade de reforçar a economia local ou regional por restringir a extensão geográfica do uso deste meio de intercâmbio e obrigar a que os seus portadores a gastem em lojas locais, a incapacidade de reformar a própria natureza do dinheiro oficial restringe o potencial deste instrumento.

4.2. MSCs lastreadas com outros bens e/ou serviços

Trata-se de MSCs emitidas quando os utentes depositam produtos e/ou se comprometem a oferecer serviços (carpintaria, limpeza de casa, aulas de violão / línguas etc.) e retiradas quando os portadores destas moedas vêm reclamar estas garantias. Os participantes aceitam estas MSCs, quer porque eles mesmos precisam destes lastros, quer porque eles sabem que há pessoas e/ou lojas que os aceitam.

O Banco de Horas Comunitário em Capilla del Monte (Argentina) é uma experiência que emitiu a sua própria moeda (Sol) com depósito. Este projeto nasceu pela mão da cooperativa escolar Olga Cossettini, uma escola alternativa com enfoque nas artes, para permitir que parte das despesas para a manutenção desta escola fosse paga em MSC, denominada como Sol, em vez do peso argentino, aliviando assim a carga económica das famílias sem recursos suficientes. Os utentess deste banco podiam obter esta moeda social quando depositavam produtos duradouros (batatas, livros, roupas em segunda mão etc.) ou compromissos de oferecer serviços, além de dedicar-se ao trabalho relacionado, por exemplo, com manutenção da escola, e começaram a participar outras famílias alheias à cooperativa escolar para ganhar um rendimento adicional (Caldano, 2007, p. 89-96, Orzi, 2007, p. 141-143, e 2012, p. 242-253).

Outras iniciativas relevantes que funcionaram surgiram na América Central. Coopevictoria, uma cooperativa agrária na Costa Rica, emitiu a sua própria moeda, lastreada com os seus produtos, não só para fidelizar clientes mas também para pagar parte do salário aos empregados e estimular a reciclagem do óleo (Brenes, 2011, p. 32-35, e 2013, p. 135-136). Em Yoro (Honduras) criou-se a MSC Pez lastreado com o biodiesel de jatropha (uma planta que produz frutas com óleo que serve como combustível para veículos) e em 2009 foram emitidos 107.646 pezes (um pez equivalia a uma lempira, moeda oficial de Honduras, e 107.646 pezes equivalia a uns 4.080 €) (Moers, 2010, p.23). O êxito destas iniciativas pode explicar-se com a disponibilidade de produtos úteis como lastro. Os professores da cooperativa escolar não rejeitavam o pagamento parcial do salário nesta MSC porque o importante para eles eram os diferentes produtos e não era imprescindível ganhar a moeda oficial. Dito de outro modo, o importante não era o

(6)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

meio mas o fim. A experiência costarriquenha mostra que os produtos agrários depositados funcionam perfeitamente para estimular diferentes transações. E, no caso hondurenho, a substituição do petróleo, que precisa ser importado do exterior, com o biodiesel localmente produzível freia o escape monetário desde a comunidade, fortalecendo a economia local também. Ardron e Lietaer (2006, p.3) mostram um caso interessante na Irlanda onde os vales da cervejaria Guinness foram aceites como se fosse uma MSC, devido à popularidade nacional desta marca.

Outra vantagem significativa deste modelo é a estabilidade do valor. Como estas moedas estão lastreadas com produtos reais, as flutuações de preços na moeda oficial não afetam a taxa de câmbio, garantindo o reembolso dos bens depositados. Esta vantagem está relacionada também com os efeitos contra-cíclicos, pois no momento inflacionário sobem os preços sem alterar a taxa de câmbio, fazendo com que seja mais benéfico reembolsar produtos depositados do que comprar outras coisas, reduzindo a massa monetária da MSC. Caso haja uma deflação e descerem os preços, acontece o contrário, ou seja, as pessoas com produtos preferem depositá-los para obter MSC, aumentando a massa monetária.

4.3. MSCs emitidas pelas instituições públicas

Apesar da semelhança com MSCs emitidas como Fiat (4.6), estas moedas são distintas pela possibilidade de pagar impostos e serviços públicos (portagens de autoestradas, propinas das universidades públicas, taxas de transporte público...) dentro da jurisdição. Mesmo que o grau desta utilidade varie muito de caso para caso (por exemplo, alguns países permitem que os governos locais e/ou regionais cobrem impostos e mantêm serviços públicos enquanto outros países têm um regime fiscal centralizado e a maioria de serviços privatizados), limitando consideravelmente as maneiras da recuperação pelo emissor.

O exemplo melhor sucedido desta categoria são as experiências denominadas como “cuasimonedas” (quasimoedas) que circularam entre a década 1980 e 2000 na Argentina. Destaca-se, sobretudo, a época da crise económica de 2001 – 2002 quando não só diferentes províncias mas também o próprio estado argentino emitiram diferentes vales para aumentar as suas despesas. As cuasimonedas de maior circulação eram o LECOP (emitido pelo estado argentino) e o Patacón (emitido pela Província de Buenos Aires1) que funcionaram bem para complementar a falta da liquidez gerada sob o regime

monetário austero de “convertibilidade” que obrigava o Banco Central a ter o 100% da reserva de dólar americano para poder emitir o peso argentino (Sbatella, 2011, p.14). Na Península Ibérica, as moedas municipais, durante a Guerra Civil Espanhola (1936 – 1939), foram emitidas por diferentes câmaras municipais, dada a falta de liquidez. Santacreu (1986, p. 124-178) descreve o caso de distintos municípios na Província de Alicante (Comunidade Valenciana).

Há outras propostas de moedas emitidas pela instituição pública: Gesell (1916, p. 179-186) propõe, além da implementação de uma moeda oxidável, a criação do Comité Monetário Nacional para ultrapassar a restrição imposta pelo padrão-ouro em que nenhum país podia emitir mais moeda do que a reserva de ouro. Nos últimos anos surgiu

1 A Província de Buenos Aires não inclui a Cidade de Buenos Aires (aliás, Capital Federal), mas a relevância

económica da província fez com que esta MSC fosse aceita também fora desta região (não só na Cidade de Buenos Aires mas também em outras províncias).

(7)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

o surgimento do movimento Positive Money2, no Reino Unido, e da sua aliança

internacional International Movement for Monetary Reform3, em que a reforma monetária

consiste em abolir o poder da banca privada para criar dinheiro e transferi-lo para o Comitê da Política Monetária que será responsável por fornecer uma quantidade adequada de massa monetária para evitar inflações e deflações e garantir um sistema monetário sem reserva fracionária (Dyson, Hodgson & van Lerven, 2016, p.18-27). Zarlenga (2002, p. 651-685) e Yamaguchi (2013, p. 369-375) mencionam casos semelhantes nos Estados Unidos e Japão, respetivamente.

A chave para o êxito destas MSCs é o controle apropriado da massa monetária com base no monitoramento de preços. A maior prioridade neste caso é, evidentemente, evitar a emissão desmesurada que se transforma em inflação incontrolável, como aconteceu na Alemanha, em 1923, na Hungria, em 1946, e no Zimbawe até 2009. Dado que as MSCs emitidas são passivos do emissor que ver-se-á obrigado a aceitá-las, estas moedas mantêm o seu próprio valor sempre e quando cumprem-se estas promessas.

4.4. MSCs baseadas no crédito mútuo

LETS e bancos do tempo, dois modelos mais espalhados pelo mundo, adotam esta forma de garantir o valor da moeda. No caso dos LETS, cada utilizador tem a sua própria conta que lhe permite ter um saldo positivo ou negativo (normalmente, há um limite para o saldo negativo, para impedir o gasto sem freio). Os bancos do tempo também funcionam de uma forma similar, mas o que se troca está limitado a serviços.

A maior vantagem deste sistema é que nenhum utilizador precisa de começar por ganhar MSCs, ou seja, a sua primeira ação pode ser a compra de um produto ou serviço de outro utilizador. Os saldos negativos, gerados como consequência da compra, são considerados como compromissos destes utilizadores para oferecer produtos ou serviços equivalentes para cancelar este crédito e, portanto, estão livres do crescimento exponencial. Os saldos positivos, por outro lado, são apenas válidos para realizar transações com outros sócios da mesma rede (ou outras redes afiliadas caso houver colaborações entre diferentes redes), obrigando os utentes deste sistema a gastá-los simplesmente porque não podem levá-los para fora da área onde são válidos.

É preciso, porém, ressaltar que existe um inconveniente a ser considerado: a incerteza de conseguir o que cada utilizdor deseja. O repertório de bens e serviços adquiríveis é determinado pelas ofertas dos utilizadores, mas não garante o acesso ao que quiserem, sobretudo, quando os utilizadores são poucos e/ou homogéneos. As pessoas participam nestes sistemas de troca só quando consideram que produtos e/ou serviços são interessantes, portanto, é estrategicamente fundamental tentar incluir elementos atraentes, por exemplo, alimentos, com o fim de captar mais utilizadores e, assim, estimular o uso desta MSC.

4.5. MSC emitida como crédito

O Banco WIR, na Suíça, é a única experiência que se encaixa nesta categoria. A moeda WIR, utilizada por dezenas de milhares de pequenas empresas que são sócias deste banco cooperativo, é concedida como empréstimo. Isto significa que os mutuários precisam ganhar esta MSC para poder pagar a dívida, ou seja, o lastro desta MSC é a

2 http://www.positivemoney.org/

(8)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

necessidade dos devedores cumprirem a sua obrigação financeira. Os empréstimos exigem taxas de juros que precisam de ser pagas em moeda oficial (franco suíço).

Uma grande diferença entre a criação monetária pelo Banco WIR e outras iniciativas de outros bancos privados é a natureza cooperativa desta entidade financeira helvética: como esta instituição é dos e para as empresas que lhe estão associadas, o objetivo empresarial do Banco WIR não é maximizar o lucro mas ajudar a gestão dessas empresas, mediante a concessão de créditos, fazendo com que a taxa de juro seja a mais baixa possível.

Stodder (2005, p.9) constata o efeito contra-cíclico do Banco WIR, ao assinalar a correlação entre o crescimento do PIB suíço e a quantidade de solicitações de crédito. Quando a economia oficial estagna, fica mais difícil conseguir crédito em franco suíço enquanto que o Banco WIR está pronto para oferecer crédito nesta MSC em melhores condições, vertendo uma liquidez adicional para uma economia esfriada. Quando a economia oficial recuperar será mais fácil conseguir o financiamento em franco suíço, fazendo com que se reduza a massa monetária em WIR. Este efeito complementar desempenha um papel significativo para estabilizar a economia.

Este modelo poderia ser alvo de críticas pelos dissidentes da própria existência de juros, sobretudo porque os juros precisam de ser pagos em moeda oficial. O Banco WIR tem de cobrir as suas próprias despesas (manutenção das infraestruturas, custos laborais...) que devem ser pagas em franco suíço.

4.6. MSCs emitidas como Fiat

Fiat significa “que seja (exista)” em Latim e as MSCs desta categoria são criadas quando o emissor decide emiti-las. Neste artigo gostaria de apresentar três casos importantes.

O primeiro caso é Ithaca Hours, uma MSC iniciada em 1991 no condado de Tompkins (Estados Unidos). Começaram por se criarem bilhetes de diferentes denominações em hora e entregá-los aos novos utilizadores para injetar liquidez. Foi estabelecida a cotização de uma hora por 10 dólares para facilitar o cálculo. Mas a falta de ocasiões para obter horas e a sobre-acumulação desta MSC em determinados estabelecimentos comerciais porque não se conseguia encontrar outras lojas que a aceitassem, foram causa suficiente para o estancamento das transações (Papavasilou, 2008, p.90, p.156-158).

Outra experiência desta categoria foi o Clube de Trocas, que possibilitou que milhões de argentinos sobrevivessem à crise económica de 2001 – 2002, aportando-lhes cerca de 600 dólares, o dobro do salário mínimo (Gomez, 2009, p.3). Os utilizadores deste sistema de troca, denominados como prossumidores, obtinham 50 créditos (equivalentes a 50 pesos argentinos e também 50 dólares americanos durante a época da convertibilidade de um peso = um dólar até Janeiro de 2002) quando se inscreviam no sistema para poder começar transações nas feiras de troca que se realizavam em milhares de lugares ao longo do país. Apesar da necessidade de os utilizadores devolverem estes créditos quando saem deste mercado de troca, esta regra foi pouco observada, portanto, é mais apropriado classificar esta MSC como fiat de facto. Cada clube, chamado como “nodo”, organizava feiras semanais onde se usavam créditos comuns. Em Grande Buenos Aires, por exemplo, coexistiam créditos emitidos por diferentes zonas (Zona Norte, Zona Oeste, Zona Sul e Capital Federal), além da outra

(9)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

série emitida pela associação PAR (Programa de Autosuficiencia Regional) e cada zona abrangia centenas de nodos.

Os clubes de troca são a única experiência de MSC que terminou devido à hiperinflação. Louge (2005, p. 482-483) enumera distintas causas de subida violenta de preços:

 Falsificação massiva de créditos

 Venda massiva, contra pesos oficiais, de créditos aos prossumidores ou a novos membros por parte de membros da rede

 Cobrança ilegítima de 50 créditos por administradores e particulares

 Ingresso massivo de marginalizados que só consumiam sem produzir (utilizadores que entraram para receber o crédito inicial de 50 créditos, gastá-lo imediatamente e obter alimentos e outros bens básicos sem oferecer nenhum produto ou serviço em troca)  Cadastro do mesmo membro em vários clubes e cobrança múltipla de 50 créditos  Liquidação massiva de tenências em créditos por bens e serviços oferecidos na rede  Centralização da administração, sem controlo nem transparência na assignação e

emissão da moeda, e consequente “sobre-emissão inflacionária”

 Ruptura de “ajuda mútua” produzida pela afluência massiva da população

Outra MSC desta categoria que nos últimos anos começou a chamar a atenção do público em geral, inclusive uma multidão que desconhece outras MSCs, é o Bitcoin. Criada com base na teoria de Nakamoto (2008, p.4) através do processo de “mineração” (um método de outorgar esta criptomoeda ao computador que soluciona uma fórmula complicadíssima), esta criptomoeda carece completamente de lastro físico ou compromisso de serviço e é aceite unicamente com base na expectativa de este meio de intercâmbio ser aceite novamente. A quantidade máxima da massa monetária de 21 milhões é fixa independentemente do número dos utentes, criando uma tendência da subida de cotização entre esta moeda virtual e o dólar americano e atraindo especuladores. O valor desta moeda virtual continua a subir, mas corre o risco de ser desvalorizado e/ou rejeitado assim que terminar o fervor especulativo.

As experiências dos Clubes de Troca e do Bitcoin são uma prova da dificuldade de manter a paridade entre uma moeda oficial e uma moeda fiat. No primeiro caso, a sobre-emissão descontrolada causou uma inflação enquanto o segundo caso ganhou grande popularidade, o que multiplicou a procura por esta criptomoeda. O mesmo mecanismo para estabilizar os preços, sugeridos para as moedas emitidas pelas instituições públicas, deveria ser introduzido também para moedas fiat para que haja uma massa monetária adequada.

Outro problema que precisa ser abordado é a senhoriagem (ganância pelo lucro e pela emissão do dinheiro). Por exemplo, se uma associação emite 5.000 € em moeda social e este meio de intercâmbio continua a circular na economia local, pode-se dizer que esta associação obteve a senhoriagem de 5.000 €. Ao contrário das outras MSCs cuja emissão é considerada como passivo, as MSCs fiat emitidas não o são porque os emissores não são obrigados a aceitá-los. Existe uma situação assimétrica em que os criadores das moedas desfrutam do benefício económico, enquanto os portadores delas correm o risco de não poder gastá-las, o que, do ponto de vista moral, necessita ser correto para que o sistema seja mais justo para todos os atores económicos envolvidos.

(10)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

5. Comparação de diferentes lastros

Cada lastro tem vantagens e desvantagens. Nesta seção vamos realizar uma comparação entre distintos lastros:

 Criação monetária livre da lógica da banca, adição de um novo poder de compra: A quantidade de moeda oficial está sujeita à vontade da banca porque a massa monetária aumenta só quando a banca concede créditos, mas algumas MSCs podem ultrapassar esta lógica. As MSCs fiat e de crédito mútuo são as mais eficazes a este respeito, pois permitem que os novos utilizadores comprem até um determinado valor. As MSCs lastreadas com bens e/ou serviços também são úteis, sempre e quando os utilizadores têm algo para depositar, enquanto as MSCs emitidas como crédito bancário requerem que os utilizadores comprovem a sua capacidade de solvência. As MSCs emitidas pelas instituições públicas podem funcionar neste mesmo parâmetro, mas é preciso que o setor público esteja consciente da distribuição desta nova liquidez para impedir a acumulação desta moeda em poucas mãos e beneficiar todos os habitantes. E, obviamente, as MSCs lastreadas com moeda oficial não adicionam nenhum poder de compra, porque é impossível emiti-las sem euro / dólar, etc.

 Taxas de juro: Devido ao seu mecanismo, o modelo do Banco WIR cobra obrigatoriamente taxas de juro aos mutuários, mas é uma exceção dentro do panorma geral das MSC. Existem algumas MSCs lastreadas em moeda oficial com a disponibilidade de pedir empréstimos nesta moeda, cobrando taxas de juros (Ex.: Chiemgauer e Banco Palmas) e, teoricamente, o mesmo pode acontecer com MSCs fiat e com MSCs emitidas pelas instituições públicas, embora não haja nenhum caso concreto. As MSCs de crédito mútuo e as MSCs lastreadas com outros bens e/ou serviços são completamente livres deste custo financeiro porque tecnicamente é impossível cobrá-las.

 Nível de aceitação: Destacam-se as MSCs lastreadas com dinheiro oficial e as emitidas pelas instituições pela possibilidade de convertê-las em moeda oficial e/ou pagar impostos. As MSCs lastreadas com bens e/ou serviços também podem ter um alto nível de aceitação se os lastros forem suficientemente atraentes, como é o caso dos vales da cervejaria Guinness (Ardron e Lietaer, 2006: p. 3). Nos outros esquemas, os utentes necessitam verificar se há produtos e/ou serviços que lhes interessam antes de inscrever-se.

 Efeitos anti-cíclicos: O Banco WIR comprova a sua natureza anti-cíclica (Stodder: 2005, p.9). Surgiram LETS e o Banco de Horas Comunitário como instrumento para lutar contra a pobreza, atingindo este objetivo até certo grau (e no caso argentino, apresentado no ponto 4.2, permitiu que as famílias com recursos limitados mandassem os seus filhos para uma cooperativa escolar com um currículo alternativo). As MSCs das instituições públicas são emitidas, normalmente, para ultrapassar a sua penúria económica e têm como efeito fornecer mais liquidez a uma economia deprimida, e o mesmo pode-se dizer para a experiência dos Clubes de Troca. A única exceção são as moedas lastreadas em moeda oficial, já que, devido ao seu próprio modelo, é impossível emiti-las sem reserva em moeda oficial.

 Estabilidade do valor: Dado que a moeda oficial é fixa (sem inflação), as MSCs lastreadas com dinheiro oficial são mais estáveis. As moedas emitidas pelas instituições públicas também ostentam um alto grau de estabilidade sempre e quando a sua massa monetária estiver adequadamente controlada para não gerar inflação. O valor das MSCs lastreadas com outros bens e/ou serviços não pode ser flutuada

(11)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

graças à convertibilidade. De um modo similar, as MSCs de crédito mútuo e as MSCs emitidas como crédito bancário mostram a sua estabilidade, porque funciona a moeda oficial como referência de valor. O único modelo que pode apresentar uma instabilidade é as MSCs fiat pela falta de mecanismo para regular a massa monetária, o que causou a desconfiança às MSCs dos Clubes de Troca pela sua tendência hiper-inflacionária.

 Atividades económicas sem pressão para o crescimento perpétuo e exponencial: A maioria das MSCs logram escapar-se da lógica do crescimento, com as excepções das MSCs lastreadas com moeda oficial e o modelo do Banco WIR porque a sua criação está ainda condicionada com o pagamento dos juros compostos.

 Freio à redistribuição injusta da riqueza mediante juros compostos: A maioria das MSCs funcionam sem redistribuir a riqueza, atingindo uma economia mais sustentável. Embora algumas MSCs lastreadas em moeda oficial e o modelo do Banco WIR ofereçam empréstimos com taxas de juros, o objetivo desta cobrança é simplesmente cobrir as despesas operacionais desta moeda sem enriquecer ninguém (merece a pena destacar que o Banco WIR é um banco cooperativo e as moedas sociais lastreadas em moeda social são normalmente geridas por associações sem fins lucrativos).

 Contra o curto-prazismo: Todas as MSCs sem juros conseguem solucionar este dilema. Os saldos negativos no LETS, por exemplo, não crescem com o passar do tempo, permitindo que os utilizadores deste serviço prescindam da necessidade de pagar o custo financeiro. Os empréstimos com taxas de juro, porém, não freiam o curto-prazismo por manter a sua lógica de descontar o futuro, mesmo que seja possível que os emprestadores estejam conscientes deste efeito e concedam créditos aos projetos de longo prazo, apesar da sua baixa rentabilidade.

Com base nestas características, pode-se dizer o seguinte na escolha do modelo mais apropriado para cada situação:

 MSCs lastreadas com moeda oficial: a convertibilidade entre ambas as moedas facilita a implementação desta MSC e aumenta ao máximo o nível de aceitação, mas também há que reconhecer a impossibilidade de se criar uma nova liquidez, caso não haja moeda oficial e também a de gerar efeitos anti-cíclicos. Este modelo funciona em comunidades com suficiente quantidade de moeda oficial e/ou subvenções e que desejem otimizar a sua circulação.

 MSCs lastreadas com outros bens e/ou serviços: são eficazes para comunidades autossuficientes que dispõem de bens e/ou serviços aceites por residentes. É recomendável implementar este modelo dentro do âmbito duma estratégia integral de aumentar a autossuficiência.

 MSCs emitidas pelas instituições públicas: cada país tem o seu próprio sistema jurídico que concede, ou não, a competência da autonomia monetária ao governo nacional ou regional e que também determina o grau de recuperação de MSCs emitidas. O emissor precisa controlar a massa monetária (quantidade de dinheiro em circulação) de modo a não causar inflação.

 MSCs baseadas no crédito mútuo: são o sistema mais fácil de implementar para grupos de pessoas e empreendimentos que estão dispostos a trocar mutuamente os seus próprios produtos e serviços. Dito de outro modo, trata-se de um modelo de autossuficiência em que todas as produções estão encaminhadas para o autoconsumo, portanto, é fundamental que estes meios de troca sejam introduzidos

(12)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

como parte da estratégia integral de desenvolvimento económico local / regional para impulsionar a substituição de importações. As experiências mostram que a oferta de alimento nestas MSCs é de suma importância, pois satisfaz as necessidades básicas dos utilizadores, enquanto outras MSCs com ofertas não essenciais têm dificuldade em atrair a massa crítica de utilizadores.

 MSCs concedidas como crédito bancário: O Banco WIR na Suíça é uma reprodução do sistema bancário tradicional que funciona graças a um alto nível de coesão de PMEs, demostrando os seus efeitos contra-cíclicos, sobretudo na época de retrocesso económico, quando se reduz a liquidez em moeda oficial. Também é verdade que a forma de banco cooperativo encaixa-se perfeitamente no sistema jurídico helvético para realizar todas as operações de empréstimos e transferências dentro da legalidade. Mas, este sistema requer a existência prévia de uma ampla rede de comércios que aceitam este meio de intercâmbio para o empréstimo ser verdadeiramente útil para os empreendimentos, e é muito difícil, senão impossível, atingi-la. Também a cobrança de taxas de juros, sine qua non para a manutenção deste sistema, pode ser recusada pelos ativistas que pretendem criar um mundo sem cargas financeiras.

 MSCs fiat: O nível de aceitação pode cair significativamente quando alguns utilizadores começam a acumular uma quantidade excessiva destas MSCs. Também o nível de aceitação destas moedas é normalmente baixa, refletindo a dificuldade de os portadores encontrarem quem as aceite, e até as criptomoedas podem, repentinamente, entrar em queda. A falta de lastro (garantia do valor) é outro elemento que desencoraja o uso deste meio de intercâmbio.

6. Conclusões

O sistema monetário atual contém várias falhas fundamentais. A criação monetária como crédito bancário significa que há sempre mais dívida do que a massa monetária (escassez monetária) e que a oferta da massa monetária está à mercê da vontade destas instituições financeiras privadas (nem os bancos centrais têm controle direto sobre a quantidade de dinheiro em circulação), criando a proeminência da banca privada sobre os mutuários. E a exigência das taxas de juros gera outros problemas (flutuações pro-cíclicas, pressão ao crescimento perpétuo e exponencial, aumento do preço final, redistribuição injusta da riqueza e curto-prazismo), estragando a sustentabilidade económica.

As moedas sociais e complementares (MSCs) são classificadas nas seguintes seis categorias: a) MSCs lastreadas com moeda oficial, b) MSCs lastreadas com outros bens e/ou serviços, c) MSCs emitidas pelas instituições públicas, d) MSCs baseadas no crédito mútuo, e) MSCs emitidas como crédito bancário e f) MSCs fiat. a) emerge com o depósito da moeda oficial e retira-se da circulação quando o portador deste meio de intercâmbio quer reembolsá-lo em moeda oficial e este lastro aumenta a confiança no sistema, mas também requer a reserva em moeda oficial. b) é semelhante a a), mas o depósito pode ser qualquer bem ou serviço, sempre e quando há outros utilizadores que o aceitem, possibilitando que as pessoas com recursos não monetários obtenham um novo meio de intercâmbio. c) pode funcionar amplamente dentro de cada jurisdição sempre e quando for possível pagar impostos e/ou outras despesas públicas e que a massa monetária não for desmesurada. d) está lastreado com bens e serviços que os utilizadoresse comprometam a oferecer e, apesar da vantagem que permite que os novos utentes

(13)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

comecem por adquirir sem ter de oferecer de antemão a utilidade destes sistemas depende deste repertório. e) reproduz o mesmo mecanismo da moeda oficial e é só possível quando houver uma ampla rede de utilizadores dispostos a aceitar este meio de intercâmbio. E por último, f), criada sem nenhum lastro, corre o risco de ser rejeitado e causar inflação.

Os modelos a) e e) diferem-se dos restantes pois a criação destas MSCs está ainda condicionada pela banca, enquanto as outras MSCs podem ser criadas mais livremente, dando resultados distintos também quanto às taxas de juros e à pressão para um crescimento perpétuo e exponencial.

O alto nível de aceitação de a) tem, como outra face da mesma moeda, a impossibilidade de acrescentar liquidez ou de criar efeitos anti-cíclicos. O modelo b) funciona melhor se for posto em marcha como parte de um programa integral de desenvolvimento que visa a autossuficiência. O êxito do modelo c) depende do grau da autonomia monetária que outorga o sistema jurídico. O modelo d) é parecido ao b), e a inclusão de alimento é fundamental para atrair sócios. O modelo e) tem um efeito contra-cíclico que modera as flutuações económicas, mas requer uma ampla rede de utentes. E o modelo f) tem o risco potencial de ser rejeitado caso desapareça a confiança no sistema.

7. Referências

Amato, M. & Fantacci, L. (2014). Saving the Market from Capitalism. Cambridge: Polity.

Ardron, M. & Lietaer, M. (2006). Complementary Currency Innovation: Selfguarantee in peer-to-peer currencies. In International Journal of Community Currency Research, vol. 10 (1 – 7). Brenes, E. (2011). Complementary Currencies for Sustainable Local Economies in Central America.

In International Journal of Community Currency Research, vol. 15 D (32 – 38).

Brenes, E. (2013). Monedas complementarias y ambiente. Cuaderno Interdisciplinar de Desarrollo Sostenible, no. 10 (abril de 2013) (111 – 147).

Caldano, M. (2007). La experiencia de la Cooperativa Escolar y Banco de Horas Comunitario ‘Olga Cossettini’. Plasencia A. y Orzi, R. (comp.), Moneda social y mercados solidarios – Potencial emancipador y pedagógico de los sistemas monetarios alternativos (89 – 96). Buenos Aires: Ciccus, Buenos Aires.

Demirguc-Kunt, A. & Klapper, L. (2012), Measuring Financial Inclusion: The Global Findex Database, World Bank, Washington D.C. Acedido em 18 de Janeiro de 2018, https://www.fdic.gov/news/conferences/consumersymposium/2012/Measuring%20Financial%20I nclusion,%20The%20Global%20Findex%20Database2.pdf

Douthwaite, R. (1999). The Ecology of Money. Totnes (Reino Unido): Greenbooks.

Dyson, B., Hodgson, G. & van Lerven, F. (2016). Sovereign Money: Introduction. Acedido em 18b de Janeiro de 2018, http://positivemoney.org/wp-content/uploads/2016/12/SovereignMoney-AnIntroduction-20161214.pdf

Dyson, B., Ryan-Collins, J. & Werner, R. A. (2011). Towards a twenty-first century banking and monetary system submission to the independent commission on banking. Acedido em 18 de Janeiro de 2018, https://positivemoney.org/wp-content/uploads/2010/11/NEF-Southampton-Positive-Money-ICB-Submission.pdf

Galbraith, J. K. (1975). Money: whence it came, where it went. Nova Iorque: Pelican.

Gesell, S. (1916). Die natürlich Wirtschaftsordnung durch Freiland und Freigeld. Les Hauts

Geneveys (Suíça). Hoje em dia disponível em:

https://userpage.fu-berlin.de/~roehrigw/gesell/nwo/nwo.pdf (acedido em 18 de Janeiro de 2018) Gomez, G. M. (2009). Argentina's Parallel Currency. Londres: Pickering & Chatto. Graeber, D. (2011). Debt: the first 5,000 years. Nova Iorque: Melville House Publishing.

(14)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

Greco, T. H., Jr. (1990). Money and Debt: A Solution to the Global Crisis (second edition). Tucson (Arizona): Thomas Greco.

Jackson, A. & Dyson, B. (2012). Modernising money – why our monetary system is broken and how it can be fixed. Londres: Positive Money.

Kennedy, M. (1998). Dinero sin inflación ni tasas de interés. Buenos Aires: Editorial del Nuevo Extremo.

Kennedy, M. & Lietaer, B. A. (2004). Regionalwährungen - Neue Wege zu nachhaltigem Wohlstand. Munich: Riemann.

King, M. (2016). El fin de la Alquimia: Dinero, Banca y el Futuro de la Economía Global. Barcelona: Deusto.

Lazzarato, M. (2011). La fabrique de l’homme endetté. Paris : Éditions Amsterdam. Lietaer, B. (2001). The Future of Money. Londres: Century.

Lietaer, B. & Belgin, S. (2012). New Money for a New World. Boulder (Estados Unidos): Qiterra Press.

Lietaer, B., Arnsperger, C., Goerner, S. & Brunnhuber, S. (2012). Money and Sustainability – The Missing Link. Devon (Reino Unido): Triarchy Press.

Louge, C. (2005). Historia del trueque en Latinoamérica y la Argentina. In Lietaer, B., El Futuro del Dinero (463 – 486). Buenos Aires: Longseller.

McLeay, M., Radia A. & Thomas R. (2014), Money creation in the modern economy. In Quarterly Bulletin 2014 Q1 (Banco da Inglaterra). Acedido em 15 de Janeiro de 2018, . https://www.bankofengland.co.uk/-/media/boe/files/quarterly-bulletin/2014/money-creation-in-the-modern-economy.pdf

Moers, P. (2010), Discovering new oil fields: Small-scale local biofuel production and use in rural Honduras - Results and lessons from the Gota Verde project in Honduras (2007-2009). Acedido em 18 de Janeiro de 2018, https://ec.europa.eu/energy/intelligent/projects/sites/iee-projects/files/projects/documents/gota_verde_publishable_report_of_the_project_gota_verde_en .pdf

Nakamoto, S. (2008). Bitcoin: a Peer-to-Peer electronic cash system. Acedido em 18 de Janeiro de 2018, https://bitcoin.org/bitcoin.pdf

Orzi, R. (2007). Utopía, base material y valores en la construcción de emprendimientos de economía social y solidaria: El caso de la cooperativa escolar y banco de horas comunitario ‘Olga Cossettini.' In Plasencia A. e Orzi, R. (comp.), Moneda social y mercados solidarios – Potencial emancipador y pedagógico de los sistemas monetarios alternativos (131 – 146). Buenos Aires: Ciccus.

Orzi, R. (2012). La experiencia de la Cooperativa y Banco de Horas de Trabajo Olga Cossettini, Capilla del Monte, Córdoba. In Orzi, R. (comp.), Moneda social y mercados solidarios II, La moneda social como lazo social (239 – 257), Buenos Aires: Ciccus.

Papavasiliou, F. (2008). The Political Economy of Local Currency: Alternative Money, Alternative Development and Collective Action in the Age of Globalization. Acedido em 18 de Janeiro de 2018, https://legacy-etd.library.emory.edu/view/record/pid/emory:15tdh

Piketty, T. (2015). El capital en el siglo XXI. Barcelona : RBA.

Primavera, H. (1999). La moneda social de la Red Global de Trueque en Argentina: ¿Barajar y dar

de nuevo en el juego social?. Acedido em 18 de Janeiro de 2018,

http://base.socioeco.org/docs/doc-7262_es.pdf

Rizzo, P. (2003). L’économie sociale et solidaire face aux expérimentations monétaires – Monnaies sociales et Monnaies multilatérales. Paris: l’Hermattan.

Santacreu, J. M. (1986). La Crisis Monetaria Española de 1937. Alicante (Espanha): Universidad de Alicante.

Sbatella, J. (2011). El rol de las monedas provinciales y la soberanía monetaria en Argentina. Acedido em 18 de Janeiro de 2018. sdocument.ish-lyon.cnrs.fr/cc-conf/conferences.ish-lyon.cnrs.fr/index.php/cc-conf/2011/paper/viewFile/85/21.pdf

(15)

Cl as s if ic a ç ão da s m oe d as s oc iai s e c o mp lem en tares ( MS Cs ) – c o m b as e n o l as tr o Ya su yuk i H ir o ta

Stodder, J. (2005). Reciprocal exchange networks: Implications for Macroeconomic Stability.

Acedido em 18 de Janeiro de 2018.

http://www.lietaer.com/images/Stodder_Reciprocal_Exchange.pdf

Werner, R. A. (1997). “Towards a new monetary paradigm: A quantity theorem of disaggregated credit, with evidence from Japan.” In Kredit und Kapital (276 – 309), vol. 30.

Werner, R. A. (2005). New Paradigm in Macroeconomics: solving the riddle of Japanese macroeconomic performance. Basingstoke (Reino Unido): Palgrave Macmillan.

Werner, R. A. (2012). “Towards a New Research Programme on ‘Banking and the Economy’ – Implications of the Quantity Theory of Credit for the Prevention and Resolution of Banking and Debt Crises.” In International Review of Financial Analysis (1 – 17). vol. 25.

Wild, L. (2011). El Dinero o la vida – una guía práctica para la alquimia monetaria. Quito: Mayor Books.

Yamaguchi, K. (2013). Money and Macroeconomic Dynamics - Accounting System Dynamics Approach. Osaka (Japão): Japan Futures Research Center.

Zarlenga, S. (2002). The lost science of money – the Mythology of Money – They Story of Power. Valatie (Nova Iorque): American Monetary Institute.

Referências

Documentos relacionados

Embora concorde em parte com seu argumento –já que considero o funcionamento um meio também central para compreender a ciência atualmente (Neves, 2009)–, proponho que

Municipal de Sesimbra, já referido, quem , em 1989, recolheu materiais cerâmicos em área restri- ta do chão primitivo da gruta , que submeteu à apreciação do

The assay showed that shRNA CD90 MSCs and CD90-negative MSCs suppressed peripheral blood mononuclear cell proliferation to the same extent as MSCs and shRNA control MSCs

Novas trajectórias em matemática : programa de formação contínua em matemática com professores do 2º ciclo do ensino básico da Universidade de Aveiro / coord.. Isabel Cabrita;

“Con base en las tasas específicas de mortalidad por edades, se calcula la vida promedio que la población vive (esperanza de vida) y se determina cuantos años de vida se

A conclusão deste estudo servirá para mostrar que não se pode gerir do mesmo modo nos diversos países do Mundo, alguns deles países que pensamos terem culturas muito próximas da

Particularly, we prove some properties of generalized derivations of multiplicative n-ary Hom-Ω color algebras; prove that the quasiderivation algebra of a multiplicative n-ary

good proliferation inducer. Figure 2: xCELLigence analysis of DP-MSCs and BM-MSCs. Growth curve of the cells. a1) DP-MSCs, b1) BM- MSCs; doubling time of the DP-MSCs (a2) and