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PROCESSAMENTO LINGUÍSTICO E EXPRESSÃO DE PERSPECTIVA: UM ESTUDO NA INTERFACE LINGUAGEM-VISÃO

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Academic year: 2021

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PROCESSAMENTO LINGUÍSTICO E EXPRESSÃO DE

PERSPECTIVA: UM ESTUDO NA INTERFACE LINGUAGEM-VISÃO

Aluno: Ayrthon Moreira Breder Orientadora: Erica dos Santos Rodrigues

Introdução

Este relatório apresenta resultados de pesquisa desenvolvida no âmbito de projeto de Iniciação Científica em Psicolinguística, orientado à interface linguagem-visão e ao estudo de questões relacionadas à dinâmica temporal dos processos envolvidos na produção da linguagem. A pesquisa possui caráter experimental, sendo conduzida no LAPAL (Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem), PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), e vincula-se diretamente ao projeto “Processamento incremental de sentenças e processos de percepção visual: questões teóricas e metodológicas” (FAPERJ Edital Nº 17/2012) (concluído) e ao projeto "Aspectos cognitivos e metacognitivos da leitura e da escrita sob o olhar da Psicolinguística" (2015- em desenvolvimento), ambos sob responsabilidade da Prof.ª Erica dos Santos Rodrigues.

A pesquisa se concentrou, inicialmente, no fluxo informacional entre os níveis de conceptualização e codificação gramatical envolvidos na produção da linguagem, focalizando duas possíveis abordagens apresentadas na literatura: incremental [1] e holística [2]. Analisou-se, no nível da codificação gramatical, o custo do processamento linguístico e sua possível relação tanto com a tomada de perspectiva quanto com o tipo de estrutura escolhida pelo falante [3].

A literatura indica que a conceptualização de uma mensagem com vistas à enunciação envolve processos de tomada de decisão referentes ao ponto de vista e ao tipo de estrutura sob os quais será transmitida. Assim, caso esta mensagem contenha, por exemplo, a descrição de uma ação transitiva (ex.: ajudar) envolvendo dois personagens (x e y), o falante deve adotar o ponto de vista do agente (x) ou do paciente (y). Deste modo, sendo o elemento focalizado o agente verbal, espera-se a produção de uma sentença na voz ativa (x ajudou y), enquanto, sendo este o paciente, espera-se a produção de uma sentença passiva (y foi ajudado por x).

Além da voz passiva, outra maneira de se focalizar o paciente verbal é através da utilização de predicados de perspectiva (“x perdeu para y”; “x levou um beliscão de y”), de modo que o falante opta por manter a voz ativa mesmo adotando o ponto de vista daquele que recebe a ação, ou seja, do paciente. É questão de pesquisa até que ponto, no curso da produção da linguagem, operações de natureza lexical possuem um menor custo processual que a codificação linguística da voz passiva. Julgou-se, portanto, relevante, a investigação do custo processual envolvido na codificação dos diferentes tipos de estruturas sintáticas, bem como a relação do efeito de priming com os processos envolvidos na conceptualização e codificação linguística da mensagem.

Encontra-se, neste relatório, uma breve Resenha da literatura, em que se detalham os processos envolvidos nos níveis da produção da linguagem acima mencionados. A seção Trajetória da pesquisa recupera os experimentos de produção desenhados para esta pesquisa, bem como seus resultados e suas implicações para o andamento do projeto. Finalmente, apresenta-se o Experimento atual, também voltado para a produção, em que se buscou analisar questões relativas ao custo do processamento linguístico e ao efeito de priming sobre

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as respostas dos participantes. Na Conclusão, apresentamos uma síntese dos resultados da pesquisa tomados em conjunto.

Resenha da literatura

Sabe-se que o conhecimento linguístico é fundamental para a constituição dos indivíduos, já que dela se utilizam ao lerem o mundo ao seu redor, organizarem seus pensamentos e se comunicarem. A comunicação verbal torna-se viável graças a um conjunto de processos cognitivos compartilhados pela espécie humana, que envolvem a conceptualização de mensagens, sua codificação linguística e enunciação. O estudo dos processos linguísticos e da natureza de suas representações mentais é de interesse da Psicolinguística, que vem caracterizando a Produção da Linguagem como um complexo conjunto de etapas especializadas no processamento de tipos específicos de informação [4, 5].

Assume-se que os processos envolvidos produção da linguagem possam ser divididos, inicialmente, em dois níveis [6]. O primeiro é responsável pela conceptualização da mensagem com vistas à sua enunciação, uma representação pré-verbal e de natureza abstrata. Por exemplo, para comunicar uma ideia do tipo “O ladrão chutou o policial”, são concebidos neste nível (i) os elementos “ladrão” e “policial”, bem como seus respectivos papéis; (ii) a ação propriamente dita, que relaciona esses elementos; e (iii) a perspectiva a partir da qual se pretende transmitir o conteúdo da mensagem [7], se do agente ou do paciente verbal, opção esta que vem a ser expressa através do tipo de estrutura sintática utilizada na enunciação – no caso do português brasileiro, o falante conta com estruturas de voz ativa (“O ladrão chutou o policial”), voz passiva (“O policial foi chutado pelo ladrão”), e, ainda, voz ativa tendo como sujeito o paciente verbal (“O policial levou um chute do ladrão”).

O segundo nível da produção da linguagem é responsável pela codificação gramatical, que é ativada a partir da seleção dos principais itens lexicais junto ao léxico mental do falante, nesse caso, “ladrão”, “chutou” e “policial” – levando em consideração a disposição hierárquica desses itens, afinal “O ladrão chutou o policial” possui um sentido diferente de “O policial chutou o ladrão”. A seleção de novos itens lexicais, como artigos e preposições, pode ser necessária para a adequação do conteúdo às regras de regência, concordância e colocação da língua em questão, de acordo com a gramática internalizada do falante. Na sequência, processos morfofonológicos são aplicados à sentença já mentalmente estruturada com o intuito de se permitir o planejamento articulatório do enunciado pelo falante e, finalmente, a enunciação da ideia inicialmente conceptualizada.

Segundo Bock [8], fatores como o contexto de fala e a utilização de estruturas sintáticas ou itens lexicais específicos também podem influenciar os processos envolvidos na produção da linguagem. Estes fatores podem criar um ambiente favorável à repetição, o que parece estar associado a uma preferência por baixo custo processual por parte da ativação linguística. Uma evidência nesta direção é a ocorrência do priming estrutural, identificada em diversos experimentos de produção e compreensão, nos quais se pode notar um aumento efetivo na utilização de estruturas sintáticas específicas diante de contextos em que são favorecidas, ou recentemente enunciadas [9].

Todos os processos acima mencionados, porém, ocorrem, em geral, de forma muito rápida e automática. O próprio locutor não tem acesso direto e consciente ao que acontece em sua mente durante a produção da linguagem. Daí a necessidade de se realizarem experimentos empregando técnicas que permitam aos pesquisadores testarem hipóteses sobre processos envolvidos. Assim, analisou-se, nesta pesquisa, a partir do modelo acima descrito, o fluxo informacional do nível de conceptualização para o de codificação gramatical da mensagem, pretendendo avaliar o teor de incrementalidade presente nesta passagem, a possível interferência da tomada perspectiva sobre o planejamento da escolha sintática do falante e o custo processual nela implicado.

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Trajetória da Pesquisa

Na fase inicial desta pesquisa, focou-se na investigação de como se dá a passagem de informação do nível de conceptualização para o de formulação linguística de uma mensagem. A literatura da área apresenta duas hipóteses adotadas nesta investigação: a hipótese incremental (incremental hypothesis), segundo a qual tão logo a conceptualização de uma mensagem é iniciada, informações de natureza gramatical também começam a ser processadas [1]; e não incremental, ou holística, (wholistic hypothesis), segundo a qual um enunciado só começa a ser estruturado linguisticamente quando concebida uma representação semântica completa do que se deseja comunicar [2].

Elaborou-se, portanto, um conjunto de experimentos visando explorar o teor de incrementalidade envolvido nos processos de produção da linguagem. Foram empregadas tarefas de descrição de cenas, com manipulação dos estímulos visuais e com recursos atencionais. As imagens utilizadas nestas condições experimentais ilustravam ações envolvendo sempre os mesmos dois personagens (ex.: A ajudando B) e podiam ser descritas a partir de diferentes estruturas linguísticas, dependendo do elemento focalizado em cada cena. Buscou-se verificar, especificamente: (i) se o participante extrairia alguma informação básica da cena (gist of the scene) antes de iniciar a formulação linguística de sua descrição; (ii) se as escolhas dos participantes diante da tarefa de produção seriam afetadas pelos recursos de manipulação atencional utilizados na apresentação das imagens; e (iii) se essas mesmas escolhas teriam alguma relação com o custo do processamento linguístico.

Para a análise das respostas dos participantes, utilizou-se a técnica de rastreamento ocular (eyetracking), já bastante explorada no estudo de processos cognitivos inconscientes, geralmente medidos em milésimos de segundos. A utilização da técnica se justifica, neste projeto, pela relevância dos dados obtidos na captura dos movimentos oculares dos participantes durante a experimentação, possibilitando a análise dos procedimentos por eles adotados para o mapeamento visual das imagens apresentadas diante da tarefa de descrição, bem como o tempo empregado para tal tarefa. Os experimentos foram aplicados em voluntários adultos, universitários, e conduzidos em ambiente laboratorial, fazendo-se uso do rastreador Tobii TX300, com resolução temporal de 3ms, acoplado a uma tela de 1920 x 1080px. Para a montagem dos experimentos, utilizou-se o programa Tobii Studio 3. As respostas dos participantes foram gravadas e analisadas no Sound Forge 8.

Os dados indicaram que os participantes tomaram um tempo médio de 300ms para o mapeamento das imagens antes do início da enunciação das sentenças que as descreviam. Este fenômeno ocorreu mesmo quando se alteraram os recursos de manipulação do foco atencional e de apresentação das imagens, favorecendo, assim, a focalização de um dos personagens (nos papéis temáticos de agente ou paciente). Não se verificou, portanto, relação entre maior tempo de visualização de determinado personagem e estrutura sintática escolhida para o enunciado, de modo que o favorecimento visual do personagem com papel temático de paciente verbal não resultou necessariamente na produção de uma sentença na voz passiva, por exemplo. Tais indícios da elaboração de uma ideia rudimentar anterior ao início da enunciação apontam para uma abordagem não incremental da produção da linguagem. Além disso, como observado por Griffin & Bock [2], a ausência de efeito na relação personagem mais focalizado e estrutura sintática escolhida sugere que esse mapeamento rudimentar da mensagem precede a tomada da perspectiva sob a qual o falante a enuncia.

Os resultados apontaram também para uma preferência expressiva por estruturas na voz ativa diante do favorecimento visual dos personagens na posição tanto de agente quanto de paciente. Neste último caso, houve um incremento de sentenças passivas, o que indica certa influência do modo de visualização da cena sobre sua interpretação e, eventualmente, sobre a formulação linguística de sua descrição. O favorecimento de estruturas ativas em ambas as

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condições sugere que a codificação linguística seja guiada por questões relativas ao custo do processamento.

Outro fator explorado nesta pesquisa foi o efeito do tempo de planejamento sobre o grau de incrementalidade envolvido na produção dos enunciados dos participantes. Buscou-se, então, apresentar as imagens de maneira gradual, de modo que os participantes foram orientados a começarem a descrevê-las assim que começassem a ser exibidas, ou seja, antes que pudessem extrair um mapeamento visual completo da ilustração, o que se aproxima do contexto natural de produção, em que o planejamento prévio nem sempre é possível. Procurou-se, então, eliciar, com as imagens criadas, estruturas ativas e passivas, com o objetivo de se compararem os resultados deste experimento com os dos demais. Verificou-se que o modo de apresentação gradual afetou as escolhas dos participantes. Apesar de estruturas ativas continuarem sendo privilegiadas, notou-se, em relação aos experimentos anteriores, um incremento significativo no número de sentenças passivas diante do favorecimento visual do personagem na condição de paciente. Além disso, houve um aumento significativo no número de enunciados com locuções verbais ou verbos de perspectiva em sentenças ativas, uma opção lexical que possibilitou focalizar o paciente mantendo um tipo de estrutura menos custosa do ponto de vista processual, a voz ativa.

A análise aponta para a ideia de que questões de custo afetam a definição da estrutura sintática e as escolhas lexicais resultantes do mapeamento visual do conteúdo já no nível de sua conceptualização, com reflexos na codificação linguística. O aparecimento de estruturas ativas contendo como sujeito o paciente verbal revela que as operações realizadas no nível lexical podem apresentar menor custo de processamento que a estruturação sintática da voz passiva. De maneira que, diante da possibilidade de se produzir “João levou um chute de Maria” ao invés de “João foi chutado por Maria”, a primeira opção pode ser frequentemente preferida.

Como a possibilidade de tal estruturação sintática na descrição das imagens não havia sido controlada anteriormente, propôs-se a criação de um novo experimento que avaliasse pontualmente a relação entre custo de codificação linguística e expressão de perspectiva. A hipótese de trabalho foi a seguinte: na descrição de uma cena transitiva, envolvendo dois personagens, em que um deles esteja em perspectiva e que haja mais de uma possibilidade de se codificar tal perspectiva, haverá uma preferência por estruturas menos custosas. Ou seja, diante da descrição de uma cena com foco no personagem paciente, esperava-se que sentenças ativas com sujeito paciente fossem preferidas em detrimento de sentenças passivas.

Neste experimento, a apresentação das imagens (que não ocorreu de forma gradual como no anterior) contou com um recurso de manipulação atencional que ressaltava um dos personagens da cena, a partir do qual os participantes foram orientados a iniciar a descrição da mesma. O recurso foi aplicado de modo a agrupar as imagens em três distintas condições experimentais: (i) cenas com foco no agente – contexto favorável à produção de sentenças ativas; (ii) cenas com foco no paciente sem a possibilidade de adoção de predicado de perspectiva – contexto favorável à produção de sentenças passivas; e (iii) cenas com foco no paciente com a possibilidade de adoção de predicado de perspectiva – contexto favorável à produção de sentenças ativas com sujeito paciente.

A primeira condição, que ressaltou o personagem no papel de agente verbal, proporcionou evidente preferência por sentenças ativas, praticamente 100%. Houve um incremento estatisticamente significativo de sentenças passivas na segunda condição, quando o personagem ressaltado era o paciente verbal. Na terceira condição, porém, houve um modesto incremento de ativas com sujeito paciente, verificando-se, antes, um maior número de passivas e ativas com sujeito agente. A ocorrência de ativas em todas as três condições aponta para a direção esperada, possibilitando a hipótese de que o falante busca uma opção

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léxico-sintática que permita a expressão da perspectiva desejada mantendo, porém, uma estrutura sintática menos custosa.

Experimento atual

O último experimento realizado nesta pesquisa persistu na investigação de questões relacionadas ao custo do processamento envolvido na formulação linguística, levando em consideração a correspondência entre a tomada de perspectiva do falante e a seleção de estrutura sintática na codificação de sua mensagem. Empregou-se a técnica de priming com o intuito de eliciar a produção de determinadas estruturas, no caso, ativas (sujeito agente), passivas e ativas com sujeito paciente. A hipótese de trabalho foi que a utilização de determinada estrutura sintática por terceiros em um contexto recente de fala tenha efeito sobre a codificação linguística do falante. Deste modo, a apreensão de uma sentença qualquer com determinado tipo de estrutura poderia levar o falante a reproduzir esta mesma estrutura em seu enunciado. Considerando o custo de processamento como fator que afeta a produção das estruturas linguísticas, buscou-se verificar a medida em o custo da codificação sintática pode sobrepor o efeito do priming.

Metodologia

Variável independente:

Tipo de estrutura utilizada pelo pesquisador na descrição da imagem, se voz ativa, voz passiva ou voz ativa com sujeito paciente.

Variável dependente:

Tipo de estrutura produzida para descrever a cena e tempo de início da resposta do participante.

Participantes:

Participou como voluntário um grupo misto de 31 adultos, composto por 11 homens e 20 mulheres, com média de 24 anos de idade, com nível superior completo e incompleto.

Material:

Foram criados dois conjuntos de estímulos para o experimento de priming. O primeiro conjunto, de uso do experimentador, era composto de doze pares de figura/sentença. As sentenças usadas para descrever as cenas correspondiam às três condições experimentais da investigação (4 pares de figura/sentença para cada condição): voz ativa (A Bruna pintou o Beto), voz passiva (O Beto foi penteado pela Bruna) e voz ativa com sujeito paciente (O Beto recebeu um beijo da Bruna). As cenas, conforme se pode verificar nas Figuras I, II e III abaixo, ilustravam sempre dois personagens – Bruna e Beto – envolvidos em ações transitivas, isto é, em que um dos personagens (o agente) realizava uma ação sobre o outro ou voltada para o outro personagem (o paciente/ o destinatário).

Figura I: Exemplo de estímulo utilizado para o contexto de voz ativa (ex.: A Bruna pintou o Beto)

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Figura II: Exemplo de estímulo utilizado para o contexto de voz passiva (ex.: O Beto foi penteado pela Bruna)

Figura III: Exemplo de estímulo utilizado para o contexto de voz ativa com sujeito paciente (ex.: O Beto recebeu um beijo da Bruna)

O segundo conjunto de estímulos era destinado ao participante e, diferentemente do conjunto usado pelo experimentador, era composto apenas de imagens (cenas transitivas com os personagens Bruna e Beto). Isso se justifica, visto que a tarefa do participante era exatamente a de produzir sentenças que permitissem descrever as cenas vistas. As imagens usadas neste conjunto foram chamadas de “polivalentes”, pois ilustravam cenas que podiam ser descritas a partir das três estruturas consideradas. A figura IV, a seguir, exemplifica esse tipo de imagem. Note-se que essa imagem poderia ser descrita com uma sentença na voz ativa (O Beto presenteou a Bruna), na voz passiva (A Bruna foi presenteada pelo Beto) ou na voz ativa com sujeito paciente (A Bruna recebeu um presente do Beto).

Figura IV: Exemplo de estímulo destinado aos participantes

Procedimento e aparato:

Este experimento consistiu em uma espécie de “jogo” no qual pesquisador e participante interagiam descrevendo imagens um para o outro, de maneira simultânea. Essas imagens ilustravam vinte e quatro ações que podiam ser descritas com verbos e/ou locuções verbais distintas entre si e envolviam sempre os mesmos dois personagens (nomeados como Beto e

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Bruna), que ocupavam proporcionalmente os papéis temáticos de agente e paciente verbal. O experimento foi aplicado de modo que cada um dos dois “jogadores” (pesquisador e participante) descrevesse um conjunto distinto de doze cenas, sem que um acessasse visualmente o conjunto do outro. Para tanto, a aplicação do experimento contou com a utilização de dois computadores portáteis, com tela de 14” e operando com Windows 10. As imagens foram criadas na plataforma onlie Pixton e apresentadas através do programa Microsoft Power Point 2010.

De acordo com a Figura V abaixo, um conjunto de quatro imagens era apresentado ao participante enquanto o pesquisador começava descrevendo apenas uma dentre elas, utilizando uma sentença que envolvesse ambos os personagens. O participante era orientado a ouvir a sentença produzida pelo pesquisador e clicar com a seta do mouse sobre uma das quatro imagens de sua tela, a que julgasse melhor corresponder à descrição fornecida através da sentença produzida pelo pesquisador. Imediatamente, uma única imagem aparecia na tela do participante; era, então, sua vez de descrever a cena, assim como o pesquisador o havia feito. O experimento seguia desta maneira, por doze rodadas – logo, cada um descrevia doze imagens diferentes, todas semi-aleatorizadas e equilibradas de modo que o papel temático (agente – paciente) e o posicionamento dos personagens (direita – esquerda) fossem apresentados em mesma quantidade, evitando saliências.

Figura V: Forma de apresentação das imagens

À esquerda, a tela de quem ouve a descrição e escolhe uma imagem (ex.: O Beto recebeu um beijo da Bruna – descrição da cena representada no topo esquerdo da tela); e, à direita, a tela de quem observa a imagem fornecida e a descreve (ex.: O Beto perdeu para a Bruna no xadrez – possível descrição da cena representada).

Aplicaram-se, inicialmente, duas rodadas de teste com cada participante, visando uma ambientação à tarefa. O áudio da interação e os movimentos realizados na tela do participante foram gravados com o auxilio do programa aTube Catcher, gerando vídeos em formato .wmv, posteriormente transformados em arquivos de áudio .wav e analisados no Audacity.

Resultados:

Verificou-se, nas três condições deste experimento (priming de voz ativa, priming de voz passiva e priming de voz ativa com sujeito paciente), assim como nos experimentos anteriores, clara preferência por estruturas ativas, em torno 92% do total. Ou seja, mesmo diante do priming estrutural de voz passiva, prevaleceu a produção de ativas, havendo, entretanto, neste caso, um aumento significativo de passivas, de 2,8% (média da ocorrência de passivas nas demais condições) para 17,7% (média na segunda condição). Foi também significativo o aumento de ativas com sujeito paciente diante do respectivo priming estrutural, de 1,2% (média da ocorrência de ativas com sujeito paciente nas demais condições) para 12,9% (média na terceira condição). A sistematização desses resultados está representada no Gráfico I, a seguir:

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0 20 40 60 80 100 120

Priming de voz ativa (com sujeito agente)

Priming de voz

passiva Priming de voz ativa com sujeito paciente

Q u an ti d ad e d e s e n te n ç as

Sentenças ativas (com sujeito agente) Sentenças passivas

Sentenças ativas com sujeito paciente

Gráfico I: Ocorrência dos três tipos de sentença nas três condições de priming

O tempo entre a apresentação da imagem e a enunciação de cada tipo de estrutura usada para descrever as cenas também foi considerado um dado relevante para a análise. Assumiu-se que operações mais custosas do ponto de vista da codificação linguística poderiam gerar também um maior tempo de processamento. Calculou-se, portanto, a média de tempo anterior ao início das respostas verbais apenas dos participantes que produziram os três tipos de sentenças observados. Como mostra o Gráfico II abaixo, a média de tempo anterior ao início da enunciação das sentenças ativas foi menor que a média de tempo anterior ao início da enunciação de sentenças passivas. Na sequência, o Gráfico III mostra a modesta diferença identificada entre as médias de tempo de início da produção de sentenças ativas com sujeito agente e ativas com sujeito paciente. Contudo, um tratamento estatístico desses resultados não foi possível em função do número reduzido de participantes que produziram os três tipos de sentenças observados.

Gráfico II: Tempo de início da resposta verbal com produção de ativas e passivas

Gráfico III: Tempo de início da resposta verbal com produção de ativas com sujeito agente e ativas com sujeito paciente

Discussão dos resultados:

De acordo com os resultados apresentados, pode-se caracterizar como efetivo o efeito do priming estrutural sobre as respostas verbais dos participantes, tendo em vista, sobretudo, o

0,500 1,500 2,500 3,500 Ativas Passivas 2,713 s 3,026 s Te m p o (s ) Ativas Passivas 0,500 1,500 2,500 3,500 Ativas suj.

agente Ativas suj. paciente 2,741 s 2,686 s Te m p o (s )

Ativas suj. agente Ativas suj. paciente

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incremento da ocorrência de sentenças passivas e ativas com sujeito paciente na segunda e terceira condições, respectivamente.

Observou-se, ainda, se os participantes estariam sendo influenciados por priming lexical iniciando suas respostas pelo mesmo personagem utilizado pelo experimentador, o que não se confirmou por não haver diferença relevante entre as respostas iniciadas com o mesmo personagem utilizado pelo pesquisador e as respostas iniciadas com personagem diferente. Além disto, a manutenção do mesmo personagem no início da resposta verbal não garantiu qualquer padrão de estruturação sintática ou de conservação do papel temático deste personagem.

A análise do tempo de início da resposta verbal dos participantes a partir da apresentação da imagem também foi na direção do esperado na elaboração deste experimento, ao passo que a média temporal anterior ao início das respostas verbais com enunciados estruturados na voz passiva superou em 0,313s a média temporal anterior ao início das respostas verbais estruturadas na voz ativa, contendo ou não sujeito na posição de agente verbal. Contudo, o grupo de participantes que produziu os três tipos de sentenças observados neste experimento foi bastante reduzido em relação ao total (7/31). Ademais, a medida do tempo de início das respostas verbais estruturadas na voz ativa contendo sujeitos pacientes foi inconclusiva, aproximando-se, em grande medida, da medida do tempo de início das respostas verbais estruturadas na voz ativa.

Conclusão

O conjunto de experimentos realizados nesta pesquisa aponta para um alto grau de preferência do falante pela estruturação sintática de enunciados linguísticos na voz ativa. Tal preferência pode ser verificada na constante produção desse tipo de sentença nas respostas verbais dos participantes diante das tarefas de descrição de cenas, propostas nas diferentes condições criadas para os experimentos de produção aplicados neste projeto. Razões para a demasiada ocorrência da voz ativa na produção da linguagem estão associadas ao maior custo de processamento gerado pela codificação linguística da voz passiva.

A ausência de planejamento ou a impossibilidade de mapeamento completo de cenas diante da tarefa de descrevê-las indicou interferências na conceptualização do conteúdo, de modo que o favorecimento visual de elementos que remetiam ao papel temático de paciente contribuiu para o aumento de sentenças passivas, ainda que não se tenha notado relação aparente entre o personagem visualizado por mais tempo e o tipo de estrutura sintática produzida na descrição das cenas. A tarefa que implicava o início da produção por determinado personagem também criou um ambiente favorável à produção de sentenças passivas quando o personagem em questão ocupava o papel temático de paciente. Contudo, nesta última tarefa, a considerável frequência de sentenças ativas com sujeito paciente salientou a busca por uma opção léxico-sintática que permitisse a codificação da mensagem desejada na voz ativa mantendo, porém, o ponto de vista do paciente verbal.

Tal estratégia também foi percebida no último experimento, sobretudo na condição em que o efeito do priming estrutural favorecia sentenças ativas com sujeito paciente. A efetividade desse efeito em paralelo à consistente preferência dos participantes pela utilização da voz ativa também apontam para a hipótese de que a codificação da voz passiva envolve maior custo de processamento, observado ainda na elevada medida do tempo anterior ao início das respostas que contemplaram esse tipo de estruturação sintática. Pode-se inferir, portanto, através desses resultados, que a codificação da voz ativa representa menor custo cognitivo que a codificação da voz passiva; e que sentenças ativas contendo sujeito paciente, seja através da utilização de locuções verbais ou de verbos de perspectiva, apresentam-se como uma estratégia de menor custo processual na tomada da perspectiva a favor do paciente.

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Bibliografia

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Referências

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